Viagem de Bike Entre a Serra e o Mar. Rio de Janeiro - Mogi das Cruzes - Guarujá - Paraty - Angra dos Reis - Rio de Janeiro. Julho 2002.

 


Igreja Santa Rita de Cássia em Paraty (RJ). 
Foto: Fernando Mendes.

PEDAL ENTRE A SERRA E O MAR

Rio de Janeiro - Mogi das Cruzes - Guarujá - Paraty - Angra dos Reis - Rio de Janeiro



DATA

TRECHOS

DISTÂNCIA (KM)

14/07/2002

Rio de Janeiro a Resende

184

15/07/2002

Resende a Caçapava

159

16/07/2002

Caçapava a Mogi das Cruzes

101

17/07/2002

Mogi das Cruzes ao Guarujá

118

18/07/2002

Guarujá a Bertioga

32

19/07/2002

Bertioga a São Sebastião

108

20/07/2002

Dia em Ilhabela

45

21/07/2002

São Sebastião a Ubatuba

81

22/07/2002

Ubatuba a Paraty

77

23/07/2002

Passeios em Paraty

45

24/07/2002

Paraty a Angra dos Reis

95

25/07/2002

Passeios na Ilha Grande

#

26/07/2002

Passeios na Ilha Grande

#

27/07/2002

Mangaratiba ao Rio de Janeiro

120

TOTAL

TOTAL

1.165



1º Dia – 14/07/2002 – Rio de Janeiro (RJ) a Resende (RJ) – 184 km


Na madrugada de 14 de julho, domingo, às 4h 45, subi a rampa da garagem que dá acesso à Rua Almirante Pereira Guimarães, no Leblon, dobrei à esquerda e rumei em direção à ciclovia, que fica à beira-mar e liga a Zona Sul ao Centro. 

Começava a viagem Rio-Mogi-Guarujá-Rio, prevista para 14 dias, com pouco mais de mil quilômetros a percorrer. 

O tempo estava fechado e com muitas nuvens. A temperatura era de 16º C. Atravessei a ponte sobre o canal do Jardim de Alah, entrei em Ipanema e, pela ciclovia, cheguei à Quadricentenária Praça XV, o antigo Largo do Paço (*).

(*) Com a fuga da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, entre novembro de 1807 e março de 1808, o Largo do Paço serviu de residência para a Família Real.  Passou por várias modificações até os dias de hoje. Numa delas, em 1894, o nome foi mudado para Praça 15 de Novembro.

Com o tempo, a linguagem popular promoveu outra modificação, abreviando para Praça XV. Restaram, em sua forma original, o Paço Imperial e o antigo chafariz. O Convento dos Carmelitas virou a Faculdade Cândido Mendes, do antigo conjunto arquitetônico da família Teles de Meneses resta parte da fachada da casa antiga e o Arco do Teles, um dos monumentos mais expressivos da influência portuguesa no Rio de Janeiro, virou ponto de Happy Hour . 

Disponível em: https://diariodorio.com/a-historia-do-paco-imperial/. Acesso: 31/017/2002.



Praça XV século XVII.

Disponível em: <http://imperiobrazil.blogspot.com/2018/02/paco-imperial-em-montagem.html>. Acesso: 31/07/2002.


Ruas do Rio - A quadricentenária Praça Quinze
Praça XV século XXI.

Disponível em: <http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/13032-a-quadricenten%C3%A1ria-pra%C3%A7a-quinze 

 
Eram 5h 39. Na Praça XV tem uma estátua equestre de D. João VI, presente de Portugal ao Brasil em comemoração aos 400 anos da cidade do Rio de Janeiro, ocorrido em 1º de março de 1965.  A escultura é equestre, pois o esculpido aparece montado a cavalo. Fica em frente à Estação das Barcas, que fazem a ligação do Rio com Niterói, Paquetá e Ilha do Governador.

Atravessei o antigo Largo do Paço sob o viaduto, virei à esquerda e saí em frente à Igreja da Candelária. Continuei pedalando pela Av. Presidente Vargas, passando pela Central do Brasil. Seu majestoso relógio marcava 5h 45As primeiras claridades no leste não deixavam dúvidas: teríamos um dia nublado e cinzento. Passei sob a linha da EFCB e ingressei na Francisco Bicalho.  O Canal do Mangue e a Estação da Leopoldina passaram à esquerda. Logo à frente, a Rodoviária Novo Rio, alcançada às 5h 57. Embora fosse domingo, o movimento era grande nas cercanias daquele terminal de passageiros. 

Atravessei a Avenida Rodrigues Alves, em frente à Novo Rio, e ingressei na Avenida Brasil, tomando a direção do Caju. O cemitério que ali se localiza, é homônimo do bairro e famoso por conter defuntos ilustres. É o maior do Rio de Janeiro.

A extensão externa do campo santo tem calçada,  sem buracos e larga. Mas por poucos metros. Depois do Caju, o calçamento tornou-se precário. No entanto é preferível ir pelas calçadas esburacadas a dividir a pista lateral da Avenida Brasil com os ônibus que ligam o Centro à Zona Oeste e à Baixada Fluminense. Logo o Castelo da Fiocruz (*), o eterno vigilante desta imensa Avenida chamada Brasil, apareceu imponente, à esquerda.



