Estrada Real. Conceição do Mato Dento (MG) a São Lourenço (MG). Junho 2014.

 



CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO(MG) 
A

 SÃO LOURENÇO (MG) - 685 KM





Disponível em:>http://www.institutoestradareal.com.br/>. Acesso: 30/06/2014.


 DATA TRECHO DISTÂNCIA  
KM
 ACUMULADO
KM
 13.06Conceição do Mato Dentro (MG)
a Morro do Pilar (MG)
 2727 
 14.06 Morro do Pilar (MG)
a Itambé do Mato Dentro (MG)
 3663
 15.06 Itambé do Mato Dentro (MG)
a Bom Jesus do Amparo (MG)
 45 108
 16.06 Bom Jesus do Amparo (MG)
a Cocais (MG)
 25 133
 17.06 Cocais (MG)
a Catas Altas (MG)
 40 173
 18.06 Catas Altas (MG)
a Ouro Preto (MG)
 63 236
 19.06Passeio por Ouro Preto (MG)
e região
  64  300
 20.06 Ouro Preto (MG)
a Ouro Branco (MG)
 32 332
 21.06 Ouro Branco (MG)
a Casa Grande (MG)
 63 395
 22.06 Casa Grande (MG)
a Prados (MG)
 68 463
 23.06 Prados (MG)
a São João del Rei (MG)
 27490 
 24.06 São João del Rei (MG)
a Carrancas (MG)
 74564 
 25.06 Carrancas (MG)
a Cruzília (MG)
  67 631
 26.06 Cruzília (MG)
a São Lourenço (MG)
 54 685


11 e 12/06/2014 
Brasília (DF) a Conceição do Mato Dentro (MG) - Ônibus
890 km

De Brasília (DF) - 2.562.963 habitantes. Censo 2010 - onde moro a Conceição do Mato Dentro (MG) - 17.914 habitantes. Censo 2010 - onde se iniciou minha jornada pela Estrada Real, foram 16 horas [em dois ônibus], além das 6 horas em trânsito na Rodoviária Central de Belo Horizonte, que transcorreram rapidamente na companhia de meu amigo Fábio - grande tricolor igual a mim - que foi me recepcionar. Boa conversa, café expresso e pães de queijo. Nem senti a hora passar. Despedida com um forte abraço. Às 13h embarquei para Conceição do Mato Dentro (MG).

Minha viagem pela Estrada Real coincidiu com a realização da XX Copa do Mundo de Futebol. Cheguei à Pousada Vale das Pedras, em Conceição do Mato Dentro (MG), às 17h. Parecia não haver ninguém para me atender na recepção. Motivo: todos os funcionários assistiam ao jogo Brasil X Croácia. Faz tempo que eventos como esse não atraem minha atenção. 

Pousada Vale das Pedras. Foto: Fernando Mendes.

























A paisagem ao redor da pousada justifica o nome. Localizada em uma encosta repleta de rochedos, que permitem aos hóspedes criarem formas numa viagem pela imaginação.

Pousada Vale das Pedras. Foto: Fernando Mendes.

Pousada Vale das Pedras. Foto: Fernando Mendes.

O jantar foi servido após o jogo. A pousada fica a seis quilômetros da área central, garantia de silêncio e noite tranquila de sono. Precisava. Foram 22 horas de périplo rodoviário.


1º dia
13/06/2014 
Morro do Pilar (MG) a Itambé do Mato Dentro (MG)
27 km

Disponível em:<http://www.institutoestradareal.com.br/roteiros/diamantes
Acesso: 30.06.2014.


Dormi por 12 horas ininterruptas. Tomei farto café da manhã e parti, às 11h, para o 1º dia de pedal. O tempo apresentava-se nublado e com cara de chuva a qualquer momento. Estava estreando minha primeira bike aro 29. Comprei-a uma semana antes da empreitada.

O Autor.

A Guerreira. Foto: Fernando Mendes.


 Foto: Fernando Mendes.

As primeiras pedaladas foram lentas. Precisava sentir a bike nova e o caminho silencioso,  quebrado, às vezes, pela zoada provocada por bandos de maritacas. Ar fresco e puro. Com pouco tempo de giro, parei no início de uma forte descida. Naquele trecho a mata se abriu e percebi que a Estrada Real é flanqueada ao sul pela Serra do Espinhaço (*) e algumas outras serras ao fundo, formando um  mar de montanhas.

(*) Considerada a única cordilheira do Brasil, a Serra do Espinhaço tem aproximadamente 1.000 quilômetros de extensão, parte em Minas Gerais e parte na Bahia. Possui o maior afloramento de calcário do País, com jazidas de ouro, ferro, bauxita e manganês. Estima-se que sua idade geológica seja de 2,5 bilhões de anos. Funciona como divisor de águas. A leste, todos os rios tendem ao Atlântico, enquanto que a oeste inflam o sistema hídrico do São Francisco. A largura da Serra do Espinhaço varia de 50 a 100 quilômetros. Vales e picos são interpostos, configurando um terreno bastante acidentado. É Reserva da Biosfera, contém muitas áreas de proteção e outras de preservação, além de reservas particulares. 

Fonte: Brasília a Paraty, somando pernas para dividir impressões. 
Weimar Pettengil - Brasília – Editora Thesaurus, p.90.

Mar de Montanhas. Foto: Fernando Mendes.

Mar de Montanhas. Foto: Fernando Mendes.

Toda forte descida termina, quase sempre, num rio. Aquele descenso não havia de ser diferente. Cheguei à ponte sobre o Rio Santo Antônio, um dos afluentes do Rio Doce. Foi perto daquele ponto que a  procura pelo ouro do Brasil, a partir do século XVII, começou a dar frutos e o caminho (*) de Paraty a Ouro Preto (atual Caminho Velho) começou a ser utilizado, num frenesi de idas e voltas. Logo a novidade espalhou-se como rastilho de pólvora. O mundo voltou seus olhos para o Brasil, um celeiro de boas-novas.

(*) Quando os paulistas [bandeirantes] descobriram ouro em Minas, ao final do século XVII, e foi necessário escoá-lo até o litoral, para ser embarcado em direção à Europa, impôs-se o problema da falta de caminhos regulares e seguros. Tal fato beneficiou sobremaneira as vilas de Parati, Mambucaba e Angra dos Reis, pois as antigas trilhas guaianá que dali subiam Brasil adentro eram as únicas picadas transitáveis a ligar a costa ao distrito do ouro, escreveram Gurgel e Amaral, em seu estudo Paraty – Caminho do Ouro.

Disponível em:https://www.oeco.org.br/colunas/pedro-da-cunha-e-menezes/16966-oeco-11303/. Acesso: 30/06/2014.

Nas regiões produtoras de ouro e diamantes, enquanto a prosperidade não deu lugar à incerteza, Minas Gerais, a maior província do Brasil até então, chegou a ter cerca de 600.000 habitantes, anotou Laurentino Gomes na Obra 1882, livro que conta a trajetória do Brasil à Independência - Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2010 - p. 59.

Em 1693, o bandeirante Antonio Rodrigues Arzão retirou 10g de ouro no Rio Casca, afluente do Rio Doce, próximo à Casa da Casca, atual Viçosa (MG), escreveu Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. Rio de Janeiro - Record - 2011, p. 118.

Em 1694, o Bandeirante Bartolomeu Bueno da Siqueira apurou 43g de ouro noutro afluente do Rio Doce, em Itaverava, escreveu Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. Rio de Janeiro - Record - 2011, p. 118.

Em 1698, Antonio Dias, no Ribeirão Trapuí - origem tupi (tipi-í – “água de fundo sujo”) próximo à Vila Rica (atual Ouro Preto - MG), extraiu pepitas de formação geológica rara, com coloração escura, o ouro preto, escreveu Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. Rio de Janeiro - Record - 2011, p. 118.

Depois da Casa da Casca, de Itaverava e do Tripuí, o ouro apareceu no Ribeirão do Carmo, Rio Gualacho, Rio das Mortes, Rio das Velhas, em Catas Altas, Santa Bárbara, Ivituruí (atual Serro - MG), escreveu Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. Rio de Janeiro - Record - 2011, p. 131.

Para todos os lados e por todos aqueles matos se acha ouro, com maior ou menor rendimento, informou ao rei uma autoridade da coroa.
Relatório do Governador Geral Luis César de Meneses, 1706. 


Era a gênese do Ciclo do Ouro. (1697 - 1810). O Brasil foi novamente descoberto e Portugal teve enfim seu Eldorado. 

Sobre a Ponte do Rio Santo Antônio e me encontrando em lugar de tal valor histórico, parei para fotos e contemplações. Ninguém à minha volta. As nuvens cinzas, arautas da chuva, permaneciam, dando um ar lúgubre àquela manhã. As águas do Santo Antonio estavam escuras e com aparência gélida. 


Arauta é o feminino de arauto. (Nota do Autor).

Ponte sobre o Rio Santo Antônio. Foto: Fernando Mendes.

Rio Santo Antônio. Foto: Fernando Mendes.


Ponte do Rio Santo Antônio. 



Rio Santo Antônio. Foto: Fernando Mendes.

Como num passe de mágica, o tempo abriu e o ar lúgubre foi logo substituído por uma atmosfera festiva. Eram 12h 25 e havia umas duas horas de pedal, em terreno pedregoso, a partir da subida que se seguiu à passagem da ponte sobre o Rio Santo Antônio.

E nesse cenário de especial beleza, com a Estrada Real alternado trechos de subidas e descidas moderadas que, às 15h, avistei, ainda a certa distância - talvez uns três quilômetros -, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, com sua torre proeminente e inconfundível pintura amarela.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar. Foto: Fernando Mendes.

Às 15h 15, pedalava pelo calçamento irregular em uma forte subida que dá acesso à área central da cidade. Morro do Pilar (MG) - 3.399 habitantes Censo 2010 - abrigou o primeiro alto-forno siderúrgico do País. Tempos depois, foi transferido para Itabira (MG), terra natal do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987). Itabira cresceu, Morro do Pilar parou no tempo.

O arraial de Gaspar Soares, que  deu origem à cidade, surgiu no alto de um morro no qual o bandeirante Gaspar Soares encontrou ouro, em 1701. Ali, construiu uma capela dedicada a Nossa Senhora do Pilar. A exploração aurífera durou até 1743, quando um desmoronamento matou 18 escravos e interrompeu as atividades mineradoras.
Em 1809, o Intendente Manuel Ferreira da Câmara Bitencourt e Sá deu início a primeira fábrica de ferro gusa do Brasil - a Real Fábrica de Ferro de Morro do Pilar - que, em 1814, conseguiu fazer a primeira corrida de ferro no alto forno, um modelo alemão com impressionantes oito metros de altura. O ferro e o aço, até então importados, chegavam da Europa a preços escorchantes. Essa iniciativa marcou a siderurgia em terras mineiras e a pioneira fábrica funcionou até cerca de 1830. Outro quesito importante na escolha de Morro do Pilar (MG) foi a proximidade com o Rio Doce. A ideia era escoar a produção através dele.
Hospedei-me na Pousada do Vovô Juca, anexa à Igreja Matriz e na parte superior de um supermercado. Simples, barata e confortável. Perto de tudo, incluindo uma pizzaria a poucos passos da recepção. O 1º dia de pedal foi tranquilo, com exíguos 27 quilômetros a percorrer.

Fiquei o restante da tarde a passear e a fotografar Morro do Pilar (MG), o antigo Povoado de Gaspar Soares. Quando a exploração de ouro acabou por ali [1743], a localidade passou a integrar a rota de aventureiros, garimpeiros e tropeiros, que usavam-na para alcançar regiões auríferas mais ao norte.

Jantei deliciosa pizza portuguesa regada a duas cervejas bem geladas e cama. Era imprescindível dormir bem [e muito]. Diferentemente da jornada deste 1º dia, a empreitada do dia seguinte foi cascuda, nem tanto pela quilometragem a percorrer, mas pela total falta de pontos de apoio.

São Lourenço (MG) a 658 quilômetros. Faltavam oito dias para a entrada do inverno.

2º dia
14/06/2014 
Morro do Pilar (MG) a Itambé do Mato Dentro (MG)
36 km

Disponível em:<http://www.institutoestradareal.com.br/roteiros/diamantes.
Acesso: 30.06.2014.


Despertei com fome e vontade de seguir viagem. Como o trecho do dia é desprovido de apoio em seus 36 quilômetros, durante o café da manhã preparei uma matula com dois sanduíches à base de queijo de minas, duas bananas e uma fatia de bolo de fubá. No supermercado, que fica na parte de baixo da pousada,  comprei 3 garrafas de água mineral 1,5 litro. Pronto. Estava preparado para encarar a etapa Morro do Pilar (MG) a Itambé do Mato Dentro (MG), o maior trecho do Caminho dos Diamantes. Eram 10h.

A saída de Morro do Pilar (MG), em seus oito primeiros quilômetros, é muito tranquila. A Estrada Real segue paralela ao Rio do Peixe. Trecho plano e sombreado. Mas quando o paralelismo entre o caminho e rio acabou, começaram as subidas [longas], intervaladas por descidas [curtas], perfazendo 24 quilômetros de ascensão. É pedal para o dia todo.

Duas coisas me chamaram à atenção. 1ª: quando passei por esse trecho, em 2011, a estrada era mais estreita; 2ª) movimentação intensa de caminhões. Muita poeira no ar. Carecia investigar o porquê dessas mudanças. 


Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.



Foto: Fernando Mendes.

Logo no início do primeiro aclive, um caminhão caçamba carregado de terra - terra essa proveniente do alargamento da estrada - estava parado esperando a passagem de outro caminhão que descia carregado com enormes tubulações de ferro, sobrepostas, lembrando garrafas de vinho guardadas em uma adega. 

Antes que o pesado voltasse a subir, perguntei ao motorista a respeito daquela obra e fiquei sabendo tratar-de de um mineroduto (sistema de transporte tubular), no qual o minério de ferro será misturado à água e bombeado dentro de tubulações desde Conceição do Mato Dentro (MG), passando por Morro do Pilar (MG) e terminando  no Porto do Açu, em São João da Barra (RJ), litoral Norte do Estado. 

A extensão do empreendimento é de 525 quilômetros. O motorista explicava, o ciclista anotava. Agradeci e segui. Mas antes de sair, ele me disse: "a Anglo American  instruiu os motoristas dela [e terceirizados] a diminuir a velocidade ao passar por pedestres e ciclistas". "O maior protege o menor" (art. 220 do CTB , Capítulo XV inciso XIII - que trata da ultrapassagem de ciclistas). 

Lei olimpicamente ignorada por muitos condutores. (Nota do Autor).

"Quando a educação de trânsito é feita por atacado, via dono de empresa, fica tudo mais fácil. Pena que essa ideia simples não seja praticada em grandes centros".  Assim anotou Antonio Olinto/Rafaela Asprino em seu Guia Estrada Real Caminho dos Diamantes; Bauru, Graphpress, 2013, p. 75.

O antigo Povoado do Gaspar (atual Morro do Pilar - MG) reviverá, em breve, seus tempos áureos da mineração. No século XVIII, ouro; no século XXI, ferro.



(*) A Anglo American é uma empresa global de mineração e responsável pelo Projeto Minas - Rio.

 (**) CTB (Código de Trânsito Brasileiro).


Mapa Rota do Minério.

Projeto Minas Rio: está em operação nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro e tem capacidade de produção de 26,5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. A operação conta com o maior mineroduto de minério de ferro da Terra (525 km de extensão), ligando a região da Mina da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro (MG), ao Porto do Açu, em São João da Barra (RJ), atravessando 32 municípios mineiros e fluminenses. Os navios carregados de minério sairão do Porto [do Açu] com um peso equivalente a mais de 80 mil carros populares. Essa produção será destinada ao mercado externo e abastecerá, principalmente, as siderúrgicas da Ásia.

A vida útil da mina em Conceição do Mato Dentro é estimada entre 50 e 60 anos de exploração. O minério sai da mina com aproximadamente 39% de ferro e, após o processo de concentração, atingirá 67,5%. O projeto envolve também a cidade vizinha de Alvorada de Minas (MG).

Disponível em:www.brasil.angloamerican.com
Acesso: 30/06/2014.

Ao atingir o ponto mais alto daquele 2º dia de viagem, uma visão deslumbrante se descortinou aos meus olhos: o colosso das formações da Serra do Cipó, ao fundo, onde se destaca o Cânion das Bandeirinhas.

Serra do Cipó, ao fundo. Foto: Fernando Mendes.

Ao fundo, a Serra do Cipó. Deslumbrante. Foto: Fernando Mendes.

A partir da metade do trecho, palmeiras, introduzidas à paisagem, marcam a singularidade do lugar. O Pico do Itambé (2.002 m de altitude) se agiganta à medida que a cidade de Itambé do Mato Dentro (MG) se aproxima. O farnel que trouxe com víveres acabou ao final dessa subida. A água foi a conta certa. 

Àqueles que desejarem fazer esse trecho da Estrada Real, levem provisões e água. Não há resquício (sinal indicativo) de bares, restaurantes e afins entre Morro do Pilar (MG) e Itambé do Mato Dentro (MG). Fica a dica.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Faltando dez quilômetros para Itambé do Mato Dentro (MG), passei por vários afloramentos rochosos, de origem sedimentar, que ladeiam a Estrada Real e dão um toque especial ao caminho.


Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.


Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Às 15h 52 passei a pedalar pelo calçamento de Itambé do Mato Dentro (MG) - 2.283 habitantes. Censo 2010 - e a Igreja de Nossa Senhora das Oliveiras passou pelo meu través leste (*), saudando-me e dando-me as boas-vindas.

(*) Través, em náutica, [ciclismo também] é cada um dos lados da embarcação [da bike também].É perpendicular à linha longitudinal da bike. 


Rosa dos Ventos.Imagem [s.d] p&b. 

Sabe-se, por tradição, que este povoado - hoje Itambé do Mato Dentro (MG) - foi fundado pelo bandeirante Romão Gramacho, entre fins de 1600 e princípios de 1700. Nele permaneceu alguns anos, ocupados na extração de ouro, tendo erigido, na rua das Cavalhadas, uma capela dedicada a Nossa Senhora das Oliveiras.

Fonte: Revista Arquivo Público Mineiro, IV, p. 674 (com adaptações).

Mas o ouro encontrado não demorou a minguar e aqueles que escolheram morar na região ficaram presos na armadilha de seu solo pouco produtivo. Os tropeiros faziam comida cuidando para não serem roubados por um local esfomeado, anotou Antonio Olinto/ Rafaela Asprino em seu Guia Estrada Real Caminho dos Diamantes; Bauru, Graphpress, 2013, p. 71.

Igreja de Nossa Senhora das Oliveiras. Foto: Fernando Mendes.

Após a igreja, atravessei a ponte sobre o Rio Preto do Itambé. Virei à esquerda e entrei na Rua Central. Pedalava vagarosamente pelo downtown, esquadrinhando os pequenos empórios, bares, restaurantes, o ponto de embarque dos ônibus para "belô", a prefeitura e algumas casas centenárias bem conservadas. Lugar simpático. Com pouco mais de 2 mil habitantes, parece que todos se conhecem. Segui o rumo da saída [sul] da cidade, onde fica a Pousada Portal do Itambé. Maravilhosa. Excelente acolhimento e ótima estada.

Vitória, a Mascote da Pousada. Foto: Fernando Mendes.

Único hóspede daquela noite. Após delicioso e farto jantar, fui dormir o sono dos justos. Trecho puxado e compensado por paisagens dignas de contemplação. Pedalar pela Estrada Real é prova cabal de felicidade. De origem indígena, a palavra “Itambé” significa pedra afiada.

São Lourenço (MG) a 622 quilômetros. Faltavam sete dias para a chegada do inverno.


3º dia
15/06/2014 
Itambé do Mato Dentro (MG) a Bom Jesus do Amparo (MG)
45 km

Acesso: 30.06.2014.

Acordei às 8h e a vontade de permanecer deitado e dormir "mais cinco minutinhos" foi grande. Prevaleceu a disciplina. Às 9h encontrava-me de frente ao portal de saída de Itambé do Mato Dentro (MG). O dia estava magnífico. Céu limpo, típico dos dias que antecedem o inverno nos trópicos. Temperatura em delicioso 16ºC.

Passado o portal, o caminho permanece por poucos metros em bloquetes sextavados. Logo começa o leito natural da Estrada Real. Nesse ponto, minha atenção estava voltada à face nordeste do Pico do Itambé (eleva-se a 2.002 metros. Corrigida pelos proponentes para 2.060 m -  Chaves et al. 2007). É um dos pontos mais altos da Serra do Espinhaço. Também conhecido como "teto do sertão mineiro". Abriga biomas do Cerrado e da Mata Atlântica.

Nos primórdios (relacionado à origem ou ao surgimento) de Minas Gerais, chegou [o Pico do Itambé] a ser considerado o mais alto do Estado (*). Foi o marco referencial, desde o século XVI, para naturalistas, exploradores e bandeirantes que passaram pela região e seguiam para a antiga Vila Rica - atual Ouro Preto - à época do Ciclo do Ouro. A cadeia de elevações que o cerca é de fundamental importância para Minas Gerais, por ser a vertente (encosta ou declive) de três das principais bacias hidrográficas de Minas Gerais: as bacias do São Francisco, do Jequitinhonha e do Rio Doce.
Disponível em: Acesso: 30/06/2014.

(*) Pico da Bandeira, localizado na Serra do Caparaó, é o ponto mais alto do Estado de Minas Gerais e da Região Sudeste do Brasil. Marca a divisa entre Minas Gerais (município de Alto Caparaó) e Espírito Santo (município de Ibitirama). É o terceiro ponto mais alto do País, com 2891,32 metros de altitude
Fonte: medição feita por GPS pelo Projeto Pontos Culminantes do Brasil, do IBGE e do Instituto Militar de Engenharia, em 2004. Revisado, em  2016, pelo IBGE, após [novo] mapeamento do geoide no território brasileiro.

Pico do Itambé. Foto: Fernando Mendes.

A Serra do Espinhaço, destacando o Pico do Itambé, retratado na visão dos naturalistas prussianos Spix & Martius (1828).

À exceção de mediana subida na saída de Itambé do Mato Dentro (MG), o caminho até Senhora do Carmo - Distrito de Itabira (MG) - foi feito em trecho largo, à semelhança de uma pista de aeroporto de porte médio. Em breve, essa etapa da Estrada Real receberá asfalto.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Às 11h 11, desfilava pelo calçamento de Nossa Senhora do Carmo. Parada na Casa do Centro, um misto de padaria, mercearia e bar. Precisava fazer uma boquinha para aguentar até a hora do almoço, em Ipoema (MG), 16 quilômetros à frente.

Nossa Senhora do Carmo. Foto: Fernando Mendes.

Paróquia Nossa Senhora do Carmo. Foto: Fernando Mendes.

Na maioria das cidades ao longo da Estrada Real, a saída é feita por fortes e - às vezes - fortíssimas subidas pelo fato de as localidades terem sido edificadas na parte mais baixa do sítio (local), facilitando, assim, a captação de água. Tranquilidade na chegada; dureza na saída. 

E não fugindo à regra, uma subida insana para deixar Senhora do Carmo (MG) pareceu não ter fim. O trecho calçado com bloquetes sextavados estende-se até o Posto Potencial. A partir dali, começa o leito natural, mas a ascensão não termina naquele ponto. Ainda têm uns 1.500 metros em aclive. Sábia decisão ao fazer uma boquinha lá embaixo.

