Passeio de Bike pelo Vale Histórico e Costa Verde. Outubro 2019.

 



Passeio de Bike pelo Vale Histórico e Costa Verde

 Rodovia dos Tropeiros (SP – 68), Rodovia Saturnino Braga  (RJ -155) e Rodovia Rio – Santos (BR – 101)


Disponível em:<https://www.flickr.com/groups/valehistorico/>. Acesso: 31/10/2019.

Entre os dias 11 e 18 de outubro de 2019, pedalei pelo Circuito Vale Histórico, passando pelas cidades de Silveiras (SP), Areias (SP), São José do Barreiro (SP), Arapeí (SP) e Bananal (SP). 

Iniciei a  1ª parte da jornada em Cunha (SP), finalizando-a em Bananal (SP). Todo esse trecho foi pedalado na Rodovia dos Tropeiros (SP - 68).

A partir de Bananal (SP), após a divisa SP/RJ, pela Rodovia Saturnino Braga (RJ - 155), iniciei a 2ª parte da jornada, passando por Getulândia (RJ), Rio Claro (RJ), Lídice (RJ) e, após descer a vertente oriental da Serra do Mar, cheguei a Angra dos Reis (RJ) e, posteriormente, a Paraty (RJ). 

Foram 326 quilômetros pedalados em meio à Serra do Mar costeando o Oceano Atlântico e muita, muita História do Brasil a aprender. Uma História que poucos conhecem.

Situada no eixo Rio de Janeiro - São Paulo, a região do Cone Leste Paulista é marcada por seu desenvolvimento econômico e tecnológico. Apresenta também um grande potencial turístico, sendo [a região] dividida em seis circuitos: Alto Paraíba, Costa Verde, Rota da Fé, Serra da Mantiqueira, Tecnológico Cultural e Vale Histórico, cada um com suas especificidades atrativas.

No Circuito do Vale Histórico ficam as cidades de Arapeí (SP), Areias (SP), Bananal (SP), Cunha (SP), Cruzeiro, Lavrinhas, Piquete, Queluz, São José do Barreiro (SP) e Silveiras (SP), regiões marcadas pela cultura do algodão, fazendas de café, tropeirismo e o Parque Nacional da Serra da Bocaina, reduto de ecoturistas e aventureiros.

Disponível em:<http://www.gazetavaleparaibana.com/turismo1.htm>. Acesso: 31/10/2019.





Com a descoberta das primeiras jazidas de ouro nas “minas gerais”, a partir de 1695, a região do Facão (atual Cunha) começou a ser palmilhada (caminhar a pé) e desbravada, de modo mais acentuado, por aventureiros portugueses, por portugueses radicados na região vale-paraibana e por outros moradores desses locais, todos à procura de enriquecimento fácil nas “Gerais”. 

Desse modo, a região do Facão (atual Cunha) tornou-se passagem obrigatória como “boca do sertão”, no percurso litoral [de Paraty] até a região das “minas gerais” e, assim, começou o povoamento desordenado do Facão.

Devido ao trânsito intenso, o lugarejo sofreu a [inevitável] consequência desta azáfama (movimentação), que durou por volta de 30 anos, tempo de todas as jazidas [nas minas gerais] serem descobertas. O povoado do Facão (atual Cunha) era o local de descanso e de provimento das tropas de ouro coloniais (ouro em pó, inicialmente carregado às costas pelos escravos).


Acesso: 31/10/2019. (com adaptações).


11/10/2019. 1º dia.
Cunha (SP) a Campos de Cunha (SP) a Silveiras (SP). 70 quilômetros






Moro em Brasília (DF), o lugar mais distante do mundo. Portanto, para chegar a Cunha (SP), local do início da jornada, foram três ônibus e 26 horas de viagem. De Brasília fui ao Terminal Tietê (16 horas de viagem). Do Tietê a Guaratinguetá (SP), 4 horas de viagem. De Guará a Cunha (SP), 2 horas em deslocamento, além de 4 horas em trânsito nas rodoviárias de SP (Tietê) e Guaratinguetá (SP).

Esse périplo rodoviário começou em Brasília no dia 09/10/2019, às 16h, e terminou em Cunha no dia 10/10/2019, às 18h. Brasília é ou não é o lugar mais distante do mundo? 

Em Cunha (SP), a argila é um material barato e abundante, tirado do chão e fornece os meios de vida para os oleiros de tijolo (tradicionais em Cunha), que conduzem uma indústria totalmente manual.

Acesso: 31/10/2019.

Deixei a Pousada Clima da Serra em Cunha (SP) - 21.363 habitantes (IBGE - 2018) -, a terra da cerâmica, às 10h 26, seguindo pela Alameda Francisco da Cunha Menezes até a Matriz Nossa Senhora do Rosário. 

Degustei delicioso café expresso + brigadeiro na Doceria da Cidinha, localizada ao lado da Matriz. Desci a Rua Manoel Rodrigues até alcançar a Estrada Municipal de Cunha, trecho da SP - 68, a Rodovia dos Tropeiros, que apresenta forte ascensão na saída da cidade, proporciona belo visual da antiga Facão (atual Cunha). Os telhados das residências dão a dimensão do crescimento do município ceramista.
 
Os telhados de Cunha (SP). Foto Fernando Mendes.

Os telhados de Cunha (SP). Foto Fernando Mendes.

Vencida a primeira forte subida na saída da cidade, descortina-se um visual que merece contemplação e fotos. A rodovia serpenteia as partes baixas da Serra do Mar - nesse trecho a altimetria varia entre 900 e 1.100 metros - e possibilita pedalar contemplando pequenas propriedades em altitudes menores. O dia estava esplêndido, com Sol entre poucas nuvens e temperatura em ascensão, apesar da elevada altitude.

Trecho da SP - 68, a Rodovia dos Tropeiros. Foto: Fernando Mendes.

Trecho da SP - 68, a Rodovia dos Tropeiros. Foto: Fernando Mendes.

Trecho da SP - 68, a Rodovia dos Tropeiros. Foto: Fernando Mendes

Leves ondulações deram a tônica dos primeiros 10 quilômetros pedalados, com algumas paradas para fotos. Impossível [para mim] ficar indiferente a tamanha beleza, com a Mata Atlântica cobrindo as partes mais altas da Serra do Mar.


Cheguei a Campos de Cunha (distrito de Cunha - 3.257 habitantes - IBGE 2018), 30 quilômetros à frente de Cunha (SP), após subir três trechos intervalados por pequenas retas. Eram 13h. Parada para o almoço, no Restaurante da Família. Refeição deliciosa.



Igreja Nossa Senhora dos Remédios em Campos de Cunha (SP).
Foto: Fernando Mendes.