Pavilhão Mourisco. FIOCRUZ. Foto: Fernando Mendes.

(*) O Instituto Soroterápico Federal foi criado em 25 de maio de 1900 com o objetivo de fabricar soros e vacinas contra a peste bubônica, que irrompera em Santos (SP) e em outras cidades portuárias, como o Rio de Janeiro (RJ). O local escolhido para construção do Prédio Central, chamado de Pavilhão Mourisco, foi a região da antiga Fazenda de Manguinhos, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.


Logo, o instituto de simples produtor, passou a se dedicar, também, à pesquisa e à medicina experimental, principalmente depois que Oswaldo Gonçalves Cruz (1872-1917), médico sanitarista, bacteriologista e epidemiologista, assumiu sua direção, em 1902.  

O Pavilhão Mourisco, mais tarde denominado Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos e, depois, Instituto Oswaldo Cruz, foi erigido sobre uma das colinas da região, sendo um bloco imponente, com sua fachada voltada para o mar. Tem 50 m de altura. As paredes do porão são em granito retirado da pedreira de Manguinhos.


Arrematando a base do prédio há uma cinta, também em granito trabalhado. As varandas externas têm paredes em azulejo Bordalo Pinheiro e seu piso é coberto de mosaicos franceses, cuja distribuição, em variadas cores e formas, lembram os tapetes e passadeiras árabes. 

Tombado em 29 de janeiro de 1981 pela então Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (hoje IPHAN), o Conjunto Arquitetônico-Histórico da Fundação Oswaldo Cruz é a principal atração do Campus de Manguinhos, uma área de 800 mil m2 na Avenida Brasil, Zona Norte do Rio de Janeiro, que anteriormente fazia parte da Fazenda de Manguinhos.

Foi projetado pelo arquiteto Luís de Moraes Júnior.

Disponível em: <http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/verbetes/instsorofed.htm>. Acesso: 31/07/2002.



Da Fiocruz rumei em direção à entrada da Cidade Universitária, o pior trecho no qual, um dia, existiu uma calçada. Fiz uma rápida parada para beber água. Eram 6h 19. Como a direção geral da Avenida Brasil para quem está saindo do Rio de Janeiro é oeste, o Sol, entre muitas nuvens, apareceu às minhas costas. Vi-o, de forma difusa, pelo retrovisor da bike. Passei pelos acessos à Cidade Universitária, ao Galeão e ao Piscinão de Ramos, tudo muito rápido. Às 6h 42 o Mercado São Sebastião passou à minha direita e às 06h 49 alcancei o Trevo das Missões, que dá acesso à BR-040, rodovia radial que liga a Capital Fluminense a Petrópolis (RJ), Juiz de Fora (MG), Belo Horizonte (MG) e termina em Brasília (DF).

Dois quilômetros após a passagem do Trevo das Missões, enfim, cheguei ao Trevo das Margaridas, que marca o início da Via Dutra, no município de São João de Meriti (RJ). Eram pontualmente 7 horas da manhã. Havia pedalado 40 quilômetros desde a saída de casa, no Leblon. Faltavam 144 para Resende (RJ).

Início Via Dutra. Foto: Fernando Mendes.

Acabara de vencer o pior trecho do dia. Saí da Av. Brasil e entrei na Via Dutra. Foram significativas as mudanças [para melhor] na qualidade do asfalto e na presença de acostamento. A intensidade do tráfego era muito grande, mesmo sendo Domingo. Começava a travessia da Baixada Fluminense até a subida da Serra das Araras, 43 quilômetros à frente.

Quanto às características físicas, a Baixada Fluminense é inigualável, com seus motéis de arquitetura bizarra, as casas, em sua maioria, inacabadas, com terracinhos e roupas penduradas em varais sustentados por bambu. Um mar de antenas parabólicas. Coqueiros. Churrascarias. Serralherias. Borracharias. Oficinas. Assembleias de Deus. Inferninhos. Essas imagens, aos olhos de um ciclista, passam lentamente. 

Podemos saboreá-las com detalhes. Quando passamos de carro vemos tudo isso com os mesmos detalhes? Muitas paisagens misturadas a muitas vidas. Vidas com afazeres dos mais diferentes. Vidas que dependem da Dutra. Vidas que, às vezes, se acabam na Dutra. Vidas que sabemos que existiram. Não as conhecemos, mas as cruzes, às margens da estrada, estão lá para provar que viveram e morreram na Dutra.

A informalidade está à beira da estrada: borracheiros, frentistas, chapas, vendedores de bananas, travestis, prostitutas - estes dois últimos tipos - sempre à espera de um cliente para “trocar” o óleo.

Centenas de empregos e subempregos, bicos, ocupações temporárias ou não. Nos ferros-velhos, carros depenados, despedaçados, entortados ou abandonados em esquinas de ruas sem calçamento. Pareceu-me um pedaço do Afeganistão ou do Iraque. Quando começou a guerra por ali? Essa paisagem da Baixada Fluminense é inconfundível.