O trecho até Ipoema (MG) produziu excelentes fotos e belo visual do Pico do Itambé e de um mar de morros ao fundo, com o Espinhaço soberano e absoluto.

Foram 2 horas de pedal para percorrer a etapa Senhora do Carmo - Ipoema, com apenas 16 quilômetros. Trecho cascudo por conta - principalmente - pela longa subida na saída.

 

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.


Foto: Fernando Mendes.


Foto: Fernando Mendes.


Às 13h 54, varado de fome, cheguei a Ipoema (MG) - 2.746 habitantes. Censo 2010 - distrito de Itabira (MG). Antes de qualquer rolé turístico pelo local, fui ao Restaurante Sabor Real e almocei delicioso PF: arroz, feijão, salada e um bifão acebolado que excedia as bordas do prato. Não pedalaria com tamanha fome. Fiz a química digestiva visitando duas atrações turísticas da localidade: a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, construída entre 1915 a 1934, em estilo eclético e com duas torres cobertas e, em seguida, o Museu do Tropeiro, inaugurado em 29 de março de 2003. Deixei a bike no restaurante e fui a pé. 

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes

Museu do Tropeiro. Foto: Fernando Mendes.

Museu do Tropeiro. Foto: Fernando Mendes.

O zoólogo alemão Johann Baptist von Spix (1781 – 1826) e o botânico alemão Carl Friedrich Martius (1794 – 1868), empenhados em descobrir e reproduzir, em seus estudos e obras, a biodiversidade brasileira, lideraram uma expedição chamada Spix & Martius, que continha 23 pessoas especializadas em várias áreas de conhecimento, que se dispuseram a fazer um levantamento do patrimônio cultural e natural da Estrada Real a partir do século XVIII.

Disponível em:https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46995817>. 
Acesso: 30/06/2014.

Spix e Martius, em Viagem pelo Brasil, vol. I, 1823, p.95, registraram que “Não menos extraordinário que o reino das plantas é o dos animais que habitam as matas virgens. O naturalista para aí transportado pela primeira vez não sabe o que mais admirar, se as formas, os coloridos ou as vozes dos animais”. "Durante a Expedição, ao chegarem a Senhora do Carmo, receberam das mãos de Carlos Humberto de Oliveira Cruz, tataraneto de tropeiro, uma cópia do diário de tropas de seu tataravô. Diante do presente, começou um debate sobre a possibilidade de se criar um memorial [ou museu] dedicado ao tropeirismo e ao final das conversas, ficou definido o local – Ipoema (MG) e o nome (Museu do Tropeiro), conforme se tem hoje".

Disponível em:<http://turismo.itabira.mg.gov.br/museu-do-tropeiro/>. 
Acesso: 30/06/2014

Voltei à Estrada Real para percorrer os 13 quilômetros finais - em asfalto - até Bom Jesus do Amparo (MG). Eram 15h 55.


Fernando Mendes.

Fernando Mendes.

Fernando Mendes.

Com vários trechos serpenteados e movimento quase nulo de veículos, fiz a etapa em pouco mais de uma hora, chegando a Bom Jesus do Amparo (MG) - 5.495 habitantes. Censo 2010 - antes do pôr do Sol. 

Na entrada da cidade, meu amigo [e Xará] Fernando Gonçalves me recepcionou com a cordialidade de sempre. Além de Guia Turístico da região, Fernando é o administrador da biblioteca local e colecionador de fotos e informações sobre tantas pessoas que percorrem a Estrada Real. Levei dois livros para enriquecer, ainda mais, o farto acervo das estantes.

O Menino do Pijama Listrado. John Boyne (Autor).


Brasília a Paraty pela Estrada Real. 
Weimar Pettengil - Brasília – Editora Thesaurus - 2009.

Hospedei-me na Pousada Real, que melhorou bastante desde a minha última estada por lá, em maio de 2011, ocasião na qual percorri a Estrada Real de Diamantina (MG) a Paraty (RJ). 

Depois de banhar e colocar a escrita em dia, fomos ao Aconchego Mineiro e "matamos" uma pizza gigante como a minha fome. A conversa, como de hábito, fluiu fácil. Ficaria ali a noite todo papeando sobre muitos assuntos, mas a Estrada Real sempre foi o nosso tema predileto. 

Profundo conhecedor da região e da história da cidade, combinamos, antes da minha partida no dia seguinte, fazer um tour pela Igreja Matriz de Bom Jesus do Amparo (MG). Voltei à Pousada Real e adormeci antes do terceiro carneirinho. Trecho puxado esse do 3º dia. 


São Lourenço (MG) a 577 quilômetros. Faltavam cinco dias para a chegada do inverno.

4º dia
16/06/2014 
Bom Jesus do Amparo (MG) a Cocais (MG)
25 km

Bem descansado e alimentado, fui à Praça Cardeal Motta encontrar-me com Fernando e iniciar o tour pela Matriz de Bom Jesus do Amparo, com estrutura que celebra festas do padroeiro, festividades da Semana Santa e festas juninas.

"Construída em 1841, inicialmente com capela, foi erguida pela família do proprietário da Fazenda do Rio São João, João da Motta Ribeiro.
Em 04/06/1858, a capela foi elevada à categoria de Igreja Matriz. No século XVIII, o coronel João da Motta Ribeiro, primeiro morador da cidade, trouxe, de Amparo (Portugal), a imagem do Senhor Bom Jesus.
A obra é uma (*) iconografia (estudo descritivo de imagens), pois representa uma raridade: Jesus aos 12 anos de idade. Assim originou-se o nome da cidade de Bom Jesus do Amparo.

(*) do grego "eykon", imagem, e "graphia", escrita.

Mozart Bicalho (1901 - 1986), ilustre Bom-Jesuense, foi o primeiro violonista a tocar em rádio no País. Brilhou por mais de 50 anos em sua carreira artística. Em 1929, gravou o seu primeiro compacto. Fez músicas para vários municípios, que acabavam tornando-se hino oficial. Somente no Circuito do Ouro compôs hinos para vários municípios e, naturalmente, para sua terra natal, Bom Jesus do Amparo (MG)


Igreja Matriz de Bom Jesus do Amparo. Foto: Fernando Mendes. 

Igreja Matriz de Bom Jesus do Amparo. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Bom Jesus do Amparo. Foto: Fernando Mendes.



Imagem do Menino Jesus vinda de Amparo, Portugal. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Bom Jesus do Amparo. Foto: Fernando Mendes.

Encerrado o tour, voltei ao Restaurante Aconchego Mineiro e "bati" um PF de categoria. Despedi-me de meu amigo Fernando com abraço fraterno e um "até logo", mesmo sabendo que a próxima visita está longe de acontecer.

Ao meio-dia de um dia belíssimo de fim de outono nos trópicos, deixei Bom Jesus do Amparo (MG) pela Rua Amaro F. Clube, em forte ângulo de subida, até uma bifurcação - dois quilômetros adiante - informar, por meio de um Marco da Estrada Real, "virar a esquerda" e "cair" numa estrada repleta de crateras como o solo lunar. 

Por quatro [longos] quilômetros fui quicando igual à bola perereca até interceptar, ortogonalmente, a Rodovia MG - 434, que liga Bom Jesus do Amparo (MG) a Itabira (MG). Atravessei a MG - 434 e contornei o Restaurante da Dona Maria, paralelo à rodovia. Prossegui, agora em leito natural, por seis quilômetros. Trecho muito belo, repleto de chácaras, haras e pesqueiros, que margeiam um caminho bastante sombreado. 

Adiante, outra rodovia foi interceptada ortogonalmente: A BR - 262 (trecho Belo Horizonte - MG a Vitória - ES). Atravessei-a e pedalei 500 metros [na direção Vitória - ES] e virei à direita, entrando num dos trechos mais cênicos do Caminho dos Diamantes: a Floresta de Eucaliptos, imensa área de reflorestamento, sombreada, muito silenciosa, lembrando  de Burkittsville em Maryland (MD) - EUA, cenário do filme As Bruxas de Blair, lançado em 1999.

Ao longo do trecho que percorri na Floresta de Eucaliptos, as subidas e as descidas se igualam, se intervalam e são brandas.

Floresta de Eucaliptos. Fotos: Fernando Mendes.

Floresta de Eucaliptos. Fotos: Fernando Mendes.

Floresta de Eucaliptos. Fotos: Fernando Mendes.

Floresta de Eucaliptos. Fotos: Fernando Mendes.

Floresta de Eucaliptos. Fotos: Fernando Mendes.

Floresta de Eucaliptos. Fotos: Fernando Mendes.

Floresta de Eucaliptos. Fotos: Fernando Mendes.

Floresta de Eucaliptos. Fotos: Fernando Mendes.

Pedalava devagar. Vontade de não sair daquele lugar. Parava e ouvia, ao longe, o som quase inaudível de veículos passando por rodovias próximas. Um fraco vento balançava os eucaliptos, que bailavam de forma simétrica. Nenhum sinal de civilização, muito menos de outros terráqueos. Trafegava soberano escutando canto de pássaros que não consegui identificar. 

Cheguei a Cocais - 2.803 habitantes. Censo 2010 - Distrito de Barão de Cocais, às 15h 30, a tempo de dar um rolezinho e fotografar o lugar. 

Cocais, Distrito de Barão de Cocais (MG). Foto: Fernando Mendes.

Pousada Vila Cocais. Foto: Fernando Mendes.

Cocais, Distrito de Barão de Cocais (MG). Foto: Fernando Mendes.

Cocais, Distrito de Barão de Cocais (MG). Foto: Fernando Mendes.

Cocais, Distrito de Barão de Cocais (MG). Foto: Fernando Mendes.

Igreja Sant'Ana em Cocais (MG), com cemitério anexo. Foto: Fernando Mendes.



Hospedei-me na Pousada Vila Cocais. Maravilhosa. Os quartos ficam na parte de trás, numa área interna, ornamentada por belo jardim. Assim, fiquei longe do barulho das ruas, principalmente das motos com escapamentos abertos e dos carros que circulam com som a todo volume, parecendo um trio elétrico.

O jantar foi servido às 19h. Às 20h, quando saí às ruas para uma caminhada sob céu estrelado, não vi vivalma. A população "dorme com as galinhas", conforme bordão bastante conhecido, que designa "dormir cedo". O inverso, "acordar com as galinhas", significa "acordar cedo". São expressões idiomáticas.


Expressões idiomáticas estão associadas às gírias, aos jargões ou contextos culturais específicos, tais como: chover canivetes, entrar pelo cano, testa de ferro, bateu as botas, afogar o ganso e por ai vai. (Nota do Autor).

Adormeci lembrando a Floresta de Eucaliptos, suas belezas e singularidades. Dormi como uma pedra. Outra expressão idiomática.

São Lourenço (MG) a 552 quilômetros. Faltavam cinco dias para a chegada do inverno.


5º dia
17/06/2014 
Cocais (MG) a Barão de Cocais (MG) a Catas Altas (MG)
40 km
Acordei com uma visita ilustre em meu quarto: um faisão, que circulava calmamente pelo aposento, e nem tchum à minha presença. Sonolento e sem compreender como aquela ave galiforme entrou no quarto, uma vez que a porta estava fechada, fiquei a observar a beleza das penas multicoloridas, as pernas finas e um conjunto de plumas brancas ao redor do pescoço, parecendo uma coleira. Ao ficar de pé, percebi que a janela estava aberta. Bingo! Foi por ali que o curioso entrou. 

Indiferente à ave, aprontei-me e saí para o café da manhã. No pátio interno da pousada, havia uns 5 faisões a ciscar e a assobiar (nome do som emitido ao cantar). Um mosaico de penas. "Os machos são mais coloridos e têm a cauda maior em relação às fêmeas", ensinou-me o proprietário do estabelecimento, dono das aves. 

Parti rumo a Catas Altas (MG), 40 quilômetros à frente. Eram 9h 30. Subi até a Praça do Rosário, contornei-a e ingressei no trecho em leito natural, com forte inclinação e diversos bovinos deitados a tomar sol.

Igreja N. Srª do Rosário – Praça do Rosário. Cocais (MG). Foto: Fernando Mendes

Igreja N. Srª do Rosário – Praça do Rosário. Cocais (MG). Foto: Fernando Mendes.


Pedalados 3,7 quilômetros, parada para conhecer a primeira atração do dia: o Sítio Arqueológico da Pedra Pinta, "há 6 mil anos agente se diverte por aqui", anuncia uma placa à entrada da propriedade, que mantém vários registros da presença humana, datados de 6 mil há 10 mil anos, dentre os quais diversas pinturas rupestres.

Sítio Arquelógico da Pedra Pinta. Foto: Fernando Mendes.

Sítio Arquelógico da Pedra Pinta. Foto: Fernando Mendes.

Sítio Arquelógico da Pedra Pinta. Foto: Fernando Mendes.

Sítio Arquelógico da Pedra Pinta. Foto: Fernando Mendes.

Sítio Arquelógico da Pedra Pinta. Foto: Fernando Mendes.

Sítio Arquelógico da Pedra Pinta. Foto: Fernando Mendes.

Pesquisadores acreditam que se tratava de um grupo nômade de caçadores que passaram pela região há uns 6.000 anos. Diante de uma vista inesquecível, o Mirante da Cambota, a 1.200 metros de altitude, o guia - Sr. José Roberto - mostrou-me nos paredões as figuras gravadas com pigmentos de terra: onças, lobo-guará, peixes, veados e outros animais. Há a figura de uma criança e a cena de um parto. Valeu demais conhecer esse lugar. Agradeci a receptividade e a aula. Voltei ao caminho que continuou inclinado para cima. E sobe, sobe e sobe mais um pouco. Parada para fotos e contemplação do lugar.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

E a subida parecia não terminar. Após passar por um mata-burro, defronte a uma chácara, virei à esquerda e passei a pedalar paralelamente à cerca da propriedade e, poucos metros adiante, ingressei noutra Floresta de Eucaliptos, igual à do dia anterior.

Fernando Mendes.

Fernando Mendes.

Fernando Mendes.

Fernando Mendes.

Ponte Ferroviária da FCA. Foto: Fernando Mendes.

Após o 8º quilômetros, a estrada inclinou com força para baixo e desci devagar. O piso passou a ser de pedras dispostas de forma irregular. Diferentemente do dia anterior, no qual o silêncio imperou em meio à Floresta de Eucaliptos, nesse trecho havia forte zoada de motosserras a cortar diversas árvores. Terminado o declive, passei sob a Ponte Ferroviária da FCA (Ferrovia Centro Atlântica) e comecei a pedalar por bairros periféricos de Barão de Cocais (MG) - 28.432 habitantes. Censo 2010 -, tendo o colosso do Maciço do Caraça ao fundo, imponente e majestoso.

Maciço do Caraça. Foto: Fernando Mendes.

Maciço do Caraça. Foto: Fernando Mendes.

A chegada a Barão de Cocais (MG) não foi das mais agradáveis. Era dia de jogo do Brasil pela XX Copa do Mundo. Trânsito frenético e ruas cheias. Os Marcos do Instituto sumiram ou inexistem dentro da cidade. Parei, respirei fundo e avistei o Restaurante e Churrascaria Dona Laurinda. De barriga cheia é mais fácil raciocinar. Almocei bem. Depois fui ao BB sacar uns reais.

"Perto do centro, abriu-me a visão de uma enorme siderúrgica [da Gerdau] que mais parece um dragão comendo montanhas e cuspindo fogo", anotou Antonio Olinto/Rafaela Asprino no Guia Estrada Real - Caminho dos Diamantes; Bauru, Graphprees, 2013, p. 53.

Siderúrgica Gerdau. 

Em virtude do adiantar da hora e do frenesi que tomou conta das pessoas por conta de jogo do Brasil, deixei rapidamente a cidade, desisti de procurar a saída para Catas Altas (MG) orientando-me pelos Marcos do Instituto. Segui pelo asfalto. Com isso, deixei de conhecer o Santuário de São João Batista. Ficou para a próxima vez.

Segui pela Rodovia MG - 129. Foram 16 quilômetros até o trevo de acesso à segunda atração do dia: o Bicame de Pedras. 

 "Aqueduto feito em 1792 com pedras empilhadas no antigo Arraial do Quebra Ossos. Servia para captação de água do alto da Serra do Caraça, que era destinada à lavagem de minérios e cascalhos, como parte do sistema de exploração aurífera dos séculos XVIII e XIX. A obra do aqueduto consumiu uma arroba de ouro, equivalente a 15 kg". 

Informações obtidas em placa explicativa à entrada do Aqueduto.

Bicame de Pedras. Foto: Fernando Mendes.

Bicame de Pedras. Foto: Fernando Mendes.

Bicame de Pedras. Foto: Fernando Mendes.

Bicame de Pedras. Foto: Fernando Mendes.

Bicame de Pedras. Foto: Fernando Mendes.

Bicame de Pedras. Foto: Fernando Mendes.

Bicame de Pedras. Foto: Fernando Mendes.

É admirável uma obra tão maravilhosa, na qual as pedras foram encaixadas como as peças de um quebra-cabeça. Nada de cimento ou argamassa. Quase escurecendo, cheguei a Catas Altas (MG) - 4.839 habitantes. Censo 2010A cidade, edificada na declividade de uma alta e íngreme montanha - o Maciço do Caraça - estava deserta por conta do jogo [muquirana] do Brasil com México, que terminou 0 X 0. 

Quanto mais o viajante se aproxima de Catas Altas (MG), mais o Maciço do Caraça se agiganta e se mostra em toda sua plenitude, expondo obscenamente seu ventre ao céu. Pedalava por lugares maravilhosos, enquanto muitos dedicavam tempo para ver um jogo à meia boca.

Hospedei-me na Pousada Solar da Serra. Show de bola. Jantei no Restaurante Casa de Taipa, refeição maravilhosa depois de um dia de paisagens deslumbrantes e caminho espetacular.

Faltavam quatro dias para o inverno. São Lourenço (MG) a 512 quilômetros.


6º dia
18/06/2014 
Catas Altas (MG) a Mariana (MG) a Ouro Preto (MG)
63 km

Acesso: 30.06.2014.

A alvorada foi cedo. Antes de sair e depois do café da manhã, fui conhecer a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, pertence à segunda fase do barroco no Brasil (1730 – 1760) e, em seguida, a Capela de Santa Quitéria.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

É um dos mais importantes templos mineiros e uma das poucas igrejas na qual se pode fixar a data de fundação com precisão, pois uma notícia inserida no Códice Matoso (coleção das notícias) dá conta de que em 1739 foi feito o translado do Santíssimo Sacramento para Matriz.

Acesso: 30/06/2014.

Em 1702, o bandeirante português Domingos Borges descobriu na falda (vertente) oriental da Serra do Caraça ricas minas auríferas. A ele se deve, igualmente, a fundação do arraial, em 1703, de acordo com a versão de Basílio de Magalhães. Francisco de Assis Carvalho Franco, com base em Taunay, sita o paulista Manuel Dias, em 1703, como descobridor.

Fonte: Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais, Waldemar de Almeida Barbosa, Ed. Itatiaia Ltda, 1995.

A história de Catas Altas, assim como a história de diversas cidades mineiras, está relacionada ao Ciclo do Ouro. O nome “Catas Altas” provém das profundas escavações feitas no alto dos morros. 
A palavra ´catas´ significa garimpo, escavação mais ou menos profunda, conforme a natureza do terreno para a mineração.
No povoado, as catas, os garimpos, as minas mais ricas e produtivas, estavam situadas nas partes mais altas, isto é, se encontravam no alto da Serra do Caraça.
 Por isso, a atual cidade ficou conhecida como Catas Altas. O povo vendo que o ouro escasseava nos leitos dos rios e córregos e abundava nas partes altas, dizia: "as catas estão altas", "as catas estão ficando em lugares mais altos", "as catas estão em lugares de mais difícil acesso".

Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

Capela de Santa Quitéria.

Localizada no alto da colina, a Capela de Santa Quitéria é datada do século XVIII. Foi construída em 1728 pelo Senhor Paulo de Araújo de Aguiar (possivelmente o proprietário do terreno) com ajuda dos devotos da comunidade. Em um documento de registro de casamento em 1734, a Capela aparece pela primeira vez nos livros de Cúria Arquidiocesana de Mariana.


Às 10h dei início à jornada daquele 18 de junho, Dia do Químico. Na esquina da Rua Maquiné com a Rua da Outra Banda, um Marco do Instituto indica a saída de Catas Altas (MG) rumo à pequena Morro da Água Quente, Distrito de Catas Altas (MG), seis quilômetros adiante. Pedal fácil. A Estrada Real segue paralela ao sopé (parte inferior) do Maciço do Caraça, um trecho da Serra do Espinhaço.

Maciço do Caraça. Foto: Fernando Mendes.

Maciço do Caraça e a Capela de Santa Quitéria, ao fundo.

Às 10h 35 pedalava pelas margens da Represa do Mosquito, principal área de lazer e pesca das famílias que moram na Comunidade Morro da Água Quente. A proprietária da albufeira é a Vale do Rio Doce.


Às 10h 40, pedalava pelo calçamento de Morro da Água Quente, outra localidade da qual se extraiu muito ouro ao longo do século XVIII e possuiu muitas fontes termais - daí o topônimo "água quente".

"O nome do povoado, segundo escritos do botânico, naturalista e viajante francês Auguste de Saint Hilaire, em 1887, em sua passagem por Catas Altas, originou-se justamente das fontes termais que existiram outrora nas proximidades e que foram destruídas pelas escavações feitas, no afã (grande desejo) de se encontrar mais ouro. A fonte termal que deu origem ao nome foi soterrada por um desabamento".

Disponível em:<http://catasaltas.mg.gov.br/historia/>
Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

"Existem no povoado construções feitas por escravos, como a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim e alguns muros de pedras, característica marcante do povoado. A caixa d’água e os moinhos de pedras são provavelmente do século XVIII. Pepitas do ouro eram lavadas nessa caixa d’água e a mesma água movia os moinhos de pedra".

Disponível em:<http://catasaltas.mg.gov.br/historia/>
Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

Morro da Água Quente. Foto: Fernando Mendes.

Morro da Água Quente. Foto: Fernando Mendes.

Morro da Água Quente. Foto: Fernando Mendes.


Com apenas 709 habitantes - IBGE 2010, "moraria aqui, lugar calmo, cheiro de mato molhado, ao pé da serra, e sob olhares dos moradores do distrito me senti em casa, receptivo", registrou Mauro Assumpção, em seu Blog (dez. 2017), ao relatar passagem [de moto] por Morro da Água Quente. 

Mauro Assumpção prossegue em seu relato: "Andando somente de primeira [marcha], no controle da embreagem da moto, fui observando cada canto deste lugar. Namoradeiras nas janelas, jardins, até chegar num tal Balneário, construído para servir de área de lazer para a comunidade. Além de uma bela vista, o local tem quadras para a prática de esportes, bar, lagoa e brinquedos para crianças. O Parque abriga ainda o Curral dos Cabritos e também um poço que era de água quente, originando o nome do distrito Morro da Água Quente. Aí foi entendido o porquê do nome do lugar".


Disponível em:<https://www.boramundo.com.br/um-tal-lugar-chamado-morro-da-agua-quente/>. Acesso: 30/06/2014.

Lugar deveras encantador. Excelente vinho de jabuticaba é produzido no distrito. E igualmente ao Assumpção, fui percorrendo mansamente o calçamento pedregoso de Morro da Água Quente, atento a tudo que via naquela singela localidade. 