Retomei o pedal às 14h 41. Campos de Cunha (SP) fica num vale. Fácil para chegar, difícil para sair. Uma subida insana para dar início à química digestiva.  Desse ponto em diante, a SP - 68 descreve um frenético sobe e desce por 52 quilômetros, com as paisagens cada vez mais deslumbrantes, onde a Serra do Mar expõe toda sua beleza sem nenhum pudor. Parada na Cachoeira da Barra. Pausa para arrefecer o corpo. Fazia muito calor.


Cachoeira da Barra. Foto Fernando Mendes.



Foto Fernando Mendes.

Quando o sobe e desce terminou, a estrada inclina fortemente para baixo, com um descenso de seis quilômetros, no qual o traçado é feito em curvas abertas e retas curtas. Deitavas nas curvas, me endireitava nas retas. Cheguei ao Bairro Bom Jesus. Faltavam 8,5 quilômetros para Silveiras (SP).O pôr do Sol deixou rastros dos raios solares no oeste.

O Bairro Bom Jesus assenta-se, a exemplo de Campos de Cunha (SP), num vale. Daí a descida de 6 quilômetros para alcançá-lo. No entanto para sair, veio uma subida ininterrupta de três quilômetros, vencida no escurão da noite e com vaga-lumes balizando o caminho. Espetáculo. Apaguei os faróis da bike e senti-me único no mundo. Um silêncio digno de contemplação. O firmamento estava forrado de estrelas e a Lua em Quarto Crescente. Faltavam dois dias para a Lua Cheia. Privilégio para poucos.

E veio uma descida curta, mas de respeito, até atingir o Bairro Macacos. Faltavam 3,5 quilômetros. Saí desse bairro pedalando outra forte subida, a última da jornada. Movimento muito pequeno na estrada e a luz dos faróis da bike cortando a escuridão. Parei quando avistei Silveiras - 6.264 habitantes - IBGE - 2018 -, toda iluminada, bem à minha frente. 

Que dia maravilhoso. Que pedal extraordinário. Que caminho espetacular. Privilégio para poucos.

Atravessei o Portal de Silveiras (SP) e dirigi-me à Pousada Estrada Real de Silveiras (SP). Excelente. Recomendo. À noite fui jantar no Restaurante Coronel Toucinho. Espetacular. Recomendo. Da cerveja aos itens do cardápio, topíssimo.

DADOS DO PERCURSO CUNHA (SP) A SILVEIRAS (SP) - 70 km

Tempo em movimento

5h 20

 

 

Tempo decorrido

8h 54

 

 

Velocidade média

12,3 km/h

 

 

Velocidade máxima

70,6 km/h

 

 

Ganho elevação

1.781 metros

 

 

Perda elevação

2.041 metros

 

 

Elevação Mínima

602 metros

 

 

Elevação Máxima

1.190 metros

Dados: Garmin de pulso.


Considero esses números muito bons por dois motivos: ) tenho 60 anos e ) pedalei carregando dois alforjes, que totalizaram 8 quilos de carga.

12/10/2019. 2º dia.
Silveiras (SP) a Areias. 27 quilômetros

Fui o único hóspede da Pousada Estrada Real em Silveiras (SP). Dessa forma, a proprietária me disse que o café ficou servido e à espera do meu despertar. Como estou aposentado - acordar cedo, depois de fazê-lo por 40 anos e antes de o Sol aparecer, deixou de fazer parte da minha rotina. 

Dormi relaxado por 12 horas ininterruptas. Despertei às 10h, tomei delicioso café, deixei a bike na pousada e saí a caminhar pela simpática Silveiras (SP). Fui até o Portal da cidade para fotos e, em seguida, delicioso café expresso no Paraíso Atelier e Café.

Atelier é uma palavra estrangeira, de origem francesa.

Ateliê é a forma aportuguesada da palavra [francesa] atelier.

Disponível em:< https://duvidas.dicio.com.br/atelier-ou-atelie/professoraflavianunes.
 Acesso: 31/10/2019.

 Portal Silveiras (SP). Foto Fernando Mendes.



Paraíso Atelier e Café. Foto Fernando Mendes.

Retornei [caminhando] para o centro de Silveiras (SP). Fui conhecer a Praça da Matriz, onde está a bela Igreja Nossa Senhora da Conceição, padroeira da cidade, que teve o início de sua construção em 1830. Fica localizada na área central. Próximo tem alguns restaurantes e lanchonetes. A Praça Antônio Pereira de Azevedo é a principal do município. 

 Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes. 

 Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.  

Infelizmente a igreja estava fechada. Fiquei por um tempo na praça Antônio Pereira e lá e informaram que: "almoço bom em Silveiras (SP) é no Restaurante do Ocílio". Dica quente, igual a temperatura que, àquela hora, beirava os 33ºC. E nenhuma previsão de chuva. Almoço delicioso e atendimento de qualidade, com simpatia e  rapidez.

Terminada a refeição, deitei-me numa das várias redes que o dono do estabelecimento oferece aos clientes. Cochilei por meia hora. Voltei ao Paraíso ateliê para outro expresso.

Localizada entre os rios Paraíba e Paraitinga, Silveiras (SP) teve início do seu povoamento no pouso dos tropeiros à beira da Estrada da Corte, conhecido como "Pouso do Ventura". 

As primeiras famílias que para lá se deslocaram e se fixaram com intuito de colonização, por volta de 1800, foram: Rego Barbosa, Rego da Silveira, Antônio Silveira Guimarães e Bueno da Cunha. 

Iniciou-se, então, o povoado dos "Silveiras" à beira da estrada para o Rio de Janeiro, em território da Vila de Lorena, embora quanto ao nome, os Silveiras não fossem os mais numerosos na localidade.

O núcleo passou a atrair moradores. Em 9 de dezembro de 1830, data da fundação de Silveiras, o bairro [dos Silveiras] foi elevado à categoria de Freguesia, na qual se instalou a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição dos Silveiras. 

A Vila de Silveiras foi instituída em fevereiro de 1842, mas sua instalação deu-se somente em 1845, por ter sofrido intervenção Imperial em virtude da Revolução Liberal. 

Acesso: 21/10/2019.

O tropeirismo, que vem ativando a cidade desde 1980, deu grande incentivo ao artesanato e às artes locais, ficando o último domingo do mês de agosto instituído como o "Dia Do Tropeiro".

Do Atelier retornei [a pé] para pousada, arrumei as tralhas e parti para pedalar diminutos 27 quilômetros até Areias (SP), outro município que integra o Vale Histórico. Ao planejar essa cicloviagem, programei passar o dia 12/10/2019 em Silveiras (SP) e, no meio da tarde, seguir para Areias (SP), haja visto - repito- a diminuta quilometragem.




Às 16h deixei a simpática Silveiras (SP) para trás e tomei a proa de Areias (SP), 27 quilômetros à frente. As paisagens continuaram espetaculares, emolduradas pela Serra do Mar e pela Mata Atlântica nas partes mais elevadas.

SP - 068. Foto: Fernando Mendes.

Serra do Mar vista da SP - 068. Foto: Fernando Mendes.

Os primeiros nove quilômetros foram marcados por uma subida leve, com 3.000 metros de extensão. Após, quase todo o traçado foi feito em descidas pouco inclinadas, com reduzido movimento de veículos e muitas paradas para fotos.

SP - 068. Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.


DADOS DO PERCURSO SILVEIRAS (SP) A AREIAS (SP) 31,57 KM

Tempo em movimento

2h 04

 

 

Tempo decorrido

4h 45

 

 

Velocidade média

15,2 km/h

 

 

Velocidade máxima

51,3 km/h

 

 

Ganho elevação

470 metros

 

 

Perda elevação

577 metros

 

 

Elevação Mínima

515 metros

 

 

Elevação Máxima

808 metros

Dados: Garmin de pulso.



Cheguei a Areias (SP) - 3.876 habitantes - IBGE 2018 -, às 18h.  Localizada no no traçado da antiga Rodovia Rio-São Paulo, no Vale do Paraíba, Areias (SP) foi a primeira cidade a cultivar café na região, alcançando grande destaque no mercado cafeeiro nacional.

Que trecho gostoso para pedalar, sem pressa e contemplando as paisagens. A Igreja Matriz de Sant'Ana, símbolos dos áureos tempos do ciclo do café, impressiona pela beleza e singularidade. Possuir duas torres, símbolo maior da opulência vivida no auge do Ciclo do Café.


A Igreja Matriz de Areias (SP), com suas duas torres, é um testemunho da prosperidade e riqueza local, pois apenas as cidades muito ricas terminavam a construção de duas torres em suas igrejas, pois o Vaticano cobrava altos impostos dos templos que concluíram suas torres. O nome [Areias] se dá pelo fato de seu solo ser particularmente arenoso.

O sino da Igreja Matriz de Areias tocou em ocasiões especiais: ao término da Guerra do Paraguai (1870), na Assinatura da Lei Áurea (1888), ao final da Guerra de Canudos (1897), na Revolução Constitucionalista (1932) e ao término da Segunda Guerra Mundial (1945).

A construção da Igreja Matriz de Sant'Ana estendeu-se de 1792 a 1874. A edificação foi dedicada a Sant`Ana, padroeira da cidade. Em seu interior estão as imagens [da padroeira], de São Miguel e do Senhor Morto.

Disponível em:<https://www.cidadeecultura.com/cidade-de-areias/>. acesso: 31/10/2019.


Igreja Matriz de Sant'Ana. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Sant'Ana. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Sant'Ana. Foto: Fernando Mendes.

Os sino foram importados da Bélgica, feitos em bronze, estanho, ferro, cobre e ouro. Pesa 1.100 quilos, mede 1,5m de altura e foi doado pelo Major Manoel da Silva Leme, em 1863. 

José Bento Renato Monteiro Lobato (1882 - 1948)
, um dos ícones da literatura brasileira, em um de seus livros, faz uma descrição do som do sino que ouviu pela primeira vez da janela do prédio ao lado, onde residia na época. "Não é sem razão o orgulho dos areienses, que quando falam do sino grande, o chamam de o melhor do norte".

Disponível em: <www.turismovaledocafe.com/2009/05/igreja-matriz-areias-sp.html>. Acesso: 31/10/2019.

Areias (SP) inicialmente foi Freguesia (menor divisão administrativa no Império Português). Criada em janeiro de 1748 com o nome de Santana da Paraíba Nova, serviu de pouso para os tropeiros que iam para o Rio de Janeiro, vindos de SP e MG. Daí a razão do nome Areias, cujo topônimo deriva do tupi “haie”, que significa atalho.

Disponível em: <www.turismovaledocafe.com/2009/05/igreja-matriz-areias-sp.html>. Acesso: 31/10/2019.

Em Areias (SP) hospedei-me no Hotel e Pousada Sant'Ana, listado como um dos mais antigos do Brasil. O único casarão de três andares da cidade. Feito de taipa, construído no ano de 1798 pelo Capitão – mor Gabriel Serafim da Silva, serviu de hospedagem para D. Pedro I, em 1822, durante a viagem na qual proclamou a independência do Brasil.

Hotel e Pousada Sant'Ana. Foto: Fernando Mendes.

Hotel e Pousada Sant'Ana. Foto: Fernando Mendes.

À noite saí para degustar deliciosas tilápias no Restaurante Rei da Tilápia. Que belo jantar. Na volta para o hotel, fotos da Igreja Matriz e cama. Para o dia seguinte foi programado conhecer a Casa da Cultura de Areias (SP).

13/10/2019. 3º dia.
Areias (SP) a São José do Barreiro (SP). 20 quilômetros

Fui despertado pelo canto de bem-te-vis, sinal de tempo bom. Após o café da manhã, fui à Casa da Cultura.

A atual Casa da Cultura de Areias (SP), foi construída em 1833 para abrigar a Câmara de Vereadores e a Cadeia Pública. De 1858 a 1937 asilou também o Fórum no qual trabalhou, como Promotor Público, o escritor Monteiro Lobato, entre 1907 e 1911. Em 1998 passou a ser a Casa de Cultura onde está exposto um imenso acervo de marcos históricos. 

O Ciclo do Café durou de 1800 a 1910. Em Areias (SP), o ápice ocorreu entre as décadas de 1850 e 1860, quando a cidade prosperou em virtude do crescimento das fazendas cafeeiras e da construção da Igreja Matriz de Sant'AnaAlém disso, possuía muitos sobrados, ruas, jornais, um teatro, colégios particulares, bandas de música, entre outros.

Dentre todas as peças expostas no museu, chamado de Casa da Cultura, algo me chamou especial atenção: uma publicação de Monteiro Lobato, intitulada "Cidades Mortas". A obra refere-se à abolição da escravatura (1888) e ao declínio da atividade cafeeira, a partir de 1910, ocasião na qual outras atividades econômicas, tais como pastagens, comércio e industrialização acabaram por substituir o café, sendo empregadas como alternativas para a manutenção da economia da região. 

Os grandes fazendeiros tiveram suas propriedades hipotecadas e transferiram-se para outras partes do estado. Aqueles que ficaram, viram seus cafezais serem transformados em pastos para a pecuária.

Eis o que Monteiro Lobato escreveu acerca da decadência da região, que inclui, além de Areias (SP), Silveiras (SP), Arapeí (SP), São José do Barreiro (SP) e Bananal(SP), as ditas Cidades Mortas.