Uma faixa: “Sangue de Jesus tem poder” nos dá a dimensão da fé que suporta tudo, até mesmo viver na Baixada, tão violenta e sem lei.

De hipermercado a pequenos empórios, a Baixada tem estabelecimentos para todas as classes sociais que coabitam aquele espaço. Como estávamos em um período pré-eleitoral, vi várias placas com fotos de candidatos desejando “Boas-Festas”, “Brasil rumo ao Penta” e “por um município sem violência”.

Lanchonete oferece “Mocotó com vinagrete, a R$ 1,80”. Os motéis oferecem vagas para hóspedes e viajantes, como se houvesse diferença entre um e outro. Outra faixa: “Jesus, esse nome tem poder” e logo abaixo várias pichações, entre elas o CV do Comando Vermelho.

Vi tudo isso passando por São João do Meriti (RJ), Belford Roxo (RJ), Coelho da Rocha (RJ) e Nova Iguaçu (RJ), municípios com mais gente que o Estado do Acre.

Logo à frente, a entrada para Queimados (RJ), emancipado em plebiscito de 25 de Novembro de 1990 e transformado em município a partir da Lei nº 1.773, de 21 de dezembro de 1990, desmembrando-se de Nova Iguaçu.

Com 75 kmde área possui 115 bairros, compondo-se de zonas urbana e rural com uma população em torno de 150.000 habitantes.

Fiz rápida parada no Posto Cruzado, em Belford Roxo (RJ). Eram 7h 38. A seguir, pedalei forte por mais 19 quilômetros e alcancei o acesso a Japeri, na RJ-125. Eram quase 9h. O dia continuava com mormaço e a temperatura chegou a 19º C.

Desde a saída de casa não havia parado para esticar as pernas e alongá-las, essencial quando se pedala por muitas horas. Naquele 1º dia foram 184 quilômetros de casa até Resende (RJ). É recomendável parar de hora em hora ou 20 quilômetros percorridos, o que acontecer primeiro. Tomar água e alongar, esse é o código. Braços, pernas e região lombar. É como dar sangue novo à musculatura. Dessa forma é possível encarar trechos tão longo, como Rio-Resende, e chegar inteiro.

Ao passar pelo km 203 da Dutra, avistei alguns curiosos que olhavam o local no qual Claudinho, da dupla Claudinho & Bochecha, faleceu um dia antes. Árvores em beiradas de rodovias representam sempre um perigo, pois as margens das estradas são áreas de escapes.

O destino estava traçado. Existe uma árvore, o carro foi bater exatamente nela e o condutor nada sofreu. O cantor foi atingido. O universo é indiferente conosco. Ele não tem pena de nós. Foi criada uma situação que permitiu que acontecesse o que aconteceu: dirigir cansado após horas de show em Lorena (SP), chuva fina, visibilidade reduzida, asfalto escorregadio, alta velocidade, reflexos em baixa, expectativa de chegar.

Um quilômetro após a entrada para Japeri (RJ) veio o pedágio de Viúva Graça, o primeiro da Dutra na direção SP. ”Quem deixou Graça viúva?” Eram 9 h 10. A seguir, o acesso a Paracambi (RJ), Mendes (RJ) e Vassouras (RJ). A Baixada Fluminense foi ficando para trás. Continuei por um trecho plano, com poucas ondulações, até começar a me elevar. Iniciava a subida da Serra das Araras, no km 220. Eram 10h e 16 minutos.

Foto: Fernando Mendes.


BARRACA DO OSMAR. Foto: Fernando Mendes.

























Traçado de 9 quilômetros que serpenteia o relevo, com acostamento largo e belo visual. As Araras possuem vários núcleos humanos que vivem no meio rural. Há pessoas que nunca saíram dali, não conhecem a cidade do Rio de Janeiro, jamais foram à Baixada Fluminense. Boa parte daquela gente vive da estrada. Vendem frutas - as bananas ouro são as melhores da Dutra -, eu garanto. Banana tem potássio e potássio evita câimbras. Dificilmente as tenho, mas não custava nada prevenir. A demanda por bananas, por água de coco, por água mineral e pelo abacaxi é muito grande, garantiu-me o barraqueiro, Sr. Osmar, que me atendeu.

Falou que é comum a passagem de ciclistas pelas Araras na direção de SP e das cidades que vêm após o término da subida da serra, muito procuradas pelos cicloturistas: Mauá (RJ), Penedo (RJ), Itatiaia (RJ) e Piraí (RJ). Para a capital paulista, o número de ciclistas é menor, mas estão sempre passando. Ele comentou, também, que passam andarilhos aos montes e, não raro, pagadores de promessas que vão [a pé] até Aparecida (SP), vindos de várias partes.

O Osmar foi caminhoneiro. “Puxei muita carga da Baixada Fluminense para o Porto de Santos”, ofício que exerceu por mais de 30 anos. Hoje gerencia uma das maiores barracas de frutas das Araras, a pausa que refresca.