Alcancei a saída, que desemboca na Rodovia MG - 129. No trevo, acessei à direita e pedalei 3,03 quilômetros no asfalto até visualizar um Marco do Instituto, no lado oposto à direção que seguia, entrando à esquerda e retornando ao leito natural da Estrada Real. Daquele ponto até Santa Rita Durão, Distrito de Mariana (MG), pedalei 12 quilômetros, sempre tendo o Maciço do Caraça a me espreitar, como um fiscal de provas que vigia o comportamento dos alunos durante exames finais.

Maciço do Caraça. Foto: Fernando Mendes.

Maciço do Caraça. Foto: Fernando Mendes.

Os primeiros sinais de fome foram sentidos. Eram 11h 52 e Santa Rita Durão estava próxima. Almoçar foi a primeira providência quando cheguei. No andar superior do Supermercado do Cota, encontra-se o Restaurante do Cota. Subi por uma longa e estreita escada lateral e cheguei ao mezanino, bastante amplo e com mesas simetricamente dispostas por todo o andar. Self service com opções variadas e refeição saborosa. Doce de abóbora com queijo de minas de pospasto. Um deleite.

Alimentado e hidratado, saí do restaurante às 12h 45 e atravessei a Rua do Rosário. Estava de frente à Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, construída pelo sargento-mor Paulo Rodrigues Durão, cuja benção se deu a 28 de maio de 1729 e o tombamento, por sua importância cultural, aconteceu em 1945.


Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré. Foto: Fernando Mendes.

"O distrito nasceu diante da busca por minas de ouro pelos grandes grupos que invadiram o sertão das Minas Gerais, no século XVIII". "A busca, quase que fracassada pelo precioso metal, rendeu ao distrito a primeira denominação de “inficionado”, por volta de 1702. 
O termo, variante da palavra “infeccionado”, era devido à pequena quantidade de ouro encontrado nas águas de um curso d’água local".
"A aventura em conhecer a localidade enche os olhos com belezas da história mineira e grandes paisagens naturais, permitindo transitar pelas páginas poéticas escritas pelo Frei Santa Rita Durão, natural do distrito e nascido em 1720. Ele [o Frei] tornou-se pioneiro da Literatura Brasileira ao escrever – em 1871 – um dos maiores poemas épicos brasileiros – o “Caramuru” – que narra a história de Diogo Álvares Correia, o "Caramuru", um náufrago português que viveu entre os índios tupinambás". 

Caramuru significa "filho do trovão.

Disponível em:<http://www.mariana.mg.gov.br/distritos/santa-rita-durao>
Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

"Para o historiador Diogo de Vasconcelos, a origem da palavra inficionado se deve a uma turba (bando) de desordeiros que infestaram o ribeirão".
"O livro Viagem no Interior do Brasil, de João Emanuel Pohl, também dá a mesma versão para o significado da palavra [inficionado]A freguesia foi criada em 1718, recebendo o título de Nossa Senhora do Nazaré do Inficionado". 

 Disponível em:<http://www.descubraminas.com.br/Turismo/DestinoAtrativoDetalhe.aspx?cod_destino=7&cod_atrativo=3405>. Acesso: 30/06/2014.

A hora passou muito rapidamente. Era preciso seguir. "O tempo não para no porto, não apita na curva e não espera ninguém", como diz a canção de Reginaldo Bessa. Faltavam 46 quilômetros até Ouro Preto (MG). Eram 13h 45. Até Bento Rodrigues, outro Subdistrito de Mariana (MG), foram 10 quilômetros em trecho com pequenos aclives e declives, percorridos facilmente em 30 minutos.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Igreja de Nossa Senhora das Mercês. Bento Rodrigues. Foto: Fernando Mendes.

Bento Rodrigues. Foto: Fernando Mendes.


O subdistrito [de Bento Rodrigues] foi um importante centro de mineração do século XVIII e o caminho da histórica Estrada Real atravessa seu centro urbano, ligando-o aos distritos de Santa Rita Durão e Camargos. Atualmente, a área ainda se caracteriza pela intensa atividade de extração mineral. No subdistrito de Bento Rodrigues se localizam as barragens de rejeitos de mineração denominadas Fundão e de Santarém, ambas operadas pela empresa mineradora Samarco.

 Disponível em:<https://pt.wikipedia.org/wiki/Bento_Rodrigues>
Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

Passei rapidamente por Bento Rodrigues (600 habitante. IBGE 2010) e alcancei, sete quilômetros à frente, Camargos, Distrito de Mariana (MG), que abriga parcos 83 habitantes, sendo 39 homens e 44 mulheres (IBGE 2010). 

As datas de formação do arraial de Camargos e da construção de sua igreja provável em 1707 - são incertas. Não parece haver dúvidas, porém, quanto ao nome da povoação, creditado ao paulista Tomás Lopes de Camargos, sertanista paulista, que encontrou o ribeiro aurífero perto do qual surgiu o núcleo urbano. 

Disponível em:<https://www.hpip.org/pt/Heritage/Details/1397
Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

A atração maior em Camargos é a Igreja Nossa Senhora da Conceição. Erguida no alto de uma colina, apresentando-se cercada por mureta de pedra. Diante dela, num ponto mais baixo do terreno, encontrase uma escadaria, em cujo topo há um belo cruzeiro em pedra. 

Igreja Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

Camargos. Foto: Fernando Mendes.

Camargos. Foto: Fernando Mendes.

Camargos. Foto: Fernando Mendes.

Camargos. Foto: Fernando Mendes.

Quando percorri a Estrada Real pela primeira vez, indo de Diamantina (MG) a Paraty (RJ), em maio de 2011, não passei por Camargos. As chuvas dos últimos dias deixaram o trecho de Morro da Água Quente a Camargos impraticável. Naquela ocasião, de Catas Altas (MG) a Mariana (MG), segui pelo asfalto da Rodovia MG - 129.

Portanto, tudo que conheci nessa etapa, em junho 2014, foi novidade, como, por exemplo, a diminuta população de Camargos: 83 almas residentes no distrito. A pequena Camargos ficou para trás.

Cheguei a Marina (MG) às 16h 45, vindo de Camargos, depois de pedalar placidamente por 18 quilômetros.

Ainda há muito a se descobrir e explorar no interior do Brasil. 514 anos pós-chegada de Cabral à Ilha de Vera Cruz, persiste a resistência quanto à penetração do território.

Essa cultura – preferir a fixação no litoral em detrimento do interior - é secular, pois tem sua origem datada do século XVI. O País chegou a ter um Ministério do Interior (hoje Ministério da Integração Regional) e transferiu a Capital Federal para o sertão de Goiás, e mesmo assim, não logrou êxito quanto à ocupação das terras afastadas do Atlântico.

Embora tenha havido, ao longo da década de 1990, uma considerada migração da população no eixo litoral - interior em busca de qualidade melhor de vida, algumas cidades [no interior] cresceram e prosperaram, tornaram-se ilhas de desenvolvimento, rodeadas por muitos vazios demográficos.

O primeiro historiador brasileiro, frei Vicente do Salvador, ao escrever, em 1627, o primeiro tratado da História do Brasil, lamentou que a colonização portuguesa não penetrasse em direção ao interior e se queixava de que os portugueses permaneciam no litoral “arranhando as costas como caranguejos”. 

Vivendo próximos aos portos de embarque dos navios, ao frei Vicente do Salvador parecia que “exploravam a terra com os olhos voltados para o país de origem”, afirmando que, “por mais arraigados que na terra estejam e mais ricos que sejam tudo pretendem levar a Portugal”. 

O desconhecido e o fator geográfico desmotivaram o avanço dos colonizadores portugueses pelo interior da colônia. A Serra do Mar, que era uma “grande muralha” recoberta por densa mata - a Atlântica - dificultava a penetração, cenário descrito, em 1585, pelo escritor e jesuíta Fernão Cardim (1549-1625), que acompanhou o visitador e padre jesuíta Cristóvão de Gouveia (1542-1622) na viagem da vila de São Vicente à vila de São Paulo, quando disse que “o caminho é cheio de tijucos (rios), o pior que jamais vi, e sempre íamos subindo e descendo serras altíssimas e passando rios e caudais de águas frigidíssimas».

Cheguei a Marina (MG) às 16h 45, vindo de Camargos, depois de pedalar placidamente por 18 quilômetros.

Um passeio pela Estrada Real dá, ao viajante, independente do meio de transporte escolhido, a oportunidade de conhecimento, além do prazer - no meu caso - de pedalar pela História do Brasil. Uma história muitas vezes resumida e, às vezes, não descrita nos livros didáticos.

Um desses "apagões" à História do Brasil, mais precisamente ocorrido à época do ocaso (fim) do Ciclo do Ouro, encontrei em Mariana (MG). Chama-se Mina da Passagem, de onde extraiu-se mais ouro do que em todo o Ciclo da Mineração no Brasil, que durou 113 anos. Essa história perdeu-se pelas suas galerias.

Em pesquisas pós-viagem, encontrei [na Mina da Passagem] uma "Passagem desbotada na memória", conforme escreveram Chico Buarque e Francis Hime no samba "Vai Passar".

Tudo começou no Ribeirão do Carmo (atual Marina – MG), primeiro nome à vila fundada pelos bandeirantes taubateanos liderados por Salvador Fernandes Furtado de Mendonça e Miguel Garcia de Almeida e Cunha, erigida em 1711.

Em 1745,o Ribeirão do Carmo - atual Mariana (MG) -  foi elevado à categoria de Cidade e recebeu o nome da rainha D. Maria Ana Josefa Antônia Regina de Áustria, esposa de D. João V, o Magnânimo, que governou Portugal e Algarves de 1706 a 1750.

Disponível em: https://mariana.minasdapassagem.com.br/historia/.

Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

Data do século XVIII a descoberta do ouro em Passagem – hoje Distrito de Mariana (MG). Os bandeirantes percorreram os veios d’água da Bacia do Rio Doce e atingiram o Ribeirão do Carmo, no qual localizaram ouro aluvionar em profusão. Subindo o ribeirão, em típica prospecção por bateia, descobriram, em 1719, as jazidas primárias de Passagem.

Disponível em: https://mariana.minasdapassagem.com.br/historia/.

Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

"Durante o Ciclo do Ouro no Brasil (1697 -1810), a produção mundial de precioso metal foi de 1.421 toneladas métricas (*), tendo a capitania de Minas Gerais, mais precisamente Vila Rica (atual Ouro Preto-MG) e Ribeirão do Carmo (atual Mariana-MG), contribuído com 700 toneladas, ou seja, 50% do ouro produzido no período". 

(*) equivalente a 103 kg (1.000 quilos).

Disponível em: https://mariana.minasdapassagem.com.br/historia/.

Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

O Barão von Eschwege (1777-1855) alemão e especialista em geologia, geografia, arquiteto e metalurgista, escreveu em Pluto brasiliensis, volume I, p. 149: "Com uma exploração adequada, [a Mina da Passagem] tem dado sempre saldo". 

Em 1809, ainda Príncipe Regente, D. João VI convocou ao Brasil o Barão Wilhelm Ludwig von Eschwege, grande especialista em geologia. Sua principal missão: estudar as causas da decadência da extração de ouro e encontrar um meio de reativar o setor. 

Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. 
Rio de Janeiro - Record -  2011, p. 319.

"Em 30 de janeiro de 1810, ele [o Barão] embarcou em Lisboa e 58 dias depois avistou o Pão de Açúcar - "uma montanha de forma curiosa", definiu Eschwege. Depois de um século de ignorância e improvisação na extração do ouro, a ciência finalmente desembarcou no Brasil

Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. 
Rio de Janeiro - Record -  2011, p. 320.

Em 1811 colocou o pé na estrada. "Extremamente desagradável e penosa". Assim o Barão definiu aquela viagem de 23 dias entre a Corte e as Minas Gerais. 

"Os fundidores - a maioria ex-cozinheiros - não tinham qualquer formação técnica". 
"O emprego de mercúrio foi responsável pela perda de 4,4% do ouro processado". 
"Foi enorme a sucessão de equívocos".

Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. 
Rio de Janeiro - Record -  2011, p. 322.

"Fechados seus estudos, o Barão voltou à Corte e colocou sobre a mesa de D. João VI duas notícias, uma boa e outra má". 
"A má era que não havia o que fazer para aumentar a produção de ouro de aluvião 
(encontrado no leito dos rios)
"A boa notícia era que ainda existia uma "grande riqueza" no subsolo do Brasil, nos mesmos locais das lavras decadentes. Eram jazidas de ouro de beta, ou seja, o filão do metal precioso de onde se desprendeu o ouro de aluvião". 
"Esse novo gênero do metal precioso, pouco ou quase nada conhecido na colônia, apresentava-se em volumes ainda maiores do que o ouro de aluvião". 
"Porém, para chegar até ele, seria preciso métodos e investimentos, pois as jazidas não se situavam sob a superfície da terra, mas em suas entranhas, como a Mina da Passagem".

Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. 
Rio de Janeiro - Record -  2011, p. 323.

"Para mostrar a certeza que tinha no sucesso de suas propostas, o geólogo alemão recrutou sócios e, junto com eles, entrou no leilão de uma mina de ouro decadente (a Mina da Passagem, próxima a Mariana - MG) que estava indo a pregão para pagar a dívida de seu antigo proprietário". 
"Com um lance equivalente a 12 quilos de ouro, pagos a crédito, a sociedade encabeçada pelo Barão arrematou a mina em 12 de março de 1819".
"Eschwege tentou fazer com que os mineradores seguissem seu exemplo. Em vão". 
"Todas as técnicas que ele tentou implantar - estudo prévio do solo, uso de maquinário e construção de galerias subterrâneas - não eram aceitas pelos mineradores e pelos funcionários da Coroa". "Não estamos acostumados a isso", ouviu o Barão.

Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. 
Rio de Janeiro - Record -  2011, p. 324.

Os funcionários da Coroa e os mineradores estavam SIM acostumados ao lucro imediato e NÃO ao ganho sustentável, maior e de longo prazo. (Nota do Autor).


O Barão tentou, sem sucesso, fazer o Brasil saltar do passado diretamente para o futuro.


Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. 
Rio de Janeiro - Record -  2011, p. 324.


Demorou alguns anos, como previsto, mas sua mina de ouro [a da Passagem] rendeu [ao Barão], por fim, bons resultados. Por um longo período, ele recebeu os frutos do seu investimento. Venceram a paciência e o método.

Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. 
Rio de Janeiro - Record -  2011, p. 327.

"Após anos de prosperidade, o barão Eschwege, atraído por atividades na pioneira siderurgia, desinteressou-se da mineração de ouro. Os direitos minerários da Mina da Passagem passaram, na metade do século XIX, às mãos do inglês Thomas Bawden que, em 1859, a revendeu à Anglo Brazilian Gold Mining Company", rendendo toneladas de ouro a seus novos donos".

Fonte: Waldemar de Almeida Barbosa, 
Dicionário Histórico - Geográfico de Minas Gerais, p. 242.


A Mina da Passagem foi fechada em 1980 e transformada em atrativo turístico. Essa história não consta nos livros didáticos, muito menos é contada pelos "guias" ao recepcionar turistas, que descem a uma profundidade de 120 metros num carrinho de mina (trolley), para percorrer as galerias subterrâneas. (Nota do Autor).

Entrada Mina da Passagem. 
https://mariana.minasdapassagem.com.br/fotos/#galeria>. Acesso: 30/06/2014.


Interior da Mina da Passagem.
https://mariana.minasdapassagem.com.br/fotos/#galeriaAcesso: 30/06/2014.

Cheguei à antiga Vila Rica com os sinos anunciando a Hora do Angelus. A cidade vivia um frenesi por conta do feriadão de Corpus Christi.

Até chegar ao Hotel Pouso dos Viajantes, empurrei mais a bike do que pedalei. Senti-me no caótico e tumultuado trânsito das cidades indianas. 

Depois do banho fui a uma pizzaria próxima ao hotel. Fazia muito frio. O dia seguinte (19/06), dia de Corpus Christi, foi reservado para passeios de bike pela região da Estrada Real. Bate e volta para conhecer São Bartolomeu, Glaura e Cachoeira do Campo, três charmosos distritos de Ouro Preto (MG).

Faltavam três dias para a chegada do inverno. São Lourenço (MG) a 449 quilômetros.

7º dia
19/06/2014 
Ouro Preto a São Bartolomeu a Glaura - Bate e Volta
64 km


Disponível em:<http://www.institutoestradareal.com.br/roteiros/velho>.
Acesso: 30.06.2014.

Após o café da manhã e antes de sair para o rolezinho pelas redondezas de Ouro Preto (MG), assisti à confecção de mosaicos feitos com serragens e sal coloridos, desenhos que fazem alusão à figura de Cristo, do pão e do cálice.Tradição do dia de Corpus Christi.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

No Brasil, a tradição é especialmente prevalente em localidades da Região Sudeste, sendo um componente importante da cultura de cidades históricas, como Ouro Preto (MG). Para sua confecção, grupos de paroquianos reúnem-se na noite anterior ao dia de Corpus Christi, tornando a prática um espaço de socialização entre os fiéis.

Calendário de eventos. Disponível em . Acesso em 30 de junho de 2014.

Por volta das 10h deixei o hotel e, pela Rua dos Inconfidentes, fui até a Estação do Trem da Vale. Subi - e que subida - pela Rua Pacífico Homem e depois pela Manoel Cabral. Cheguei à Praça Tiradentes. Da praça, tomei o rumo Noroeste (NW) e cheguei à BR - 356, acesso a Belo Horizonte (MG).

No trevo existe uma saída à direita, bastante íngreme e que se tornou mais íngreme à medida que avançava, totalizando meros 1,4 quilômetro de extensão, com 189 metros de ascensão. Frita coxa. 

A partir daí, muitas paradas para fotos e descidas - quatro quilômetros - até o Distrito de São Bartolomeu - 730 habitantes. Censo 2010 (387 homens e 343 mulheres) -, onde cheguei às 13h. Parada para ver os mosaicos de serragens e sais coloridos. Depois, almoço.

Saída de Ouro Preto (MG). Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Chegada a São Bartolomeu. Foto: Fernando Mendes.

"Criado pela carta régia de 16 de fevereiro de 1724, uma acanhada joia barroca do século XVIII. Assim pode ser descrito o distrito de São Bartolomeu", assinalou o Portal estrada Real.

Disponível em: http://www.institutoestradareal.com.br/cidades/sao-bartolomeu>
Acesso: 30/06/2014.

Em 1724, os bandeirantes fundaram São Bartolomeu, às margens do Rio das Velhas. A imponente Matriz de São Bartolomeu e o casario colonial são pontos altos do barroco mineiro.

O distrito de São Bartolomeu é famoso por sua produção artesanal de doces. A festa da goiaba, de maior tradição, tem o apoio da prefeitura de Ouro Preto (MG) e seu objetivo é celebrar a colheita da fruta, para produção da tradicional Goiabada Cascão, registrada, igualmente ao queijo minas e outros produtos regionais, como patrimônio imaterial. 

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Acesso em: 30/06/2014.

Matriz de São Bartolomeu. Foto: Fernando Mendes.

Matriz de São Bartolomeu. Foto: Fernando Mendes.

Mosaicos de serragens e sais coloridos. Foto: Fernando Mendes.

Mosaicos de serragens e sais coloridos. Foto: Fernando Mendes.

Almocei delicioso Tutu à Mineira no Restaurante Cantinho Caipira. Café expresso para arrematar e toquei em frente, na direção da charmosa Glaura, outro Distrito de Ouro Preto (MG), 15 quilômetros adiante. Trecho fácil e sombreando pela mata que, às vezes, escondia o céu. Às 15h 33 comecei a pedalar pelo calçamento de pedras sextavadas do Distrito de Glaura.

Glaura é chamada também de Casa Branca. Surgiu por volta do século XVIII, no auge da exploração do ouro. Era refúgio dos grandes senhores que tinham o antigo arraial como ponto de divisão entre Vila Rica e São João Del Rei. 
Majestosa e imponente, a Matriz de Santo Antônio das Garças, com sua fachada rica em detalhes e cunhais de cantaria, é uma lembrança persistente dos tempos áureos do século XVIII, quando Casa Branca era um próspero povoado produtor de ouro. 
O nome Santo Antônio da Casa Branca deveu-se, provavelmente, à coloração das casas que, em geral, vigoravam nas minas: casas caiadas, casas alvas, casas brancas.

 Disponível em: https://www.flickr.com/groups/491819@N21/. 
Acesso: 30/06/2014.

Igreja Matriz de Santo Antonio das Garças Brancas em Glaura. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Santo Antonio das Garças Brancas em Glaura. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz de Santo Antonio das Garças Brancas em Glaura. Foto: Fernando Mendes.

Glaura. Casa Caiada de Branco. Foto: Fernando Mendes.

Deixei a charmosa Glaura às 16h 06 e, pelo asfalto, a Estrada Real segue o rumo sul, por oito quilômetros, até Cachoeira do Campo (*) - Distrito de Ouro Preto -, ponto no qual a Estrada Real intercepta perpendicularmente a Rodovia BR -365. 

No entroncamento, virei à esquerda e, agora no rumo leste, tomei a direção de Ouro Preto (MG), 21 quilômetros à frente. O Sol deslizava mansamente para o horizonte, bem às minhas costas. Eram 17h.

(*) "O distrito surgiu entre os anos de 1674 a 1675, quando a bandeira de Fernão Dias Paes - que nunca teve o sobrenome Leme - o "caçador de esmeraldas" - na busca de riquezas nas montanhas de Minas, provavelmente descobriu a cascata de águas límpidas, próximo ao atual Centro Dom Bosco, que deu origem ao histórico nome do povoado da “Cachoeira”, passando mais tarde a ser chamado de Cachoeira do Campo. No ano de 1680, o aventureiro Manuel de Mello estabeleceu-se em Cachoeira, tornando-se o primeiro morador".
"Diferentemente da maioria dos distritos que circundam Ouro Preto - são 12 -, Cachoeira nunca se destacou por desenvolver atividades mineradoras".

Disponível em:<https://sanctuaria.art/2015/03/18/matriz-de-nossa-senhora-de-nazare-cachoeira-do-campo-mg/>. Acesso: 30/06/2014.

Fernão Dias Paes nunca teve o sobrenome Leme", anotou Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil, Record -2011, p. 93.


A Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré em Cachoeira do Campo é considerada uma das mais belas dentre as igrejas históricas de Minas Gerais. 
Foto: Fernando Mendes.

Com o Sol às minhas costas, pedalei [BR -365] forte os 14 quilômetros iniciais em acentuado ângulo de subida. Às 17h 11, passei sob o colossal Viaduto Ferroviário do Funil, pertencente à Ferrovia do Aço.

Viaduto Ferroviário do Funil. Foto: Fernando Mendes.

Viaduto Ferroviário do Funil. Foto: Fernando Mendes.

Às 18h 33 e sob o manto da noite, cheguei ao trevo de acesso a Ouro Preto (MG). Virei à esquerda e quando me preparava para seguir rumo ao Centro Histórico da antiga Vila Rica, um prego estuprou a câmara de ar do pneu traseiro. Não foi possível fazer o reparo naquela escuridão. Empurrei a bike por uns dois quilômetros e cheguei a um posto de combustíveis. Com iluminação decente foi possível fazer a substituição da câmara furada por outra nova. Cheguei à Praça Tiradentes, no centro de Ouro Preto (MG), às 19h 22. Chovia comedidamente. Uma garoa paulistana. Fazia muito frio.

Museu da Inconfidência. Foto: Fernando Mendes.

O Museu da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto. 
Foto: Fernando Mendes.