Monteiro Lobato reclama uma dinâmica social urbana e laboral (relativo a trabalho), relacionada à sua ideia de progresso, inexistentes nas cidades mortas do Vale do Paraíba (Silveiras, Areias, Arapeí, São José do Barreiro e Bananal), pós-declínio da cafeicultura, (incluindo Areias), identificadas como decadentes e irracionais. Lobato observa o desenvolvimento desigual do capitalismo brasileiro. A região rural do Vale do Paraíba se enfraquecera na batalha do desenvolvimento capitalista e ficara para trás, em contraposição a outras cidades que se dinamizaram: “Desviou-se dela a civilização. O telégrafo não a põe à fala com o resto do mundo, nem as estradas de ferro se lembram de uni-la à rede por intermédio de humilde ramalzinho” (Lobato, 1995, p. 25).

A civilização, desviada da região, é retratada, por exemplo, pela ausência do telégrafo, facilitador da comunicação com o mundo, das estradas de ferro, pois, no processo civilizatório da era cafeeira, elas contribuem para o escoamento do café para os mercados de consumo interno e externo. A velocidade sobre os trilhos diminui o isolamento entre as zonas rural e urbana e abriu caminhos para a acumulação capitalista brasileira e para investimentos em outros setores da economia nacional.

 A dinâmica de trabalho produtivo, representada pela região próspera do Oeste Paulista e pela cidade de São Paulo, é a referência de progresso material para Lobato nesse momento. Essa é a civilização inexistente nas CIDADES MORTAS da região do Vale. Diferentemente, o rural decadente se sobressai como a imagem de uma “vovó entrevada, sem netos”, estéril, decaída à margem do caminho. Sem esperanças de reversão da situação, ela [vovó] chora as saudades de um passado glorioso. Um rural com vida parasitária, em um lugar distante, situado na depressão profunda [do Vale] entre as montanhas de relevo fortemente desnivelado e de difícil acesso e, por esse motivo, um lugar esquecido e não frequentado pelas pessoas. Seu saldo seria: abandono, isolamento, atraso e esquecimento. As CIDADES MORTAS do Vale do Paraíba (Silveiras, Areias, Arapeí, São José do Barreiro e Bananal) viveriam nas trevas do silêncio, da incivilidade, da vida acanhada, da aldeia com suas convenções sociais, da falta de individualismo e de individuação. 

No pensamento de Lobato, verifica-se um profundo sentimento de decadência: o rural do Vale do Paraíba não poderia mais ser salvo, pois caíra em estágio de deterioração e exaustão irremediáveis. (Lobato, 1995, p. 26).

Ao reclamar das características predadoras do desenvolvimento brasileiro, observa que, além do “progresso cigano”, outros fatores contribuíram para a decadência da cafeicultura no Vale do Paraíba: a falta de um tratamento adequado e racional para o solo; a saída dos “homens fortes aptos para o trabalho” em busca de um lugar para exercerem sua atividade profissional.

A região rural do Vale do Paraíba é representada como o lugar do atraso, da falta de racionalidade nos trabalhos da lavoura, da ausência de curiosidade científica e da falta de interesse por técnicas modernas por parte dos fazendeiros do café e seus descendentes, estes considerados perdedores por esbanjarem as riquezas sem preocupação com investimentos na agricultura.

Fonte: PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.19.2, 2012, pp.69-82. 

Luciana Meire da Silva. Bacharel em Ciências Sociais pela Unesp de Marília, mestre em Sociologia pela Unesp de Araraquara
e doutoranda em Ciências Sociais pela Unesp de Marília. 
Estuda o Brasil rural nas obras de Monteiro Lobato das décadas de 1910 a 1930, com bolsa de estudos da Fapesp. 

É orientanda da professora doutora Célia Aparecida Ferreira Tolentino.

Em 1951, a Rodovia Presidente Dutra teve seu traçado retificado e deixou de passar por Areias (SP), que ficou a 13 quilômetros da nova estrada , acentuando, ainda mais, a decadência da cidade, pois quase todo o tráfego que passava por ali acabou sendo desviado para a nova rodovia Rio - São Paulo (atual Via Dutra).

Nas décadas seguintes, grandes investimentos do governo estadual na região das ditas "Cidades Mortas do Vale do Paraíba" (Silveiras, Areias, Arapeí, São José do Barreiro e Bananal), que outrora foram as mais ricas do Estado e sucumbiram com a decadência da cultura cafeeira, renasceram baseadas em  atividades econômicas ligadas ao turismo e aos seus diversos tentáculos: gastronomia, hotéis fazenda, pousadas, cicloturismo, rafting, canoagem,  caminhadas, trekking, offroad, turismo rural, histórico e por ai vai. Foi o renascimento da região das Cidades Mortas, que hoje recebem a denominação Vale Histórico.

Disponível em:<https://www.flickr.com/groups/valehistorico/>. Acesso: 31/10/2019.

E depois dessa aula de História do Brasil visitando a Casa da Cultura de Areias (SP), voltei ao Hotel Santana, recolhi minhas tralhas e parti, às 11h, sob calor demencial, rumo São José do Barreiro (SP), 20 quilômetros à frente. Deixei o almoço para quando lá chegasse.

Saindo de Areias (SP) rumo a São José do Barreiro (SP).
Foto: Fernando Mendes.




Na saída de Areias (SP), encontrei esse simpático gatinho, adotado pelos funcionários da farmácia local.


Encarei subida forte nos primeiros quilômetros, com estrada pouco movimentada e nenhuma sombra para arrefecer o calor. E haja protetor solar na carcaça.

SP - 68 entre Areias e São José do Barreiro (SP). Foto Fernando Mendes.

Serra do Mar. Foto Fernando Mendes.

Represa do Funil. Foto Fernando Mendes.

Às 13h passei sobre a ponte num dos braços da Represa do Funil, resultado do barramento das águas do Rio Paraíba do Sul, que deram origem à Usina Hidrelétrica do Funil, pertencente ao sistema Furnas e que tem capacidade instalada de 216 MW de potência. Observei que a lâmina d'água estava muito baixa. Essa área gramada, vista na foto, deveria estar submersa.

Às 13h 33 parei no Portal de São José do Barreiro (SP) - 4.151 habitantes - IBGE 2018. Precisava almoçar. 

Portal de São José do Barreiro (SP). Foto: Fernando Mendes.

No centro, matei a fome no restaurante Rancho, em frente à Matriz de São José, na única praça da cidade.


 

São José do Barreiro (SP). Foto: Fernando Mendes.

Depois de degustar saborosa refeição, fui em busca de hospedagem. Precisava de banho e ar condicionado. Instalei-me na Pousada Régis, simples, limpa e confortável. Dormi o resto da tarde e voltei à rua depois das 19h, com temperatura mais civilizada. Fui dar uma volta pela praça e saboreei deliciosa cerveja no Restaurante Rancho, o mesmo no qual almocei.

Para os jipeiros amantes de offroad e adventuresSão José do Barreiro (SP) é o ponto alto para este tipo de aventura, além de caminhadas, trekking, turismo rural e histórico. 

Existe um caminho (trilha) que desce a Serra do Mar e desemboca em Angra dos Reis (RJ). Muito procurada por jipeiros (4 x 4), motoqueiros, caminhantes e ciclistas. Há cachoeiras e camping no percurso e as fotos que vi na Pousada Régis, mostram um lugar maravilhoso. 

São José do Barreiro (SP) deixou de fazer parte do roll das Cidades Mortas, que estão ressurgindo por meio do tropeirismo contemporâneo: o ecoturismo.

Adormeci cedo. Foram 12 horas consecutivas de sono. Precisava.


Areias (SP) a São José do Barreiro (SP) 22,40 km

Tempo em movimento

1h 27

 

 

Tempo decorrido

2h 15

 

 

Velocidade média

15, 1 km/h

 

 

Velocidade máxima

51,8 km/h

 

 

Ganho elevação

362 metros

 

 

Perda elevação

363 metros

 

 

Elevação Mínima

466 metros

 

 

Elevação Máxima

725 metros

Dados: Garmin de pulso.


14/10/2019. 4º dia.
São José do Barreiro (SP) a Bananal (SP). 47 quilômetros.




Às 10h, após café da manhã, deixei a Pousada Régis e fui conhecer o interior da Igreja Matriz São José. 

Matriz São José em São José do barreiro (SP). Foto: Fernando Mendes.


Voltei à Rodovia SP - 68 pouco antes da 11h e o calor se fazia presente. Nenhuma previsão de chuva. 

SP - 68 entre São José do Barreiro (SP) e Bananal (SP). Foto: Fernando Mendes.

SP - 68 entre São José do Barreiro (SP) e Bananal (SP). Foto: Fernando Mendes.

Na saída de São José do Barreiro (SP), uma forte subida, a única do caminho. Em seguida, pedalei por um percurso levemente ondulado, com asfalto ótimo e pouco movimento de veículos. A paisagem deslumbrante foi a marca registrada de todo o caminho. Às 13h, passei pela pequena Arapeí (SP), que pareceu-me a menos desenvolvidas das cidades do Vale Histórico. 

SP - 68 entre São José do Barreiro (SP) e Bananal (SP). Foto: Fernando Mendes.

SP - 68 entre São José do Barreiro (SP) e Bananal (SP). Foto: Fernando Mendes.

SP - 68 entre São José do Barreiro (SP) e Bananal (SP). Foto: Fernando Mendes.

SP - 68 entre São José do Barreiro (SP) e Bananal (SP). Foto: Fernando Mendes.

Chegada à pequena Arapeí (SP). Foto: Fernando Mendes.

Delicioso almoço e um rolezinho para conhecer a Igreja de Santo Antônio, antes de continuar a pedalar os 17 quilômetros finais até Bananal (SP).

Igreja de Santo Antônio em Arapeí (SP). Foto: Fernando Mendes.

Às 15h voltei à lida do pedal para percorrer o trecho mais belo do dia: Arapeí (SP) a Bananal (SP).

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Cheguei a Bananal (SP) às 17h e tratei de buscar hospedagem, mas antes, parada na praça principal para saborear delicioso café expresso. Programei passar o dia seguinte na cidade e nada de pedal. A história de Bananal (SP) merece uma permanência maior no lugar.


São José do Barreiro (SP) a Bananal (SP) 47,99 km

Tempo em movimento

3h 16

 

 

Tempo decorrido

6h 50

 

 

Velocidade média

14,5 km/h

 

 

Velocidade máxima

52,6 km/h

 

 

Ganho elevação

774 metros

 

 

Perda elevação

851 metros

 

 

Elevação Mínima

447 metros

 

 

Elevação Máxima

614 metros

Dados: Garmin de pulso.


A origem de Bananal (SP) está ligada à construção de uma alternativa, na época, que permitisse viajar entre Rio de Janeiro e São Paulo, sem enfrentar a difícil jornada por mar, a partir de Paraty. 

Em 1785, João Barbosa de Camargo e sua esposa, Maria Ribeiro de Jesus, construíram a capela para Bom Jesus do Livramento, que veio a ser o padroeiro da cidade. 

No auge do Ciclo do Café, Bananal (SP) era a cidade mais rica do Vale do Paraíba. Em 1854, chegou a ser a maior produtora mundial de café. Seu prestígio era tanto que, quando o Brasil Império precisou de empréstimo no Banco Rothschild (*), quem deu o aval foram os fazendeiros bananalenses.

(*) Rothschild é uma família judia, com origem em Hamburgo, Alemanha, que estabeleceu uma dinastia bancária na Europa.

Acesso: 31/10/2019.

Durante sua época áurea do café, Bananal (SP) assistiu à construção de inúmeras casas e fazendas, cuja opulência e refinamento confirmam o poderio econômico dos barões do café. Em 1832 passou a ser cidade. O nome, segundo alguns, provém da expressão indígena banani, que significaria sinuoso. 

Há outros que alegam que na região havia muitas plantações de banana (lenda - Nota do Autor).

A riqueza da cidade era tanta que, durante bom tempo, teve moeda própria a ponto de financiar a construção de uma ferrovia, importar uma estação ferroviária da Bélgica, exemplar único na América Latina, composta por chapas metálicas almofadadas e duplas - protegiam o café - e o assoalho é de pinho de Riga. Foi inaugurada em 1889, sendo um dos acervos mais valiosos do Estado de São Paulo.

A Estrada de Ferro Bananal começou a ser construída em 1882 e a linha, partindo da estação de Saudade, em Barra Mansa (RJ), no ramal de São Paulo, chegou a Rialto, ainda na Província do Rio de Janeiro, em 1883. 

Somente no Natal de 1888 chegou a Bananal (SP). A União encampou (adotou) a ferrovia em 1918, mas por um curto período. 

Em 1931, ficou subordinada à Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), mas logo voltou a ser da Estrada de Central do Brasil (EFCB). 

O ramal foi finalmente desativado em 1º de junho de 1964. Inicialmente, a estação foi sede dos Correios. Mais tarde, passou a ser a rodoviária local.

Estação Ferroviária de Bananal (SP). Foto: Fernando Mendes.

No Brasil, país de alma rodoviária, a era romântica das ferrovias teve vida curta. Ao conhecer a Estação Ferroviária de Bananal foi possível sentir a nostalgia que está presente entre os habitantes, principalmente os idosos, que viveram o período ferroviário. A antiga Estação virou estação rodoviária. 

Isso aconteceu em várias cidades brasileiras quando as rodovias foram crescendo em detrimento (em prejuízo) das ferrovias. No Brasil, as rodovias foram elevadas à condição de cultura e arte. É um caminho sem volta.

Dentre os fazendeiros mais ricos, estava Manoel Aguiar Vallim, dono da Fazenda Resgate que, ao morrer em 1878, abarcava 1% de todo papel moeda existente no Brasil. Sua fazenda está restaurada e foi construída com o mesmo requinte dos  palácios da Corte. 

Ao final do século XIX, com fim da escravidão (1888), os sinais de cansaço da terra eram evidentes, encerrando a prosperidade do Ciclo do Café e, por extensão, o desenvolvimento de Bananal (SP). 

Com a inauguração da Via Dutra (1951), a cidade ficou afastada da nova rodovia, sendo relegada ao esquecimento.

Devido ao seu potencial histórico, seu rico artesanato e grande número de atrações turísticas, Bananal (SP) começou a dar sinais de recuperação. Atualmente é um pólo turístico em pleno desenvolvimento. Possui atrações naturais e culturais que lhe garantem um futuro brilhante. A agropecuária tornou-se uma das principais fontes de renda do município, localizado no Leste Paulista, próximo à divisa com o Estado do Rio, na região de Barra Mansa (RJ). Outra cidade morta ressuscitada.

A Igreja Matriz, orgulho de seus 10.896 habitantes - IBGE 2018, foi construída em 1811.

Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus do Livramento.

Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus do Livramento.

Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus do Livramento.

Foto: Fernando Mendes.

A riqueza da cidade era tanta que até uma farmácia ganhou dimensões históricas, como é o caso da Pharmácia Popular, que funciona desde 1830. 

Surgiu inicialmente como Pharmácia Imperial, mas com a República, ouviu os conselhos e mudou de nome. É a mais antiga do País em funcionamento, com peças únicas do século XIX. 

Pharmácia Popular em Bananal (SP). Foto: Fernando Mendes.

Bananal (SP) foi ainda brindada com a presença do Parque Nacional da Serra da Bocaina, onde o visitante encontra inúmeras paisagens selvagens e inesquecíveis.

A quantidade de atrações de Bananal (SP) merece muitas páginas. Pela Estrada dos Tropeiros (SP - 68) percebi a importância da construção de um caminho e entender a força da economia cafeeira na história do Brasil. 

Hospedei-me na Pousada Amiga, localizada em rua perpendicular à rua principal, muito movimentada e barulhenta. A pousada é uma casa que foi adaptada e a proprietária é uma senhora muito simpática e profunda conhecedora da história local. Muito do que escrevo neste relato, ela foi a fonte. Pedalando e aprendendo.

Depois de banhado e descansado, fui ao Restaurante Habeas Copus (do latim "que tenhas o corpo), na minha modesta opinião, o melhor da comarca. 

Degustei massa deliciosa e chopp geladíssimo. Difícil apontar qual a melhor pousada e qual o melhor restaurante nesse circuito do Vale Histórico. 

Dormi fácil e muito. Nada de chuva.

15/10/2019. 5º dia.
Dia em Bananal (SP)

Como eu era o único hóspede da pousada, o café da manhã ficou sobre a mesa até eu acordar, o que aconteceu às 10h. Bela mordomia. O dia foi reservado para ficar em Bananal (SP). Nada de pedal, apenas caminhada.

Antes de começar o city tour, parada na Sorveteria Tio Beppi para degustar delicioso café expresso. Dali, fui conhecer a imensa Praça Rubião Júnior, muito arborizada e bastante movimentada, principalmente por turistas.

Praça Rubião Júnior. Foto: Fernando Mendes.

Praça Rubião Júnior. Foto: Fernando Mendes.

A dois quarteirões da Praça Rubião Júnior, está estacionada – para sempre – a Locomotiva 302, que foi fabricada em 1922 e está exposta ao lado da Estação Ferroviária. 

Sob a alcunha (apelido) de "Tereza Cristina", a locomotiva foi trazida para Bananal (SP) na década de 1990 para enriquecer, ainda mais, o visual da antiga estação. A locomotiva [302] fez a linha Bananal (SP) a Barra Mansa (RJ) até o início da década de 1960, quando foi aposentada.

Locomotiva 302. Foto: Fernando Mendes.

Locomotiva 302. Foto: Fernando Mendes.

Notei que a Locomotiva 302 necessita de reparos. Está enferrujando a céu aberto. O mesmo constatei quanto à manutenção das chapas metálicas da antiga estação ferroviária. Preservar memória histórica, certamente, não está entre as prioridades do Poder Público. 

Ao voltar para minha casa em Brasília (DF), enviei email para a Prefeitura de Bananal relatando os maus-tratos a esses dois patrimônios. Mandei a reclamação em outubro de 2019. Mas, ninguém da prefeitura se dignou a responder-me. Lamentável.

Voltei à praça da Matriz e almocei no Restaurante Casarão. Almoço delicioso e cerveja bem gelada. Mais um café expresso e voltei à Pousada Amiga para merecida sesta, enquanto a química digestiva fazia seu papel. Acordei junto com o entardecer. Saí para fotos noturnas.

Bananal (SP).Foto: Fernando Mendes.


Bananal (SP).Foto: Fernando Mendes.

Bananal (SP).Foto: Fernando Mendes.

Por recomendação da senhora dona da Pousada Amiga, fui jantar no Restaurante Bistekão. Outro estabelecimento com cardápio variado e comida apetitosa.  Pedi filé de tilápia, salada, arroz e feijão, acompanhados de cerveja Petra geladíssima. Fechei o dia 15/10/2019, Dia do Professor, com chave de ouro. 

Ao longo de 36 anos, ininterruptamente, ministrei aulas de Geografia para Ensinos Médio, Fundamental e Pré-Vestibular. Agora estou aposentado, mas continuo professor. Por três décadas e meia exerci minha profissão com orgulho, determinação e dignidade. Agora é a hora de passar o bastão. "Quando o novo chega, o velho tem que parar". É hora de viajar [ainda] mais com minha bike que, há muito, tornou-se meu principal veículo de locomoção. Saio no meu carro somente em casos extremos.

Na volta à Pousada, fui brindado com uma obra-prima que encontrei numa das prateleiras da estante da sala. Um livro com título: Dutra 50 Anos, quatro séculos em cinco horas, de autoria de Ignácio Loyola Brandão, publicado pela Editora paulista DBA (Dorea Books and Art – SP) e com apoio do Ministério da Cultura, em 2001, em homenagem aos 50 anos da mais famosa e importante estrada do País, a Via Dutra. À página 57, Loyola Brandão escreveu:

"Na altura de Barra Mansa (RJ), pode-se tomar a estrada (RJ-157/SP-68) que passa por Bananal (SP). Monteiro Lobato chamou-a de Cidade Morta. Povoação que, depois do fausto (riqueza), estagnou-se e retrocedeu. A população diminuiu. Bananal nas épocas áureas chegou a ter 25 mil habitantes. Hoje [2001] tem pouco mais de 9 mil".

Acesso: 31/10/2019 (com adaptações)

Em 2018, o IBGE recenseou 10.896 habitantes em Bananal (SP)
(Nota do Autor).

"Em Bananal, as casas de fazenda ostentavam afrescos de pintores europeus, e os fazendeiros plantadores de café - os barões do café - contratavam professores particulares de música, latim, francês, alemão, até inglês. Tudo a peso de ouro".

"O lustre do palacete de D. Domiciniana Vallim media 1,80 metros de diâmetro. As maçanetas de quase todas as casas eram de cristal".

"O Visconde de São Laurindo possuía um aparelho de jantar de duzentas peças, com suas iniciais gravadas em ouro".

"As grandes famílias moravam nas fazendas, mas cada uma possuía um imenso sobrado na cidade de Bananal (SP)".

"No teatro Santa Cecília, decorado pelo pintor Villarionga – autor de incontáveis afrescos pelas mansões-, era proibido vaiar e jogar coisas no palco, exceto flores e grinaldas, em forma de aplausos". 

"Durante o Segundo Reinado (1840 a 1889), a cidade teve dezenove jornais. Franceses abriram a padaria mais moderna do Vale do Paraíba, a À La Gerbe d´Or, que oferecia pães de viagem recheados com paio, lingüiça, frango e pombo".

"No Rio de Janeiro, a sede da Corte, as mulheres de Bananal compravam seda pura da China, seda lavrada, brocados, tafetás, linho belga. Nas festas, cabeleireiros vinham da Corte, pagos a peso de ouro".

"O Bazar Bananalense mantinha um estoque de champanhe Clicquot, vinhos do Porto e de Bordeaux, genebra holandesa, cerveja Basse, peito de peru (uma novidade), camarões, salmão, lagosta, patês, salame de Lyon, queijo do Reino, mostarda francesa. Toda casa tinha sua cozinha, sua doceira, sua especialista em pães e broas, roscas e biscoitos, sequilhos".

"A mãe-benta de Bananal ainda é um quitute dos mais apreciados. Era a aristocracia rural em seu clímax. Nos anos de 1864-65, a renda de Bananal superou até mesmo a renda da capital da província". 

Disponível em:<https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301304>. Acesso: 31/10/2019.

Acima estão os sinais inequívocos da opulência na qual Bananal (SP) viveu durante o período áureo do Ciclo do Café, ou Ouro Verde, como também era chamado. 

Fui dormir tarde por conta das anotações e leitura da obra de Ignácio Loyola "Dutra 50 Anos, quatro séculos em cinco horas"

Li até o sono me derrotar.

16/10/2019. 6º dia.
Bananal (SP) a Lídice (RJ). 63 quilômetros

Acordei para o 6º [e último] dia da jornada pelo Vale Histórico. Ao entrar no Estado do Rio de Janeiro (RJ), a caminho de Lídice (RJ), o Vale Histórico ficou para trás. 

Mas antes de ingressar em terras fluminenses, fiz uma parada, às 11h 36, na  Fazenda Boa Vista, a maior fazenda do Império, que chegou a ter 2.400 escravos. Hoje é hotel-fazenda. Localiza-se a 12 quilômetros do centro histórico da cidade.

Fazenda Boa Vista. Foto: Fernando Mendes.

Fazenda Boa Vista. Foto: Fernando Mendes.

Fazenda Boa Vista. Foto: Fernando Mendes.

Fazenda Boa Vista. Foto: Fernando Mendes.

O Hotel foi a fazenda mais rica do ciclo do café no século XIX e ainda preserva uma rica história por meio de sua beleza arquitetônica no estilo colonial. O início de sua construção foi datado em 1780, no período do Brasil Império.

O cenário da fazenda carrega inspiração para diversas produções cinematográficas e televisivas, tais como: O Casarão (1976), Dona Beija (1986), O Coronel & O Lobisomem (1995), Cabocla (2004), Um Só Coração (2004), Sinhá Moça (2006), Beleza Pura (2008), Saramandaia (2013), O Prisioneiro da Liberdade (2019); além de produções internacionais como a série Equador (2008), da emissora TVI, de Portugal. 

Os vigilantes do Hotel Fazenda. Sempre alertas.


O Mascote

Fazenda Boa Vista. Foto: Fernando Mendes.

Fazenda Boa Vista. Foto: Fernando Mendes.

Fazenda Boa Vista. Foto: Fernando Mendes.

Fazenda Boa Vista. Foto: Fernando Mendes.

Nesse dia, o estabelecimento estava fechado para hospedagem. Os colaboradores estavam fazendo um mutirão de limpeza para receber um grupo vindo do Rio de Janeiro (RJ). Esforço concentrado para deixar tudo impecável. A visita à Fazenda Resgate, outra pérola do período áureo do café, ficou para outra oportunidade. Eram 14 horas e eu tinha pela frente 50 quilômetros até Lídice (RJ).



Esse trecho de Bananal (SP) a Lídece (RJ) foi muito cascudo. Após a divisa SP/RJ, tudo muda. A Rodovia SP-68 dá lugar à Rodovia RJ-155, com asfalto gasto, cheio de remendo e trincas e acostamento zero. O tempo fechou, mas a chuva não veio. Em Getulândia (RJ), 10 quilômetros à frente, almocei um PF bem mais ou menos. 

Divisa SP/RJ.Foto: Fernando Mendes.


Foto: Fernando Mendes.


Foto: Fernando Mendes.

Em Rio Claro (RJ), 18 quilômetros à frente de Getulândia (RJ), após atravessar o perímetro urbano, parei no Posto Cascata. Na parte de trás do estabelecimento, o Rio Piraí forma belas corredeiras. 

Havia muita gente se refrescando. Um mormaço dos infernos maçaricava a pele, mas não tive coragem de banhar-me. Havia uma espuma muito sinistra e a água estava deveras escura. Não sei se o esgoto da cidade, com 18.451 habitantes - IBGE 2018 - é devidamente tratado antes de ser despejado naquele rio. 


Rio Piraí. Foto: Fernando Mendes.


Rio Piraí. Foto: Fernando Mendes.

Segui meu rumo. Faltavam 19 quilômetros para Lídice (RJ), quase todo em ângulo de subida. Um pouco mais à frente, parei e detonei 1 litro de caldo de cana. Reposição de açúcar. Cheguei a Lídice (RJ), distrito do município de Rio Claro (RJ), às 17h 45. 

A cidade, na parte central, é bem organizada; nos arredores, favelas em profusão. Resultado da política habitacional brasileira ser um lixo para as castas menos favorecidas.

Hospedei-me numa humilde pousada, embora limpa e localizada em rua sem movimento, garantia de sono tranquilo. Os restaurantes não abrem à noite; somente lanchonetes. Depois de noites com jantares espetaculares, tive que me contentar com dois sanduíches de frango. Fazer o quê. Voltei à pousada (esqueci o nome) e adormeci sentindo o corpo ainda quente de um dia de muito mormaço. Nada de chuva.


Bananal (SP) a Lídice (RJ) 63,99 km

Tempo em movimento

4h 25

 

 

Tempo decorrido

7h 19

 

 

Velocidade média

14,3 km/h

 

 

Velocidade máxima

46,7 km/h

 

 

Ganho elevação

1.189 metros

 

 

Perda elevação

1.090 metros

 

 

Elevação Mínima

399 metros

 

 

Elevação Máxima

666 metros

Dados: Garmin de pulso.


17/10/2019. 7º dia.
Lídice (RJ) a Paraty (RJ). 102 quilômetros

Último dia da aventura. A pousada não serve café da manhã. Alimentei-me numa padoca próxima à saída da cidade.  Um cachorro de rua, dentre os vários que perambulam pelas ruas de Lídice (RJ), chamou-me atenção. Eis a razão.

Ele sabe muito bem onde deitar, sem correr riscos. 
Foto: Fernando Mendes.



Às 9h 10, Lídice (RJ) ficou para trás. Os primeiros 10 quilômetros foram em forte ângulo de subida, até alcançar o ponto mais alto [do dia] e iniciar uma descida alucinante, pela vertente oriental da Serra do Mar, que foi da cota 677m para o nível do mar, 17 quilômetros morro a baixo.

No início da descida vêm uma sequência de três túneis, escavados na rocha granítica da Serra do Mar, sem acabamento interno, piso de paralelepípedos  e iluminação interna inexistente. 

Lá dentro, mina muita água das rochas. O piso é escorregadio e parece que foi ensaboado. Liguei os faróis da bike e as luzes traseiras e atravessei os três túneis com muito cuidado. O risco de queda é muito grande.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.


Foto: Fernando Mendes.


Foto: Fernando Mendes.

Na saída do 3º [e último] túnel está o Mirante da Baía da Ilha Grande, de onde é possível contemplar grande parte desse acidente geográfico que abriga 365 ilhas, uma para cada dia do ano. Também é possível ver o traçado da RJ - 155 serpenteando a Serra do Mar, semelhante a um autorama.

RJ - 155 serpenteando a Serra do Mar.Foto: Fernando Mendes.

RJ - 155 serpenteando a Serra do Mar. Foto: Fernando Mendes.

RJ - 155 serpenteando a Serra do Mar. Foto: Fernando Mendes.

Baía da Ilha Grande. Foto: Fernando Mendes.

Fim da descida da Serra do Mar. Foto: Fernando Mendes.


Às 11h 22 cheguei ao trevo de acesso à BR - 101. Faltavam 82 quilômetros para Paraty (RJ). O calor estava das arábias. A partir desse ponto, o traçado é quase todo plano e paralelo ao Atlântico Sul, exceto nos trechos de transição de uma praia para outra, feito nas encostas da Serra do Mar.

Às 12h parei no Restaurante Veleiros, no bairro Bracuí, pertencente a Angra dos Reis (RJ) e degustei uma pescada amarela dos deuses. A Coca-Cola com caquinhos de gelo estava magnífica.

Às 12h 30 voltei à lida do pedal. Faltavam 72 quilômetros para alcançar Paraty (RJ). Pedalar pela Rodovia Rio - Santos, um trecho da enorme BR -101, é um espetáculo à parte. O mar à minha esquerda e a Serra do Mar à minha direita. 

Em alguns trechos, a Mata Atlântica sombreia bem a estrada. Na transição de uma praia para outra, é possível parar a bike no alto da falésia e fotografar aquela imensidão azul do Atlântico. Quem passa por ali de automóvel não tem a mesma percepção de um ciclista. O olhar é outro para quem vai em duas rodas.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.

No marco quilométrico 505 da BR - 101 (RJ), existe uma fazenda centenária às margens da rodovia. Infelizmente não recebe o tratamento adequado que garanta sua preservação. Não sei o nome da propriedade. Passei por ela às 13h 05.


KM 505 da Rio - Santos (BR - 101). Foto: Fernando Mendes.

km 505 da Rio - Santos (BR - 101). Foto: Fernando Mendes.

Às 13h 55, parada para contemplar as Usinas Nucleares de Angra dos Reis (RJ), a CENTRAL NUCLEAR ALMIRANTE ÁLVARO ALBERTO, que gera aproximadamente 3% da energia elétrica consumida no Brasil e localiza-se a 55 quilômetros do centro de Angra dos Reis (RJ), na Praia de Itaorna. Trata-se de um conjunto de três usinas (Angra I, Angra II e Angra III). 

Angra I teve sua operação iniciada em 1985, utiliza reator WESTINGHOUSE (EUA) com potência de 640 MW (megawatts)energia suficiente para suprir uma cidade de 1 milhão de habitantes, como Campinas (SP) ou São Luís (MA). 


Angra II começou a operar comercialmente em 2001. Utiliza reator KWU (Alemanha) com potência de 1.350 MW (megawatts). É capaz de atender ao consumo de uma cidade com 2,5 milhões de habitantes, como Belo Horizonte (MG).


Angra III não tem previsão de entrar em operação, embora, até o momento, foram executadas cerca 67,1% das obras civis da Usina.



Fui conhecer o Observatório Nuclear, local de onde se pode avistar todo o complexo (Angra I, II e III) que compõe a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto.

Complexo (Angra I, II e III). Foto: Fernando Mendes.

No interior do Observatório Nuclear uma exposição permanente, filmes e folhetos educativos explicam como é gerada a energia elétrica a partir de reatores nucleares e os cuidados que a Eletrobras Eletronuclear tem com o ambiente e com as comunidades vizinhas. Bela parada para adquirir  [mais] conhecimentos.

Das Usinas Nucleares, de onde saí às 14h 33, até Paraty (RJ) foram 55 quilômetros pedalados [no stop] em 4 horas. Cheguei ao meu destino às 18h 33. Missão cumprida, maravilhosamente bem cumprida.



Quase lá. Foto: Fernando Mendes.


Chegada a Paraty (RJ). Missão cumprida. Foto: Fernando Mendes.

Hospedei-me na Pousada da Chácara. Recomendo.

A bateria do Garmim descarregou durante o trecho deste dia. Não foi possível obter as informações de velocidade máxima, elevação máxima, elevação mínima e ganho de elevação. e outros dados. A distância percorrida entre Lídice (RJ) e Paraty (RJ) foi de 102 quilômetros em nove horas de pedal. Velocidade média: 11 km/h.

À noite fui ao Bar Coupê, o melhor de Paraty - na minha modesta opinião. O escondidinho de carne seca é maravilhoso. O chopp idem. Depois um rolé pelo Centro Histórico de Paraty, fotos, café expresso e cama.

No dia seguinte, às 13h embarquei no Reunidas Paulista até o Terminal Rodoviário do Tietê, no bairro de Santana, na Zona Norte da cidade, chegando às 19h 30.

Às 22 h, no Real Expresso das 22h, prossegui viagem até minha casa em Brasília (DF). Cheguei às 14h.

Vale Histórico ou ex-Cidades Mortas, recomendo. De bike, de carro, a cavalo ou a pé.


Brasília - DF, 31 outubro 2019.











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