Existem nascentes que oferecem água fresca e potável. A serra é um oásis. Foi um dos momentos mais esperados da viagem. A subida é lenta, agradável e bastante sombreada, arrefecendo o calor do mormaço. A paisagem é singular, com morros em forma de meia laranja, bastante desgastados pela ação erosiva, característica do relevo que data das eras Pré Cambrianas (Arqueozoica e Proterozoica).

O Ribeirão das Lajes, depois de represado, poupou apenas os morros mais altos, submergindo os menos imponentes. Comecei a subir as Araras às 10h 16 e cheguei ao topo às 11h 36. Uma hora e 20 minutos para vencer nove quilômetros de aclive contínuo. Na chegada ao topo, à esquerda, o majestoso  Monumento Rodoviário (*), mais parecido com um farol no teto do mundo.


Durante muitos anos, esse belo monumento alegrava as noites com um facho de luz que circulava 360º, podendo ser visto a longa distância. O projeto é do engenheiro Mário Chagas Dória e do arquiteto Raphael Galvão. Obra executada pela Construtora Christiani Nielsen.

Aventuras na História · Abandonado há 41 anos, Monumento ...
Monumento Rodoviário. 

(*) Concepção arquitetônica protomoderna em estilo art déco com forma inspirada no tema do obelisco, no município de Piraí (RJ) - hoje fechado e abandonado -, tem área de 54 mil mde construção.

Teve duplo significado: I) comemorou a gênese da Rio-SP, em 1928; II) é símbolo da era rodoviária no Brasil.

Localizado no espaço conhecido como “Varandim” na Serra das Araras, com 46 metros de altura sobre uma base de 1.600 m2, foi rodeado de jardins, que quase tocavam às águas da Represa das Lajes. No interior do Monumento existiam quatro painéis de Cândido Portinari (0,96 por 7,68 m). Foram pintados com cores fortes, violentas, que expressassem bem a construção de estradas de rodagem no País. Havia um restaurante com vista privilegiadíssima da serra, com a estrada a cortá-la e da Represa das Lajes ao fundo. Havia um restaurante com vista privilegiadíssima da serra, com a estrada a cortá-la, e da Represa das Lajes ao fundo. Esse restaurante esteve entre os mais disputados, com bar confortável para os viajantes, banheiros limpos e espaçosos. Quando o Monumento foi fechado, em 1978, os painéis f de Portinari foram abandonados, sofrendo com a ação do tempo.

Recentemente foram retirados e levados ao Museu de Belas-Artes do RJ. Existe uma escada interna com 175 degraus que conduzem ao alto do mirante. O projeto, de autoria do Touring Club do Brasil (fundado em 1923), nasceu em 1927 com a intenção de marcar a era das rodovias no Brasil. No hall nobre havia um grande mapa rodoviário do Brasil.

Cada vez que um estado se via ligado, por rodovia, ao Distrito Federal, que era no Rio de Janeiro, a carta daquele estado era inserida no mapa. O Monumento foi considerado a primeira estação para conforto dos viajantes, edificada no século XX, às margens de uma rodovia brasileira.


Disponível em:<https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/historia-hoje/abandonado-ha-41-anos-monumento-rodoviario-da-presidente-dutra-ja-abrigou-obras-de-candido-portinari.phtml>. Acesso 31/07/2002.



Passei por vários braços da represa das Lajes, que se estendem pelos dois lados da Dutra. Vistos de cima devem dar a dimensão exata daquele reservatório.

Às 12h 10 cheguei a Piraí (RJ). Parei para almoçar. Faltavam 79 quilômetros para Resende (RJ). As nuvens se dispersaram e o Sol deu o ar da graça. Prometia uma tarde azul depois de uma manhã cinzenta. Até Volta Redonda (RJ) foram 27 quilômetros com algumas subidas fortes. A temperatura estava em elevação: 24º C. Fazia calor se comparado aos 16º C quando deixei o Rio, ainda de madrugada.

Às 13h 45, uma parada na Cidade do Aço, no Posto Corujão. Degustei dois deliciosos pastéis de frango. Alimentado, continuei na proa de Barra Mansa (RJ). Foram 13 quilômetros, dos quais 7 em subida. Parei no Tio Speto às 14h 41. Como o próprio nome do estabelecimento sugere, espetinhos dos mais variados: frango, porco, carne bovina, queijo, salsicha etc. “Matei” dois de frango. Faltavam 39 quilômetros para Resende (RJ). Eram 15h quando voltei à lida para cumprir a última etapa do primeiro dia.

No km 294, a Dutra tem um dos pontos mais conhecidos pelos viajantes: a grande reta de cinco quilômetros antes de Resende (RJ). É famosa por conter árvores, de ambos os lados da estrada, cujas copas se tocam, formando um belo túnel. Quando a concessionária Nova Dutra assumiu a administração da rodovia, em 1996, podou as copas alegando que, automóveis, transportados em caminhões cegonha, estavam esbarrando nos galhos. Por medida de segurança, o túnel de árvores acabou. 



A Ponte dos Três Arcos, uma das mais conhecidas da Dutra e que passa sobre as linhas da antiga R.F.F.S.A, foi implodida no dia 12/12/2010. Atravessei-a pela última vez. Eram 16h e começava o jogo Fluminense e Corinthians pela Copa dos Campeões.

Às 16 h 55 abandonei a Dutra, na saída lateral nº 305, passei pelo Shopping Graal, desci a rua lateral, atravessei o  Túnel da AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) e cheguei à Av. Getúlio Vargas, nº 270, Hotel Avenida.


PONTE EM TRÊS ARCOS. IMPLODIDA EM 2010. 
Foto: Fernando Mendes. 

Eram 17h. O Sol estava encoberto pela Mantiqueira. Anoiteceu rápido. Aquela gostosa sensação de etapa cumprida foi sentida assim que entrei no quarto do hotel. Fiz os exercícios de alongamento, tomei banho e assisti ao belíssimo gol de Roni, que deu a vitória ao Fluminense (1 a 0). Bati uma tigela de 500 ml de Açaí acompanhada de sanduíche de frango. Na volta para o hotel, comi três cachorros-quentes. Dormi feliz.

2º Dia – 15/07/2002 – Resende (RJ) a Caçapava (SP) – 159 km.

BR-116. VIA DUTRA. Foto: Fernando Mendes.

Saí de Resende (RJ) às 9h com temperatura muito baixa: 13ºC. Até o Rio do Salto, que marca a divisa RJ/SP, foram 25 quilômetros pedalados no stop. Foi preciso espantar o frio. 

Queluz (SP), a oito quilômetros após a divisa, foi alcançada às 10 h 30. Mais 13 quilômetros, passei pelo Trevo de Lavrinhas (SP), o maior e mais bonito de toda estrada. Eram 11h. 

Atravessei lentamente a maior ponte da Dutra sobre o Rio Paraíba do Sul. Tirei algumas fotos do rio e do trem da MRS que passava pelo local. Um comboio composto por 54 vagões puxados por duas locomotivas. Em um país essencialmente rodoviário, o trem é, a cada dia, algo mais raro de se ver.  

Concluída a travessia da ponte de 400 m de vão, encarei uma subida de cinco quilômetros intervalada por uma descida de um quilômetro.

O Sol começou a brilhar forte. A temperatura subiu. Do Trevo de Lavrinhas até Cachoeira Paulista, onde o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) tem uma estação rastreadora por satélite, conhecida pela sigla LUT, são 22 quilômetros. 

Parei sob o viaduto de acesso à cidade, comi uma barra de cereal e renovei o protetor solar. Parecia um dia de verão. Havia pedalado 64 quilômetros desde a saída de Resende (RJ). Pontualmente meio-dia.

De Cachoeira Paulista (SP) a Guaratinguetá (SP) foram 26 quilômetros, pedalados ininterruptamente até o Posto Aparecida, cheio de ônibus com romeiros a caminho do Santuário Nacional. Vestiam camisas com a identificação da congregação religiosa a qual pertencem, bem como a cidade de origem. Faltavam 61 quilômetros para Caçapava (SP). Pretendia fazer o restante da jornada daquele dia (61 km) em 3 horas, chegando ao meu destino, pontualmente, às 17h.

Saí do Posto Aparecida, em Guaratinguetá (SP), às 14h. Logo o Santuário Nacional de Aparecida passou a minha direita. Abandonei a Dutra e acessei a BR-488, a menor rodovia federal do País, com diminutos 5,9 km de extensão,  chegando ao estacionamento da Basílica Nova. Deixei a bike presa a uma árvore e entrei no imponente santuário. Algumas fotos e logo estava de volta à Dutra. 

Começou um trecho absolutamente plano, que se estende até Caçapava (SP) e passa por Roseiras (SP), Pindamonhangaba (SP), Taubaté (SP) e, mais nove quilômetros, Caçapava (SP). Eram 17h 30 e o tempo começou a mudar.

Praça de Pedágio Itatiaia (RJ). Foto: Fernando Mendes.

Santuário Nacional de Aparecida (SP). Foto: Fernando Mendes.


Santuário Nacional de Aparecida (SP). Foto: Fernando Mendes.

Santuário Nacional de Aparecida (SP). Foto: Fernando Mendes.


Santuário Nacional de Aparecida (SP). Foto: Fernando Mendes.

Rapidamente o azul do céu foi tomado pelos altos-estratos, nuvens cinzas, que àvezes se mostra fina, ocasião em que o Sol pode ser visto de modo difuso, como se estivéssemos vendo-o através de um vidro opaco; em outras ocasiões, baixam de altitude - foi o caso daquele dia tornando-se mais espessas e impedindo a visão do Astro Rei.

O Plaza Dutra Hotel (km 128) apareceu em meu campo visual, imponente, no alto de um promontório, à esquerda, na Pista Sul (direção Rio). Atravessei a Dutra pela passarela e alcancei a recepção através da pista lateral (Av. Vereador Nogueira da Silva). O 1º andar corresponde ao 4º andar de um prédio residencial. Fiquei no 3 º piso, alto o suficiente para não ser incomodado pelo barulho da rodovia e curtir uma paisagem belíssima. Tencionava tirar fotos do pôr do Sol, mas isso não foi possível. Àquela altura o tempo estava encoberto e a noite havia chegado. A Serra da Mantiqueira, de frente para a janela do quarto, apresentava os pontos mais elevados cobertos pelos altos-estratos.

Depois do banho e do jantar, fiquei observando o movimento da Dutra, a estrada que não para. Mesmo à noite o movimento, embora menos intenso, é grande e contínuo. Os ônibus da Ponte Rodoviária Rio-São Paulo não param. Em ambas as direções eles trafegam sem cessar. E foi com a melodia do atrito contínuo dos pneus no asfalto que adormeci. Aquele som contínuo que ouvimos quando estamos viajando de ônibus. É um ótimo sonífero. O barulho da estrada passou a ser ouvido ao longe quando fechei os vidros e liguei o aparelho de ar condicionado. Nem parecia que a rodovia mais movimentada do Brasil estava a alguns andares abaixo de mim. 

Durante a madrugada, tudo ficou branco lá fora. 


3º Dia – 16/07/2002 – Caçapava (SP)  a Mogi das Cruzes (SP)  101 km.
 
Acordei às 6h. Abri as cortinas e, por trás do vidro da janela, não acreditei no que via. Forte nevoeiro desceu sobre o Vale do Paraíba, escondendo a Dutra. Depois de um dia quente e uma noite fria, o fenômeno é bastante comum. O ar quente sobre o asfalto resfriou-se rapidamente à noite e, quando amanheceu, uma densa neblina se formou.

Era 16 de Julho, 52º aniversário da tragédia de 1950 no Maracanã, quando o Brasil, precisando de um empate, perdeu a IV Copa do Mundo para o Uruguai (2 a 1).

Da janela do quarto era impossível avistar a rodovia, que estava três andares abaixo de mim. Apenas ouvia o som da estrada. Liguei a TV. O noticiário Bom Dia SP mostrava imagens da região. As informações não eram nada animadoras. “A Nova Dutra havia recomendado que os caminhões não trafegassem até a visibilidade, quase zero, melhorar”, falou o âncora do noticiário. A situação melhoraria quando o Sol passasse a brilhar forte, hipótese bastante remota naquela manhã nublada e enevoada. Desci para tomar café. Quando voltei ao quarto e abri a janela, o visual continuava o mesmo, ou seja, visibilidade quase zero. Começou o Bom Dia Brasil, mas nada foi falado a respeito do fechamento da Dutra em Caçapava (SP) e região. Resolvi obter informações de outra maneira. Tirei o walkman do alforje e sintonizei na FM Band Vale, 102,9 MHz. 

Essa rádio informa as condições do tempo e do tráfego na Dutra. “A visibilidade era de apenas 5 metros e, para evitar engavetamentos, os condutores, independente do porte do veículo e quantidade de rodas, deveriam parar, em segurança, nos postos à beira da estrada, aguardando a situação melhorar”, falou o locutor. Notícia nada animadora para quem, àquela hora, deveria estar pedalando. Permaneci deitado.

Acabou o Bom Dia Brasil. O nevoeiro permanecia. Parecia não ter pressa em dissipar-se. Eram 8h. Continuei com a TV ligada, agora zapeando os canais em busca de informações. Não logrei êxito. Ana Maria Braga e aquele papagaio ridículo em um canal, Pica-Pau em outro, Polishop em outra emissora. Comecei a ficar impaciente. E haja paciência.

Às 8h 20, voltei a espiar da janela a situação, mas a visibilidade para um ciclista ser avistado no acostamento parecia-me ainda bastante ruim. Sintonizei novamente a Band Vale e informações davam conta que o nevoeiro estava se dispersando e a visibilidade havia aumentado para 20 metros. Era pouco para mim. Somente às 10h 30 (estava acordado desde às 6h), as coisas começaram a melhorar.

Com a elevação da temperatura, a névoa se foi. Às 10h 45, com quase três horas de atraso, pude, finalmente, começar a viagem daquele terceiro dia. Não foi preciso muito esforço para concluir que jamais alcançaria a capital paulista (105 quilômetros à frente) com a luz natural. Alternei Mogi das Cruzes (SP) e desisti de passar pela capital paulista. É sempre bom ter um Plano B. Cortando por Mogi (SP), Suzano (SP) e Ribeirão Pires (SP), cheguei à Anchieta no dia seguinte. Talvez conseguisse tirar o atraso de um dia e voltar ao cronograma.

Decisão tomada, pernas acionando pedais. Passei por São José dos Campos (SP) às 11h 30 e Jacareí (SP), 1ª parada do dia, às 12h 20. Almocei no Frango Assado.

De volta à Dutra passei pelo acesso a Campinas (SP-65, a Rodovia D. Pedro I), atravessei a praça de pedágio de Jacareí (SP) e mais 10 quilômetros, abandonei a Dutra (saída 178), ingressando na Rodovia Ayrton (SP-70), uma maravilha de estrada, com duas faixas de rolamento de cada lado. Por ela (SP-70) não passam caminhões. Eram 14h.

Pedalei por 15 quilômetros até alcançar o acesso a Mogi das Cruzes (SP), feito pela SP-68, a Rodovia Pedro Eroles. Faltavam 30 quilômetros, os mais difíceis daquele dia, pois foi preciso subir a Serra do Itapeti. Oito quilômetros de subida moderada, com trânsito intenso nas três faixas de rolamento. Quando cheguei ao alto da serra, Mogi (SP) apareceu lá em baixo, com cara de cidade grande, mas não imaginava ser tão grande. Eram 16h 50. Em um posto de abastecimento disseram-me que no centro, perto da Estação Ferroviária, eu encontraria hotéis. Hospedei-me no Lisboa, com diária de RS 20,00, incluindo o café da manhã.

Mogi das Cruzes (SP) tem uma grande quantidade de farmácias e lojas de RS 1,99. Ninguém soube me dizer o porquê disso. No entanto, mesmo estando no centro, foi difícil encontrar um supermercado e um orelhão que funcionasse. Jantei e cama. Mas antes foi preciso fazer uns ajustes no cronograma da viagem. O atraso daquele dia obrigou-me a mudar os roteiros das etapas seguintes. Decidi que, no dia seguinte, dormiria no Guarujá (SP).

4º Dia – 17/07/2002 – Mogi das Cruzes (SP) ao Guarujá (SP)  118 km.

Acordei às 7 horas e, como de hábito, liguei a TV para assistir ao jornal local. O tempo estava esplêndido. Céu claro com pouca nebulosidade. A temperatura era de 10ºC. Enquanto arrumava as tralhas ouvi a previsão do tempo: “tempo bom com possibilidade de céu encoberto na metade do dia e previsão de chuviscos no litoral” falou o apresentador do noticiário.

Tomei café, dei linha na pipa e deixei Mogi das Cruzes (SP) para trás. O caminho era bem simples. Seguir até Suzano (SP), depois Ribeirão Pires (SP), para ingressar na Via Anchieta, a rodovia SP-150.

A saída de Mogi foi muito tumultuada. Trânsito nervoso e frenético. Rumei por uma rua paralela à linha do trem e, na passagem de nível com cancela, dobrei à esquerda para ingressar em uma avenida larga, muito movimentada. Pedalei por 10 quilômetros. Parei e perguntei a uma senhora que esperava condução no ponto de ônibus. “A senhora sabe quanto tempo para eu chegar a Suzano?” E qual não foi a minha surpresa quando ela respondeu-me “o senhor está em Suzano”.

Foto: Fernando Mendes.

Foto: Fernando Mendes.

O crescimento urbano daqueles municípios da Grande São Paulo provocou um fenômeno que a Geografia classifica como conurbação, a união de municípios por meio do crescimento. Em outras palavras, Mogi e Suzano parecem uma cidade. Cresceram e uniram-se. Difícil saber onde um município termina e o outro começa, a menos que uma placa informe a divisa entre eles. Se essa placa existe, eu não a vi.

No centro de Suzano (SP) contornei um trevo e ingressei na SP-38, a Rodovia Índio Tibiriçá, que liga Suzano (SP) a Ribeirão Pires (SP). São 45 quilômetros atravessando uma área muito pobre com vários distritos sob a jurisdição de Suzano: Jardim Paulista, Jardim Pompéia, Vila Edison, Jardim Novo Suzano, Vila Ipelândia – que me pareceu o mais miserável de todos -, São João das Palmeiras e Jardim Emília.

Lugares muito pobres semelhantes a Bangladesh. Casas sem acabamento e com os tijolos à mostra se misturam aos barracos dos mais variados tamanhos. Nas ruas, sem asfalto e meios-fios, a meninada empinava pipas, aproveitando o recesso escolar do meio do ano.

Cachorros perambulam pela estrada e montanhas de lixo crescem por todos os lados. Tudo isso, por mais paradoxal que possa parecer, está no estado mais desenvolvido do Brasil. Assim é parte da região metropolitana de SP, a maior do País. São 39 municípios que se uniram e formaram a maior área conurbada da nação. 

Continuei seguindo pela Rodovia Índio Tibiriçá, vendo miséria em ambos os lados da estrada, nas localidades de Ouro Fino Paulista, Jardim Aimoré, Jardim Santana, Vila Albertina, Vila Lopes e Vila Marquesa. A partir desses bairros, vêm áreas de fazendas, com alguns haras, chácaras e partes da Represa Billiings.

Eram 13 h 27. Saí da SP-38 e contornei a alça de acesso à rodovia SP-150, a famosa Via Anchieta (*)

Anchieta

Via Anchieta. Foto color [s.d] disponível em: https://diariodotransporte.com.br/2015/02/18/historia-da-rodovia-anchieta-e-os-icones-dos-transportes/. 

Acesso: 31/07/2002.

(*) Em 1929, a Câmara dos Deputados de São Paulo (atual Assembleia Legislativa) concedeu a Luiz Romero Sanson e D. L. Derrom o direito de construir de uma estrada, ligando a Capital a Santos, como empreendimento privado. A crise daquele ano interrompeu os entendimentos para obtenção de financiamentos e os contratos foram por água abaixo. 

Em 1934, foi autorizada a construção e em tiveram inícios os trabalhos da ligação Capital – Baixada Santista. Na época, os altos padrões técnicos usados geraram problemas, a ponto de as autoridades do Estado Novo terem considerado a obra desnecessária e de custos elevados. 

A Segunda Guerra Mundial também prejudicou o andamento dos trabalhos na Via Anchieta que, ao longo da década de 40 (1941-1950), havia concluído a terraplanagem dos primeiros 10 km, do total de 56 km. 

Em abril de 1947, foi inaugurada a pista ascendente; a descendente em 1953, trazendo mais movimento, com o crescimento do Porto de Santos e da Baixada Santista. Com 58 viadutos, 18 pontes e cinco túneis, a Via Anchieta passou a constituir-se um dos mais importantes corredores de exportação. 

Disponível em: https://diariodotransporte.com.br/2015/02/18/historia-da-rodovia-anchieta-e-os-icones-dos-transportes/. Acesso: 31/07/2002.


O tempo, conforme a previsão informou, começou a mudar. Estratos-cúmulos se formaram, dando a impressão de que choveria. Ainda bem que ficou na ameaça. Passei pelo pedágio e continuei por uma longa reta, que leva à descida da Serra do Mar, momento bastante esperado daquela quarta-feira.

A pista da Imigrantes (SP-160) estava com o trânsito fluindo do litoral para o interior; a Anchieta (SP-150) operava na direção inversa. O trecho serra a baixo foi a maior adrenalina. Passei por dois túneis, bem iluminados, e com um reduzido acostamento. Como os caminhões seguem muito vagarosamente pela faixa da direita, coloquei-me a uma distância de segurança da traseira deles, sendo escoltado até lá em baixo, na Baixada Santista.

A descida foi rápida. Cubatão (SP), na Baixada Santista, logo apareceu entre a fumaça da poluição das inúmeras indústrias que ali se localizam.

O relógio do cateye da bicicleta marcava 16 h. Abandonei a Anchieta e ingressei na SP-55 (Piaçaguera-Guarujá). Faltavam 30 quilômetros. Parei em frente a uma barraca. Belíssimas bananas ouro estavam expostas. Comi algumas e fui. Aos poucos, casas e estabelecimentos comerciais apareceram em ambos os lados da estrada. Atravessei a grande ponte sobre o Canal de Piaçaguera, logo depois passei pela Base Aérea e cheguei a Vicente de Carvalho, distrito de Guarujá que, a julgar pelo tamanho, logo deverá ser emancipado.

Às 17 h estava pedalando pelas ruas que dão acesso ao centro. Pedi informações a um policial: “os hotéis estão na direção das praias”, falou-me o soldado. Não foi difícil encontrar hospedagem. O Guarujá Hotel fica a quatro quadras da praia das Pitangueiras. 

É simples e confortável. Diária a R$ 20,00 c/ café da manhã e lugar para guardar a bicicleta. Subir escada com a bicicleta carregada de bagagem (ou não) é muito ruim.

Havia ameaça de chuva, principalmente porque ventava forte. À noite, ao sair, passei por um restaurante self-service de massas. Era tudo que eu precisava. Detonei três pratos. Pela ordem: lasanha, canelone e nhoque. Difícil dizer qual deles estava mais gostoso.

Depois fui à praia para uma voltinha. Ventava horrores e a temperatura era de 16ºC. Achei melhor voltar ao hotel e me entregar à moleza da química digestiva. Dormi cedo. Não consegui ler um parágrafo do Eduardo Bueno, a Viagem do Descobrimento.

Acordei no meio da madrugada com o barulho da chuva na janela. Retirei um cobertor do armário, me enrolei e voltei aos braços de Morfeu, o deus grego dos sonhos, um dos mil filhos de Hipno, o deus do sono.

5º Dia – 18/07/2002 – Guarujá (SP) a Bertioga (SP)  32 km.

Despertei às 8 h. A chuva havia diminuído de intensidade, mas não parou. Fiquei deitado e esperançoso de o tempo melhorar. Infelizmente isso não aconteceu. Olhei pela janela e vi os pingos bailando ao sabor do vento. O dia estava perdido, pelo menos para pedalar. 

Após o café da manhã, caminhei até o Acqua Mundo, maior aquário da América do Sul, com 49 recintos, que abrigam mais de 170 espécies diferentes, expondo mais de 5 mil exemplares, entre tubarões, pinguins de Magalhães - não vivem no extremo frio -, cavalos-marinhos, pirarucu, pacu, tambaquis e muitos outros habitantes dos mares e dos rios. São 1.446.560 litros de água, abrangendo 5.775 m². Foi um passeio muito proveitoso. Nunca havia visto pinguins ao vivo e aprendi que a Orca, diferentemente do que muitos dizem, não é baleia e muito menos assassina. É um cetáceo dentado, igual aos golfinhos. É prima deles.

Voltei ao hotel na hora do almoço. O tempo dava sinais de que iria melhorar. Era possível ver pedaços do azul do céu entre grossas nuvens. Naquela 5ª feira estava previsto fazer Guarujá (SP) - São Sebastião (SP), desde que eu tivesse saído cedo. Mas a chuva impossibilitou-me. