Viagem de Bike Ribeirão Preto (SP) a Balneário Camboriú (SC). Verão 2005.

 




Roteiro Verão 2005.
Ribeirão Preto (SP) a Balneário Camboriú (SC)
Data
De
Para
Km/dia
Total
26/12/2004
Ribeirão Preto (SP)
Araraquara (SP)
80
80
27/12/2004
Araraquara (SP)
Barra Bonita (SP)
105
185
28/12/2004
Barra Bonita (SP)
Águas São Pedro (SP)
130
315
29/12/2004
Águas São Pedro (SP)
Atibaia (SP)
170
485
30/12/2004
Atibaia (SP)
Salesópolis (SP)
130
615
31/12 e 01/01/2005

Passeio à nascente do Tietê em Salesópolis (SP)
34
649
02/01/2005
Salesópolis (SP)
São Sebastião
94
743
03/01/2005
São Sebastião (SP)
Guarujá (SP)
131
874
04/01/2005
Guarujá (SP)
Peruíbe (SP)
112
986
05/01/2005
Peruíbe (SP)
Registro (SP)
102
1.088
06/01/2005
Registro (SP)
Cajati (SP)
44
1.132
07/01/2005
Cajati (SP)
Campina Grande do Sul (PR)
170
1.302
08/01/2005
Campina Grande do Sul (PR)
Guaratuba (PR)
120
1.422
09/01/2005
Guaratuba (PR)
Balneário Camboriú (SC)
167
1.589

26/12/2004 (DOMINGO). 1º dia de viagem.
Trecho percorrido: Ribeirão Preto (SP) a Araraquara (SP) 80 km.

Eclusa José Bonifácio de Andrada e Silva Jardim. Barra Bonita (SP).
Foto disponível em: <
https://barrabonita.sp.gov.br/?page=pontos-turisticos&ver=usina-hidreletrica-barra-bonita>. Acesso: 01/02/2005.


De Ribeirão Preto (SP) ao Balneário de Camboriú (SC), fiz a mais longa viagem – até então – com minha bicicleta. Em 15 dias, sai da latitude 19ºS e atingi a latitude 27ºS, localizada fora da Zona Tropical do Brasil, ao sul do Trópico de Capricórnio. 

Depois da tentativa frustrada de alcançar a nascente do Tietê – em Julho de 2004 –, outra viagem foi acertada para o verão 2005. No entanto, para alcançar Salesópolis (SP) – município no qual o Tietê tem sua nascente –, teria que sair da rota Brasília – Camboriú, desviando-me absurdamente para o leste e, consequentemente, aumentando muito a quilometragem percorrida. 

Também fazia parte dos planos dessa viagem, conhecer Barra Bonita (SP), no Médio Tietê e, se possível, realizar um passeio de barco com direito a passar pela Eclusa José Bonifácio de Andrada e Silva Jardim, inaugurada em 29/11/1973.

Eclusa José Bonifácio de Andrada e Silva Jardim. 
Barra Bonita (SP). Foto disponível em: <https://barrabonita.sp.gov.br/?page=pontos-turisticos&ver=usina-hidreletrica-barra-bonita>. Acesso: 01/02/2005.


Como esses dois lugares a conhecer estão fora do eixo Brasília (DF) – Balneário Camboriú (SC), desloquei-me de ônibus de Brasília a Ribeirão Preto (SP), no dia 25/12/2004.

Às 5h 41 do dia 26/12/2004, ainda sonolento, desembarquei no Terminal Rodoviário de Ribeirão Preto (SP), tirei a bicicleta do bagageiro, acoplei os alforjes à garupeira, instalei os equipamentos e saí pedalando pelas ruas desertas e com ar de ressaca natalina.

Pela Avenida Francisco Junqueira alcancei a SP-255, Rodovia Antonio Machado Sant'Anna, que liga Ribeirão Preto (SP) a Araraquara (SP), uma estrada pedagiada, com pista dupla, canteiro central, 3ª faixa nos aclives e excelente acostamento. 

A sinalização horizontal, as faixas centrais (linhas de divisão de fluxo) e as faixas laterais (linhas de bordo) encontram-se visíveis. A sinalização vertical está legível e sem mato cobrindo as placas. Portanto, um colosso de rodovia para se iniciar uma viagem de bicicleta.

Rumei na direção Sul observando o sol que se erguia à minha esquerda, dando sinais claros de um dia quente. No céu havia poucas nuvens. A temperatura, segundo meu termômetro portátil, indicava 19ºC. Eram 6h 30. 

A viagem estava começando sob condições ideais. Pedalei sem trégua até o pedágio, no município de Taquaral (SP). Percorri 46 quilômetros em exatas duas horas. Levando um Camelback, presos às costas e que tem um reservatório para 3 litros de água, as muitas paradas para hidratação tornaram-se desnecessárias e, assim, podia pedalar por mais tempo com menos interrupções. Os resultados puderam ser sentidos na média horária para aquele trecho: 23 km/h. 

As excelentes condições do piso asfáltico da rodovia SP-255 também ajudaram. Parei em uma lanchonete à beira da estrada. Eram 9h 30. Não tardou a chegar o primeiro curioso e perguntar: “para onde você está indo”? “Para o Sul” respondi. E quase sempre a observação: “você está animado” podia ser ouvida enquanto enchia o reservatório do camelback

Bati um animado papo com o dono do estabelecimento. Falei sobre o itinerário a seguir, dos lugares pelos quais passaria e ele foi me passando dicas sobre as condições da SP-255 que, após Araraquara (SP), passa a ter pista simples, sem acostamento e com muito movimento. Agradeci-lhe e pernas no pedal. Eram 9h 40 e o calor que se desprendia do asfalto podia ser sentido. 

Nessa época do ano, dias muito quentes quase sempre resultam em temporais ao final da tarde. Mas naquele dia, o temporal resolveu chegar mais cedo. Às 13h fiz a segunda parada no (1) Clube Náutico de Araraquara (SP), localizado às margens da SP-255 no quilômetro 63. Pedi ao porteiro para entrar e conhecer as instalações.
Clube Náutico de Araraquara (SP).
Foto disponível em: < https://clubenauticoararaquara.com/.
Acesso: 01/02/2005.

Clube Náutico de Araraquara (SP).
Foto disponível em: < https://clubenauticoararaquara.com/.
Acesso: 01/02/2005.


(1) Clube Náutico Araraquara foi fundado em 13/06/1963, por um grupo de araraquarenses abnegados e determinados, que pretendiam dotar a cidade de um local adequado para a prática do esqui aquático. Esse punhado de pioneiros adquiriu uma gleba de terras em área rural, que na época pertencia ao Município de Araraquara. A primeira tarefa gigantesca foi escavar o local a fim de represar as águas do Ribeirão Anhumas, para a formação do lago. Depois, ao longo de 35 anos de história, foram sendo executadas obras de infraestrutura conforme as disponibilidades financeiras daqueles primeiros associados, aos quais foram se unindo outros cidadãos à medida que o empreendimento crescia e ganhava credibilidade. 

Disponível em: < https://clubenauticoararaquara.com/.
Acesso: 01/02/2005.

O Clube tem pesqueiro, cachoeiras, piscinas naturais, churrasqueiras e muitas áreas verdes com espaço bastante para todos que curtiam aquele domingo pós-natalino com cara de feriado. 

Deixei a bicicleta na portaria e fui a pé. Caminhei por 1 hora pelas dependências, tirei fotos e depois me deitei à sombra de uma frondosa mangueira para curtir o lugar. Não havia pressa. Programei o pernoite em Araraquara (SP) para pedalar pouco no 1º dia (85 km apenas). 

Depois de uma noite de viagem de ônibus, por mais confortável que o veículo seja, não é igual à cama de casa. Faltavam 20 quilômetros para a cidade, eram 13h 30 e, portanto, poderia ficar ali quanto tempo quisesse, não fosse pelas nuvens negras que rapidamente taparam o Sol. O dia virou noite e tratei de pegar a estrada para chegar seco ao hotel. Mas não foi possível. 

Uma chuva poderosa caiu antes de eu avançar alguns metros. Pior foi o vento. Muito forte “e com rajadas superiores a 50 km/h” – noticiou a TV local mais tarde. Por duas vezes me desequilibrei e quase cai da bicicleta.

Cheguei ao Hotel Riviera, às margens da SP-255, às 15h. Estava ensopado. Tratei de tomar banho e relaxar. A chuva diminuiu de intensidade, mas caiu por três horas consecutivas. Depois do banho e da sessão de alongamentos, adormeci esperando a hora da janta. A TV ficou ligada.

Quando acordei, não entendi muito bem o que se passava na telinha. A reportagem mostrava pessoas fugindo de algo parecido com uma tromba d´água enquanto outros se agarravam ao que viam pela frente para não serem arrastados por fortes correntezas, que avançavam sobre vilarejos, hotéis e portos destruindo tudo. 

As imagens mostravam que o céu estava claro e não me pareceu que o lugar estivesse sob forte aguaceiro. Carros eram engolidos pela água que parecia vir de todos os lados. Pela aparência das pessoas julguei que a localidade fosse a Índia (mas essa época é inverno por lá e não têm chuvas de Monção, marca registrada no verão e que costumam criar essas catástrofes). 

Quando o narrador do Jornal Cidade Alerta começou a falar, me dei conta que o lugar é o Sri-Lanka (Antigo Ceilão) e toda aquela água foi resultado de ondas gigantes (Tsunamis), que eu havia visto qualquer coisa a respeito em documentários do National Geographic. 

Não ficou pedra sobre pedra em City of Galle, ao sul da capital Colombo. Depois apareceram cenas iguais em outros países igualmente atingidos pelas ondas: Indonésia, Malásia e Tailândia. Aos poucos fui tendo uma noção da extensão da tragédia.


Mais tarde, assistindo ao JN, compreendi perfeitamente o ocorrido. Um forte tremor, com 9 graus na escala Richter – que vai até 12 – foi registrado nas profundidades do Oceano Índico, ao lado da Ilha de Sumatra, na costa Noroeste da Indonésia. 

O terremoto, que deslocou o fundo do mar, provocou o aparecimento de uma onda gigante, que varreu os litorais da Indonésia, do Sri Lanka, da Índia, da Tailândia, da Malásia e das Ilhas Maldivas. A onda chegou até a costa leste da África, gerando destruição nas Ilhas Seychelles, na Somália, no Quênia e na Tanzânia, uma região conhecida como o Chifre da África, que agrupa sete países e assemelha-se a um chifre de rinoceronte penetrando o Oceano Índico.

chifre da áfrica | Diário do Avoante

Mapa Chifre Áfica [s.d] color. Disponível em:<https://diariodoavoante.wordpress.com/tag/chifre-da-africa/>. 
Acesso: 01/02/2005.


O tremor foi provocado pelo choque entre a Placa Indo-Australiana e a Placa da Birmânia, localizadas a 9.000 m de profundidade. A força liberada deslocou enorme volume de água, formando uma onda gigantesca que, ao atingir os litorais da Ásia e da África, chegou a 15 m de altura.

O termo Tsunami saiu da língua japonesa. É uma junção de tsu (porto) e nami (onda). Na ocasião, dizia-se ser impossível precisar o número de mortos.

Quatro meses após a tragédia, os números frios impressionaram, mas não deram conta de traduzir o impacto humano, social, econômico e ecológico provocado pelo Tsunami que atingiu 5 milhões de pessoas, matou mais de 300 mil, causou destruição em onze países no dia em que o Planeta parou.

Viajando a grande velocidade, as ondas eram meras elevações nas regiões de grande profundidade. Mas ao chegar às praias, o mar transbordou na forma de ondas gigantes, os Tsunamis. A energia liberada foi equivalente à explosão de 1 milhão de bombas atômicas semelhantes àquelas despejadas pelos EUA sobre Hiroshima e Nagasaki.

26 de Dezembro de 2004, assim como o fatídico 11 de setembro de 2001, dias para não serem esquecidos.

27/12/2004 (2ª f). 2º dia de viagem.
Trecho percorrido: Araraquara (SP) a Barra Bonita (SP). 105 km.


Sob chuva fina, deixei Araraquara (SP) às 7h 30 rumando para Barra Bonita (SP), na região do Médio Tietê. Nesse segundo dia de viagem, 105 quilômetros a pedalar. Previ que venceria essa distância em seis horas. Enganei-me. 




A partir de Araraquara (SP), a SP-255 deixa de ser duplicada e a pista é simples [mão dupla], com acostamento e sem 3ª faixa nos aclives. No traçado horizontal, a topologia é ondulada ou montanhosa com predominância de curvas perigosas e/ou longas rampas. O pavimento é totalmente perfeito. O acostamento encontra-se pavimentado e em boas condições. Quanto à sinalização horizontal, as faixas centrais (linhas de divisão de fluxo) e as faixas laterais (linhas de bordo) encontram-se visíveis. A sinalização vertical encontra-se totalmente legível e sem mato cobrindo as placas.

Havia um nevoeiro cobrindo as partes baixas dos morros e deixando as mais elevadas visíveis. A temperatura era agradável (18º C), mas o asfalto estava encharcado e, em alguns trechos, o acostamento dava lugar a um piso de terra fofa (que ficou mais fofa com tanta chuva). Dessa forma, a viagem prevista para seis horas foi feita em sete horas e meia. Cheguei a Barra Bonita (SP) às 15h.

Fiz uma parada no Posto São Pedro às 11h 50. De lá, segui até Jaú (SP), cidade cuja origem do nome começou no momento em que os bandeirantes navegavam pelo rio Tietê e decidiram parar para pescar na foz de um ribeirão. Fisgaram um grande peixe chamado jaú. O local, desde então, ficou conhecido como Barra do Ribeirão do Jaú. Eram 12h 49 quando comecei a atravessar o perímetro urbano daquela cidade com nome de peixe. 

31 quilômetros à frente, estava em (2) Barra Bonita (SP). Hospedei-me no Hotel Beira Rio, que fica na margem direita do Tietê. É muito bem localizado, pois está no centro da cidade e a poucos metros da ponte metálica que liga Barra Bonita (SP) a Igaraçu do Tietê (SP), município localizado na margem esquerda do rio.

(2) As águas traçaram o percurso inicial de nossa história. Esta região sempre recebeu grande fluxo de bandeirantes, desde o tempo das colonizações, graças à facilidade de navegação pelo rio Tietê. Assim como eles, o rio desbrava e invade o interior do Estado de São Paulo. Por volta de 1883 ou 1886 (a data oficial é bastante discutida), o povoado obteve a denominação de Barra Bonita, nome originário de um córrego que se situa, até os dias de hoje, no centro da cidade.

Na década de 1920, após a instalação da Estrada de Ferro Barra Bonita, o município apresentava boas perspectivas econômicas. Mas permaneceu em fase estacionária, até 1930. A partir de então, fatores de ordem financeira e administrativa criaram uma estrutura econômica, desencadeando um período de grande progresso.

Os resultados apareceram na década de 1940, com o surgimento de indústrias, ampliação do mercado imobiliário e um incentivo ao aparecimento da cultura de cana-de-açúcar. A cidade conheceu melhorias públicas, até aquela data. A agricultura passou a comandar um período de grande ânimo, caracterizado pelo aumento da demanda de mão-de-obra, que, num processo de crescimento, desenvolveu o comércio do município, em todos seus setores.

Hoje, mesmo com a predominância das atividades agrícolas canavieiras, a indústria se faz forte nas áreas de pisos cerâmicos e equipamentos eletrônicos. O turismo, beneficiado com a paisagem natural e a interferência humana, caso da bela ponte Campos Salles e da eclusa da hidrelétrica da CESP, está em franco crescimento, atraindo principalmente o turista interessado em história e ecologia. 

Disponivel em: <https://barrabonita.sp.gov.br/?page=nossa-historia>. 
Acesso: 01/02/2005.

Pretendia realizar um passeio na Embarcação São Marino, que navega por duas horas pelo Tietê e tem como ponto alto a eclusagem, maneira que a engenharia usou para que as embarcações pudessem transpor os desníveis causados pelas barragens. 

Além de ser uma monumental obra de engenharia hidráulica, tem um funcionamento simples e econômico. A Eclusa nada mais é do que um elevador de águas que serve para subir ou descer as embarcações. 

As eclusas do Tietê têm tamanhos parecidos e desníveis médios de 26 metros de altura, com capacidade para receber comboios de carga com até 137 metros de comprimento, 11 metros de largura e calado máximo de 2,50 m (Comboio padrão Tietê).

O lago formado pelo barramento do Tietê originou a Represa de Barra Bonita, com 310 Km² de área alagada, na qual a CESP construiu a UHE de Barra Bonita, com potência nominal de 140.760 kW.

Embarcação São Marino. Foto disponível em: <https://barrabonita.sp.gov.br/?page=pontos-turisticos&ver=usina-hidreletrica-barra-bonita>. Acesso: 01/02/2005.

Os passeios de barco acontecem somente aos finais de semana e feriados. Como era 3ª feira, fiquei a ver navios. 

Almocei um delicioso filé de tucunaré, visitei o Memorial do Rio Tietê, que tem um completo acervo sobre o Rio, composto de painéis, fitas de vídeo, maquetes, um aquário com espécies de peixes encontrados ao longo do rio, equipamentos náuticos, documentos e livros. 

O memorial abriga a sede da ONG Mãe Natureza, entidade com 30 anos de existência, que atua na defesa e preservação do mais importante rio do Estado de São Paulo. 

Fui ao Museu Histórico Municipal Luiz Saffi, com oito salas que exibem peças, fotos, objetos pessoais e industriais, além de documentos relacionados à história e evolução de Barra Bonita (SP). Ocupa um prédio da antiga estação ferroviária. Encerrado o passeio cultural e, por falta de coisa melhor para fazer, voltei ao hotel e cochilei até a hora do pôr do sol.


À noite foi possível ver como a cidade estava cheia para as festas de fim de ano. Ar quente e o céu, ainda claro pelas últimas luzes visíveis no poente, estava estrelado. Adormeci imaginando o trajeto do dia seguinte até Águas de São Pedro (SP), cidade que conheci ainda menino, em 1968, quando meu pai passou uma temporada por lá, a trabalho.


28/12/2004 (3ª f). 3º dia de viagem.
Trecho percorrido: Araraquara (SP) a Barra Bonita (SP). 105 km.

Ponte metálica que liga Barra Bonita (SP) a Igaraçu do Tietê (SP).
Foto: Fernando Mendes.

Às 10h 23 atravessei a ponte metálica que liga Barra Bonita (SP) a Igaraçu do Tietê (SP) e ingressei na SP-255 para pedalar 27 quilômetros até alcançar a SP-330, a Rodovia Marechal Rondon. 





Às 11h 30, no trevo de acesso a São Manoel (SP), parei para saborear caldo de cana, vendido à beira da estrada por um senhor que instalou a moenda na parte traseira de uma Belina 1970. Tomei uma jarra ao módico preço de R$1,00. 

Cana por aquelas bandas é abundante. Os canaviais estão por todos os lados. Alcancei a SP-300 (Marechal Rondon) às 12h, pedalei por diminutos cinco quilômetros e ingressei na SP-191, Rodovia Geraldo de Barros, que me levou até Águas de São Pedro (SP), 85 quilômetros à frente.

A SP-191 é uma rodovia em péssimo estado de conservação. No lugar que outrora houve um acostamento, agora existe um amontoado de crateras que, às vezes, estendem-se até a pista. 




Ficou difícil pedalar naquelas nessas condições. Quando podia, passava para o asfalto, mas logo, pelo retrovisor, via a aproximação de veículos, e retornava às crateras. 

A água do Camelback acabou e nada de aparecer um posto para comprar precioso líquido. Nem vendedores de caldo de cana. A esperança foi avistar algum córrego às margens da estrada, mas nada foi encontrado. 

O calor era abrasador e a garganta mais parecia uma lixa. Foram 22 quilômetros a seco. Somente na pequena cidade de Porto Martins, localizada na beirada da Represa de Barra Bonita, encontrei uma pequena birosca. Foi a salvação da lavoura. Eram 14h. Pedalei por 2 horas sem água.

A SP-191 atravessa uma região muito plana e com extensas plantações de cana de açúcar de ambos os lados. Não existem cidades ou qualquer outro sinal de povoações. 

Às 15h 15, atravessei uma ponte sobre o Rio Tietê, exatamente no ponto que ele começa a encher o Reservatório de Barra Bonita. Tirei belas fotos das águas prateadas pelo sol. O tempo estava bom, o céu limpo e sem nuvens. 




Dez quilômetros adiante, atravessei o Rio Piracicaba, que tem sua foz no reservatório de Barra Bonita. Parei em um boteco e abasteci o Camelback. Fazia muito calor e um banho nas águas do Piracicaba seria tudo de bom. 


Faltavam 33 quilômetros para encerrar a jornada do dia 28 de dezembro. O céu azul contrastava de forma magnífica com as águas do Rio Piracicaba. A água espelhada, por causa da ausência de vento, dava a impressão de que o céu havia descido para o fundo da represa. A temperatura era de 33ºC e estava a 15 quilômetros de Santa Maria da Serra (SP). 

Às 16h 32, após passar o trevo de acesso à Santa Maria da Serra, a SP-191 é sobreposta à Rodovia SP-304. Parei no Posto Pescador. Faltavam 62 quilômetros para encerrar a jornada daquela 3ª feira ensolarada. 

Enquanto tomava água à sombra de uma frondosa mangueira, observei o colosso que é o rio Piracicaba desaguando na Represa de Barra Bonita. Naquele dia, eu havia contornado quase todo o perímetro da represa. São 310 km2 de área alagada. Estava em um ponto mais alto do terreno, possibilitando um visual de águas prateadas, contrastando com o céu de brigadeiro. 

Havia muitas pessoas pescando, outras fazendo churrasco e todos aproveitando os últimos dias de 2004. Eu também me divertia. Viajar está entre as coisas que mais gosto de fazer. De bicicleta é maravilhoso.

Percorri o trecho final até Águas de São Pedro em 3 horas, chegando à cidade das águas sulfurosas (e 2ª no ranking do IDH nacional) às 19h 30, com sol das 18h 30 por conta do Horário Brasileiro de Verão. 

Hospedei-me no Hotel Líder, uma casa adaptada pela proprietária como hospedaria. Fui recebido por uma simpática septuagenária de nome Francisca. Disse a ela que estive na cidade em 1968 e que adorava andar nos cavalos de aluguel. Ela falou-me que o falecido marido era o proprietário de alguns equinos. 

Depois do banho, fui dar uma volta pela cidade e não demorei a rever o Hotel Jerubiaçaba, localizado à Av. Carlos Mauro, nº. 168 Centro. Fiquei a relembrar dos tempos de criança naquele hotel. 

Meu pai passou uns meses fora do Rio, a serviço do Banco Central, fazendo um curso em Piracicaba (SP), mas hospedado em Águas de São Pedro (SP). 

Minha mãe levou a mim e meus dois irmãos (Aldo e Marcos) para visitar o papai, que não víamos fazia algum tempo. Hospedamos-nos no Hotel Jerubiaçaba, pois era lá que meu pai também estava hospedado. 

O ônibus da Viação Única saiu do Rio às 12h. No momento que nos preparávamos para sair em direção à Rodoviário Novo Rio, meu irmão Marcos – na época com 3 anos – abriu o berreiro e disse que queria ir. Minha mãe arrumou as coisas dele na maior carreira e quase perdemos o ônibus.

Pensando ter resolvido um problema, minha mãe acabou criando outro. A minha irmã Lúcia (7 anos na época) também quis ir, mas não havia condições. Ficou aos prantos e aos cuidados de minha avó materna. 

Chegamos a São Paulo ao final da tarde e embarcamos em outro coletivo para Piracicaba (SP), onde chegamos por volta da meia-noite. Meu pai nos aguardava na rodoviária. 

Mal podíamos esperar para ver o hotel. Naquela época, era novidade hospedar-se em hotéis. Quando chegamos e vimos aquele colosso de lugar, espaçoso e com muitas novidades, percebemos que nossa estada seria mais interessante que pensávamos.

No dia seguinte, eu e meu irmão Aldo, acordamos cedo e fomos explorar o Jerubiaçaba. Não foi preciso muito tempo para perceber que éramos as únicas crianças no hotel. A maior parte dos hóspedes era constituída por idosos, que buscam as águas sulfurosas para banho. Um cheiro de enxofre reinava no ar. 

Na hora do café da manhã, o aroma era mais forte porque o local de banho era anexo ao restaurante. Cada vez que um entrava ou saía da sala de banhos, vapores impregnados de enxofre tomavam conta do ambiente. Fazíamos caretas.

Lembrei-me de tudo isso enquanto caminhava pelo interior do hotel. Uma gostosa viagem pelo passado. Quase tudo estava mudado, se não fosse pelas rampas de acesso aos quartos. Ainda estão lá. Eu e meu irmão descíamos e subíamos aquelas “ladeiras” sei lá quantas vezes por dia, sempre sob os olhares indulgentes de minha mãe, que não saía do nosso encalce. 

Mas o ponto alto do Jerubiaçaba era o gramado que circundava o hotel, no qual eu e meu irmão nos esbaldávamos com a velha e inseparável bola, que marcou nossa infância. Na rua em que morávamos no Rio, o piso era de paralelepípedos e um gramado como aquele era tudo sempre desejamos. Nada de pés cortados, unhas levantadas e dedões inchados por causa do calçamento.

Depois do passeio matinal nos pangarés de aluguel, íamos para o gramado e desejávamos que o dia não terminasse. Improvisamos as traves a partir do tronco de uma árvore e com os calçados demarcamos a outra baliza. 

Quando a bola era chutada próxima ao travessão, possibilitava que pulássemos para fazer a “ponte”, imitando os goleiros da nossa época de criança e com direito a narração igual aos locutores de rádio “Espalma Félix (goleiro do Fluminense) fazendo espetacular ponte e mandando a bola para escanteio”. 

Na nossa cabeça de criança, cair na grama não machucava. Hoje o gramado não existe mais. Em seu lugar foi construído o parque aquático do Hotel. 

Adormeci lembrando-me daqueles dias de 1968.

29 de Dezembro (4ªf). 4º dia de viagem.
Trecho percorrido: Águas de São Pedro (SP) a Atibaia (SP). 170 km.

Acordei tarde para o 4º dia de viagem. Foi a primeira noite que consegui 12 horas de sono. O quarto do Hotel Líder fica virado para o lado oposto da rua. O silêncio permitiu que eu dormisse até mais tarde. 

Durante o café da manhã, conheci uma simpática senhora de 78 anos, cujo nome não me recordo. Professora de Geografia [igual a mim] aposentada, mora em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo e vai a Águas de São Pedro (SP) todo mês, passar um final de semana. 

Vai de ônibus. Não sabe dirigir. Labutou em sala de aula durante 36 anos. "Trabalhei em escolas municipais de São Paulo Capital. Hoje moro em outro município, mas nem por isso a qualidade de vida piorou", disse-me enquanto mexia o chá de maçã, do qual não abre mão pela manhã. Ouviu atentamente o relato da minha viagem  e de outras que realizei. 

 Apesar dos quase 80 anos, é muito forte e independente. Vai para cima e para baixo, sempre de ônibus e não depende de ninguém. “No dia que eu começar a depender de filhos e netos para me levar aos lugares que desejo, prefiro ficar em casa”. “Quando a capacidade de ir e vir for vencida pelo peso da idade, é sinal de que a hora está próxima”. “Para mim, não poder mais ir aonde quero, significará a morte”. Ouvi e concordei.


Pelas declarações, notei que ela ainda tem gás para muitos anos. Atribui boa parte da vitalidade que tem às águas da Estância Hidromineral de Águas de São Pedro (SP), que frequenta há mais de 40 anos. “Mantive minha mente sempre ocupada com leitura, raciocínio e ministrei muitas aulas em 36 anos de profissão, de forma que a cabeça está ótima”. Gostei de ouvi-la. Espero ter esse gás todo quando chegar aos 78 anos.

Foi com as lembranças dessas palavras que iniciei, às 10h, o 4º dia de viagem. Foi um dia longo até Atibaia (SP). 10 horas de pedal e 170 quilômetros percorridos.

 Céu de brigadeiro, sol forte e muito asfalto pela frente, ingredientes perfeitos para se iniciar outra uma etapa de viagem. Temi que mais tarde o tempo pudesse mudar, mas felizmente essa hipótese não se concretizou.

Atravessei o Portal da cidade de Águas de São Pedro (SP) e rumei para Piracicaba (SP) pela SP-304, com pista simples, acostamento medíocre, muito estreito e mal cuidado.

 Os primeiros 13 quilômetros foram sob essas condições. Mas a partir da pequena (3) Artemis (SP), inicia-se o trecho pedagiado, sob administração da AutoBan, com pista tripla até Piracicaba (SP).

(3) Ártemis foi a Deusa da Lua e da Caça. Um paradoxo entre pureza e guerra. Ártemis, na mitologia grega, era uma das doze divindades do Olímpo, a mais popular das deusas do panteão grego, filha de Zeus e Letó.

Disponível em:< https://www.todamateria.com.br/artemis/>. 
Acesso: 01/02/2005.

À medida que a cidade de Piracicaba (SP) foi surgindo no horizonte, com prédios altos e cara de metrópole, percebi que o movimento de chegada e saída de veículos era grande. Muitos saíam, muitos chegavam e outros – como eu – estavam apenas de passagem. 

Não há caminho alternativo para contornar a cidade. Foi preciso atravessá-la para continuar a viagem. Parei em uma das pontes sobre o Rio Piracicaba (4)que na língua Tupi quer dizer “rio sem peixe" ou "peixe brilhante e negro”. 

Tirei algumas fotos. As águas estavam barrentas por causa da época chuvosa e muita, muita poluição.

(4) O rio Piracicaba nasce na cidade de Americana (SP), no encontro das águas do rio Atibaia com o Jaguari. A bacia hidrográfica do rio Piracicaba - abrange 40 municípios paulistas que formam o terceiro pólo industrial brasileiro e criam 20 % da produção agrícola estadual - afetada por crescente demanda de água e elevada poluição no rio principal e nos afluentes. Essa bacia abastece de água a população regional, de três milhões de pessoas, e também a região metropolitana, para onde transfere água pelo Sistema Cantareira. Seus rios perderam peixes - 30 espécies extintas -, recebem esgoto doméstico e lixo químico, industrial e agrícola, e carregam doenças. O Consórcio Intermunicipal, criado em 1989, reúne autoridades municipais para planejar o crescimento regional e diminuir a poluição. Desenvolve projetos de estações de tratamento de esgoto, reflorestamento ciliar e captação de recursos para as obras necessárias. E busca a colaboração de todos, para a adoção de medidas preventivas e atitudes imediatas (tratamento de resíduos, formação de aterros, reciclagem, racionalização no uso de agrotóxicos), que são as únicas formas de solução. 

Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo.html?id=446096&view=detalhes>. Acesso: 01/02/2005.

Havia percorrido 29 quilômetros desde a saída de Águas de São Pedro (SP). Eram 11h 15. A média estava boa, a temperatura nem tanto. "Fazia 31ºC com tendência de alta", informou o noticiário da TV TEM, afiliada da Rede Globo, que exibia notícias da região enquanto detonava uma jarra de suco de abacaxi.

Pedi informações acerca da melhor maneira de sair da cidade e me livrar daquele trânsito intenso e engarrafado da hora do almoço. Quando se tem uma estrada livre pela frente a pedalar, entrar em áreas urbanas, com movimento intenso é estranho para qualquer condutor, independente da quantidade de rodas.

Às 12h ingressei novamente na SP-304. Pedalei em trecho plano por 31 quilômetros até alcançar Santa Bárbara do Oeste (SP), às 13h 45. Parei no aeroporto local, que tem um velho DC-3 estacionado na entrada. Para quem esteve nos céus por anos a fio, o "guerreiro dos céus" repousa no solo, com visíveis desgastes na fuselagem causados pelo tempo. 

Parei sob a sombra da asa esquerda e quando tomava água, pude observar um lagarto, que também desfrutava tranquilamente da mesma sombra que eu. Seu papo pulsava incessantemente e nem ai para mim. Depois de algum tempo, tomou o rumo de um pequeno matagal que cresceu próximo à cerca do aeródromo. 


O calor era de lascar. Meu termômetro portátil marcava 33ºC e ainda faltavam 110 quilômetros para alcançar Atibaia (SP), local de pernoite daquele dia. Segui na direção de Americana (SP), 17 quilômetros à frente. Nesse ponto, a Rodovia SP - 304 "deságua" na SP - 330, a Via Anhanguera, um colosso de estrada.

 Pedalei apenas 16 quilômetros, abandonando-a [saída 104] na região de Campinas (SP)  e seguir, pela Rodovia Dom Pedro I, a SP-065, até Atibaia (SP). Eram 15h 30. 

Encontrava-me na Região Metropolitana de Campinas, a 3ª maior do Estado e a 4ª colocada em IDH (0.835 igual ao da Hungria). Foi criada a partir da Lei LCE 870/2000, de 19/06/2000, tem 20 municípios e abriga 3,2 milhões de habitantes, espalhados numa área de 3.673 km2

Tem a maior concentração de empresas de telecomunicações do País. Campinas é o segundo centro econômico, industrial, científico e tecnológico do Estado de São Paulo. A indústria é a principal atividade econômica, representando 43% dos recursos movimentados pela economia no município. O Pólo de Alta Tecnologia de Campinas está instalado em duas áreas: Parque I, localizado próximo à Rodovia Dom Pedro I, e o Parque II, entre a Unicamp, PUC-Campinas e Rodovia Campinas-Mogi.

Região Metropolitana de Campinas, a Grande Campinas.



Os Ritmos da Grande Campinas (SP).
·         Cresce no ritmo de seis habitantes a cada hora.
·         Ganhou meio milhão de habitantes entre 1990 e 2000.
·         É a maior concentração de empresas de telecomunicações do País.
·         Tem um PIB maior que o da Coréia do Sul, da Suíça e equipara-se ao da Espanha.
·         É um dos mais importantes pólos de pesquisa científica do País.
·         1/3 da carga aérea do País passa pelo Aeroporto de Viracopos.
Fonte: CD da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano – Emplasa.











Depois que deixei a Grande Campinas, o movimento de veículos diminuiu, mas o calor não deu trégua. Às 17h, quando passei pela praça do pedágio de Itatiba (SP), meu termômetro portátil marcava 34ºC. Faltavam 48 quilômetros para o encerramento da jornada daquele dia 29 de dezembro, 4º aniversário de falecimento da cantora Cássia Eller.

Foi o dia de maior distância percorrida desde o início da viagem, que começou em Ribeirão Preto (SP). Atravessei regiões de grande importância econômica para o Estado e para o País. O movimento de veículos pelas rodovias era intenso, mas a jornada foi cumprida com êxito. Às 19h 42, quando pedalava pelas proximidades de Atibaia (SP), fotografei o pôr do sol. 

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.


Às 20h, cheguei ao Hotel Panorama, localizado no centro da cidade de Atibaia (SP). Foram 170 km em 10 horas. Boa média. Em Julho de 2004, a minha jornada rumo à nascente do Tietê foi interrompida exatamente em Atibaia (SP) por causa do mau tempo. Desisti e voltei para casa acalentando o sonho de alcançar a nascente no verão 2005. E logrei êxito. Lá estava eu, a um dia do meu objetivo. Às vezes, desistir não significa fracasso. Significa prudência.

Depois do banho e dos exercícios de alongamento, saí para jantar no restaurante chinês próximo ao hotel.  

Caminhei pela cidade após a refeição e voltei para o hotel. Adormeci antes de contar o 3º carneirinho. 

30 de Dezembro (5ªf). 5º dia de viagem.
Trecho percorrido: Atibaia (SP) a Salesópolis (SP). 130 km.

Acordei às 9h, depois de uma noite magnificamente bem dormida. Estava pronto para a empreitada daquele dia 30 de dezembro, penúltimo dia de 2004. 

Café da manhã reforçado, alongamentos, muito protetor solar e, às 10h, deixei Atibaia (SP) e ingressei na SP-65 (Rodovia D.Pedro I). O Sol forte anunciava mais um dia de muito calor, que foi amenizado quando passei pela Represa de Atibainha, muito procurada pelos pescadores em virtude da abundância de tucunarés. 

Está localizada às margens da Rodovia D. Pedro I (SP-65) e fica no município de Nazaré Paulista (SP), distante apenas 25 quilômetros de Atibaia (SP).

Fiquei uma hora a me refrescar naquelas águas claras e geladas. Dureza foi voltar à estrada sob calor senegalês. Mas precisa ir em frente. Ainda havia, a partir daquela parada para banho, 104 quilômetros até Salesópolis (SP), onde fica a nascente do Tietê.

Após o banho, subi um pequeno caminho de terra e ingressei na Rodovia D. Pedro I, atravessando a ponte que aparece na foto. 

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Lá do alto, tem-se uma vista magnífica do reservatório, que abastece 60% da Região Metropolitana de São Paulo. Foi criada em 1972 e tem uma área alagada de 180 km2. Faz parte do Sistema Cantareira.

Às 14h 30, com 65 quilômetros pedalados, cheguei a Igaratá (SP), localizada às margens da SP-065 (Rodovia D. Pedro I). Merecido almoço e picolé de limão na sobremesa. 

 Faltavam 21 quilômetros para interceptar a Via Dutra, no município de Jacareí (SP), ponto no qual, a SP-065 (Rodovia D. Pedro I) passa sobre a Dutra (BR-116) e continua por mais 5 quilômetros, desembocando na Rodovia Carvalho Pinto – Ayrton Senna (SP-170). Eram 16h 10 quando ingressei nessa rodovia que tem dois nomes.

O trecho denominado Ayrton Senna estende-se da Marginal Tietê, no bairro da Penha, Zona Leste da cidade de SP, e termina no município de Guararemana (SP), no entroncamento com a D. Pedro I. 

A Rodovia Ayrton Senna cruza os municípios de Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes e Guararema. A partir do entroncamento Ayrton Senna/D. Pedro I, muda o nome para Rodovia Carvalho Pinto, que continua em direção ao Vale do Paraíba, correndo paralelamente à Via Dutra e termina em Taubaté (SP).

Do entroncamento D. Pedro I/Carvalho Pinto ao trevo de acesso a Salesópolis, são 11 quilômetros. A Rodovia Carvalho Pinto tem três túneis, atravessados sob intenso barulho em virtude do movimento frenético de automóveis que deixavam a Capital rumo ao Litoral Norte. Era anti-véspera de Ano Novo, quinta-feira, penúltimo dia útil de 2004. 

Após atravessar o 3º [e último] túnel, atravessei a ponte sobre o Rio Paraíba do Sul (que nasce na Serra da Bocaina, Município de Areias - SP com o nome de Rio Paraitinga) e, alguns metros à frente, abandonei a Carvalho Pinto e entrei na SP- 077, que dá acesso a Santa Branca (SP) e, posteriormente, Salesópolis (SP).

Rodovia Carvalho Pinto.Foto: Fernando Mendes.

Túnel na Rodovia Carvalho Pinto.Foto: Fernando Mendes.

Da Carvalho Pinto até Santa Branca (SP), tudo bem. Pista simples em bom estado e acostamento razoável. 16 quilômetros de planura. Na entrada de Santa Branca (SP) – a Cidade Presépio – atravessei uma bonita ponte sobre o Rio Paraíba do Sul que, naquele trecho, tem águas claras. A imundice começa mais à frente. Eram 18h 10 quando venci o perímetro urbano da simpática Santa Branca (SP), antes de começar a ascensão da Serra do Mar em direção a Salesópolis (SP). E que ascensão.

Às 18h 30 deixei a cidade presépio. Santa Branca (SP) fica a 600m de altitude, Salesópolis a 900m. A diferença altimétrica de 300m está separada por apenas 23 quilômetros de inclinadas subidas e curvas acentuadas. O piso é repleto de remendos em cima de remendos. O trecho final daquele dia foi pedreira. 

Comecei a subir a SP-077 às 18h 30. As primeiras pedaladas, após “matar” dois pastéis e uma Coca-Cola em lata, foram tranquilas. Atravessei um bairro no qual as casas e chácaras ficam à beira da rodovia. Um lugar pacato e agradável. A temperatura havia suavizado um pouco em virtude do trecho sombreado. 

Assim que casas, chácaras e sombras ficaram para trás, foi possível visualizar, mesmo a certa distância, o que estava por vir. 

Um forte ângulo de subida me fez botar força nas pernas. Àquela altura, havia pedalado 106 quilômetros. Faltavam 23 quilômetros morro acima. A velocidade média caiu bastante. O sol se pôs às 19h 35, quando atravessei o Trópico de Capricórnio. 

Ainda faltavam 10 quilômetros, percorridos na escuridão, com as estrelas testemunhando minha “escala” solitária para alcançar Salesópolis (SP). Às 20h 15, venci a última e mais longa subida, avistei as luzes da cidade, que se localiza em um pequeno vale.

 Atravessei o Portal da Cidade e o pneu traseiro furou. Menos mal. Estava a poucos metros da Pousada.  Cheguei ao estabelecimento empurrando a bicicleta. Àquela altura, não estava disposto a trocar câmara de ar, desmontar rodas, tirar a bagagem para poder virá-la de cabeça para baixo. Por isso, optei em empurrá-la pelos últimos quilômetros. 

Cheguei à pousada às 21h. Deixei a troca do pneu para o dia seguinte. Delicioso jantar, após relaxante e merecida sauna e, para fechar a jornada daquele dia, uma esplêndida noite de sono. 

Foi um dia puxado. 130 quilômetros, calor senegalês e os últimos quilômetros exigiram toda força que ainda tinha. Mas cheguei bem e em segurança. 


31 de Dezembro (6ªf). 6º dia de viagem.
Visita à nascente do Rio Tietê (5)

(5) O Rio Tietê nasce em Salesópolis (SP), no alto da Serra do Mar, a 22 quilômetros do Atlântico, de quem ele foge, correndo para o interior do Estado, na direção leste - oeste. Percorre 1.136 quilômetros até se encontrar com o Rio Paraná, do qual ele (Tietê) é o maior afluente da margem direita. Diferentemente da maioria dos rios que correm para o mar, o Tietê segue para o interior, até o município de Itapura, na divisa com o Mato Grosso do Sul. Em sua jornada, banha 62 municípios ribeirinhos e seis sub-bacias hidrográficas, em uma das regiões mais ricas do Hemisfério Sul.


mapa tietê [s.d] color Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/brasil/rio-tiete.htm>. Acesso: 01/02/2005 

A Nascente do rio Tietê está localizada a leste da Grande São Paulo, nas vertentes da Serra do Mar opostas ao Oceano Atlântico, a uma altitude de 1.027,365 m e 1.1 36 km distante de sua foz (Itapura) no rio Paraná. Mesmo nascendo próximo ao oceano (aproximadamente 22 km), depara com a Serra do Mar e segue para o interior, cortando todo o Estado de São Paulo, sendo por isso denominado "rio contrário".  Salesópolis é uma palavra composta  que quer dizer “Cidade de Sales”. Foi uma homenagem ao Presidente da República, Dr. Manoel Ferraz de Campos Sales, que governou de 1898 a 1902, quando a visitou no início do século XX.

Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/brasil/rio-tiete.htm>. 
Acesso: 01/02/2005 (com adaptações).


O acesso ao Parque Nascente do Tietê é feito pela Rodovia SP-088, que liga Salesópolis (SP) a Mogi das Cruzes (SP). Do centro à entrada da estrada de terra, que leva ao Parque, foram cinco quilômetros.




FotoS: Fernando Mendes.

Pedalei lentamente visualizando a Mata Atlântica preservada e imponente. Quando abandonei a SP-088 e ingressei na estrada de leito natural, que dá acesso ao Parque, a mata fica ainda mais exuberante, sombreando o caminho. Fortes subidas até a portaria. Paguei R$ 3,00. Estava a poucos passos da nascente.

Fui recebido por um senhor e sua mascote, um quati fêmea que atende pelo singelo nome de “Chiquita”. 

Chiquita. Foto: Fernando Mendes.

Por 40 minutos, tive uma aula a céu aberto sobre o Tietê, sua história, suas lendas, seus mitos, e sua importância na interiorização do povoamento do Estado de SP. Pensava em ter meus alunos ali, assistindo e aprendendo. 

O Tietê é repleto de lendas. A mais conhecida é aquela que diz ser ele um rio morto. Nada mais longe da verdade. Nos 52 quilômetros que o rio percorre a Grande SP, entre Mogi e Pirapora do Bom Jesus, comprovadamente está morto. Mas depois que vence a Região Metropolitana de São Paulo, o Tietê se auto limpa, recebendo afluentes com água pura por muitos quilômetros. Ao chegar a Barra Bonita (SP), 120 quilômetros após a nascente, tem vida de novo. 

Ao passar por Barra Bonita (SP), no dia 28/12, tomei banho na praia do Tietê e não fui contaminado. No entanto, muita gente desconhece que o Tietê é tão extenso e vai se limpando ao longo dos seus 1.136 quilômetros de extensão.

Muitos pensam que Tietê é apenas aquilo que vemos quando passamos pela Marginal: poluição e mau cheiro. Muitas vezes, os humanos criam mitos em torno das coisas e morrem acreditando neles. 

Uma maneira de quebrar mitos – principalmente acerca do Tietê – é conhecê-lo melhor, visitá-lo, descobri-lo, explorá-lo, nem que seja por meio de um mapa ou de uma viagem de bicicleta. Valeu a pena subir o que subi para alcançar Salesópolis (SP) e chegar à nascente do Tietê. Um desejo antigo, agora realizado.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Nascimento do Tietê através do afloramento do lençol d’água, entre as pedras e vários olhos d’água menores. Foto: Fernando Mendes.


O Tietê nasce a partir do afloramento da água que brota entre as pedras. Foi possível identificar três pontos de nascentes. A água é cristalina e tem um sabor especial. Temperatura ideal para descer garganta abaixo. "Bebi e não morri". Porém para qualquer pessoa que eu disser que “bebi água do Tietê”, lá vem a exclamação de espanto: “que nojo”.

Enchi o reservatório do meu Camelback com água da nascente do Tietê e decidi que à meia-noite, na hora da virada, meu champanhe seria (e foi) a água do Tietê. 

Por mim, passaria o dia todo no Parque. Que lugar bonito. Que natureza exuberante. Mas era dia de festa. Os funcionários também têm direito a comemorar a passagem do ano. Têm família. Por isso, às 14h, o Parque foi fechado e retornei à Pousada do Refúgio, passando antes pelo Restaurante Rai-Com, aglutinação de Raimundo e Conceição, os donos, que me serviram um almoço maravilhoso. O estabelecimento é uma espelunca, mas a comida é 10. 

Cheguei ao meu quarto, deitei-me e não demorei a pegar no sono. Quando acordei estava escuro e havia grande silêncio. Pensei ter dormido demais e perdido a passagem do ano. Não acendi as luzes do quarto. Fui tateando a superfície do criado mudo até encontrar o relógio. Eram 20h. Estava dormindo desde às 16h. Que maravilha. Nenhum compromisso, nenhum trabalho a fazer, provas para corrigir e/ou elaborar, ir à padaria comprar pão ou descer com o cachorro. Se quisesse, poderia continuar deitado; se preferisse levantar era só fazê-lo. Senhor do meu dia e do meu tempo, capitão da minha alma. 

Mas nas férias eu posso e por isso continuei deitado. Acendi as luzes e retomei a leitura do Código da Vinci, logo interrompida. Alguém bateu à porta do quarto. Era a proprietária da Pousada convidando-me para a ceia, que foi servida às 23h. 

Ela reuniu os hóspedes e fez (como faz todos os anos) questão da presença dos empregados. Todas as castas à mesma mesa, como deveria ser ao longo do ano. Que rango maravilhoso. A conversa foi muito agradável. A maioria fazendo-me muitas indagações sobre a viagem de bicicleta e aquelas curiosidades costumeiras que todos sempre querem saber: “e se furar o pneu”? (“eu troco”, pensei) “e se chover”? (“molha”, respondi com os olhos) “não tem medo de assalto”? (“todos têm medo de assalto”) ou (“para ser assaltado é preciso andar de bicicleta”?). 

Simpaticamente fui respondendo a todos, até que –finalmente – alguém disse com ar de bom senso: “gente, deixa o moço comer em paz”. “A comida dele vai ficar fria”. Santa intervenção a meu favor.  Cessou o interrogatório. Começaram a falar de outras coisas. 

O peru estava delicioso, o vinho parecia o néctar dos deuses. Conversei, por mais meia hora, com o esposo da proprietária, atualmente professor aposentado do município.  Agradeci o convite e recolhi-me. Faltavam 15 minutos para acabar 2004, um ano que deixou saudades.

Pela Band, assisti à queima de fogos em Copacabana. Antes do 5º minuto de 2005, estava dormindo. 


1º de Janeiro 2005  (sábado) - 7º dia de viagem. Dia em Salesópolis(SP).

Acordei às 10h. Nada de ir trabalhar, dar 10 aulas entre 7h da manhã e 17h e, ao chegar à minha casa, montanhas de provas para corrigir. 

Levantei-me, tomei café e sai de bike para mais explorações nas cercanias de Salesópolis (SP). Não logrei êxito. Tudo estava fechado. Era feriado. Voltei à Pousada, fiquei na piscina – mais cheia que o Piscinão de Ramos –, almocei e adormeci. Que maravilha. Acordei às 19h e fui para a sauna. Que vida dura. Mais tarde, arrumei as tralhas. Precisava seguir no dia seguinte. Balneário Camboriú (SC), 900 quilômetros à frente.

02/01/2005 (Domingo). 8º dia de viagem.
Trecho percorrido: Salesópolis (SP) São Sebastião (SP). 110 km.

Dia 2 de Janeiro de 2005, Domingão de sol e muito calor. Deixei Salesópolis às 11h 30 e pedalei 40 quilômetros por vales repletos de fazendas na SP-088, que termina no entroncamento com a SP-099, a Rodovia dos Tamoios. 

Podia imaginar o movimento na direção contrária à minha. A Paulicéia voltando em massa do litoral. Ao ingressar na Rodovia dos Tamoios, que liga o Litoral Norte de SP a São José dos Campos (SP), no Vale do Paraíba, havia um mar de carros trafegando lentamente na pista de subida da serra. 

No entanto, eu estava indo no contra-fluxo, descendo para o litoral, com destino à cidade de São Sebastião (SP). À minha frente tudo estava livre. Desci os 16 quilômetros no trecho da Serra do Mar reinando de forma absoluta e soberana no asfalto. Ninguém descia, exceto eu. Todos subiam.

Rodovia dos Tamoios (SP 99). Foto: Fernando Mendes.

A Rodovia dos Tamoios dá acesso ao Litoral Norte de SP, serpenteia a Serra do Mar e oferece um visual dos mais belos. O dia estava esplendidamente claro e sem nuvens, proporcionado uma vista espetacular da praia de Caraguatatuba (SP), lá em baixo.

Caraguatatuba (SP) vista da Rodovia dos Tamoios. Foto: Fernando Mendes.

Às 15h 42, após ter pedalado 74 quilômetros desde a saída de Salesópolis (SP), cheguei à avenida principal de Caraguatatuba (SP), onde está a Praia do Centro. Caraguá é a perfeita combinação entre o azul marítimo e o verde da Mata Atlântica. É a porta de entrada do Litoral Norte de SP e centro geográfico da região.

Segui na direção sul para alcançar, 27 quilômetros à frente, a cidade de São Sebastião (SP). Foram as primeiras pedaladas pela Rodovia Rio-Santos. Passei pelas praias de Indaiá, Pan-Brasil, das Palmeiras, do Romance, das Flecheiras e Porto Novo. 

Foto: Fernando Mendes.

A partir desta última, localizada no final da orla, a Rio-Santos inicia uma forte subida para vencer a encosta.  Ao descer, passei pela Praia de Cigarras, pelo Povoado São Francisco da Praia e cheguei a São Sebastião (SP) às 17h 30. 

A cidade, como é comum no Litoral Norte de SP durante o verão, fervilhava. Um frenesi de gente pelas ruas; uns iam e outros voltavam das praias, o trânsito era frenético no trecho urbano da Rodovia Rio-Santos. Comecei a procurar o Hotel Garoupas e tendo dificuldades para pedalar em meio àquele mar de gente e carros, resolvi parar e perguntar. Não foi difícil localizá-lo após a informação que obtive em uma das inúmeras sorveterias da comarca.

Por volta das 18h encerrei minha jornada daquele dia 2 de Janeiro, um Domingo ensolarado com uma descida radical da Serra do Mar pela Rodovia dos Tamoios. De Caraguatatuba (SP) a São Sebastião (SP) fui vendo o Atlântico à minha esquerda. O mar estava convidativo para um banho. As praias lotadas. Havia um ar de muita alegria, talvez a renovação das esperanças por estar começando 2005. E o tempo ajudou a compor aquele cenário.

Deixei as minhas tralhas no hotel e fui caminhar pela orla. Eram 18h 30. No verão os dias são mais longos em virtude de o sol estar alinhado com Capricórnio, que passa ali perto. E como estávamos sob o Horário de Verão, os dias ficam [ainda] mais longos. 

Caminhei até às 20h 30, quando, finalmente, o sol se pôs, deixando o céu com as cores do entardecer e a Ilhabela (6), ao fundo, deu o toque final naquela aquarela.

(6) Ilhabela é um município-arquipélago, ou seja, seu território é formado por várias ilhas. A maior e a principal delas chama-se Ilha de São Sebastião, com uma área de 337,5 km2.

Disponível em: <https://www.ilhabela.com.br/ilhabela/>. 
Acesso: 01/02/2005.

03/01/2005 (2ªf). 9º dia de viagem.
Trecho percorrido: São Sebastião (SP) ao Guarujá (SP). 110 km.



Na manhã seguinte fui à praia antes de recomeçar a viagem. Primeiro dia útil de 2005. Depois do café da manhã, dirigi-me à orla, mas a praia estava com densidade demográfica semelhante a Bangladesh, algo em torno de 1.002 habitantes/km2.


Fiquei o suficiente para bons mergulhos e refrescar-me, pois àquela hora da manhã (10h), os termômetros da rua marcavam 32ºC. Percebi que havia possibilidade de o tempo “virar”. Havia um vento, embora fraco, vindo, segundo meus cálculos, da direção Sudoeste (SW). 

Mas eu poderia estar enganado. Não dei importância e voltei ao hotel. Arrumei os cacarecos e segui, pela Rodovia Rio-Santos, na proa do Guarujá, 110 km à frente. Pedalava pela estrada mais bonita do Brasil, entre a Serra [do Mar] e o Atlântico Sul.

Foto: Fernando Mendes.

Deixei São Sebastião (SP) às 12h e girei sem tréguas até Maresias (SP), chegando às 14h. Foram 38 quilômetros em 2 horas. Boa média, se levar em conta que a Rio-Santos tem fortes subidas na transição de uma praia para outra. 

Após percorrer o perímetro urbano, veio a parte mais difícil daquele dia: vencer a Serra do Boiçucanga. Um morro com quatro quilômetros em acentuado ângulo de subida. Pedalei com a menor coroa relacionada à maior catraca, que possibilita giro mais leve. 


Disponível em: <http://www.correforte.com.br/revezamento-bertioga-maresias-trecho-8/>. Acesso: 01/02/2005.

Qualquer relação catraca/coroa diferente dessa tornaria, para mim, a subida impraticável, haja vista o peso da bike com os alforjes acoplados. Quando cheguei à “virada” da subida, ou seja, onde começa a descida, parei no mirante, tirei algumas fotos da Praia de Maresias e continuei. 

Alto da serra. Foto: Fernando Mendes.

Maresias vista do alto da serra Boiçucanga. Foto: Fernando Mendes.

Assim que a descida começou, a Praia Brava apareceu lá embaixo e encoberta por uma nuvem negra. Minhas suspeitas de virada de tempo se confirmaram. Chuva bíblica trazida por fortes ventos vindos do mar. A partir dali, pedal cascudo.

Às 15h 42, parei em um posto de combustíveis na Praia de Boiçucanga na esperança de a chuva passar, afinal era uma chuva de verão. Ledo engano. "Chuva de verão pode ser forte, mas passa logo", pensei. Mas aquela chuva não estava com cara de que ia parar logo. 

As condições do tempo pioravam à medida que avançava e o trânsito foi ficando mais intenso. Alguns carros começaram a trafegar pelo acostamento na tentativa de vencer o engarrafamento que começou a alguns quilômetros do trevo que de acesso à Rodovia Mogi-Bertioga. 

Não me abalei. Não deixei nenhum carro avançar pelo acostamento. Começaram a buzinar para eu sair da frente. Fiz-me de morto. Trafegar pelo acostamento é proibido e eu estava no lugar certo. Os carros estavam no lugar errado. 

 Continuei a pedalar observando, pelo retrovisor, os apressados e estressados buzinando. Quando menos esperava, uma viatura da Polícia Rodoviária Estadual, parada atrás de uma moita, acompanhava de binóculos os espertos que trafegavam pelo acostamento. 

Todos os carros foram parados. Não havia como escapar. E eu dei a minha contribuição confirmando que eles trafegavam pelo acostamento. Relatei, também, que o carro que vinha logo atrás de mim, buzinava freneticamente para eu sair da frente. Começaram bem o ano, levando uma multa. Eu continuei e ainda dei adeus ao babaca que buzinava para passar.

A chuva continuava, apesar de ter diminuído de intensidade. Escureceu às 19h. O céu continuava cinzento. Às 19h 20 cheguei à balsa em Bertioga. Estava ensopado e enlameado. 

Após a travessia, pedalei 16 quilômetros até chegar ao Hotel Albamar, localizado na chegada ao Guarujá (SP). Banho e saí para jantar. A chuva deu uma trégua. Animei-me e fui a pé até o restaurante localizado na Praia Perequê, distante três quilômetros do Albamar. 

Janta deliciosa, sobremesa e café expresso. Vinha pensando nisso durante os últimos quilômetros pedalados daquele dia 3 de janeiro. Na volta, a chuva pegou-me no caminho. "Ela veio para ficar", concluí enquanto tentava chegar à pousada o menos ensopado possível.

Mais tarde, assistindo ao Jornal da Noite, “a passagem de uma frente fria trouxe muita chuva para o litoral das regiões Sul e Sudeste do País”. Era tudo que eu não queria ouvir. 

Choveu a noite toda. 

4 de Janeiro (3ªf). 10º dia de viagem.
Trecho percorrido: Guarujá (SP) a Peruíba (SP). 100 km.



Tomei café, arrumei as coisas para seguir viagem para Peruíbe (SP) e tive a companhia da chuva por todo trajeto.


Eram 9h quando comecei a jornada. Atravessei o Guarujá (SP), com trânsito caótico por causa da chuva. Pedalei por toda extensão da Praia das Pitangueiras. Embarquei na balsa para Santos (SP). Por lá, o trânsito estava pior. A chuva não parava. Passei por São Vicente (SP) e atravessei a Ponte Pênsil (7).

Foto disponível em: <https://sk.pinterest.com/pin/384776361906015120/>. 
Acesso: 01/02/2005.

(7) Sua execução data de 1914, tendo sido importada da Alemanha. O projeto é de August Kloenne da firma Bruckenbauanstalt de Dortmund. Foi utilizado o aço alemão denominado Holder 32. A ponte é de tramo único, com de 180 m entre eixos das torres, com viga de rigidez em treliça metálica suspensa em 16 cabos de aço.

Disponível em: < https://mapio.net/pic/p-224076/>. 
Acesso: 01/02/2005.

Cheguei à Praia Grande por volta das 14h. A viagem não rendia. Chovia muito e eu havia pedalado, desde a saída do Guarujá (SP), por áreas urbanas, com trânsito intenso e confuso por causa do mau tempo. 

11 quilômetros depois da Praia Grande voltei a pedalar pela SP-055 (Rodovia Padre Manoel da Nóbrega), o prolongamento da Rodovia Rio-Santos, que vai até Peruíbe (SP), meu destino daquele dia molhado. Estava atravessando a Região Metropolitana da Baixada Santista, a primeira do País a ser fundada sem conter uma capital estadual.

mapa baixada [s.d] color. Disponível em: <https://emplasa.sp.gov.br/RMBS> 
Acesso: 01/02/2005.

Às 15h, quando passava por Mongaguá, o pneu traseiro foi furado por imenso prego que parecia estar ali me esperando. Trocar pneu é ruim em qualquer situação. Mas sob forte chuva é pior. A câmara de ar foi para a lata de lixo mais próxima. O prego furou-a em vários pontos, talvez porque rodei alguns metros até parar. 

Fiquei apenas com uma câmara reserva. Isso não é recomendável, porque se outro pneu furasse, ficaria sem “estepe”. Foi preciso entrar na cidade. Comprei duas. Canja de galinha e câmara de ar a mais não fazem mal a ninguém. Retomei a viagem depois de uma hora e meia às voltas com pneu furado e compra de nova câmara de ar.

Passei por Itanhaém (SP) e logo Peruíbe (SP) apareceu à minha frente. Foi o dia mais pesado, por causa do trânsito, da chuva e do tempo que não dava sinais de melhoria. A chegada à cidade de Peruíbe (SP) foi saudada por fortes ventos com rajadas violentas. A areia da praia machucava a pele. Bela recepção.

Enquanto tomava banho, a chuva voltou a castigar e o Jornal Nacional noticiou, mais tarde, que "a frente fria estava seguindo para o mar, com previsão de melhoria no decorrer do período". De fato houve uma melhora no tempo. Não choveu durante a noite.



05/01/20056 (4ªf). 10º dia de viagem.
Peruíba (SP) a Registro (SP). 102 km.

Quando deixei Peruíbe (SP), na manhã seguinte, o tempo estava nublado e com forte mormaço. Ao sair do hotel, uma sensação de estar esquecendo alguma coisa apoderou-se de mim. 

Peruíbe (SP). Foto: Fernando Mendes.

Voltei ao quarto, fiz uma varredura geral no aposento e constatei que nada estava sendo esquecido. Comecei a pedalar. A sensação permanecia, embora estivesse certo  que nada havia ficado para trás, afinal voltei e chequei. 


Depois de 1 hora e meia pedalando, constatei que havia esquecido algo. Quando coloquei a mão sobre minha cabeça, "cadê o capacete"? Inacreditável. Havia esquecido esse acessório na garagem do hotel, onde a bike pernoitou. 

Voltei para buscá-lo. Isso significou um atraso enorme. Mas fazer o quê. O que não tem remédio, remediado está. 

Havia saído às 9h 30. Dei pela falta do capacete às 11h. Cheguei de volta à cidade às 12h 30. Recomecei a viagem com três horas de atraso. Que mancada. Retorno à estaca zero. Recomecei às 12h 30 o trecho daquele dia. Peruíbe (SP) até Registro (SP), localizada no Vale do Ribeira.

A partir de Peruíbe (SP), a rodovia SP-055 deixa de correr paralela à costa. Daquele ponto em diante é proibido seguir margeando o Atlântico em virtude da presença de áreas de proteção ambiental (Estação Ecológica da Juréia-Itatins e Área de Proteção Ambiental Cananéia-Iguape-Peruíbe). 

Para viajar paralelamente ao mar é preciso obter autorização do IBAMA. Detesto burocracias, por isso segui o roteiro rodoviário. 

Na saída da cidade de Peruíbe (SP), a SP-055 segue para o interior, subindo a encosta da Serra do Mar.  Atravessa o Povoado de Ana Dias e os municípios de Itariri (SP) e Pedro de Toledo (SP), terminando no Povoado Pedro Barros, entroncamento com a BR-116, a Rodovia Régis Bittencourt.

mapa vale [s.d]. Disponível em: <https://registro.portaldacidade.com/noticias/regiao/vale>. 
Acesso: 01/02/2005.


O Vale do Ribeira localiza-se entre as Serras do Mar (leste) e Paranapiacaba (oeste). A BR-116, duplicada até Curitiba (PR), corre entre essas duas serras, fazendo com que a estrada tenha longos trechos planos. 

Quando ingressei nessa rodovia (BR-116) eram 14h 12. Fiz uma parada no Posto O Fazendeiro, no município de Miracatu (SP). O mau tempo se foi. O Sol castigava e a temperatura, segundo meu termômetro portátil, era de 34ºC. Almoço delicioso.

Fiz os 60 quilômetros restantes daquele dia pedalando forte e cheguei a Registro (8)  às 17h 30. Hospedei-me no Estoril Palace Hotel e Restaurante, na beira da estrada. Fiquei em um quarto defronte à BR-116.

Depois do banho fui à varanda, virada para o oeste, tirar fotos do pôr do sol. Mas o astro-rei estava atrás de pesadas nuvens que se formaram em poucos minutos. Em seguida, outro temporal. Chuva de verão. 

 No lado oposto da estrada e de frente para o hotel tem um restaurante da Rede Graal. Estava enfeitado para as festas de fim de ano. Tirei algumas fotos, desci para tomar um caldo verde (delicioso) e voltei para dormir. Fechei a porta da varanda para cortar o barulho da estrada, liguei o ar condicionado e dormi profundamente até às 10h do dia seguinte.



6 de Janeiro (5ªf). 12º dia de viagem.
Trecho percorrido: Registro (SP) a Cajati (SP). 60 km.


Quase perdi o café da manhã. Acordei com o telefone tocando e uma voz do outro lado disse: “bom dia senhor” “O café será encerrado dentro de 15 minutos”. Nem me dei conta do tanto que havia dormido. Desci, alimentei-me e saí para levar a bicicleta à assistência técnica. As marchas estavam desreguladas e pulando muito.

(8) O Município de Registro (SP), situado no Vale do Ribeira, surgiu como um pequeno povoado à margem do Rio Ribeira de Iguape. Na época, explorava-se ouro no Alto Ribeira, que era transportado pelo rio até o porto de Iguape, no litoral. 

Porém, antes de seguir até o porto, todas as mercadorias eram registradas por um agente de Portugal para cobrar o dízimo destinado à Coroa Portuguesa
Daí originou-se o nome Registro. 

Ainda como povoado pertencente à Iguape, Registro começou a crescer a partir da chegada dos primeiros colonizadores japoneses, em 1913, sendo que, naquele período, Registro era o maior produtor de arroz do Estado de São Paulo. Somente em 30 de Novembro de 1944, pelo Decreto Lei nº. 14.334, emancipou-se de Iguape, tornando-se município, cujas instalações deram-se em 1º de Janeiro de 1945. 

Disponível em: <https://www.ovaledoribeira.com.br/2012/11/historia-de-registro-sp-no-vale-do.html>. Acesso: 01/02/2005.

Pedalei do hotel até a cidade, distante três quilômetros. Atravessei a ponte sobre o rio Ribeira de Iguape e entrei na cidade pelo acesso principal. Sai no centro. Pedi informação acerca de loja que conserta bicicleta e, dois quarteirões à frente, encontrei uma oficina, de propriedade de japoneses. Atenderam-me muito bem, gostaram da história da viagem que estava fazendo e, ao meio-dia, estava de volta ao hotel para reiniciar o pedal. Era Dia de Reis, dia de desmontar a Árvore de Natal e o Presépio. Dia que sempre chove.


Às 12h 28 voltei à BR-116, com a bike pronta para seguir viagem. Foi dia para pedalar pouco. Encerrei pedal em Cajati (SP), distante apenas 60 quilômetros de Registro. Motivo: de Cajati (SP) para frente, a estrada atravessa duas áreas serranas, muito extensas e desprovidas de pontos de apoio. "Dormirei por aqui". "Amanhã enfrentarei o traçado cascudo e deserto

O traçado cascudo e deserto é formado pela Serra do Azeite, uma ascensão de 24 quilômetros. Ao terminar, 18 quilômetros em planura até a subida da Serra Bica da Onça, com 27 quilômetros de subidas para o dia todo.  

Mediante tal situação, à época do planejamento da viagem, decidi pedalar até Cajati (SP), ficar por lá e seguir viagem noutro dia. Como as subidas são fortes, a noite cairia em plena serra e alcançaria Campina Grande do Sul (PR) de madrugada. Não havia necessidade de correr riscos. São 170 quilômetros entre Cajati (SP) e Campina Grande do Sul (PR).

No trecho que vaia de Registro (SP) a Cajati (60 km), percorrido em 2h 30 – um recorde – fiz apenas uma parada no Posto Búfalo do Vale, no Município de Jacupiranga (SP). 

Cheguei a Cajati (SP) às 14h 50. Hospedei-me no Hotel Sueber, às margens da estrada. O calor estava sufocante. Fiquei o resto da tarde no quarto curtindo o ar condicionado e descansando. Adiantei a leitura do Código da Vinci. Quando escureceu e a temperatura baixou para 30ºC, saí à caça de víveres.

Refiz os cálculos das distâncias e dos trechos desertos do dia seguinte e fui dormir. Precisava sair cedo. 170 quilômetros a percorrer, duas serras para vencer, o calor costumeiro e previsão de chuva forte ao entardecer.

7 de Janeiro (6ªf). 13º dia de viagem.
Trecho percorrido: Cajati (SP) a Campina Grande do Sul (PR). 170 km.

Às 9h entrei na BR-116 e logo de cara uma placa de advertência: “próximo abastecimento a 40 km”. Outra placa também adverte: “trecho em serra nos próximos 24 km”. É a Serra do Azeite, na qual as subidas começam discretamente e o ângulo de inclinação aumenta a cada curva. 

Quando a topografia começou a ficar mais acidentada, parei em uma feirinha à beira da estrada. Muito farta em frutas. Comi um abacaxi, um pedaço de jaca e tomei deliciosa água de coco. Dali para frente, nada de pontos de apoio.

Foto: Fernando Mendes.

Atrás das barracas, uma deliciosa cachoeira está à disposição dos clientes. Não pensei duas vezes. Tirei o capacete e fui me refrescar naquelas águas geladas, que descem da Serra de Paranapiacaba. 

Difícil foi continuar a viagem depois daquele banho merecido. Voltei à estrada. Ou melhor, voltei às subidas da Serra do Azeite. 

Havia lido sobre essa região, quando um grupo de três ciclistas foi de Jacareí (SP) a Florianópolis (SC). Eles fizeram o mesmo percurso que fiz. Eis parte do relato“Alguns quilômetros após Cajati teve início a subida da Serra do Azeite, e bota azeite nisso!! Apesar de não ser tão íngreme quanto a de Boiçucanga (na Rio-Santos), foi muito mais longa e ainda com uma "lua" daquelas na cabeça. No total foram 24 km serra acima, o que rendeu algumas paradas para tomar caldo de cana gelado”. 


Disponível em: <http://www.clubedecicloturismo.com.br/viagens-1/151-de-jacarei-a-florianopolis>. Acesso: 01/02/2005.


Às 12h alcancei o fim da subida da Serra do Azeite. Curiosamente, não há uma descida após atingir o ponto mais alto. Assim que o terreno ficou plano, veio um trecho retilíneo, com 18 quilômetros de extensão, no qual pedalei forte e sem parar. 

Renovei a água no Camelback, tomei delicioso caldo de cana e informei-me acerca da localização do próximo posto. Fica no trevo de acesso a Barra do Turvo (SP), em plena subida na Serra da Bica da Onça. Respirei fundo e segui. Dancei no almoço.

Naquele dia coloquei à prova toda a minha resistência física e determinação. O céu começou a ficar escuro em plena 2 horas da tarde. Que beleza! Mais chuva e eu havia percorrido apenas um terço do trajeto. Parar, nem pensar. Não existem cidades naquele trecho. Fui em frente.

Por volta das 14h, uma placa no acostamento alertou-me sobre o início da subida da Serra da Bica da Onça, dividida em dois trechos: 9 quilômetros até o trevo de acesso à Barra do Turvo (SP) e do trevo em diante, mais 16 quilômetros até a divisa SP/PR. 

Começou a chover. Uma chuva forte com pingos grossos semelhantes a jabuticabas. A roupa molhada, os pneus pesados e os alforjes ensopados, aumentaram o peso da bicicleta e as pedaladas foram ficando mais lentas. Levei uma hora até o trevo de Barra do Turvo (SP). 

Às 15h, parei em uma pequena birosca, que fica ao lado de algo que, outrora, foi um ponto de ônibus. As pessoas se espremiam e se escoravam umas nas outras para escapar da chuva implacável, acompanhada de vento forte. Enquanto uns não querem se molhar, eu estava ensopado e enlameado. Bicicleta sem pára-lamas tem desses inconvenientes.

Tomei uma Coca-Cola na garrafa de vidro e comi barrinhas de rapadura. Alonguei as pernas e costas para os 16 quilômetros finais de subida. Fui até a beira do precipício e vi o rio Turvo, com água não tão turva assim, serpenteando os obstáculos que têm pela frente até chegar a seu destino, assim como eu, que também, pedalada e vencia os obstáculos do caminho: calor intenso, subidas insanas, chuva forte, cachorros correndo atrás da bike e ausência de postos naquele trecho tão inóspito da BR-116. Eram 15h 10.

Os 16 quilômetros finais em terras de SP foram percorridos, apesar do frenético sobe e desce, em 43 minutos. Às 15h 53 cheguei ao marco divisório entre os Estados de São Paulo e Paraná. Faltavam 68 quilômetros para Campina Grande do Sul (PR).  A chuva passou. Após a placa indicativa de distâncias, outra [placa] anunciou Posto Represa, às margens da Represa do Capivari, a 42 quilômetros adiante.

Foto: Fernando Mendes.

Represa. foto color [s.d]. Disponível em:, https://www.tribunapr.com.br/dicas-de-turismo/atracoes-turisticas-de-campina-grande-do-sul-sao-catalogadas-em-mapa-na-internet/>. Acesso: 01/02/2005.


     O Posto Represa fica a poucos metros da ponte que atravessa o reservatório do Capivari. Estava em lugar muito bonito. Apesar de o tempo fechado e ainda cair uma chuva fina, fui até a cabeceira da ponte e tive uma visão parcial da área alagada.

 Esse volume gigantesco de água atravessa a Serra do Mar por um túnel de 15,4 quilômetros para movimentar os geradores da UHE Parigot de Souzalocalizada 800 metros abaixo dessa represa. É o maior desnível montante (rio acima) jusante (rio abaixo) do Brasil. 

A Ponte Capivari foi construída em 1962 e recebeu obras de restauração, reforço e alargamento no final da década de 1990, depois que outra ponte paralela ficou pronta à época da duplicação da BR-116. A ponte suporta um tráfego diário de 30 mil veículos. Fiquei contemplando aquela ponte em curva, modelo de construção não mais utilizado nesse tipo de obra. 

Represa. foto color [s.d]. Disponível em:, https://www.tribunapr.com.br/dicas-de-turismo/atracoes-turisticas-de-campina-grande-do-sul-sao-catalogadas-em-mapa-na-internet/>. Acesso: 01/02/2005.

Dezoito dias depois da minha passagem por ali, assisti pela Globo News uma matéria informando sobre a queda da Ponte do Capivari. Não conseguia acreditar nas imagens que via pela TV.

foto ponte [s.d]. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u104704.shtml>. 
Acesso: 01/02/2005.

foto ponte [s.d]. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u104704.shtml>. 
Acesso: 01/02/2005.


foto ponte [s.d]. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u104704.shtml>. 
Acesso: 01/02/2005.

Um relatório do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) sobre as causas da queda da Ponte da Represa do Capivari culpa a intensa chuva que atingiu a região na noite do acidente (eram 22h 45 do dia 25/01/2005) pelo desabamento. Segundo o documento, a infiltração de água no solo da encosta da ponte foi suficiente para produzir um deslizamento de terra que atingiu os pilares da estrutura. O custo das obras de recuperação e construção da nova ponte está estimado em R$ 7 milhões - mais que o triplo do anunciado logo após o acidente (R$ 2 milhões). O relatório menciona que choveu 83 mm na região da cabeceira da ponte na noite do acidente, o que corresponde a um índice pluviométrico de 15 dias para a região. O Sistema Meteorológico do Paraná confirmou um número parecido com o que está no laudo. Foram registrados 81,8 mm de chuva entre 20h15 de terça-feira, dia 25, e 2h15 de quarta. Parte da ponte veio abaixo. O que o laudo não menciona são as falhas no sistema de drenagem. Ele começa no canteiro central que separa as duas pontes da Represa do Capivari. É original dos anos 60 do século passado, quando a rodovia foi inaugurada. O engenheiro Ronaldo Jares, chefe de unidade do DNIT, admitiu que a drenagem absorvia a água da chuva de forma superficial. Dois caminhões se envolveram em um acidente no momento da queda parcial da ponte. Um deles caiu na represa Capivari e o motorista morreu. Outro caminhão ficou pendurado na ponte. Três pessoas ficaram feridas. O desabamento de um trecho da ponte localizada sobre o lago da Represa do Capivari, em Campina Grande do Sul (PR), não foi causada por problemas na estrutura, afirma Ronaldo de Almeida Jares, engenheiro supervisor da unidade do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura em Transporte) responsável pela conservação do trecho acidentado. "A ponte não caiu por problemas estruturais. Foi por causa da chuva dos últimos dias que encharcou a terra que ficou muito pesada e desabou sobre os pilares da ponte”, concluiu Jares. 

Disponível em: <https://www.tribunapr.com.br/noticias/parana/dnit-culpa-a-chuva-pela-queda-da-ponte-do-capivari/>. Acesso: 01/02/2005.


Tirei fotos da ponte e dias depois a vi desmoronada. Lamentável. Voltei à estrada para pedalar os últimos 40 quilômetros daquele dia. Meu pernoite foi em Campina Grande do Sul (PR), município localizado na Região Metropolitana de Curitiba.

Foto: Fernando Mendes.

Eram 20h 45 quando entrei no Hotel e dei por encerrada a jornada. E que jornada! 170 km em 11 horas. Média geral de 15,4 km/h. Subidas insanas nas duas serras que atravessei. Chuva implacável depois de um calor abrasador. Esses obstáculos fazem parte da viagem. Superei todos. Superei-me nesse trecho Cajati (SP) a Campina Grande do Sul (PR).

Tomei um banho merecido e saí para jantar. Revisei o roteiro do dia seguinte e fui dormir. Faltavam dois dias e exatos 287 para Balneário Camboriú (SC). Havia pedalado 1.302 quilômetros desde a saída de Ribeirão Preto (SP) . 

Muita expectativa para o dia seguinte: descer a Serra do Mar pela Estrada da Graciosa (PR-410), momento mais esperado da viagem.


8 de Janeiro.  Sábado. 14º dia de viagem.
Trecho percorrido: Campina Grande do Sul (PR) a Guaratuba (PR)  130 km.


Dia 8 de Janeiro, aniversário de 23 anos da minha filha Daniela. Quando eu poderia imaginar que há 23 anos, quando estava na maternidade, faria essa viagem de bike. 

Viver é ter a chance da surpresa. Liguei a ela na hora que saí de Campina Grande do Sul (PR), às 8h 30 daquela manhã. O céu estava limpo, com poucas nuvens e a temperatura bastante agradável [23ºC].


Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Estava ciente que, ao chegar a Morretes (PR), após descer a Serra do Mar, um calor infernal me aguardava. Dito e feito. De volta à BR-116, voltei 19 km na direção de SP, para alcançar o trevo que dá acesso à Estrada da Graciosa (9).

(9) A sinuosa Estrada da Graciosa (PR-410), que atravessa a Serra do Mar ligando Curitiba (PR) a Antonina (PR) e Morretes (PR), teve sua origem em uma trilha de indígenas, que mariscavam no litoral e na época da colheita do pinhão subiam até o planalto. 

Esse caminho foi utilizado por aproximadamente 200 anos antes do início da construção da estrada, pelos índios, pelos jesuítas e pelos primeiros colonizadores do Estado, no século XVII. A antiga Estrada da Graciosa é uma importante obra construída no século XIX e de grande valor histórico. 

A data mais remota referente à estrada relata que a primeira picada que os descobridores e povoados fizeram foi no século XVI, de 1570 a 1580. Ela é recoberta pela Mata Atlântica e rodeada pelo Rio Nhundiaquara.

Possui uma flora exuberante e no verão fica recoberta de flores típicas de uma floresta exótica.  No acesso da Estrada da Graciosa está o Portal da Graciosa, importante e belíssimo ponto turístico do Estado do Paraná. A estrada da Graciosa é cortada pelo caminho da Graciosa denominado por alguns de Caminho dos Jesuítas. Mais tarde, o mesmo caminho foi utilizado pelo ciclo da erva-mate no Paraná

Disponível em: <http://www.turismo.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=68?&mobile=1>. Acesso: 01/02/2005.

Às 9h 30 cheguei ao Portal que marca o início da Graciosa, repleta de hortênsias em ambos os lados da rodovia. Os primeiros quilômetros, em trecho plano, são asfaltados, embora em condições ruins devido aos sucessivos remendos, alguns bastante salientes. 

 Quatro quilômetros após o portal, o piso passa a ser alternadamente de paralelepípedos e asfalto. Começa a descida da Serra do Mar rumo ao município de Morretes (PR).

 Fui descendo devagar e observando tudo a minha volta. Fiz várias paradas para fotos e refrescar-me nas bicas com água limpa que desce pelas encostas rochosas da serra. 

 Passaram por mim motoqueiros, outros ciclista, alguns carros e vi grupo de pessoas que desciam a estrada a pé. Cada um a sua maneira e procurando aproveitar aquele lugar tão belo, sossegado e fresco.


Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Descia com vontade de que aquele momento não acabasse tão cedo. O cheiro de mato, o canto da passarada, o barulho do rio de nome indígena (Nhundiaquara) tudo isso dá à Graciosa um sabor especial. 

A Mata Atlântica, preservada e imponente, nos dá uma pequena amostra do que foi o Brasil à época do descobrimento. Estendia-se e, consequentemente, cobria, de forma ininterrupta, o trecho que vai do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. A largura mínima era de 200 km e a máxima 500 km. Hoje está reduzida a 5% do tamanho original. Havia muita gente nos mirantes localizados ao longo da Graciosa, que possibilitam um visual maravilhoso da Baía de Paranaguá.

Às 12h 35, cheguei a Morretes (PR), que mais parecia a sucursal do inferno. Fui ao quiosque do BB sacar uns trocados. Lá dentro o ar condicionado a todo vapor proporcionava um alívio para tanto calor. Comi dois pastéis e segui pelas ruas sentindo um forte cheiro de Barreado no ar. É um prato típico da cidade, muito gorduroso e pesado. Refeição imprópria para o calor do local.


Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Após sair da cidade, percorri quatro quilômetros e cheguei à BR-277. Pedalei por 14 quilômetros na direção de Paranaguá (PR), até alcançar o trevo que dá acesso à Rodovia PR - 508, a Rodovia das Praias, que dá acesso a Matinhos, Caiobá e Guaratuba, onde encerrei a jornada daquele dia, com 130 quilômetros pedalados sob um calor saariano.

Como acontece nas cidades do litoral em época de férias, as ruas estavam lotadas. Um mar de gente andando e trânsito complicado na orla. Depois que me livrei da muvuca, subi um morro bem íngreme e, na descida, avistei Guaratuba (PR) do outro lado do rio Cubatão, que é transposto por uma balsa. A travessia começou às 19h 02 e o sol deixou um rastro prateado na água.


Foto: Fernando Mendes.

Ao descer da balsa, fui buscar hospedagem. Foi difícil encontrar um hotel. Era sábado, período de férias escolares, fim de semana quente e a cidade entupida de gente. Após rodar por mais de 1 hora, consegui um lugar para ficar. Não era nenhuma Brastemp, porém quebrou o galho.

Às 21h, quando saí para jantar, a cidade de Guaratuba (PR) pareceu ter esvaziado repentinamente. O garçom do restaurante me falou que é assim mesmo. Segundo ele, entre 21h e meia-noite, a cidade fica menos movimentada porque o pessoal vai para casa descansar um pouco, pois a noite é uma criança. 

Pude comprovar que isso é fato. Quando adormeci, por volta das 23h, tudo estava calmo. Nem parecia a Guaratuba (PR) da hora que cheguei. Mas, por volta da meia-noite, fui despertado por um barulho ensurdecedor de rock progressivo, aquele bem pesado. 

Fui à janela do quarto verificar. Pensei que se tratava de um carro com som nas alturas. Enganei-me. O som vinha de um bar em frente ao hotel. Com três pavimentos, o estabelecimento fervilhava de gente. Não havia lugar para todos, por isso boa parte dos freqüentadores fica na rua, aumentando, ainda mais, a barulheira. Ainda bem que tinha silicones de ouvidos na mala. Afundei-os nos meus pavilhões auriculares e não ouvi mais nada.


9 de Janeiro.  Domingo. 15º dia de viagem.
 Trecho percorrido: Guaratuba (PR) ao Balneário Camboriú (SC). 170 km.

Pela manhã, quando saí para a última etapa daquela viagem, vi lixo espalhado por toda a extensão da rua. Havia tantas latas de cervejas espalhadas pelo chão que fariam a alegria de qualquer catador que sobrevive da reciclagem desses materiais. 

 As ruas estavam desertas. Parei na única padaria aberta pelas redondezas e a balconista me falou que "a cidade dorme até o meio-dia". Mas alguns “heróis” resistiam bravamente. Ao lado da mesa que me sentei para tomar café, havia um grupo animado, que ainda tinha fôlego para continuar tomando cerveja. Que disposição.

 Às 10h, comecei a jornada, pedalando pela Praia Central. Alcancei a saída da cidade. ingressei na rodovia PR-412, que me levou até Garuva (SC), na divisa PR/SC. Eram 10h 20. Consegui, finalmente, me livrar do frenético frenesi na orla de Guaratuba (PR). Fazia um calor infernal. Meu termômetro portátil assinalava 30ºC. O calor prometia para aquele último dia de viagem.

 A PR-412 é uma rodovia que dá acesso às praias do Paraná àqueles que vêm de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O trânsito era intenso em ambas as direções. O asfalto está todo remendado e o acostamento é estreito e sem pavimentação. 

 Com as chuvas dos últimos dias, ficou difícil pedalar em terreno encharcado e com terra fofa. Até a BR-101, foram penosos 39 quilômetros. 

 Na divisa PR/SC, o pneu traseiro furou. Primeira baixa daquele dia. Tive que empurrar a bicicleta até encontrar lugar seguro para trocá-lo. Depois de caminhar uns 10 minutos, apareceu a entrada de uma chácara. Fui até próximo à porteira e, com segurança, executei a troca da câmara de ar.


Foto: Fernando Mendes.

Os 39 quilômetros inicias (e penosos por conta das péssimas condições da estrada PR-412) foram vencidos em 2h e 20, chegando a Garuva (SC) às 12h 40. A temperatura havia subido para 33ºC.

Providencial parada para alomoço. Faltavam 140 quilômetros para o Balneário de Camboriú (SC), ponto final da jornada.

O trecho catarinense da BR-101 é quase inteiramente plano, excetuando-se pequenos aclives, ora ou outra. Nessas condições, pretendia percorrer o trecho final de minha jornada, no máximo, em 7 horas.


Às 14h 30, parei no Posto da Rede Rudnick e degustei saboroso caldo de cana. Mas ao sair e pedalar poucos metros, antes de atingir o posto da Polícia Rodoviária, segunda baixa do dia: o pneu traseiro furou novamente. Procurei a sombra mais próxima e executei a troca. 

Porém a câmara reserva não deu sinal de vida quando manualmente tentei enchê-la. Tentei e nada. Parecia estar furada também. O jeito foi voltar ao Posto Rudnick e passar o problema para o borracheiro. 

Quando cheguei, dois motoqueiros aguardavam a vez de serem atendidos. Tive que esperar. O borracheiro trabalhava muito devagar e de má vontade. Reclamou que estava fechando quando as motos chegaram. "Tem mais um para você atender”, pensei. 

Com tanta lerdeza – mais parecia uma preguiça anestesiada –, 1 hora e meia até meu problema ser resolvido. De fato, a câmara reserva estava furada. Ambas foram remendadas e segui viagem bastante atrasado. Mas o pôr do sol nessa época do ano acontece depois das 20h e o atraso não me pareceu motivo de preocupação.

Treze quilômetros após deixar Joinville (SC), quando passava pelo município de Araquari (SC), mais uma baixa, a terceira daquele dia. Senti a bicicleta dar uma “dançada”.  O pneu traseiro arriou por completo. 

Eram 17h e sol estava alto. Encostei a bike junto a uma feirinha, tomei 2 litros de caldo de cana e substituí a câmara furada. O prego furou-a em várias partes, tornando desnecessário mantê-la como reserva. Foi parar na lixeira mais próxima. Restaram-me as duas em uso. Caso tivesse novas baixas, teria que remendar a câmara ou tentar adquirir outra em alguma cidade à beira da estrada.

Às 17h 30 continuei minha viagem, agora com o sol castigando o lado direito do corpo, pois a minha direção geral era sul. 

Às 19h, passei por Barra Velha (SC), local no qual o Atlântico quase “toca” à BR-101. Pude sentir o cheiro da maresia e, enquanto contemplava o mar e pedalava devagar, a bike “dançou” mais uma vez. Resultado: 4ª baixa daquele dia. 

O pneu traseiro arriado e a minha paciência se acabando. Saí da estrada e parei na via paralela de acesso ao Balneário de Barra Velha (SC). Quando retirei os alforjes da garupeira e coloquei a bicicleta com as rodas para cima, algo me disse para verificar se não havia nenhuma outra câmara de ar dentro da bagagem. 

Saí de Brasília (DF) com cinco câmaras de ar, não era possível que todas tivessem sido inutilizadas. Abri o zíper do alforje e fui tateando até que senti algo parecido com o que procurava, dentro de uma embalagem plástica. Bingo! Era uma câmara de ar e novinha em folha. “Sangue de Jesus tem Poder”, exclamei baixinho. Mesmo que tivesse gritado, talvez ninguém ouvisse, em virtude do barulho produzido pelos alto-falantes de um Chevette parado próximo a mim. Tocava música baiana.

O sol começou a tocar as partes mais altas da Serra Geral, à minha direita; à minha esquerda, o mar. Em poucos minutos escondeu-se atrás de tão bela formação rochosa, deixando um rastro luminoso e colorido de seus raios a riscar o céu. 

A noite caiu antes de eu chegar a meu destino. Foi inevitável. Isso não estava previsto. Quatro pneus furados também não. O pneu traseiro apresentava sinais visíveis de desgaste, afinal 1.500 quilômetros com o meu peso, o peso dos alforjes e o atrito em piso crespo, foram suficientes para desgastá-lo além do previsto. Normalmente o pneu traseiro resiste até 2.500 km pedalados.

Procurei aumentar o ritmo. Se ocorresse mais alguma baixa, decidi que não continuaria viagem. Ia procurar pouso em algum balneário (naquela região tem muitos) e pernoitaria. 

Felizmente isso não aconteceu. Sabia, também, que àquela altura eu deveria ter chegado. Como isso não aconteceu, foi evidente a preocupação daqueles que acompanhavam minha viagem. A recepção de sinal para celular estava ruim. Não conseguia fazer ligações ou mandar torpedos. Tratei de seguir sem parar. Anoiteceu e o trânsito ficou mais intenso. 
Foto: Fernando Mendes.

Às 20h 30, o tráfego parou na BR-101. Pensei tratar-se de acidente. Enganei-me. Era o engarrafamento no trevo com a BR 470 para acessar (à direita) Blumenau (SC) e região.

Reduzi a velocidade por causa daqueles irresponsáveis que insistem em trafegar pelo acostamento. Faltavam 25 quilômetros, que foram percorridos no escuro e com forte expectativa de chegar, momento perigoso de qualquer viagem, independente do meio de transporte utilizado.

De Itajaí (SC) ao Balneário Camboriú (SC) são 10 quilômetros. Pareceram-me os mais longos daqueles 15 dias de viagem. A todo instante tinha a sensação de que o pneu traseiro estava esvaziando. Não conseguia enxergar direito em meio à escuridão. O movimento de carros era frenético. Havia pedalado 160 quilômetros. Faltavam apenas dez.

Avistei uma placa. A luz era pouca para conseguir ler a informação. Logo um carro que vinha atrás a iluminou e, como um náufrago que avista um pedaço de madeira boiando em meio à imensidão do mar, puder ler claramente: “Balneário Camboriú". "Acesso a cinco quilômetros”. 

Bem na hora. Esses dizeres me deram o fôlego final para vencer os cinco mil metros restantes. Depois de quatro pneus furados, o moral estava muito baixo. Reanimei-me e coloquei força nas pernas. 

Comecei a pensar no jantar, na cama macia que me esperava, nas pessoas que me aguardavam, na praia do dia seguinte, em dormir até a hora que quisesse, nada de roupas para lavar, muito menos aquele ritual de tomar café, arrumar as tralhas e partir.

 Chegar significou fugir da rotina que se estendeu por 15 dias. Chegar é sempre bom. Lembrei-me da música Lanterna dos Afogados, de Herbert Vianna: “quando está escuro e ninguém te ouve, quando chega a noite e você pode chorar. Há uma luz no túnel dos desesperados. Há um cais de porto pra quem precisa chegar”. 

Faltavam 2 quilômetros. Avistei as lojinhas à beira da estrada. São especialistas na venda de toalhas com estampas. Todas fechadas. O céu estava parcialmente nublado. Será que vai dar praia amanhã? Desviei de um carro no acostamento com pneu furado. Eu não fui a única vítima dos pregos que se espalham aos montes no acostamento da BR-101. Quando indaguei ao borracheiro de Joinville o porquê de tantos pregos espalhados pelo asfalto, ele, no maior cinismo, respondeu: “tem que ter prego, senão borracheiro não sobrevive”.

Faltava apenas um quilômetro. Mil metros ou algumas pedaladas, as últimas para completar mais de 1.500 quilômetros da mais longa viagem, até então, com minha bicicleta.

Às 21h 23, leve curva à esquerda e o acesso ao Balneário ficou visível. Abandonei a BR-101 e entrei na pista paralela à estrada. Pedalei mais alguns quilômetros pelas ruas do Balneário que, àquela hora, tinham trânsito intenso, típico desses lugares de veraneio. Ainda tive tempo de registrar a chegada tirando uma foto próxima à placa de boas vindas.

Foto: Fernando Mendes.

A sensação pós-chegada é muito boa. Apenas os que chegam aos seus destinos, independente da distância, das subidas, dos temporais, da roupa encharcada, do calor abrasador e dos pneus furados, sabem o gosto da vitória. 

Uma vitória que precisou de 15 dias ou 1.589 quilômetros para se realizar. Talvez seja difícil descrever a sensação dessa vitória. Muitos são indiferentes porque a vitória não foi deles; foi minha. 

Nem sempre o que sentimos pode ser descrito. É melhor deixar os que estão à nossa volta avaliar e tentar sentir a mesma alegria e emoção. No entanto, ninguém vibrou mais do que eu, mesmo que, às vezes, a vibração seja introspectiva. 

Brasília (DF), 01/02/2005.

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