Fui para o hotel, banhei e, a seguir, degustei um preparado que consiste em um disco de massa fermentada de farinha de trigo, regado com molho de tomates e coberto com ingredientes variados que, normalmente, incluem algum tipo de queijo, carnes preparadas [ou defumadas], ervas, orégano e/ou manjericão. Tudo assado em forno à lenha. Ou seja, uma bela pizza, na Pizzaria Maricotta. Mais um dia de pedal maravilhoso por três - dos 12 - distritos de Ouro Preto (MG). 

Na volta da Maricotta para o Hotel Pouso dos Viajantes verifiquei a temperatura em meu relógio: 9ºC. Foi a noite mais fria.

Faltavam dois dia para a chegada do inverno. São Lourenço (MG) a 385 quilômetros. 

Havia percorrido 56% do caminho. Faltavam 44%.

8º dia
20/06/2014 
Ouro Preto (MG) a Ouro Branco (MG)
32 km



Fonte: Guia Cicloturismo Estrada Real. Olinto/Rafaela Asprino. 2ª Edição. P. 107.

Ao chegar à garagem do hotel para fixar os alforjes à bike e seguir viagem, não acreditei no que vi: os dois pneus vazios. Visão do inferno. Congela! Para tudo. Com a baixa de ontem ao chegar a Ouro Preto (MG), restou apenas uma câmara de ar reserva. 

Precisava de mais uma. A primeira providência foi me informar a respeito de bicicletarias nas redondezas. Com essa informação, segui de táxi para o endereço que consegui na recepção do hotel. Táxi em Ouro Preto (MG) é lotação. Ou seja, vai pegando passageiros ao longo do caminho. E nada do táxi chegar à bicicletaria. Parada para embarque; parada para desembarque e a hora passando. Sobe ladeira e desce ladeira. Após 20 minutos nesse perrengue, cheguei à loja. 

Dei com os burros n'água. Não havia a câmara de ar que precisava. Mas a viagem acabou não sendo perdida. Com muita boa vontade, e percebendo a minha preocupação, o dono da bicicletaria ligou para uma congênere. Bingo! Duas unidades disponíveis. Peguei outro táxi, sobe ladeira, desce ladeira, entra gente, desce gente, cheguei à segunda loja, comprei as duas câmaras de ar e, para evitar um terceiro táxi, voltei a pé para o hotel. 

Comecei esse périplo às 9h, terminando-o às 10h 45. Por sorte minha, a etapa daquele dia até Ouro Branco (MG) foi de apenas 32 quilômetros sobre asfalto (Rodovia MG - 129). Fiz a substituição das câmaras de ar e, antes de partir, fui à borracharia anexa ao hotel remendar a câmara que foi estuprada por um prego na chegada a Ouro Preto (MG) na noite anterior. "Estepes" garantidos.

Toda essa movimentação deu uma fome danada. O Restaurante Cantinho Mineiro foi a salvação da lavoura. Almocei fartamente para compensar o fraco café da manhã do hotel. Ao meio-dia, parti. Ufa!

A Rua dos Inconfidentes, logradouro do Hotel Pouso dos Viajantes, é calçada com paralelepípedos. Veículos estacionam em ambos os lados da via. Não há espaço para ciclistas, embora tenha visto alguns se arriscando e ignorando os perigos. Empurrei a bike por 500 metros, atravessei a linha férrea do Trem da Vale e comecei a girar pela Avenida Lima Júnior, asfaltada e repleta de curvas.

À medida que a ascensão aumentava, Ouro Preto (MG) foi ficando pequena, lá em baixo, parecendo uma imensa maquete. À minha esquerda, um paredão rochoso; à minha direita, casas simples se alternavam a espaços vazios, permitindo ao viajante dar o último adeus à Antiga Vila Rica.

As curvas se sucediam, a ascensão crescia e a qualidade do asfalto piorava. A cidade ficou para trás. A paisagem passou e ser formada por morros arredondados (pelo desgaste natural - erosão) e carecas (vegetação substituída por pastos). O burburinho urbano foi substituído pelos sons da natureza. Mas por pouco tempo.


Logo cheguei ao Bairro Saramenha, repleto de casas e empórios à beira da Avenida Lima Júnior, além da gigante Hindalco Brasil, empresa do grupo indiano, que atendem os mercados nacional e internacional. Opera em Ouro Preto (MG) desde agosto de 2013.

Após quatro quilômetros, percorridos desde a saída de Ouro Preto (MG), a Avenida Lima Júnior termina abruptamente no cruzamento com a BR - 365. Um trevo marca a interceptação das duas vias. Atravessei a BR [365] ao mesmo tempo em que girava 180º na rotatória, ingressando na Rodovia MG – 129. Ouro Branco (MG) a 28 quilômetros. Eram 12h 24.

Quando o Ciclo do Ouro na região atingiu o rush, Ouro Preto (MG) e Ouro Branco (MG) revelaram-se regiões auríferas de grande produção. Logo, foi aberto um caminho direto entre as duas comarcas. Suspeita-se que a Rodovia MG – 129 foi construída sobre parte desse caminho histórico. Os paulistas [bandeirantes] preferiram caminhar vencendo as duras serras do Ouro Branco, também chamadas de “Deus te Livre” e do Itacolomi para garimpar na região do ribeirão do Ouro Preto, anotou Antonio Olinto/Rafaela Asprino em seu Guia de Cicloturismo Estrada Real Caminho Velho, 2ª Edição; São Paulo 2010; Editora Gráficos Unidos, p. 144.

Asfaltada e sem acostamento, a Rodovia MG – 129, ao longo dos 28 quilômetros entre Ouro Preto (MG) e Ouro Branco (MG), é marcada por frenético sobe e desce. A altimetria é cruel. Subidas e descidas insanas são separadas por curtos trechos planos. 

A beleza fica por conta da pontes e estruturas de pedra com mais de 150 anos. Um patrimônio cultural de Minas Gerais. Foram construídas para o trânsito de carroças que atendiam à região entre Ouro Preto e Ouro Branco. Portanto, foram erigidas com o Ciclo do Ouro findado.

Conjunto Rancharia. Foto: Fernando Mendes.

Conjunto Rancharia. Foto: Fernando Mendes.

Conjunto Rancharia. Foto: Fernando Mendes.

Serra do Itatiaia. Foto: Fernando Mendes.

Serra do Itatiaia. Foto: Fernando Mendes.

Serra do Itatiaia. Foto: Fernando Mendes.

MG - 129. Altimetria cruel. Foto: Fernando Mendes.

MG - 129. Altimetria cruel. Foto: Fernando Mendes.

MG - 129. Altimetria cruel. Foto: Fernando Mendes.

Às 13h passei pelo acesso a Lavras Novas (MG), Distrito de Ouro Preto (MG). Lavras Novas do Coronel Furtado, considerada uma mineração de ouro localizado, foi descoberta pela família Cubas de Mendonça, tendo direito a uma capela e cultos ecumênicos. O documento mais antigo é datado de 1717. Trata-se  do batistério de Maria dos Prazeres, filha de tradicional família paulista da época, além de evidências que provam a existência de minas auríferas, anteriores às de Mariana (MG) e de Ouro Preto (MG) – segundo Cristina Tárcia – redatora do Jornal Ouro Preto.

Maior altitude do caminho. Foto: Fernando Mendes.

Quando cheguei ao trevo de acesso a Santa Rita do Ouro Preto, berço do artesanato em pedra sabão, havia percorrido metade do caminho. O sobe e desce deu a maior fome. Apesar de ter almoçado na saída de Ouro Preto (MG), tornei a almoçar num restaurante bem simples à beira da estrada. Eram 14h 04.

Ciente que a mais longa subida [seis quilômetros] me aguardava após o almoço, tratei de me alimentar bem. Ao terminar ascensão, atingi a maior altitude do caminho, desde o início da jornada, há oito dias: 1.560 metros.

Desse ponto em diante, forte descida com três quilômetros e mais quatro quilômetros de planura até a entrada de Ouro Branco (MG). 

Em 2010, Ouro Branco (MG) ocupou a 1.ª posição no ranking das melhores cidades do
Estado de Minas Gerais.

Fonte:«IFDM Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal». FIRJAN. 2010.

"O povoado de Santo Antônio de Ouro Branco teve sua origem em fins do século XVII, provavelmente no ano de 1694, como consequência do processo de ocupação, iniciado com as primeiras bandeiras que, subindo o Rio das Velhas à procura de ouro, desbravaram a região, assentando-se ao pé da Serra de Ouro Branco, denominada, naquela época, Serra do Deus te Livre".
"Atraídos pela existência de ouro, em fins do século XVII, ex-integrantes da bandeira de Borba Gato desbravaram a região da atual Ouro Branco. O bandeirante Miguel Garcia lá encontrou ouro de coloração esbranquiçada, ficando assim conhecido como "ouro branco". Ouro Branco foi uma das mais antigas freguesias de Minas, tornada colativa (cumprir corretamente uma função na Igreja) pelo alvará de 16 de fevereiro de 1724, expedido pela (*) Rainha Maria I, durante o governo de Lourenço de Almeida. Naquele período, Ouro Branco possuía considerável importância econômica devido à prosperidade de sua população.
"O ouro extraído em Ouro Branco era desprezível em relação à extração praticada em Ouro Preto. Naquela época, a má qualidade das jazidas auríferas e as dificuldades de exploração, advindas do primitivo processo utilizado, fizeram a atividade mineradora retroceder".

Disponível em:<https://www.ourobranco.mg.gov.br/detalhe-da-materia/info/historia-de-ouro-branco/6495>. Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

(*) Rainha Maria I, apelidada de "a Piedosa" e, posteriormente, "a Louca", foi Rainha do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1777 – 1815). Morreu em 1816, no Rio de Janeiro, durante o exílio forçado [de 13 anos] da Família Real no Brasil (1808 – 1821). E assim, seu filho, o Príncipe D. João VI, tornou-se Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Morreu em Lisboa em 1826. (Nota do Autor).

Igreja Matriz de Santo Antônio de Ouro Branco. 

Igreja Matriz de Santo Antônio de Ouro Branco. 


Igreja Matriz de Santo Antônio de Ouro Branco. 

"De acordo com um registro no Livro nº 1 da Irmandade, a Matriz é anterior a 1717, ano de emissão de uma certidão do primeiro casamento que teria ocorrido na Igreja Matriz de Santo Antônio de Ouro Branco. A parte exterior da Matriz traz as influências da reforma introduzida por Aleijadinho, estilo característico de Minas Gerais".

Disponível em:<https://www.ourobranco.mg.gov.br/detalhe-da-materia/info/matriz-de-santo-antonio---centro/6542>. Acesso: 30/06/2014.

Cheguei a Ouro Branco – 35.260 habitantes. Censo 2010  por volta das 16h. Havia luz bastante para fotos da Igreja Matriz de Santo Antônio de Ouro Branco e seus arredores. A poucos metros da Matriz, em linha reta pela Rua Santo Antonio, cheguei ao Hotel Vale do Ouro. Estada razoável. Arredores barulhentos.

À noite fui ao Elmiras Restaurante, vizinho ao Vale do Ouro. Noite fria igual em Ouro Preto (MG). Para aquecer comecei por um conhaque seguido de sopa de batatas baroa. Finalizei a ceia com farta macarronada à bolonhesa e café expresso para arrematar. 
Voltei ao hotel. Precisava deitar-me sob cobertores. Foram apenas 4 horas de pedal (das 12h às 16h), mas o sobe e desce no trajeto foi cascudo.

 Faltava 1 dia para o início do inverno. São Lourenço (MG) a 353 quilômetros.

9º dia
21/06/2014 
Ouro Branco (MG) a Casa Grande (MG)
63 km

Disponível em:<http://www.institutoestradareal.com.br/roteiros/velho>
Acesso: 30.06.2014.


Antes de partir, uma passada pela Bike Podium.


Pódio é a forma correta da escrita dessa palavra em português e reconhecida no vocabulário ortográfico da Academia Brasileira de Letras.


Podium é a palavra em latim, que originou a palavra portuguesa pódio. Apesar do aportuguesamento, ainda é a forma mais utilizada na escrita. Deverá ser grafada SEM acento gráfico e em itálico (podium), marcando a sua situação de palavra de outra língua.

A palavra pódium grafada desta forma está ERRADA.

Foi preciso trocar as pastilhas dos freios dianteiro e traseiro. Reparo feito tomei o rumo de Conselheiro Lafaiete (MG), primeira cidade do trecho daquele sábado ensolarado e frio. O ar gelado da madrugada ainda persistia por conta do vento. Embora a temperatura no termômetro indicasse 18ºC, a sensação térmica devia ser de algo em torno dos 13ºC.

Ruas apertadas e trânsito nervoso. O Marco indicativo da saída fica próximo à Igreja Nossa Senhora dos Homens. Contornei-a [180º] e segui uns 100 metros até a esquina da Rua Leôncio P. Almeida. Visualizei o Marco do Instituto indicando “virar à direita”. Após uma sucessão de “virar à esquerda” e “virar à direita”, sempre bem sinalizadas pelo balizamento, cheguei ao início do trecho em leito natural, após uma subida cascuda. Ouro Branco (MG) ficou lá em baixo, dentro de um buraco fundo. Eram 10h.

As ruas apertadas e trânsito nervoso cederam lugar à tranquilidade da zona rural. Movimento zero de veículos, trecho plano e a sinfonia da passarada. Ao longo do caminho as pequenas propriedades remeteram-me à canção “Gente Humilde”, de Chico Buarque, Vinícius de Moraes e Garoto, que diz: "são casa simples com cadeiras na calçada e na fachada escrita em cima que é um lar". As casas floridas, mostrando que, mesmo possuindo pouco, essa gente é feliz. Gente simples sempre a acenar à minha passagem.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.



Ao 10º quilômetro, às 10h 30, parada obrigatória para conhecer a Fazenda Carrera, cuja história tem três versões.

Fazenda Carreiras. Foto: Fernando Mendes.

Fazenda Carreiras. Foto: Fernando Mendes.

Fazenda Carreiras. Foto: Fernando Mendes.

Fazenda Carreiras. Foto: Fernando Mendes.


Estábulo. Fazenda Carreiras. Foto: Fernando Mendes.

Fazenda Carreiras. Foto: Fernando Mendes.
Tombada pelo Iepha, em setembro de 2000Carreiras [a Fazenda] foi construída, provavelmente, na segunda metade do século XVIII, por volta de 1775. Localizada às margens do Caminho Novo da Estrada Real, entre Ouro Branco (MG) e Conselheiro Lafaiete (MG), trecho de grande circulação de pessoas e bens durante o período conhecido como Ciclo do Ouro em Minas Gerais.
Destinada à criação de gado e à agricultura, integrava o povoado de mesmo nome, descrito por viajantes do século XIX como uma região miserável e perigosa, provavelmente pelo período de decadência pelo qual Ouro Branco (MG) passou após o declínio da mineração.
Outra serventia da fazenda: local de criação, de venda e troca de cavalos, para aqueles que faziam a viagem da Corte (Rio de Janeiro) a Vila Rica, atual Ouro Preto (MG).
 É conhecida como Fazenda Tiradentes ou Casa Velha de Tiradentes, pois passível de se crer que o Inconfidente teria pernoitado ali durante uma viagem de São João Del Rei a Vila Rica, em 1788.
Há três versões sobre a história da casa sede, construída sobre embasamento de pedras, com estrutura de madeira e vedações de seixo, adobe e pau-a-pique: (1ª) a fazenda teria sido ponto de pouso e local de abastecimento. Diz-se que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes se hospedou ali antes de sua prisão, daí uma de suas alcunhas “Casa Velha de Tiradentes”; () outra versão afirma que o local era posto de arrecadação de impostos; (a denominação teria se originado das “carreiras” que os tropeiros davam nos animais para testar a sua força e resistência.
                                                                       
Disponível em:< http://www.iepha.mg.gov.br/index.php/programas-e-acoes/patrimonio-cultural-protegido/bens-tombados/details/1/12/bens-tombados-fazenda-carreiras>.
Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

O lugar está abandonado, lixo por todos os lados, embalagens de camisinhas e muitas pontas de cigarros pelo chão. Isso é o reflexo da memória histórica do Brasil: um lixo. O negócio é funk, popozudas, futebol, marcha das vadias e por ai vai. Em qualquer país sério, a Fazenda Carreras teria virado um museu, ingressos seriam cobrados e empregos e renda estariam sendo gerados. (Nota do Autor).

Joaquim José d Silva Xavier, aos 43 anos de idade, ocupava o reles posto de alferes (no Brasil equivale a segundo-tenente) do Regimento de Dragões. Protético amador era chamado de Tiradentes". Um radical entre os moderados, um franco entre dissimulados, ele defendia – publicamente e onde estivesse – uma revolução que tornasse Minas Gerais [E NÃO O BRASIL] independente de Portugal. “Era pena”, dizia o alferes, “que uns países tão rico como estes [as Minas Gerais] estivessem reduzidos à maior miséria, porque a Europa, como esponja, lhe estivesse chupando toda a substância”, escreveu Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil – Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 295.


 Em 1763, Lisboa aplicou um instrumento de cobrança fiscal que se tornou sinônimo de tirania: a derrama, obrigando colonos a completar a parcela do quinto não recolhido”. 
“Os meios utilizados iam de pressão à violência física”. 
“Nas ruas, nas estalagens, nos ranchos à beira das estradas, o assunto era a derrama”. 
“A indignação transbordou e os conjurados se organizaram”, escreveu Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil 
 Rio de Janeiro : Record, 2011, p. 294.

Escrito pelo brasilianista (estrangeiro especializado em assuntos brasileiros) Kenneth Maxwell, a brilhante obra A Devassa da Devassa desvelou (pôs à vista) os mitos que cercavam a Inconfidência Mineira e revelou seu caráter profundamente econômico. Ainda hoje, a obra é a principal referência sobre o tema. 

Disponível em:<https://docero.com.br/doc/xxsn8>. Acesso: 30/06/2014.

 “Naquele momento [1789] as principais referências dos conspiradores (ou conjurados – incluindo Tiradentes) NÃO eram D. Maria I (a louca) e seus ministros estrábicos, mas SIM os iluministas da Europa, os revolucionários franceses, prestes a derrubar a monarquia de Luis XVI, e os libertadores da América do Norte que, treze anos antes [1776], conseguiram a independência dos Estados Unidos da América”.
Os conspiradores ou conjurados sonhavam mais baixo”. “Queriam apenas que a capitania (E NÃO A COLÔNIA BRASIL) se desgarrasse de Portugal”. “A instalação de um regime democrático NÃO ESTAVA NO HORIZONTE DOS CONJURADOS, bem como a abolição da escravatura”.
O farol da Inconfidência Mineira não era propriamente a política, mas sim a economia”. 

“O poder e a riqueza é que estavam em jogo, não uma noção mais ampla de liberdade”.

Os inconfidentes não pensavam em fundar uma nação”. “Desejavam tão somente dominar os rendosos postos da burocracia estatal, eliminar os monopólios comerciais de Portugal (Pacto Colonial) e livrar-se das mordidas da Coroa (derrama e o quinto) sobre os frutos das magras minas de ouro”. 

O negócio da conspiração ou Inconfidência Mineira eram os negócios”.

Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil – Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 296.


E foi justamente por causa dos negócios que a conjuração ou Inconfidência Mineira chegou ao fim. Um dos conspiradores (ou conjurados), Joaquim Silvério dos Reis, um dos homens mais ricos de Vila Rica (atual Ouro preto – MG), delatou seus companheiros ao governador Luis Antonio Furtado de Mendonça, o Visconde de Barbacena.
 O traidor (Silvério dos Reis) acreditava que, em troca da informação, teria suas dívidas com a Coroa perdoadas ou pelo menos aliviadas, quando da execução da derrama. Com as informações passadas por Silvério dos Reis, o governador conseguiu dissolver o movimento sem maiores dificuldades.

 Ao serem interrogados, praticamente todos os inconfidentes, à exceção de Tiradentes, negaram participação na trama, alegando desde mal- entendidos a bravatas feitas sob efeito de álcool.

 A maioria dos conjurados foi punida com desterro (onde se está muito a desgosto) para a África.

 Tiradentes, o ponto mais frágil da urdidura (labirinto), teve o fim mais cruel. Depois de amargar três anos de prisão, foi enforcado, decapitado e esquartejado em 1792.
 O martírio de Tiradentes certamente ensinou algo aos mineiros, mas também à Coroa. 

Temendo outras revoltas, a derrama foi cancelada, escreveu Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil – Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 296/297.



A Proclamação da República (1889) retirou Tiradentes de quase um século de relativa obscuridade, colocando-o na galeria de heróis nacionais, 97 anos após sua morte.

  Desde o advento (início) da República no Brasil (1889), Tiradentes foi considerado herói nacional: o mártir foi criado pelos republicanos com a intenção de ressignificar a identidade brasileira”.

Disponível em: https://www.policiamilitar.mg.gov.br/portal-pm/37bpm/conteudo.
 Acesso: 30/06/2014.


José Murilo de Carvalho analisa em profundidade um caso de particular interesse: Tiradentes. Ei-lo.

Até a Proclamação da República (1889), o mártir da Inconfidência Mineira (1789 – 1792) ocupava um papel dúbio e secundário na galeria de heróis nacionais. Embora fosse um precursor do movimento pela Independência, esse papel o colocava na condição de concorrente de um herói mais ao gosto da Monarquia, o Imperador D. Pedro I, protagonista do Grito do Ipiranga em 1822.

Além disso, Tiradentes participou de uma conspiração republicana contra a Monarquia portuguesa, da qual o Império brasileiro havia herdado suas raízes e principais características. Sua sentença de morte na forca [1792] foi assinada pela bisavó do Imperador Pedro II, a Rainha D. Maria I, também conhecida como “a rainha louca”.

Por essas razões, Tiradentes passou quase um século eclipsado, esquecido da história oficial brasileira. Com exceção de iniciativas isoladas, ninguém no Brasil imperial teve muito interesse em promovê-lo a símbolo das aspirações nacionais.

A partir de 1889, ele [Tiradentes] renasceu das cinzas na condição de herói republicano. Herói inconfidente, nunca o foi, como vem sendo propalado ao longo do tempo. 
(Nota do Autor).

Estampou a cédula de Cr$ 5.000,00 (Cinco Mil Cruzeiros), logo desvalorizada e retirada de circulação devido à alta inflação da época.
(Nota do Autor).

Nos anos seguintes à Proclamação da República, sua imagem foi usada de forma habilidosa para promover o [novo] regime. A primeira comemoração oficial do seu martírio aconteceu no Rio de Janeiro no dia 21 de abril de 1890, cumprindo-se um decreto que transformava a data em feriado nacional junto com o Quinze de Novembro.

Os artistas contribuíram para o sucesso da construção do mito contemporâneo associando-o a iconografia (representação de imagens) de Tiradentes à de Jesus Cristo – apelo poderoso em um país de forte tradição católica. 

Em quadros e reproduções da época, o mártir da Inconfidência aparece de barbas e cabelos compridos, ar sereno, vestindo túnica branca, sob a estrutura da forca que lembra a cruz no Calvário. Desfiles comemorativos da Inconfidência remetem à encenação da Via-Sacra, na Sexta-Feira da Paixão.

Um artigo publicado no periódico (jornal) "O Paiz" em 21 de abril de 1891 se referiu à “vaporosa e diáfana (limpa) figura do mártir da Inconfidência, pálida e aureolada, serena e doce como a de Jesus Nazareno”.

Fonte: José Murilo de Carvalho - “A Formação das Almas”, Companhia das Letras - 1990 - p. 55.

José Murilo de Carvalho é um cientista político e historiador brasileiro, membro, desde 2004, da Academia Brasileira de Letras.

O Paiz foi um periódico (jornal) matutino publicado no Rio de Janeiro. Circulou de 1º de outubro de 1884 até 24 de outubro de 1930. Era fortemente associado com os movimentos pela deposição da Monarquia no Brasil, com o abolicionismo e com o Partido Republicano.

Disponível em:https://www.outrostempos.uema.br/oitocentista/cd/ARQ/10.pdf>. 
Acesso: 30/06/2014.

Fonte: https://www.moedaeselo.lel.br/peca.asp?ID=1855616>. Acesso: 30/06/2014.

Em 13 de fevereiro de 1967, houve uma reforma monetária, em virtude da perda de valor do Cruzeiro, moeda que estava em vigor desde 1942, que sofreu forte desvalorização por conta do crescimento da inflação. 

O Cruzeiro (Cr$) foi substituído pelo Cruzeiro Novo (NCr$), e as cifras perderam três zeros. Portanto, a nota com a estampa de Tiradentes, passou a valer NCr$ 5,00 (cinco cruzeiros). 

Em 1970, foi retomada a denominação Cruzeiro e novas cédulas passaram a circular. A nota de Cinco Cruzeiros [Novos] passou a ter a estampa de D.Pedro I.

28 de fevereiro de 1986, ocorreu outra troca da moeda corrente no País [Cruzeiro – Cr$] para [Cruzado Cz$], motivada pela galopante inflação que assolava a economia brasileira. Com a conversão de Cruzeiro para Cruzado e a consequente retirada de [mais] três zeros das cifras, a nota de 5 cruzeiros – ex-Tiradentes e, até então, com D.Pedro I – passou a valer míseros Cz$ 0,05, ou seja, 5 centavos do Cruzado (Cz$). Não comprava uma bala.

 Fonte: http://www.igf.com.br/calculadoras/conversor/conversor.htm.> 
Acesso: 30/06/2014.

Os livros didáticos do Ensino Fundamental II mostram Tiradentes como uma figura parecida à de Jesus Cristo. Uma construção mitológica. A versão sempre é mais importante [e empolgante] do que a realidade.

Seguem-se mais três construções mitológicas na História do Brasil: o Dia do Fico, o Grito do Ipiranga e a invenção do avião.

(1ª) O Dia do Fico apresenta duas variantes. Registraram nos livros escolares a variante mais empolgante e enérgica. “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico”, teria dito D. Pedro I, em 9 de janeiro de 1822, mas não citam que há outra versão, bem diferente, segundo Tobias Monteiro (1866 – 1952), considerado um dos maiores historiadores do País. A quem interessar possa, pesquise. A ver.

(2ª) O Grito do Ipiranga. O quadro do pintor paraibano Pedro Américo (1843 – 1905), exposto no Museu Paulista da Universidade de São Paulo (também conhecido como Museu do Ipiranga), no bairro do Ipiranga, Zona Sul de São Paulo, que celebra o “Grito do Ipiranga”, em nada lembra a cena real da Independência do Brasil.

Fonte: Cecília Helena de Salles Oliveira e Cláudia Valladão de Matos, O Brado do Ipiranga, p. 20.

"Grito do Ipiranga". Quadro do pintor paraibano Pedro Américo

Foi preciso adaptar a narrativa histórica aos valores que se pretendem representar no quadro. A versão foi mais importante do que a realidade. Começou ali a construção de um País mais imaginário do que real, escreveu, Laurentino Gomes em 1822 – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010, p. 107.

Para diferentes depoimentos sobre o ocorrido na colina do Ipiranga ver: 
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/131868/128068.> acesso: 30/06/2014.

(3ª) Invenção do Avião. Muitos acreditam que Santos Dumont foi o inventor do avião 2 e do relógio de pulso 3. País que não cataloga sua história, não sabe contá-la; e quando tenta contá-la, recheia-a de lendas e inverdades. Repito: a versão é mais importante que a realidade. Mas nem tudo está perdido, afinal ganhamos cinco Copas do Mundo.

2 Existem ao menos documentos provando que os irmãos Wright construíram aviões muito antes de Santos Dumont. [...] A distância do principal voo do 14 – Bis foi 180 vezes menor que a do voo mais longo dos Wright em 1905. Um ano antes de Santos Dumont criar o 14 – Bis, os irmão americanos voaram cerca de cinquenta vezes, percorrendo uma distância de 39,5 quilômetros de uma só vez. [...] Em silêncio e secretamente Santos Dumont deve ter percebido a verdade dolorosa: o 14 – Bis não voava. No máximo, dava uns pulinhos. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil / Leandro Narloch, São Paulo: Leya, 2011, pp 251 e 255.

3 O Brasileiro certamente contribuiu para o relógio de pulso voltar à moda, mas a invenção do aparelho é de muito antes. Relógios assim eram comuns desde os tempos de Shakespeare – a rainha Elizabeth I (1533 – 1603) tinha um. Em 1868, a empresa Patewk Philippe reinventou a peça, que também foi usada por militares nos campos de batalha do século XIX, como na Guerra Franco – Prussiana. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil / Leandro Narloch, São Paulo: Leya, 2011, p.252.

A parada para conhecer a “Casa de Tiradentes” rendeu bons frutos quanto ao conhecimento. Viajar pela Estrada Real não se limita a apenas pedalar; há muito a descobrir e aprender.

Às 12h cheguei à tumultuada Conselheiro Lafaiete (MG) – 116.527 habitantes. Censo 2010 –, a cidade que mudou de nome três vezes. 

Primeiramente chamava-se Carijós (1752). Em 1790, D. Maria I, a “rainha louca”, elevou a localidade ao “status” de Vila, passando a chamar-se Real Vila de Queluz, que recebeu uma estação da Ferrovia Oeste de Minas em 1883. 

O nome Conselheiro Lafaiete passou a vigorar a partir de 27 de marco de 1934, pelo Decreto Estadual n.° 11.274, em homenagem ao Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira (1834 – 1937), quando se comemorava o centenário de seu nascimento. Lafayette foi um jurista, proprietário rural, advogado, jornalista, diplomata e político brasileiro.

Fonte: Guia de Cicloturismo Estrada Real Caminho Velho. Antonio Olinto/Rafaela Asprino, 2ª Edição; São Paulo, 2012; Editora Gráficos Unidos, p. 99 (com adaptações).

Atravessar cidades grandes é sempre um problema. Os Marcos do Instituto inexistem na área urbana, as ruas são estreitas, o trânsito frenético – o ciclista parece um ET para alguns motoristas – e como tudo que está ruim pode piorar, me perdi em meio àquele caos. Parei. Respirei. Pensei: “o melhor é arrumar um lugar para almoçar e depois, bem alimentado, encontrarei a saída para Queluzito (MG)”. 

Almocei no Restaurante Panela de Pedra, próximo à Praça Getúlio Vargas. Ao pagar a conta, perguntei ao dono do estabelecimento como fazer para chegar à BR – 040, no trevo de acesso a Queluzito (MG). Explicação simples. Saída encontrada facilmente.

Logo estava a atravessar a BR – 040 e pedalava pela Estrada União Industrial, que desemboca na Avenida Geraldo Plaza, último trecho em asfalto [precário], serpenteando bairros periféricos de Conselheiro Lafaiete (MG). 

Em frente ao Sítio Tize, que passou no través leste, minha visão periférica captou algo. Parei a bike, desci e visualizei um Marco do Instituto “escondido” por enorme árvore cujos galhos cresceram até o rés do chão, ocultando a indicação de "virar à esquerda" e atravessar porteira de metal.

Abri a porteira, depois fechei e comecei a subir reto, atravessando uma área de reflorestamento de eucaliptos, semelhante àquela que vi em Cocas e Barão de Cocais (MG), embora diminuta em relação às anteriores.

Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.

Não tardou e a Estrada Real desembocou no asfalto, Rodovia MG – 844. Segui à direita. Sete quilômetros adiante cheguei à pacata Queluzito (MG) – 1.866 habitantes. Censo 2010. Eram 15h 21. Parei numa lanchonete. Assisti ao 2º tempo de Irã X Argentina enquanto degustava deliciosos pastéis recheados com queijo de minas.

Matriz de Santo Amaro. Foto: Fernando Mendes.

Matriz de Santo Amaro. Foto: Fernando Mendes.

Matriz de Santo Amaro. Foto: Fernando Mendes.

A Matriz de Santo Amaro, um singular exemplo do barroco interiorano, praticado em cidades menores que difere, sobremaneira, dos exemplares encontrados em Ouro Preto (MG) e São João Del Rey (MG).

Disponível em:<http://www.minasgerais.com.br/pt/destinos/queluzito>. 
Acesso: 30/06/2014.

A povoação de Santo Amaro foi fundada em 1730 por Amaro Ribeiro, que ali erigiu uma capela com invocação a Santo Amaro. A denominação de Queluzito foi uma homenagem que se prestou ao 2º nome (Real Vila de Queluz) da atual Conselheiro Lafaiete, a cidade que teve três nomes.
Desde a fundação, Queluzito (MG) teve na agricultura a predominância das atividades econômicas, devido à fertilidade de suas terras, cuja produção serviu para sustento próprio.
Posteriormente, a criação de gado bovino se desenvolveu e a produção de leite ocupou lugar de destaque. Em seu solo há jazidas de manganês – de pequena monta - que foram exploradas parcialmente.

Disponível em:<http://www.ipatrimonio.org/queluzito-igreja-matriz-de-santo-amaro>. Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

Às 15h 53, depois de fotografar a Igreja Matriz de Santo Amaro, localizada na praça homônima à igreja, segui pelo calçamento de pedras sextavadas da Rua Professor Manoel Lino e alcancei o trevo no qual há uma bifurcação: à esquerda, Carandaí (MG); à direita Baependi (MG) e Casa Grande (MG), 10 quilômetros adiante em trecho asfaltado pela Rodovia MG 844, alcançada, sem grandes esforços, às 16h 34.

Saída de Queluzito (MG). Foto e adaptações: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Casa Grande (MG) – 2.242 habitantes. Censo 2010 – tem esse nome “devido a uma grande casa que os tropeiros, oriundos de Vila Rica (atual Ouro Preto), sabiam que iriam pousar, pois havia muito espaço interno”, anotou Antonio Olinto/Rafaela Asprino em Guia de Cicloturismo. Estrada Real. Caminho Velho. 2ª Edição; São Paulo, 2012; Editora Gráficos Unidos, p. 90.

A Pousada da Irene, embora aberta, não estava disponível para hospedagem. Motivo? Não soube. Apenas fui informado – nem sei se pela proprietária – que naquele 21/06, primeiro dia do inverno no Hemisfério Sul, o estabelecimento estava fechado a estadas. 

Parti em busca de outro pouso e logo fui informado, por um nativo, que uma casa na rua acima do Estádio Municipal, oferecia estada aos viajantes da Estrada Real. Bingo!
Uma hospedagem digna de acolhimento e boas-vindas. A possessora do domicílio acomodou-me em quarto amplo, com cama de casal e grossas cobertas. O frio estava de rachar os ossos. 

Foi servido delicioso jantar enquanto assistia aos melhores momentos do jogo Alemanha X Gana (2 X 2). Quase que nossos algozes ficavam pelo caminho. Mas o que está escrito está escrito. O 7 a 1 marcou o maior vexame da história do futebol brasileiro. 

Tive companhia na hora de dormir: o cachorrinho, um Poodle de pelos branquinhos e muito brincalhão, acomodou-se por entre as cobertas e ali ficou a noite toda.
São Lourenço (MG) a 290 quilômetros. 

Hoje (21/06/2014), às 7h 15 (horário de Brasília), o Sol alinhou-se ao Trópico de Câncer, marcando o seu maior afastamento do Hemisfério Sul, dando início ao inverno e maior proximidade com o Hemisfério Norte, dando início ao verão no Hemisfério Norte. (Nota do Autor).

10º dia
22/06/2014 
Casa Grande (MG) a Prados (MG)
68 km


Acesso: 30.06.2014.

Foi a noite mais fria desde a saída de Conceição do Mato Dentro, em 13.06. O primeiro trecho - Casa Grande (MG) a Lagoa Dourada (MG), iniciado às 9h, tem subidas leves, com pequenas inclinações e longas planuras. Uma beleza de caminho, repleto de fazendas que remontam às primeiras décadas do século XIX. 

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.


O destaque ficou por conta da Fazenda do Vau, um famoso criatório de jumentos Pêga, raça brasileira e de origem nobre. É o resultado aperfeiçoado do cruzamento do jumento brasileiro com a jumenta egípcia. 

“Esse nome (Pêga), é porque os animais são assinalados com uma marca de fogo, cujo desenho lembra as algemas de ferro colocadas nos tornozelos de escravos fugitivos”, anotou em seu diário o Andarilho Oswaldo Buzzo. Para saber mais, pesquise em:

 http://www.oswaldobuzzo.com.br/Home/2010---estrada-real---ii---caminho-do-ouro-1/7o-dia-casa-grande-a-lagoa-dourada-29-quilometros>. Acesso: 30/06/2014.

Na entrada da Fazenda do Vau há enorme figueira. A sombra é tão acolhedora e refrescante que, “quando D. Pedro II passou por ali, não quis entrar na casa. Apeou do cavalo e tomou chá descansando à sombra da frondosa árvore”, anotou Antonio Olinto/Rafaela Asprino em Guia de Cicloturismo. Estrada Real. Caminho Velho. 2ª Edição; São Paulo, 2012; Editora Gráficos Unidos, p. 89.

Após uns dez quilômetros, se tanto, cheguei ao Povoada Catauá, distrito que pertence a Lagoa Dourada (MG). Eram 11h 24. 

“Segundo a história, nesse pequeno povoado, ainda vivem remanescentes dos temíveis índios Cataguases, que habitaram essa região por volta do ano de 1769. E, em seus arredores, subsistem trilhas que serviam de roteiro para os silvícolas, nos tempos remotos, onde podem ser observados vestígios de tocas e tabas pertencentes a um grande aldeamento”, anotou em seu diário o Andarilho Oswaldo Buzzo. Para saber mais, pesquise em: http://www.oswaldobuzzo.com.br/Home/2010---estrada-real---ii---caminho-do-ouro-1/7o-dia-casa-grande-a-lagoa-dourada-29-quilometros>. Acesso: 30/06/2014.
  
A localidade mostrava-se agitada. Naquele sábado, houve em Catauá uma Festa do Peão, com música sertaneja em grosso volume. Pessoas desfilavam pela única rua vestidas a caráter e montadas em belos cavalos, enquanto era preparada uma espécie de arena. A igreja dedicada a Santo Antônio estava fechada.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

No único empório aberto, reabasteci as caramanholas com água fresca e deixei a muvuca da festa de peão para trás. Que alívio quando me distanciei daquela balbúrdia a ecoar tão acima de minha cabeça que parecia sair das nuvens. Logo o som da música foi desaparecendo e as vozes das pessoas perderam-se no ar.

Faltava pouco mais de 20 quilômetros para alcançar Lagoa Dourada (MG), a terra do rocambole. Comecei a sentir fome. Pedalava por um trecho de paisagens amplas, com pouca mata nativa (Mata Atlântica e Cerrado), áreas de preservação permanente sem vegetação devido às grandes plantações de eucalipto e agropecuária extensiva. 

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

A fome aumentando e o moral caindo. Venci três subidas moderadamente leves e, felizmente, às 13h, o Sítio Gameleira passou pelo través oeste e desemboquei no asfalto da Rodovia BR – 383. Suave giro à esquerda e cinco quilômetros adiante, pedalando em asfalto, adentrei ao perímetro urbano de Lagoa Dourada (MG).  Eram 13h 22. Precisava almoçar antes de qualquer outra providência a ser tomada.

A Taberna Zuis fica na área de um Posto BR, no início do calçamento. Como era sábado, não dispensei deliciosa feijoada. Estava pronto para cumprir a etapa seguinte. Mas sem antes degustar delicioso rocambole de doce de leite no empório “Legítimo Rocambole”. Ei-lo.

Foto: Fernando Mendes.

Contam que o libanês Miguel Youssef do Líbano casou-se com a lagoense Dolores e começaram a vender guloseimas em um bar da cidade, inclusive o rocambole. Mais tarde, com o falecimento de Miguel, o filho Paulo teve a ideia de colocar o doce em caixinhas para que os viajantes pudessem levar para casa, aquecendo as vendas. Anos depois, Ricardo, filho de Paulo, assumiu os negócios e começou a colocar plaquinhas nas estradas, anunciando o doce e aguçando a curiosidade e o paladar dos viajantes. Hoje, a avenida onde estão as lojas se chama Miguel Youssef do Líbano, em homenagem ao precursor da receita que deixou a cidade famosa nacionalmente.

Disponível em: http://www.mineirosnaestrada.com.br/lagoa-dourada-a-cidade-do-rocambole/. Acesso: 30/06/2014.

E para encerrar, delicioso café expresso. Bati em retirada às 14h 33. Terminei de atravessar o perímetro urbano, passei pela belíssima Igreja Nossa Senhora do Rosário e, por forte ascensão, a cidade do rocambole ficou para trás. 

Igreja Nossa Senhora do Rosário. Foto: Fernando Mendes.

Após vencer a ladeira quase interminável na saída, 800 metros à frente um Marco do Instituto assinalava "entrar à esquerda" e subir uma rampa que termina numa porteira. Abri, passei e fechei. O caminho volta ao leito natural percorrendo trechos de trilhas apertadas no início e depois se descortina uma paisagem deslumbrante à frente: mares de morros flanqueados, ao sul, pela Serra do São José, um subgrupo do Espinhaço.

Essa serra [a do São José] é aquela que o Trem que liga São João del Rei (MG) a Tiradentes (MG) serpenteia ao longo do percurso de 12 quilômetros entre as duas cidades. Quanto mais me aproximava de Prados (MG), mais a Serra do São José se agigantava. Tiradentes e São João del Rei estão do outro lado do São José.

Serra do São José. Foto: Fernando Mendes.

O caminho é de uma singularidade quanto à beleza e o silêncio. Em determinada bifurcação do caminho, enquanto fotografava, um nativo que passava informou-me que eu poderia seguir em frente, ignorando o Marco do Instituto que indicava virar à esquerda, e conhecer (ou atravessar) um reflorestamento de eucaliptos e o Restaurante Grotão. Topei na hora, mesmo sabendo que esse caminho aumentaria em 18 quilômetros a distância que faltava percorrer. Não estava com pressa e encontrava-me bem alimentado. Dos 50 quilômetros previstos para o dia, a distância total passou a ser 68 quilômetros. 

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Passados os eucaliptos, veio o Restaurante Grotão. Parei para deliciar gelada Coca-Cola com paçoca. Necessitava ingerir açúcar. À medida que a cidade de Prados(MG) se aproximava, maior e majestosa ficava a Serra do São José.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.


Às 16h 50 dei as últimas pedaladas pelo leito natural, passando por vários haras e chácaras, cercados por tábuas brancas dispostas uniformemente. Ingressei no asfalto, virei à esquerda e segui para a área central de Prados (MG) – 8.359 habitantes. Censo 2010 - pela Rua Vereador José Pedro de Moura. Dia cascudo, com lindas paisagens e um almoço dos “deuses do feijão”, com sobremesa deliciosa. Um mar de montanhas e a serra de São José rodeiam a cidade, famosa pelos artesanatos.

Hospedei-me no Hotel Água Limpa. Espetacular. À noite, sob temperatura quase polar, fui a pé do hotel à Pizzaria Akasos. A parte interna estava lotada. O jeito foi lanchar na área externa e batendo queixo. Fiz igual a cachorro magro: comi e fui embora. Precisava me aquecer. A etapa do dia seguinte foi pequena. Não havia necessidade de sair muito cedo. Dormi até às 9h 30 do dia seguinte. Merecido descanso.

São Lourenço (MG) a 222 quilômetros. Estava quase lá.

11º dia
23/06/2014 
Prados (MG) a Tiradentes (MG) a São João Del Rei (MG)
28 km


Disponível em:<http://www.institutoestradareal.com.br/roteiros/velho>
Acesso: 30.06.2014.

Dia com pouca distância a percorrer. Dia de muitas fotos. Após vencer uma subida das arábias, fui ao bairro Vila Carassa, que abriga diversos a construir esculturas em madeira. Um mar de montanhas e a serra de São José rodeiam a cidade, famosa pelos artesanatos.

Atelier é uma palavra estrangeira, de origem francesa.

Ateliê é a forma aportuguesada da palavra 

Tudo começou com a família Julião que, geração após geração, vem esculpindo animais em tamanho real a partir de troncos de carvalho e de cedro. Uma das principais obras do pioneiro Itamar [um grande totem] está exposta no hall de entrada da Pinacoteca de São Paulo.
Em seu ateliê, Márcio Julião talha peças da mitologia grega e do folclore brasileiro e vende trabalhos de aprendizes e de outros artistas. Na loja de seu primo Antônio, na entrada da cidade de Prados (MG), o Presépio de Minas, as obras podem variar de R$ 40 a R$ 50 mil, dependendo do tamanho. Todos fazem esculturas sob encomenda. 
No bairro funcionam 12 lojas.

 Disponível em:https://viagemeturismo.abril.com.br/cidades/prados/&>. 
Acesso: 30/06/2014.

Seu José, mais conhecido como Seu Juca, foi um dos primeiros a trabalhar com o entalhe em madeira. Ele faz esculturas há quatro décadas.

A Vila Caraça começou a ser formada na década de 1980, quando Seu Juca instalou a oficina dele no local. Com o tempo, outros artesãos foram atraídos a Prados (MG), que hoje é um ponto turístico da cidade. Seu Juca é especialista em fazer animais, como leões, leitões, macacos e peças utilitárias.

Disponível em:
http://redeglobo.globo.com/globominas/terrademinas/noticia/2016/03/comunidade-reune-artesaos-em-prados-na-regiao-central-de-mg.html>. Acesso: 30/06/2014.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.



Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Terminada a visita à Vila Carassa e seus espetaculares ateliês, desci à parte baixa da cidade de Prados (MG) para visitar a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição e a Capela do Rosário. Lamentavelmente estavam fechadas à visitação.

A origem de Prados remonta à descoberta de ouro no vale do Rio das Mortes, mesma causa de ocupação de São João del-Rei e Tiradentes. A freguesia (paróquia) de Nossa Senhora da Conceição de Prados surgiu no arraial de mesmo nome, fundado em 1704 pelos irmãos bandeirantes, Manoel e Félix Mendes do Prado. Naquela época, o local era pertencente à Vila de São José do Rio das Mortes (atual Tiradentes). Prados foi uma das primeiras freguesias que surgiram em Minas Gerais, havendo registro de sua existência no ano de 1715. A matriz de Nossa Senhora da Conceição teve a construção iniciada na mesma época, por iniciativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento. Foi terminada depois em 1774.

Disponível em:< https://sanctuaria.art/2015/04/15/matriz-de-nossa-senhora-da-conceicao-prados-mg/>. Acesso: 30/06/2014.


Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.


https://sanctuaria.art/2015/04/15/matriz-de-nossa-senhora-da-conceicao-prados-mg/
Acesso: 30/06/2014.

https://sanctuaria.art/2015/04/15/matriz-de-nossa-senhora-da-conceicao-prados-mg/
Acesso: 30/06/2014.

https://sanctuaria.art/2015/04/15/matriz-de-nossa-senhora-da-conceicao-prados-mg/
Acesso: 30/06/2014.

Capela de Nossa Senhora do Rosário. Foto: Fernando Mendes.

A Capela de Nossa Senhora do Rosário é de grande importância para a vida social de Prados (MG). A iniciativa de sua construção coube à Irmandade do Rosário dos Pretos, que a concluiu em finais do século XVIII, por volta de 1770. Não se conhece a data exata do início das obras. Esta edificação foi concebida a partir da dedicação dos escravos.

 Disponível em:<http://www.paroquiadeprados.com.br.> Acesso em: 30/06/2014.

Caminhei pelas ruas estreitas de Prados (MG) e repletas de ladeiras. Produzi boas fotos.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Antes de partir rumo a Tiradentes (MG), 18 quilômetros adiante, fui à Casa da Empada “fazer uma boquinha”. O almoço aconteceu – seis quilômetros à frente – em Vitoriano Veloso (*), popularmente conhecido como Bichinho, no Restaurante Tempero da Ângela, indicação de um amigo mato-grossense-do-sul, erradicado em Brasília, que percorreu esses caminhos em fevereiro de 2009.

(*) Povoado que se formou com a descoberta de ricas lavras de ouro no princípio do século XVIII. O nome atual é uma homenagem ao inconfidente Vitoriano Gonçalves Veloso, negro, escravo alforriado, que nasceu e viveu em Arraial de Gritador (nome derivado de Greta D'Ouro).

Ele era vizinho e compadre de D. Hipólita, a única mulher a participar ativamente do movimento revolucionário conhecido por Inconfidência Mineira (1788 - 1789). Hoje, o povoado é uma sequência de casas antigas que servem tanto como residências quanto como oficinas, ateliês e lojas de artesanato.

Pelo que se sabe, Vitoriano Gonçalves Veloso (1738 – 1803) era um homem humilde, tendo o ofício de alfaiate por profissão. Sabe-se também que ele ficou conhecido como o “mensageiro dos conjurados”, pois era um dos que gozavam da confiança de muitos dos envolvidos com a trama de 1789, especialmente escolhido para transportar notícias importantes ou sigilosas.

Registros dão conta de que ele foi o portador da mensagem que denunciava Silvério dos Reis como sendo o delator do movimento conjuratório.

Disponível em:< http://www.oswaldobuzzo.com.br/Home/2010---estrada-real---ii---caminho-do-ouro-1/9o-dia-prados-a-tiradentes-18-quilometros>. Acesso: 30/06/2014.

Desmantelado o movimento denominado Inconfidência Mineira, à exceção de Tiradentes (1746 – 1792), que foi condenado à morte por enforcamento, Vitoriano Gonçalves Veloso, o alfaiate mulato da Inconfidência, foi sentenciado

 Disponível em:<https://jornalggn.com.br/historia/o-alfaiate-mulato-da-inconfidencia-mineira/>. Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

Igreja de Nossa Senhora da Penha revela as origens setecentistas do distrito. Sua construção foi iniciada por volta de 1732, sendo concluída em 1771.

Igreja de Nossa Senhora da Penha. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de Nossa Senhora da Penha. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de Nossa Senhora da Penha. Foto: Fernando Mendes.


Igreja de Nossa Senhora da Penha. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de Nossa Senhora da Penha. Foto: Fernando Mendes.

Bichinho é uma daquelas localidades nas quais o tempo parece passar bem devagar. Tornou-se um dos lugares da moda. O arraial é constantemente frequentado por turistas e garimpadores de artesanato de qualidade. Instalaram-se muitas pousadas e típicos restaurantes que servem a boa comida mineira.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Às 13h 30, depois de circular bastante pelo povoado, cheguei ao Tempero da Ângela, restaurante que serviu-me excelente almoço: arroz, feijão, salada, bisteca de porco e farofa de ovos. A sobremesa foi um café do cerrado mineiro e coado na hora, sobre a mesa na qual fiz a refeição. Um deleite.

A funcionária que recebeu meu pagamento, vendo a bike encostada na porta do estabelecimento e carregada com dois alforjes, fez aquelas perguntas de praxe: “de onde vem”? “aonde vai”? “se besta, sô”! “Vindo de Conceição do Mato Dentro”? 

Sempre rola esse questionário. Antes de sair, ela falou do Museu do Automóvel da Estrada Real. Lembrei-me que passei por esse museu em 2011, mas estava fechado. Decidi conhecê-lo.

Entre Tiradentes e Bichinho, há um pequeno museu que chama a atenção dos apaixonados por estradas. O Museu do Automóvel da Estrada Real, parada obrigatória para os turistas que não resistem a um belo carrão antigo. A coleção, com mais de 50 veículos em exposição e outros 20 em restauração, pertence a Rodrigo Cerqueira Moura que, desde 1976, junta relíquias expostas em Minas Gerais. Entre as maiores preciosidades encontradas estão: o Renault Fragate 1953, o Austin Mini, o Citroën 2CV e modelos nacionais, como o Simca Chambord, DKW Vemag, o Renault Dauphine e o Renault Teimoso. Todos os veículos foram restaurados pela própria equipe.

Disponível em:https://guia.melhoresdestinos.com.br/museu-do-automovel-da-estrada-real-205-5802-l.html>. Acesso: 30/06/2014.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

No acervo constam, também, veículos produzidos no Brasil a partir da implantação, no governo JK (1956-1961), da indústria automobilística nacional. As emissoras de TV sempre recorrem a esse museu quando vão gravar cenas em novelas ou minisséries de época.

Voltei a pedalar. Eram 15h. Tiradentes (MG) estava a apenas 12 quilômetros. Mas como o calçamento é composto por pedras dispostas de forma irregular, fui pulando igual milho de pipoca na panela. Embaralhou até os pensamentos.

Às 15h 40 pedalava pelo calçamento irregular da cidade de Tiradentes (MG) – 7.002 habitantes. Censo 2010. Parei sobre a Ponte das Forras (*), acesso ao Centro Histórico.

Ponte das Forras. Foto: Fernando Mendes.

(*) A Ponte das Forras liga o Largo das Forras ao Largo das Mercês, no certo histórico de Tiradentes. A charmosa construção de pedra, datada do século XVIII, passa sobre o Ribeiro Santo Antônio, afluente do Rio das Mortes, importante curso d'água da região. É possível que o nome da ponte e do largo faça referência à grande quantidade de escravas alforriadas que transitavam pelo local. Em estilo romano, com duas arcadas, foi construída pelo bandeirante João de Siqueira Afonso, fundador da cidade. À base de pedras é rejuntadas com óleo de baleia e a ponte possibilitou, no século XVIII, chegar à mina de ouro que havia num lugar conhecido como Canjica.

Disponível em:<https://www.villaalferes.com.br/ponte-das-forras>.
Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

Atravessei a Ponte das Forras empurrando a bike. Impossível pedalar sobre aquela construção. Pedras salientes e dispostas de forma bagunçada. Cheguei ao Largo das Forras, uma praça bastante arborizada e rodeada de charretes coloridas. Ponto de partida para começar a explorar o Centro Histórico, o coração da cidade. Em seu entorno, a praça aglutina pousadas, bares, restaurantes, lojas de artesanato e produtos típicos e serviços de informação aos turistas.

Largo das Forras. Foto: Fernando Mendes.

Largo das Forras. Foto: Fernando Mendes.

Largo das Forras. Foto: Fernando Mendes.

Largo das Forras. Foto: Fernando Mendes.

Largo das Forras. Foto: Fernando Mendes.

Largo das Forras. Foto: Fernando Mendes.

Sempre repleta de turistas, principalmente nos finais de semana e feriados “esticados”, a cidade estava estranhamente vazia, mesmo sendo período de férias escolares de meio de ano. Pareceu-me que todos combinaram “bater em retirada” na mesma hora, como se uma tempestade ou nuvem de gafanhotos estivessem avizinhando-se. 

Mas não foi nada disso. Faltava pouco menos de meia-hora para começar o jogo do Brasil X Camarões, pela XX Copa do Mundo de Futebol. “Fuga” em massa dos torcedores “patriotas” para hotéis, pousadas, bares e restaurantes a fim de ver os “heróis”, os “craques” “abatendo” mais uma vítima. Que lástima.

Aproveitei o esvaziamento do Centro Histórico e caminhei calmamente até o Rocambole e Cia. Degustei saboroso café expresso acompanhado de um generoso brigadeiro. 
E pedalando placidamente pelo irregular calçamento de Tiradentes (MG), rumei para a Igreja Matriz de Santo Antonio. Pelo caminho, fotos e mais fotos da cidade, que combina perfeitamente patrimônio histórico e natureza exuberante.

Com o seu casario e a arquitetura de suas igrejas, a cidade possui um dos perfis coloniais mais autênticos do Brasil e um dos mais expressivos acervos da arte barroca (chafarizes, sobrados, museus, igrejas, capelas etc.)”, anotou Oswaldo Buzzo em seu Blog: 

http://www.oswaldobuzzo.com.br/Home/2010---estrada-real---ii---caminho-do-ouro-1/9o-dia-prados-a-tiradentes-18-quilometros. Acesso: 30/06/2014.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Tiradentes (MG). Foto: Fernando Mendes.

Em 2006, estava em Paraty (RJ) e por conta de jogos do Brasil naquela Copa do Mundo, tirei as melhores fotos da cidade, com ruas desertas que proporcionaram amplos espaços. O mesmo aconteceu naquela 2ºf, 22/06. Quando a bola começou a rolar no Estádio Mané Garrincha, em Brasília (DF), cheguei à Igreja de Santo Antonio, construída em 1710. É a segunda igreja em ouro do Brasil. A líder é a Igreja de São Francisco de Assis em Salvador (BA). 

A Matriz é uma edificação rara e uma das mais lindas e significativas obras do barroco mineiro. Um órgão, datado de 1788, considerado um dos quinze mais importantes da Terra, localiza-se na parte interna do templo. Por conta do jogo do Brasil e do adiantar da hora, infelizmente a igreja encontrava-se fechada à visitação.

Igreja de Matriz de Santo Antonio. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de Matriz de Santo Antonio. Foto: Fernando Mendes.

Contornei a Matriz e continuei subindo pela Rua da Santíssima Trindade até encontrar um Marco do Instituto que apontou a proa de São João del Rei (MG). Faltava pouco para o pôr do Sol. 

O Santuário da Santíssima Trindade passou no través oeste. Logo o calçamento de pedras irregulares cedeu lugar ao leito natural. Passei a pedalar por um bairro periférico de Tiradentes (MG), [e novamente] "são casas simples com cadeiras na calçada, e na fachada escrita em cima que é um lar”, conforme letra da música “Gente Humilde”, de autoria de Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Garoto.

Atravessei Santa Cruz de Minas (MG) – 7.870 habitantes. Censo 2010 – município que, por meio do crescimento horizontal, conurbou-se (uniu-se) a São João Del Rei (MG), a ponto de os limites físicos entre ambos desaparecerem.

Santa Cruz de Minas (MG), apesar de ser um município e ter autonomia quanto à sua administração, é tratado [erroneamente] como se fosse um bairro de São João del Rei (MG). 

Não avistei vivalma pelas ruas. Parecia que uma das 10 pragas que Moises jogou sobre o Egito, estava prestes a começar. Ouvia apenas gritos abafados dentro das casas.

Às 19h, quando o apito do árbitro encerrou a partida entre Brasil e Camarões, atravessei uma ponte sobre o Rio das Mortes, virei à esquerda, entrando em São João del Rei (MG) – 84.404 habitantes. Censo 2010 – pela Avenida Leite de Castro. 

Não demorou e uma horda de gente saiu às ruas para comemorar a vitória da Seleção Brasileira. Carros buzinando, gente dançando no meio das ruas, bares lotados, um inferno na Terra. Tratei de acessar uma viela paralela à avenida na qual pedalava e cheguei à Igreja do Carmo. A pensão indicada por um amigo de BH fica no entorno do templo. Não demorei a encontrá-la.

Casa antiga, simples e confortável. Alguns hóspedes, misturados aos moradores, tomavam cerveja na sala, em frente à TV enquanto os gols da partida eram reprisados. Foi impossível chegar ao quarto. Dei meia volta, passei pelo quintal, entrei pela cozinha e, finalmente, estava nos aposentos daquela noite. Desejei que a fuzarca, dentro de casa e nas ruas, não atrapalhasse meu sono.

Depois de banhado, segui [a pé] até o Restaurante e Bar Dedo de Moça, vizinho à Igreja de São Francisco de Assis (*)um dos principais símbolos da arquitetura colonial mineira.

(*) O templo, uma edificação do ano de 1774, tem na construção e acabamento as mãos de afamados mestres, incluindo, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, autor da portada principal.

Fonte: Arquivo Noronha Santos - Livro das Belas Artes. Igreja de São Francisco de Assis (São João Del Rei, MG).

Porém há controvérsias acerca de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e suas participações em construções e acabamentos de templos mineiros. [...] “Para sustentar que Aleijadinho participou da construção da Igreja de São Francisco de São João del Rei (MG), pesquisadores se basearam numa ata que fala de um arquiteto, vago assim mesmo, sem ter certeza de que o tal arquiteto ara Antonio Francisco Lisboa. Outro documento sobre a mesma igreja conta que a obra foi feita por Antonio Martins – esse sobrenome, porém, está riscado e corrigido para Francisco Lisboa. Ninguém sabe quando essa correção aconteceu”, escreveu Leandro Narloch em sua obra Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, 2ª edição, revisada e ampliada, São Paulo: Leya, 2011, pp 214/215.

 

[...] “atribuir ao escultor sem mãos a autoria de centenas de obras em Ouro Preto (MG), Mariana (MG), Congonhas (MG), Caeté (MG), Sabará (MG), Tiradentes (MG), São João del Rei (MG), Catas Altas (MG), Campanha (MG), Nova Lima (MG)  Barão de Cocais (MG), a ponto de que, se todas fossem de fatos feitas por ele [Aleijadinho], o artífice teria de ter vivido em três cidades ao mesmo tempo”, registrou Leandro Narloch em sua obra Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, 2ª edição, revisada e ampliada, São Paulo: Leya, 2011, p 207.

 

Compreendemos Aleijadinho como um personagem literário, sucessivamente reconstruído na história do pensamento em letras e artes no Brasil, de acordo com os interesses do momento em que se produzia cada discurso sobre o tema”, escreveu Guiomar de Grammont, Aleijadinho e o Aeroplano, Civilização Brasileira, 2008, página 86.


No meu entendimento, Aleijadinho sempre esteve mais para personagem literário do que afamado mestre construtor de templos.


Deleitei-me com trutas à Belle Meunière, batatas sauté  e purê de maçã. Para beber, 1/2 garrafa de vinho Quinta Vale Dona Maria Douro. Ingeri rezando. Sauté é um termo que vem do francês e significa saltar.

No retorno à pensão, a farra pós-jogo continuava de forma efervescente. Havia um trio elétrico em frente à Estação Ferroviária. Melhor nem comentar para não fugir ao relato.

Deitei, bloqueei os ouvidos com tapadores e dormi por 10 horas consecutivas, das 21h às 7h doutro dia.
  
És doutro agora, e pra sempre!” (Gonçalves Dias, Obras Poéticas, I, p. 347).

Sonhei que pedalava por uma linha férrea. São Lourenço (MG) a 195 quilômetros.

Mas antes de passar à próxima etapa do relato, não posso deixar de registrar - assim como registrei em várias partes deste diário - outra passagem apagada de nossa história, ocorrida na região de São João del Rei (MG), durante o auge do ciclo da mineração ou Ciclo do Ouro: a Guerra dos Emboabas. É como se a história [desse conflito] tivesse sido apagada de propósito.

Guerra dos Emboabas foi um confronto travado de 1707 a 1709 pelo direito de exploração das recém-descobertas jazidas de ouro na região do atual Estado de Minas Gerais.

Attritos e malquerenças” 1 contrapuseram os bandeirantes paulistas, primeiro grupo de descobridores da região das minas e, por esta razão, reclamantes da exclusividade de explorá-las versus os forasteiros, que vieram depois da descoberta do ouro.

O grupo [de forasteiros] era bastante heterogêneo e composto de portugueses provenientes da Europa e migrantes oriundos das demais partes do Brasil. Foram [os forasteiros] apelidados [pelos paulistas], pejorativamente, de "emboabas” 2-3, pelo fato de usarem calçados. Os paulistas estavam “acostumados a andar a pé” 4




1 “Attritos e malquerenças” expressão de J.Capistrano de Abreu. Capítulos da História Colonial, p. 168.

2 Emboaba é proveniente do termo da língua geral paulista mbóaba, que significa "pata peluda" (mbó, pata + aba, peluda). Originalmente, designava as aves com as pernas cobertas por penas. Como os forasteiros sempre usavam calças e sapatos, diferentemente dos bandeirantes, estes começaram a utilizar o termo para se referir aos forasteiros.

3 O entendimento adotado (emboaba = “pinto calçudo”, na língua geral) tem se firmado na historiografia moderna, sendo abarcado, por exemplo, nos recentes e profundos estudos de Adriana Ribeiro, Guerra dos Emboabas: novas abordagens e interpretações”. 

Disponível em:< http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/ensaio01_2009.pdf>. 
Acesso: 30/06/2014.

4 acostumados a andar a pé é expressão de Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 151.

As manobras táticas dos forasteiros (emboabas) perturbaram os paulistas (bandeirantes). Enquanto um bando de emboabas 5 se perfilava sob o comando de Manoel Nunes Viana, o emboaba mais poderoso da região, um bando de paulistas 6 (bandeirantes) recorreu ao correligionário mais poderoso de seu partido: Manoel da Borba Gato, que ocupava o posto mais alto da Coroa da região.



5 A íntegra dos bandos [de emboabas e paulistas] está em Jorge Caldeira (org.), Brasil: a história contada por quem viu, pp. 213-4.

6 A íntegra dos bandos [de emboabas e paulistas] está em Jorge Caldeira (org.), Brasil: a história contada por quem viu, pp. 213-4.


Em 12 de outubro de 1708, Borba Gato deu um ultimato a Manoel Nunes Viana em que deu 24 horas para o líder emboaba deixar a região das Minas. Manoel Nunes Viana negou que Borba Gato tivesse autoridade para expulsá-lo da região: “não devo obedecer ao que vossa mercê me ordena”7.

7  Carta de Manoel Nunes Viana de 13 de outubro de 1708. José Soares de Mello, opcit. , pp. 229 – 31.

As Minas não contavam com efetivos militares da Coroa Portuguesa e, mesmo que os paulistas (bandeirantes) formassem uma milícia, ela não seria páreo para deter a tropa de emboabas (forasteiros) sob comando de Manoel Nunes Viana, que aumentava a cada dia.

Borba Gato havia se metido numa enrascada. Se não cumprisse a ameaça que fez – expulsar Viana da região das Minas – ele [Borba Gato] e os paulistas ficariam desmoralizados. E se insistisse em fazê-lo, empurraria seu partido para uma batalha perdida. O Outrora todo poderoso superintendente das Minas [Borba Gato] foi forçado então a reconhecer que os paulistas (bandeirantes) não mandavam como antes. Optou por um recuo: promoveu um armistício (trégua passageira). O vacilo de Borba Gato foi a senha para que os emboabas (forasteiros) lançassem a primeira grande ação armada contra os paulistas (bandeirantes), deflagrando, assim, a guerra. 8




8  Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 166.

Terminada a batalha – não a guerra – o Sabarabuçu 9 estava arrasado, e os paulistas (bandeirantes), derrotados. Aos paulistas, a única porção das Minas que restava sob seu inteiro comando era o distrito de Rio das Mortes, o último bastião dos paulistas (bandeirantes). (Rio das Mortes é a atual Tiradentes – MG e o Arraial Novo do Rio das Mortes atual São João del Rei – MG). Manoel Nunes Maia desprezou todas as instituições oficiais de poder, concentradas nas mãos dos paulistas (bandeirantes), e estabeleceu um governo paralelo nas Minas. Foi aclamado governador-geral das Minas de Ouro, um cargo que não existia na época e que era superior ao de Borba Gato. 10

Na prática, a aclamação de Viana significou que os emboabas (forasteiros) não reconheceram a autoridade do governador da Repartição Sul, Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre, que tinha jurisdição sobre as Minas de Ouro. Numa tacada única, os emboabas (forasteiros) desconsideraram Borba Gato, o governador Lencastre e, por extensão do rei de Portugal D. João V, o Magnânimo, que governou entre 1706 e 1750. 11



9 Antigo Pico de Sabarabuçu é a atual Serra da Piedade, localizada em Caeté – MG, um dos 34 municípios que formam a Região Metropolitana de Belo Horizonte – MG. O Instituto Estrada Real mapeou o “Caminho do Sabarabuçu”, para ciclistas e caminhantes, envolvendo as localidades de Glaura, Acuruí, Rio Acima, Honório Bicalho, Rapósos, Sabará, Caetés e Cocais. A descrição está em: http://www.institutoestradareal.com.br/roteiros/sabarabucu.

10  Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 166.

11 Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 168.

O clímax da Guerra dos Emboabas (1707 – 1709) – o Massacre do Capão da Traição – aconteceu na virada de 1708 para 1709 no distrito de Rio das Mortes, último reduto dos paulistas (bandeirantes). 

Naquela ocasião, temendo um ataque surpresa de seus inimigos, os emboabas (forasteiros) que viviam na região pediram reforços ao português Manoel Nunes Viana. Ele enviou uma coluna com 200 homens sob o comando de Bento do Amaral Coutinho 12, sargento-mor (atual major) de batalha. A notícia de que uma tropa emboaba (forasteiros) estava a caminho do Rio das Mortes apavorou os paulistas (bandeirantes), e muitos optaram pela fuga preventiva para São Paulo.

Presumindo que os homens comandados por Bento do Amaral Coutinho iriam atrás deles, os paulistas armaram uma tocaia, deixando os espingardeiros escondidos num capão (porção de mato isolado no meio do campo) próximo a atual São João del Rei (MG), no Caminho Geral do Sertão, a estrada que ligava Minas a São Paulo.




12  O emboaba José Álvares de Oliveira descreve Coutinho como “homem grave e valoroso, porém, com algum tanto cruel”. História do distrito de Rio das Mortes”. Vol. 1, p. 233.

A suposição dos paulistas se confirmou: encontrando o arraial vazio, Bento do Amaral Coutinho de fato tratou de seguir os fugitivos, caindo na armadilha do capão. Escondidos no matagal, os paulistas dispararam suas armas, causando baixas nas hostes (soldados) inimigas, mas não a ponto de detê-los. Foi quando o jogo virou. Furioso, Coutinho deu a ordem a seus homens para cercar o capão e fustigar os paulistas (bandeirantes) sem dó.

A batalha foi se arrastando até o ponto em que os paulistas (bandeirantes), em menor número, não tinham como resistir. Houve então uma pausa para negociações, que culminaram num acordo: os paulistas se renderiam a Bento do Amaral Coutinho, que por sua vez garantiria a vida dos presos, os bandeirantes paulistas. Não foi o que aconteceu. Assim que os paulistas depuseram as armas, o chefe emboaba ordenou a seus homens que atirassem, matando os prisioneiros covardemente. O local passou então a se chamar Capão da Traição. 13 14 15 





13 O emboaba José Álvares de Oliveira descreve o episódio como “ação cruenta”, “tirano massacre” e “ímpia execução”. História do distrito de Rio das Mortes”. Vol. 1, p. 233-4.

14 Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 169.

15 O Capão da Traição fica em São João del Rei (MG), mas sua localização exata sempre foi motivo de divergências entre cronistas e historiadores. Um marco oficial aponta o suposto local como sendo a atual Praça Senhor do Bom Jesus Matozinhos, no bairro Matozinhos. Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 182.

Por conta da Guerra dos Emboabas, o Eldorado português não estava apenas dividido e conflagrado; estava parado.16 Atarefados com os preparativos de ataque ou de defesa, poucos eram os que cuidavam das lavras.17 Como consequência, a quantidade de ouro enviada ao rei despencou. A arrecadação do quinto, que foi de 17,6 quilos em 1706, caiu nos dois anos seguintes para 7,7 quilos e 4,2 quilos, respectivamente.18




16 História do distrito de Rio das Mortes”. Vol. 1, p. 247.

17 Ver carta do governador Fernando Mascarenhas Lencastre ao rei D. João V, em 14 de fevereiro de 1709. História do distrito de Rio das Mortes”. Vol. 1, p. 250.

18 Em: Virgílio Noya Pinto, O ouro brasileiro e o comércio anglo-português. P. 71.

O rei D. João V substituiu o Fernando Mascarenhas Lencastre por Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho. A troca veio em boa hora. O que paulistas e emboabas precisavam era da presença de um governador que eles respeitassem.

Recém-chegado de Lisboa, Antonio de Albuquerque partiu para as Minas do Ouro. 21 dias de viagem. Dispensou a liteira. Viajou a pé. Chegando, encontrou-se com Manoel Viana Nunes que, diante do novo governador concordou em acabar com a administração paralela – criada por ele mesmo – e abandonou a região.

Recolheu-se à Tábuas, sua fazenda na Bahia, às margens do Rio São Francisco. O curto governo do “ditador” acabava. E a Coroa voltava a impor as normas na região das Minas. 19




19 Lucas Figueiredo na Obra Boa ventura! A Corrida do Ouro no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 173 – 4.

O banimento de Viana parecia punição, mas na verdade era prêmio. E ele não foi o único que escapou impunemente. Nenhum outro participante do levante emboaba o foi. O rei [D. João V] não estava interessado em promover justiça. Desejava apenas a volta da tranquilidade nas Minas, a fim de que, uma vez estáveis, elas fizessem correr o ouro para a bolsa real. Afinal, como lembrou o Conselho Ultramarino ao discutir a Guerra dos Emboabas, era preciso aceitar o fato de que as conquistas são feitas de “ódio ou amor” e que, diante disso, por vezes, cabia ao soberano agir como um “pai”, não como juiz 20.


20  Providências tomadas pelo Conselho Ultramarino a respeito da luta” de 23 de novembro de 1709. José Soares de Mello, op. Cit., p. 222.

A impunidade à época da Colônia transcendeu o Império e chegou à República. Impunidade, herança da colonização, se perpetua com altivez no Brasil há cinco séculos. (Nota do Autor).

Igreja de São Francisco de Assis. Foto: Fernando Mendes.


Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Igreja de São Francisco de Assis. Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

12º dia
24/06/2014 
São João Del Rei (MG) a Carrancas (MG)
78 km


Disponível em:http://www.institutoestradareal.com.br/roteiros/velho>
Acesso: 30.06.2014.

Basta um olhar atento às altimetrias para perceber que o dia 24/06 foi o mais cascudo desde a saída de Conceição do Mato Dentro (MG), 10 dias atrás. E começou com forte nevoeiro cobrindo a cidade. Impossível pedalar sob aquelas condições de baixa visibilidade.

Saí às 9h, com uma hora de atraso. Enquanto pedalava pelo trânsito tumultuado de São João del Rei (MG), a temperatura foi aumentando, as nuvens se espalhando e o nevoeiro perdendo densidade. Foram mais de 30 minutos para alcançar a rotatória ao final da Rua São João. Contornei-a em ângulo de 270º e encarei longa subida para alcançar a BR – 265.

Pedalei três quilômetros pelo asfalto “da 265” até chegar ao Bar Cantinho do Caminhoneiro, emoldurado por elevado eucaliptal, no qual existe um Marco do Instituto, indicando a direção de Rio das Mortes, um dos cinco distrito de São João del Rei (MG). Mas parece que naquele dia surpresas – às vezes agradáveis e às vezes desagradáveis – estavam reservadas.

Um nativo que me observava de longe veio a mim, meu cumprimentou e falou: “esse caminho da Estrada Real até Rio das Mortes está muito ruim”. “É lama pura”. Surpresa agradável. Se por ali seguisse sem essa informação, mais atrasos. Agradeci, dei meia-volta e voltei à BR – 265 que, apesar da falta de acostamento, acabou sendo a opção menos pior. Deixei de conhecer Rio das Mortes, onde há uma igreja com a imagem de um diabo no altar. Ficou para a próxima.

Pedalei o mais rápido possível os 15 quilômetros que me separavam de São Sebastião da Vitória, um dos seis distrito de São João del Rei (MG). Cheguei às 10h 30. Parada obrigatória para degustar a iguaria que tornou o distrito bastante conhecido: o pão de queijo. Tem das mais variadas formas e recheios. Detonei dois com doce de leite e bebi suco de caju.

Às 10h 52 atravessei a BR – 265 e fui conhecer a Igreja de São Sebastião, localizada na praça Antonio Lopes.

A origem da devoção e do nome São Sebastião aconteceu a partir da construção da primeira capela, inaugurada em 4 de outubro de 1884, através do Padre José Bonifácio dos Santos.
O local, segundo a tradição oral, devido às comemorações em torno da vitória da Guerra dos Emboabas, tinha o nome de Vitória, sendo acrescentado o nome de São Sebastião.
O cônego João Batista da Trindade, então vigário de Conceição da Barra de Minas, foi designado para dar assistência à paróquia recém-criada”.


 Disponível em:< http://www.oswaldobuzzo.com.br/Home/estrada-real-cam-velho/1o-dia-sao-joao-del-rei-a-sao-sebastiao-da-vitoria-26-quilometros>> Acesso: 30/06/2014.

A igreja estava fechada. Fotografei a parte externa.

Matriz de São Sebastião da Vitória. Foto: Fernando Mendes.

Matriz de São Sebastião da Vitória. Foto: Fernando Mendes.

Com mais de uma hora de atraso, contornei o templo “da Vitória” e desci a Rua Francisco C. Ribeiro. Poucos metros adiante virei à direita. Ali, um Marco do Instituto aponta a direção a seguir. Passei a pedalar em leito natural na proa de Caquende, 24 quilômetros à frente, cortando um trecho com pista larga e repleto de eucaliptos às margens do caminho. 

Em meio ao eucaliptal que se perde de vista margeando o caminho, me veio à memória os seringais de Fordlândia (PA), a cidade norte-americana construída, no Brasil [1928], por Henry Ford, o magnata do automóvel.

Quando a fábrica da Ford (Detroit – MI) começou a produzir o Ford T, em intervalos de 91 segundos, foi preciso borracha para atender a incessante demanda por veículos. Naquela época, somente os ingleses produziam preciosa matéria-prima em suas colônias no Sudeste Asiático. 

Henry Ford negou-se a pagar o escorchante preço cobrado pelos ingleses e, então, resolveu produzir sua própria borracha. Recebeu do governador do Pará (Dionísio Bentes) uma área de 14.568 km2 – 2,5 vezes a área do Distrito Federal – localizada na margem direita do Rio Tapajós – afluente do Amazonas.

As seringueiras foram plantadas simetricamente, a exemplo das plantações de eucaliptos que via na Estrada Real enquanto pedalava. No entanto, uma infestação nos seringais brasileiros, desconhecida nos seringais britânicos do Sudeste Asiático, dizimou a Hevea brasiliensis e sepultou a utopia norte-americana nos trópicos, a cidade que Ford edificou quase à latitude do Equador. (Nota do Autor).

O tempo mostrava-se esplêndido, bastante diferente em relação à saída de São João del Rei (MG). Poucas nuvens contrastavam com o azul do céu de inverno. Visto pelas lentes polarizadas dos meus óculos, o contraste céu/nuvens ficou ainda mais evidente e belo.

Fotos: Fernando Mendes.

Fotos: Fernando Mendes.

Fotos: Fernando Mendes.

A estrada larga e o piso bem compactado permitiram um pedalar rápido, dando-me a sensação de recuperar o atraso. Ficou na impressão. Os eucaliptais à beira do caminho se elevam bastante e produziram parca sombra, pois o Sol encontrava-se no zênite (*), o popular Sol a pino.

(*) Leitura desatenta da expressão árabe samt ar-ra's, significando "direção da cabeça"
ou "caminho acima da cabeça".
  
Disponível em:< https://www.dictionary.com/browse/zenith>. Acesso: 30/06/2014.

Às 12h 25 passei sob colossal viaduto da FCA (Ferrovia Central Atlântica) – ramal Centro-Sudeste – ao mesmo tempo em que um comboio, com centena de vagões carregados de minério, deslizava pachorrentamente pelos trilhos.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

O caminho segue em terreno plano e largo igual à pista de aeroporto. Silêncio precioso. Era o 206º dia do ano de 2014 e 35º aniversário do retorno da Missão Apollo 11 à Terra. Às 13h 25, avistei um braço do imenso lago que deu origem à represa da Usina Hidrelétrica de Camargos, administrada pela CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais).

Desse ponto em diante, uma generosa descida, repleta de meandros, me levou ao pequeno povoado do Caquende, ponto no qual a travessia da lâmina d’água é feita pela Balsa Carranquinha 1.

A origem do topônimo Caquende é proveniente do termo “o genealogista de Ouro Fino (MG), José Guimarães no livro “Três Ilhoas” 21, de 1873 (03 vols., 04 tomos - 1990/98, “Obra Póstuma).


21 As Três Ilhoas foram três irmãs açorianas que imigraram para o Brasil. Chegaram por volta de 1723, fixando residência em Minas Gerais, onde se tornaram troncos de antigas, tradicionais e importantes famílias. Pela ordem cronológica, chamavam-se: Antônia da Graça (nascida em 1687), Júlia Maria da Caridade (nascida em 1707) e Helena Maria de Jesus (nascida em 1710).

O Caquende e a Capela do Saco foram os únicos pontos que ficaram emersos por ocasião da subida das águas formadoras da represa que originou a UHE (Usina Hidrelétrica) de Camargos. Caquende é um povoado de ruas calmas, com casas construídas ao redor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Terminada a travessia [15 minutos], cheguei noutra margem, onde fica Capela do Saco, distrito de Carrancas (MG). A fome era enorme. Almocei delicioso PF no único empório aberto enquanto assistia ao 2º tempo de Celeste (Uruguai) X Azurra (Itália). Venceram os latinos. Belo jogo. 

Foto: Fernando Mendes.

Capela de Nossa Senhora do Porto do Saco. Foto: Fernando Mendes.

Capela de Nossa Senhora do Porto do Saco, distrito de Carrancas, tem esse nome em razão de uma grande curva do Rio Grande que formava um "saco". A data de inauguração da Capela de Nossa Senhora da Conceição é 1712, a mando de Júlia Maria da Caridade, uma das Três Irmãs Ilhoas.

Disponível em: http://www.oswaldobuzzo.com.br/Home/estrada-real-cam-velho/2o-dia-sao-sebastiao-da-vitoria-a-capela-do-saco-26-quilometros>. Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

Às 14h 52, ciente que começava a etapa mais cascuda do dia, parti na proa de Carrancas (MG), 30 quilômetros à frente, sabendo que a chegada seria – como de fato foi – sob o manto da noite. De São João del Rei (MG) até a travessia da balsa, caminho tranquilo e altimetria generosa. 

Mas a partir de Capela do Saco as subidas – nada amigáveis – fazem pequenos intervalos com trechos planos, embora o piso, diferentemente da etapa anterior, estava muito ruim, repletos de valas e sulcos profundos. O ritmo das pedaladas diminuía enquanto o Sol escorria mansamente para o oeste. Via grandes elevações por todos os lados, mas nada se compara ao gigantismo da Serra de Carrancas, flanqueada ao sul pela Estrada Real.

Nas pesquisas para roteirizar a viagem, constatei que a subida da Serra de Carrancas tem quatro quilômetros em forte ascensão. Às 17h 05 cheguei a uma placa que indicava: “daqui para frente, somente veículos 4 X 4. 

Foto: Fernando Mendes.

A subida não é tão inclinada, mas afloramentos rochosos expostos impedem a tração e, por extensão, comprometem o equilíbrio. Carregando dois alforjes presos à garupa, a “ginástica” ficou difícil e a solução foi descer e empurrar a bike. Um tombo naquele lugar tão ermo era tudo que eu não queria. 

Enquanto subia desembarcado, observei diversas cruzes ladeando o caminho. "São em memória aos que morreram por descargas elétricas durante tempestades muito comuns na região", anotou Antonio Olinto/Rafaela Asprino em Guia de Cicloturismo Estrada Real - Caminho Velho, 2ª edição; São Paulo, 2012; Editora Gráficos Unidos, p. 70.

Às 17h 36 fotografei o Sol indo para o Japão. Estava na 1/2 da subida. A inclinação diminuiu e o piso ficou menos irregular, possibilitando-me chegar [pedalando] ao topo (1.387m) em segurança.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Terminada a subida e ainda com alguma luz natural, passei a pedalar por imenso platô tão largo quanto à reta dos boxes de Interlagos. Um espetáculo. O crepúsculo vespertino deixou o céu avermelhado. Passei a seguir um caminho que serpenteava levemente a vegetação rala e rasteira. O piso quase liso permitiu imprimir ritmo forte. Quando o platô terminou, vi Carrancas (MG) toda iluminada lá em baixo, parecendo o céu no chão. Eram 18h 07.

Foto: Fernando Mendes.

Começou uma forte descida em meio ao breu. Difícil manter a bike no caminho. Algumas vezes quase bati no barranco. Em outras, parava, forçava a visão na tentativa de achar a estrada. As luzes [lá em baixo] eram o meu referencial. E assim, tateando o chão, cheguei a Carrancas (MG) – 3.952 habitantes. Censo 2010 – às 19h 17. 

Entrei pela Rua Manoel Moreira e antes de qualquer providência quanto à hospedagem, fui ao restaurante Adobe, na Praça da Matriz, por indicação de um amigo de Brasília (DF), que passou por Carrancas (MG) em 02/2009, percorrendo a Estrada Real de Diamantina (MG) a Paraty (MG).

Salada de tudo na entrada e depois trutas com alcaparras e batatas cozidas na manteiga. Tomei ½ garrafa de vinho Pata Negra. Foi um banquete merecido depois de um dia cascudíssimo de pedal, principalmente os 30 quilômetros finais.

Hospedei-me na Pousada Carrancas e fui o único hóspede naquela noite. Os donos estavam às voltas com a cadela da casa que havia parido cinco cachorrinhos há uma semana. 

São Lourenço (MG) a 121 quilômetros. O frio castigou nessa noite.  

13º dia
25/06/2014 
Carrancas (MG) a Cruzília (MG)
67 km

Acesso: 30.06.2014.

Foi difícil deixar as cobertas e sair da cama. Fazia muito frio. Porém, como de hábito, prevaleceu a disciplina. Tomei farto café da manhã observando a cadela [recém-parida] amamentando cinco filhotes da raça Shih Tzu. Deixei as tralhas arrumadas na varanda da pousada e saí para um rolezinho básico e fotos.

A Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceiçãoconstrução iniciada em 1721, foi feita com pedras de quartzito, algumas com até uma tonelada de peso. Seu altar-mor tem pintura de Joaquim José da Natividade, discípulo de Aleijadinho, um dos mestres da arte barroca mineira. "Algumas imagens são revestidas de puro ouro", escreveu Antonio Olinto/Rafaela Asprino em Guia de Cicloturismo - Estrada Real - Caminho Velho, 2ª edição; São Paulo, 2012; Editora Gráficos Unidos, p. 69.

Um detalhe curioso fica por conta das torres, nitidamente diferentes uma da outra. “Cada uma tem um formato diferente”. “Dizem que um raio atingiu uma das torres e os obreiros da época não conseguiram edificar outra com o mesmo formato”, anotou Antonio Olinto/Rafaela Asprino em Guia de Cicloturismo - Estrada Real - Caminho Velho, 2ª edição; São Paulo, 2012; Editora Gráficos Unidos, p. 69.

Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.


A diferença quanto ao formato das duas torres é imperceptível. A cúpula da torre da esquerda é bem diferente à da torre direita. Ver foto.

Carrancas (MG) mantém uma característica que lhe é peculiar. Na época do Carnaval oficial, a cidade preserva uma tradição do retiro espiritual masculino. Por isso, folia somente em alguns lugares fechados. Mas para encontrar a folia de Momo, a data acontece 15 dias antes do feriado da Terça-Feira Gorda, quando todos curtem uma grande festa com o povo mais animado da região, anotou Antonio Olinto/Rafaela Asprino em Guia de Cicloturismo Estrada Real Caminho Velho, 2ª edição; São Paulo, 2012; Editora Gráficos Unidos, p. 69.

Às 10h contornei a Praça da Matriz e alcancei a Rua Padre Toledo Taques que, em forte ângulo de subida, levou-me à saída da cidade, passando por um bairro periférico. Um Marco do Instituto foi avistado a poucos metros do início do trecho em leito natural, que se estende assim até Cruzília (MG), 67 quilômetros à frente. Outra etapa sem nenhuma assistência aos viajantes.

A estrada é larga e com solo bem compactado. Ventava pouco e o dia estava esplêndido para pedalar. A partir de Carrancas (MG) ocorrem duas transições na paisagem natural: o Cerrado, aos poucos cede lugar à Mata Atlântica e o Espinhaço se despede dos viajantes. Bem-vinda Serra da Mantiqueira que, aos poucos mostra seus contornos, mesmo que a grande distância.

 Foto: Fernando Mendes.

 Foto: Fernando Mendes.

 Foto: Fernando Mendes.

 Foto: Fernando Mendes.

 Foto: Fernando Mendes.

 Foto: Fernando Mendes.


A matula que preparei com víveres do café da manhã não deu nem para a saída. Às 13h sentia uma fome danada e nada de apoio nessa etapa até Cruzília (MG). 

Após atravessar a linha férrea da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), vi várias crianças e adolescentes que, aproveitando o recesso escolar, empinavam pipas coloridas. Parei e fiquei a observar. Logo chamei um deles para conversar. E perguntei ao que me pareceu ser o mais velho: “jovem, tem algum lugar por aqui onde eu possa almoçar ou lanchar”? De pronto, e para meu deleite, o rapaz me respondeu: “minha mãe vende salgados e refrigerantes. É logo ali, naquela casa rosa, junto ao trilho do trem”. Alvíssaras! Estava salvo. 

Fui até a moradia de paredes rosa, bati palmas junto a um portão de metal, que se encontrava aberto, cachorros latiram, saudaram a minha chegada - com o característico abanar de rabos - e uma senhora bastante “forte” me atendeu. 

Saboreei deliciosas coxinhas (2) e empadas (2). Uma lata de Coca-Cola para desentalar, paguei, agradeci e segui satisfeito e bem alimentado.

 Foto: Fernando Mendes.

 Foto: Fernando Mendes.

 Foto: Fernando Mendes.

 Foto: Fernando Mendes.

Eram 13h 22. O Sol maçaricava a pele. Renovei o protetor. Havia muita poeira pelo caminho. Em alguns trechos a bike “dançava” e quando passava um veículo (ou prá lá ou prá cá), cof, cof, cof, cof. Lembrava-me da canção “Sorte Grande”, por Lourenço Olegário dos Santos Filho e cantada por Ivete Sangalo: “poeira, poeira, poeira, levantou poeira”.

Uma hora e meia após a ingestão de empadas e coxinhas, cheguei à Fazenda Traituba,  lamentavelmente fechada para hospedagem. E assim, foi-se e único ponto de apoio entre Carrancas (MG) e Cruzília (MG). Entrei em contato com o Instituto Estrada Real e citei a “casa de paredes rosa”, paralela à linha do trem, como um ponto de apoio em substituição à Traituba. A ver.

Francisco Tavares de Brito 22, autor da obra “Itinerário Geográfico”, refere-se à fazenda Traituba como “Fravitua”.



22 Itinerario Geografico com a verdadeira descripção dos caminhos, estradas, rossas, citios, povoaçoens, lugares, villas, rios, montes, e serras, que ha da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro até as Minas do Ouro / composto por Francisco Tavares de Brito. - Sevilha : na Officina de Antonio da Sylva, 1732.

Desde o começo do século XIX, estas terras eram de propriedade do Sr. João Pedro Diniz Junqueira, amigo da Corte, que sempre recebia a visita do Imperador D. Pedro I, primeiro Imperador do Brasil de 1822 até sua abdicação em 1831. O Imperador dava escapadas do Rio de Janeiro e ia caçar veados na região. Hospedava-se como plebeu em uma velha casa onde hoje é o galpão do paiol da fazenda Traituba. Sua Majestade gostava tanto do lugar que o Sr. João Pedro Diniz, bisavô do marido de Dona Alice (atual proprietária), resolveu construir uma belíssima casa para recepcionar o Imperador e o restante da Corte com a dignidade merecida. A construção demorou 10 anos e foi concluída em 1831, ano no qual D. Pedro I abdicou do trono em favor de seu filho mais novo - Pedro II - e partindo para a Europa, anotou, Antonio Olinto/Rafaela Asprino em Guia de Cicloturismo Estrada Real Caminho Velho, 2ª edição; São Paulo, 2012; Editora Gráficos Unidos, p. 64 (com adaptações).

Fazenda Traituba. Foto: Fernando Mendes.

Fazenda Traituba. Foto: Fernando Mendes.


Seria ótima oportunidade uma parada à moda antiga, em local que sempre serviu como pouso [a tropeiros], mas nunca se transformou em cidade, anotou Antonio Olinto/Rafaela Asprino em Guia de Cicloturismo Estrada Real Caminho Velho, 2ª edição; São Paulo, 2012; Editora Gráficos Unidos, p. 63.

Fotos para registrar a passagem por Traituba e pedal na estrada. Eram 14h 49. Faltavam 36 quilômetros para chegar a Cruzília (MG). Pedalei, sem tréguas, por 2h 44 até alcançar uma ascensão ladeada por pastagens a perder de vista. Quando a subida terminou, o Haras Itaqui passou no meu través leste e cheguei ao asfalto da BR – 383. Eram 17h 33. Parada para fotografar o pôr do Sol. 4,35 quilômetros adiante [em asfalto] pedalava pela Rua Samuel Lemos Gonçalves, que desemboca na área central de Cruzília (MG) – 14.596 habitantes. Censo 2010  o berço do Cavalo Mangalarga Marchador. Sentia-me empoeirado até a alma.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Àquela altura a fome era avassaladora. As coxinhas e as empadas haviam sido trituradas pela química digestiva. Sentia meu estômago oco. Passei pelo Hotel Real, fiz o check-in, deixei a bike e alforjes no almoxarifado e segui [a pé] uns 500 metros até o Restaurante Castelinho. Eram 18h 30.

Enquanto o bife a cavalo e acompanhamentos não chegavam, assisti ao 2º tempo da partida entre Argentina 3 X 2 Nigéria.

14º dia
26/06/2014 
Cruzília (MG) a Caxambu (MG) a São Lourenço (MG)
54 km

Disponível em:<http://www.institutoestradareal.com.br/roteiros/velho>
Acesso: 30.06.2014.

Um dos primitivos nomes da localidade foi São Sebastião da Encruzilhada (1858). Cruzília – “Terra da Cruz”. Nome originário do fato de o povoado localizar-se ao lado da encruzilhada formada por duas importantes estradas no período colonial, que ligavam os municípios de São João Del Rei (MG) e Aiuruoca (MG) e Rio de Janeiro (RJ) às regiões auríferas da Capitania de Minas Gerais. 23


23 Fonte: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – Volume XXIV ano 1958.

Paróquia de São Sebastião Mártir (1873). Foto: Fernando Mendes.

Paróquia de São Sebastião Mártir (1873). Foto: Fernando Mendes.

Os primeiros habitantes da região foram os faiscadores que exploraram o ouro de aluvião encontrado nas encostas de morros às margens de córregos da localidade. Provavelmente vieram da província de São Paulo. Ainda hoje, constituem testemunhas da presença daqueles desbravadores das várias escavações existentes no território municipal. Passada a fase da mineração de ouro, chegaram [a Cruzília – MG] os primeiros agricultores e senhores de escravos. 24

24 Fonte: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – Volume XXIV ano 1958.

Em 1920, passou por Cruzília (MG) um jovem dinamarquês com o propósito de produzir os queijos tybo e danbo, tradicionais de sua terra. O rapaz fazia excelentes queijos, mas o nome não “pegava” de forma alguma. Certo dia, um grupo de fiscais do Ministério da Fazenda, ao visitar a fábrica, descreveram o queijo como “grande e circular, igual ao formato de um prato”. Pronto! Nasceu o “queijo prato”, um dos tipos mais consumidos no País atualmente, anotou Antonio Olinto/Rafaela Asprino em seu Guia de Cicloturismo Estrada Real Caminho Velho, 2ª edição; São Paulo, 2012; Editora Gráficos Unidos, p. 63 (com adaptações).

Às 9h e com temperatura civilizada, deixei Cruzília (MG), a antiga São Sebastião da Encruzilhada, para trás. Era o último trecho a percorrer, desde a saída de Conceição do Mato Dentro (MG), há duas semanas. Tomei o rumo de Baependi (MG), próxima cidade, 20 quilômetros adiante, na direção geral oeste. Pedalava com o Sol às minhas costas.

Saí pela Avenida José Pinto Ribeiro Sobrinho, que dá acesso à BR 383. Defronte ao Laticínio Cruzilense Indústria, abandonei a 383 e virei à direita, onde um Marco do Instituto assinala o início do trecho em leito natural. Passei a pedalar entre araucárias e reflorestamentos de eucaliptos. Sombra garantida.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

 Quando o eucaliptal terminou, a Serra da Mantiqueira passou a dominar a paisagem.

Foto: Fernando Mendes.

Próximo a Baependi (MG) atravessei um trecho de especial curiosidade: uma cava. O peso dos veículos (hoje) e das tropas de mulas (ontem) afundaram o leito da Estrada Real a ponto de as árvores, outrora paralelas ao caminho, agora ficam acima do piso, com raízes expostas e emaranhadas, à semelhança dos cabelos de Medusa.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

 Às 11h 27 cheguei à área central de Baependi (MG) – 18.292 habitantes. Censo 2010.

Foto: Fernando Mendes.

A cidade é remanescente do chamado ciclo do ouro em Minas Gerais. Baependi (MG) desenvolveu-se ao longo da Estrada Real - o primeiro importante meio de comunicação regular no Brasil, que ligava as minas ao porto de Paraty (RJ). 

Baependi (Mbaé-pindi) significa “clareira aberta” ou “muitos caminhos dependurados”, uma referência à quantidade de caminhos partindo dessa região. 

A cidade é remanescente do chamado ciclo do ouro em Minas Gerais. Baependi (MG) desenvolveu-se ao longo da Estrada Real - o primeiro importante meio de comunicação regular no Brasil, que ligava as minas ao porto de Paraty (RJ), de onde o ouro era enviado para a Europa. 25


25 http://www.baependi.mg.gov.br/site/historia/. Acesso: 30/06/2014.


Impossível passar por Baependi (MG) e não ouvir os nativos a glorificar Nhá Chica (1810 -1895).

Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, nasceu em São João del Rei (MG) em 1810. Filha da escrava Izabel Maria que, depois de ganhar a liberdade (1820), decidiu se mudar para Baependi. Nhá Chica dedicou sua vida à fé e decidiu ajudar os pobres a pedido de sua mãe. Recusou todas as propostas de casamento apresentadas a ela. Usou a herança deixada pelo irmão para aumentar seu trabalho social e começar a construção de uma capela mariana. As doações foram usadas como um meio para ela construir o "Santuário de Nossa Senhora da Conceição". Apesar de analfabeta e empobrecida, Nhá Chica acolheu os necessitados em seu novo lugar e ficou conhecida como "Mãe dos Pobres". Ela morava em um humilde casebre de dois cômodos e construiu um pequeno altar enfeitado com rosas. 26

Era conhecida por dar atos de conforto e cura espiritual àqueles que a visitavam. Em 8 de julho de 1888, redigiu um testamento no qual decidiu deixar todos os seus bens para sua paróquia. Estabeleceu a distribuição de seus bens entre os pobres. Ela também descreveu como queria o funeral, bem como o número de missas celebradas por sua alma. Nhá Chica morreu em 14 de junho de 1895. Foi sepultada em sua capela quatro dias depois. Há relatos que havia um cheiro incomum de perfume quando foi enterrada e igual odor foi sentido, por ocasião da abertura de seu caixão, em 18 de junho de 1998, 103 anos depois de seu sepultamento. Sua beatificação foi celebrada no Brasil em 2013 e isso fez dela a primeira mulher afro-brasileira a ser beatificada.27


 26 http://www.santiebeati.it/dettaglio/95538. Acesso: 30/06/2014.
27 https://americasouthandnorth.wordpress.com/2013/05/05/get-to-know-a-brazilian-nha-chica/. Acesso: 30/06/2014.

A "Igrejinha de Nhá Chica", depois de ter passado por algumas reformas, é hoje o "Santuário Nossa Senhora da Conceição" que acolhe peregrinos do Brasil e do exterior. Muitos fiéis que visitam o lugar pedem graças e oram com fé. Tantos voltam para agradecer e registram suas graças recebidas. Atualmente, no "Registro de Graças do Santuário", podem-se ler aproximadamente 20.000 graças alcançadas por intercessão de Nhá Chica. 

 Disponível em:< https://www.nhachica.org.br/sobre-a-nha-chica-historia.php>
Acesso: 30/060/2014.

Santuário Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

A Igreja de Nossa Senhora de Montserrat foi construída em 1754.

Igreja de Nossa Senhora de Montserrat. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de Nossa Senhora de Montserrat. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de Nossa Senhora de Montserrat. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de Nossa Senhora de Montserrat. Foto: Fernando Mendes.

Após esse périplo histórico/religioso, bateu aquela fome. Fui ao Restaurante e Pizzaria Fiorela. Degustei dois deliciosos filés à parmegiana ao forno. Parti em direção a Caxambu (MG), 8,43 quilômetros por calçamento em paralelepípedos.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

Às 14h 03 pedalava por Caxambu (MG) – 21.719 habitantes. Censo 2010 –, estância hidromineral cujo nome [Caxambu] divide opiniões de historiadores. Há um grupo que afirma ser de origem indígena Cata-mbu (água que borbulha), enquanto outros atestam ser de origem africana cacha mumbu (tambor de música), referindo-se ao morro – o monte de Caxambu – que hoje podemos subir por meio de um teleférico.

Apesar de balizar, Caxambu (MG) não fazia parte do caminho [Estrada Real]. Afinal, era uma várzea mal cheirosa, porém boa para a caça de animais e proveito de suas águas salitradas. Com o tempo, suas águas começaram a atrair leprosos e pessoas portadores de outras enfermidades, que buscavam a cura ou alívio para seus males. Antonio Olinto/Rafaela Asprino em Guia de Cicloturismo Estrada Real Caminho Velho, 2ª edição; São Paulo, 2012; Editora Gráficos Unidos, p. 55 (com adaptações).

A passagem por Caxambu (MG) foi rápida. Fiz uma visita ao Parque das Águas e Balneário. Deixei a bike na portaria, adquiri o ingresso e saí de fronte a uma imensa alameda com um canal a dividi-la.

Parque das Águas e Balneário de Caxambu. Foto: Fernando Mendes.

O Parque das Águas em Caxambu é o único a concentrar, no mesmo local, fontes de água mineral, com propriedades químicas diferentes umas das outras. Dentro do limite do parque, há o suntuoso complexo arquitetônico do Balneário, luxuosa construção, datada do ano de 1912, com seu imenso portal em vitral, abrigando diversificados banhos, duchas, saunas e piscinas térmicas de água mineral. 

Caxambu (MG) está sobre o maior manancial de águas minerais carbogasosas da Terra. São mais de dois milhões e meio de litros fluindo diariamente por meio de doze fontes. São as mais ricas águas em teor mineral e gasoso, com indicações terapêuticas específicas a cada uma delas. Por meio de análises pontuais no começo do século XX, cientistas de renome comprovaram o efetivo poder dessas águas e passaram a ser seus maiores divulgadores. Desde então, o Parque das Águas de Caxambu se tornou um sofisticado SPA (estação hidromineral) de projeção internacional. 

O prédio da hidroterapia, com seus banhos, saunas, duchas e piscinas de água mineral, em meio a salões, vitrais, claraboias e afrescos de época, se projeta imponente entre os jardins exuberantes e as fontes, abrigadas em quiosques de delicada beleza. A pressão do gás do subsolo é tão intensa que podemos observar um espetáculo único: o gás lifte (*).

O belo lago, o bosque remanescente da Mata Atlântica, um expressivo acervo botânico, o teleférico e inúmeras quadras de esporte, completam o ambiente de paz, tranquilidade e lazer.

 Disponível em:< https://circuitodasaguasmg.com.br/caxambu/>. 
Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).

(*) método de elevação artificial, utilizando a energia de um gás pressurizado para elevar fluidos (óleo e água) até a superfície.

Suntuoso complexo arquitetônico do Balneário. Foto: Fernando Mendes.

Suntuoso complexo arquitetônico do Balneário. Foto: Fernando Mendes.

Parque das Águas em Caxambu. Foto: Fernando Mendes.


Parque das Águas em Caxambu. Foto: Fernando Mendes.

Fonte mais antiga e simbólica do Parque das Águas. Possui interessante construção em estilo greco-romano sendo um dos cartões postais da cidade de Caxambu. Homenagem ao Imperador D. Pedro II.

Parque das Águas em Caxambu. Foto: Fernando Mendes.

Parque das Águas em Caxambu. Foto: Fernando Mendes.

Parque das Águas em Caxambu. Foto: Fernando Mendes.

Parque das Águas em Caxambu. Foto: Fernando Mendes.

Fiquei por uma hora caminhando e fotografando o Parque das Águas de Caxambu (MG). Era hora de partir. Às 15h 04 rumei em direção à rodoviária, local onde um Marco do Instituto aponta a direção de São Lourenço, por um caminho de espetacular beleza e singularidade.

Porém, antes de voltar à Estrada Real, uma visita à Igreja Santa Isabel da Hungria (*), outro cartão postal da cidade, que nos remete à fase final do Império.

(*) Igreja oferecida pela Princesa Isabel em agradecimento à cura de sua infertilidade. Por meio das águas ferruginosas da fonte - hoje denominada Princesa Isabel e Conde d'Eu - a monarca curou-se de persistente anemia e engravidou.
Em suas orações, fez a promessa que se tornou histórica: “se conseguisse a concepção de um herdeiro, faria construir uma Igreja sob a invocação de Santa Isabel de Hungria”.
A edificação foi iniciada em novembro de 1868. A consagração do templo aconteceu em 1897, oito anos após a Proclamação da República. A Família Real se encontrava no exílio (França).
A arquitetura da igreja é em estilo neogótico, utilizado a partir da segunda metade do século XIX para a construção de templos religiosos. Um dos acessos para a igreja é feito por uma escadaria de 126 degraus. Ao longo do caminho, estão passos da Via Sacra, iluminados por lanternas. No topo há um cruzeiro se cinco metros de altura.

 Disponível em:< http://palacehotel.com.br/igreja-santa-isabel-da-hungria/>.
Acesso: 30/06/2014 (com adaptações).
   
Igreja Santa Isabel da Hungria.

Igreja [s.d] foto color. Disponível em: http://palacehotel.com.br/igreja-santa-isabel-da-hungria/. Acesso: 30/06/2014. 

A Estação Rodoviária fica na Praça Dr. Accácio de Almeida. Contornei o terminal e, pela parte de trás, acessei a Rua Adão Augusto Gomes, que tem um Marco do Instituto bem no início dos paralelepípedos. Logo o calçamento foi substituído pelo leito natural e passei a pedalar por um bairro periférico, com muitas casas inacabadas. Faltavam 25 quilômetros para chegar a São Lourenço (MG). Faltavam 25 quilômetros para o término das férias.

À medida que me afastava de Caxambu (MG) e o último bairro periférico ficou para trás, passei a girar sob árvores frondosas e altas, que impediam a visão do céu. Após a passagem do Magic Cap, que borda bonés, camisas e uniformes, a vegetação abriu e a Estrada Real é flanqueada ao sul pela Serra da Mantiqueira. Um espetáculo.

Serra da Mantiqueira. Foto: Fernando Mendes.

Serra da Mantiqueira. Foto: Fernando Mendes.

Passei por um Centro de Lazer. “Banho de piscina a cinco reais”. A mata que margeia a estrada voltou a fechar. Aos poucos, clareiras foram aparecendo, possibilitando visualizar áreas que [outrora] abrigaram a Mata Atlântica e foram substituídas por pastagens. Morros carecas e castigados pela erosão.

O Centro de Lazer Pingo d’água, que passou no través leste (à minha esquerda), estava lotado. Crianças, aproveitando as férias escolares, se esbaldavam na piscina. Cheiro de carne sendo assada.

O leito da Estrada Real voltou a ser coberto por densa mata, mas logo o “teto de árvores” deu lugar à paisagem aberta e a Mantiqueira voltou a se impor no cenário.

Não tardou e os reflorestamentos de eucaliptos apareceram, margeando o caminho por muitos quilômetros. A altimetria é predominantemente plana. Nenhum ponto de apoio. Passei pela entrada da Fazenda Ouro Verde. Pedi água.

Aos poucos os barrancos laterais apareceram e se ergueram paralelamente ao caminho, lembrando o leito de uma extinta estrada de ferro. A vegetação rasteira nos morros carecas alimentam os rebanhos espalhados pela vastidão das fazendas. Nas áreas mais altas, a vegetação densa protege as nascentes. 

Caminho [s.d]. Foto color. Disponível em: https://www.google.com.br/maps/. 
Acesso: 30/06/2014.

Pedalava devagar, bebericando as paisagens. Alguns trechos estavam bem enlameados. Passei pela Fazenda Serrinha. Não vi, desde a saída de Caxambu (MG), nenhuma plantação. Apenas pastos, pastos e pastos. 

E veio a primeira subida forte. Quando terminou, a estrada alargou e o caminho prossegue plano, serpenteando as partes baixas dos morros carecas. Para mim, esse trecho entre Caxambu (MG) e São Lourenço (MG) foi inédito. Em 2011, ocasião da na qual percorri a Estrada Real pela primeira vez, indo de Diamantina (MG) a Paraty (RJ), não passei por São Lourenço (MG). De Caxambu (MG) segui para Passa Quatro (MG), via Capivari (MG) e Itanhandu (MG).

Numa comunidade – não me recordo o nome – a singela Igreja do Mato Dentro parece uma miniatura. 

Caminho [s.d]. Foto color. Disponível em: https://www.google.com.br/maps. 
Acesso: 30/06/2014.


Às 16h 28, após uma hora da partida de Caxambu (MG), passei pelo Hotel Fazenda Vista Alegre. Nesse ponto, quem desejar, pode acessar a Rodovia BR - 383 e chegar a São Lourenço, três quilômetros à frente, sem maiores esforços. Prevaleceu – como de costume – a disciplina. Fidelidade ao caminho.

Um Marco do Instituto indica “virar à esquerda” ao passar pelo Hotel Fazenda Vista Alegre. Segui por uma reta de pouco mais de 800 metros e virei à direita, pedalando agora em forte subida por uns três quilômetros até visualizar a indicação de “virar à direita” e descer, descer, descer, atravessar [perpendicularmente] a Rodovia BR 460 e ingressar num bairro afastado da área central de São Lourenço. Eram 17h 37.

Chegada a São Lourenço (MG). Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.Chegada a São Lourenço (MG). Foto: Fernando Mendes.


Chegada a São Lourenço (MG). Foto: Fernando Mendes. 

Conforme planejei, executei a missão: pedalar - em duas semanas - os quase 700 quilômetros entre Conceição do Mato Dentro (MG) e São Lourenço (MG). Que venham outras. 

E àqueles que quiserem e estejam dispostos, não percam a oportunidade de pedalar pela Estrada Real. Não importa se muitos ou poucos quilômetros. O que importa é realizar esse passeio por lugares de belezas singulares e com muita História do Brasil Colônia para relembrar ou aprender. 

Quem pedala pela Estrada Real, volta. Essa foi a minha terceira andança por esses caminhos.

Pedalar pela Estrada Real é prova cabal de felicidade.

15º dia
27/06/2014 
São Lourenço (MG) a Brasília (DF) – Retorno de Ônibus
975 km

Após o café da manhã e sentindo-me bem alimentado e descansado, pedalei até o Terminal Rodoviário de São Lourenço (MG). Desmontei a bike, embalei-a e deixei-a aos cuidados do Guarda Volumes. 

Uma placa luminosa no guichê da Viação Gontijo informava: " ônibus para Brasília. Saída confirmada para às 16h 30". No horário!

Retornei a pé à área central para conhecer o Parque das Águas, principal atração turística da cidade. O Parque possui 430 mil metros quadrados de área, com nove fontes de águas minerais, cada uma com suas propriedades terapêuticas e medicinais em particular.

Parque das Águas. Foto: Fernando Mendes.

Parque das Águas. Foto: Fernando Mendes.

Parque das Águas. Foto: Fernando Mendes.

Parque das Águas. Foto: Fernando Mendes.

Parque das Águas. Foto: Fernando Mendes.

Parque das Águas. Foto: Fernando Mendes.

Parque das Águas. Foto: Fernando Mendes.


A caminhada pelo Parque das Águas durou três horas. Rendeu belas fotos. Por volta das 11h caminhei rumo à Igreja de São Lourenço Mártir, que nasceu como capela.

"Em 1891 foi autorizada a construção de uma Capela". 
"Quatro anos depois, em 10 de agosto de 1895, foi inaugurada a Capela com a imagem de São Lourenço". 
"A criação da Paróquia é de 22 de novembro de 1927

Disponível em:http://www.diocesedacampanha.org.br/portal/index.php/sumir-mapa-forania-de-ns-montes/73-paroquia-sao-lourenco-martir-sao-lourenco-
Acesso: 30/06/2014.

Igreja de São Lourenço Mártir. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de São Lourenço Mártir. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de São Lourenço Mártir. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de São Lourenço Mártir. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de São Lourenço Mártir. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de São Lourenço Mártir. Foto: Fernando Mendes.

Igreja de São Lourenço Mártir. Foto: Fernando Mendes.

"A São Lourenço Mártir recebeu o título de Basílica Menor, título honorífico concedido pelo Papa Francisco a igrejas consideradas importantes por várias razões, tais como: veneração que lhe devotam os cristãos, transcendência histórica e beleza artística de sua arquitetura e decoração. A Congregação para o Culto Divino acolheu o pedido do bispo da Diocese da Campanha, Dom Pedro Cunha Cruz. Com este título passará a ser chamada de Basílica Menor de São Lourenço. Uma distinção concedida pelo Vaticano que marca historicamente tanto a Igreja como a cidade de São Lourenço (MG)". Título honorífico merecido.


Passava do meio - dia. O estômago dava sinais de fome. Fui à Rua Wenceslau Braz, fechada definitivamente ao trânsito de veículos e transformada em "rua de pedestres", para almoçar, saboroso filé à parmegiana, no Restaurante Paladar Mineiro.

Fiz a química digestiva caminhando (4 quilômetros - em 40 minutos) da área central à rodoviária.

Fui o único passageiro a embarcar em São Lourenço (MG). Ao longo do [longo] caminho entre São Lourenço (MG) e Brasília (DF), um constante sobe e desce de gente, um típico itinerário jocosamente apelidado de "mata - bicha". 

Com esse apelido (politicamente mais do que incorreto), rodoviários fazem alusão às diversas paradas, para embarques e desembarques, que aconteceram nos 975 quilômetros da viagem. Ei-las: São Lourenço (MG), Cambuquira (MG) , Três Corações (MG), Perdões (MG), Campo Belo (MG), Formiga (MG), Arcos (MG), Bambuí (MG), Patos de Minas (MG), Paracatu (MG) e Brasília (DF).

Pontualmente às 16h 30, o motorista do ônibus da Viação Gontijo, com número de série 18.500, deu início à manobra para saída do box 01 da Rodoviária de São Lourenço (MG). Pude ouvir o agradável chiado de ar comprimido quando a alavanca do freio de estacionamento foi movida para frente, liberando as rodas. 

O som inconfundível de veículos grandes quando dão marcha à ré - pi - pi - pi - pi - foi ouvido, de forma abafada, da poltrona na qual eu me encontrava. Dócil aos comandos, o 18.500 percorreu 180º para contornar a rotatória em frente ao terminal, se alinhou à BR - 460 e tomou o rumo Noroeste (NW), levando-me de volta para casa.

Às 20h houve uma parada [providencial] em Perdões (MG) para o jantar. Precisava me abastecer de víveres e tomar um café expresso.

A 1 hora da madrugada, parada em Patos de Minas (MG). Abastecimento e troca de motorista. Meia hora depois, o 18.500 rodava macio e silencioso pela Rodovia MG - 410 que, 126 quilômetros à frente, termina "desaguando" na BR - 040. Ao chegar ao trevo, a redução da velocidade despertou-me. Pela janela identifiquei onde estava. Faltavam 309 quilômetros para Brasília (DF).

O 18.500, agora rodando pela BR - 040 e na proa de Brasília (DF), mantinha-se entre o centro da rodovia e a faixa branca da direita. Estava sentado na primeira poltrona do lado oposto ao chofer. A cortina que impede a passagem da luz dos faróis dos veículos que vêm na direção contrária encontrava-se fechada. Por uma brecha no tecido, visualizei os olhos de gato fixados de 20 em 20 metros na risca central amarela. Pareciam correr como se o ônibus estivesse parado e a rodovia em movimento.

Às 4h 30, após rápida parada, o 18.500 atravessou o perímetro urbano de Paracatu (MG), encoberto por denso nevoeiro e passou suavemente por uma sucessão de quebra-molas. Depois, voltou à velocidade máxima permitida, subiu a Serra da Tiririca e não vi mais nada. 

Acordei quando o balanço "do berço" parou. Eram 7h 30. Havia chegado à Rodoviária Interestadual de Brasília. Apesar de ser uma viagem mata-bicha, a saída de São Lourenço (MG) e a chegada a Brasília (DF) aconteceram pontualmente nos horários programados.

18.500 

ônibus foto color [s.d] disponível em: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqUdHugWuVWv3ksQz6IfUYzAQG0dP8fIcES_rT1adRjfgmHB9zkIuXKQx5R438cCgPZpvkdiu4KTIHtR6l_uah7fdOCOnyo7_cvkcRXNrmEotFZMILd-blDRIyW97QtzuN25fCefXc8uzB/s1600/0000.jpg
Acesso: 30/06/2014.














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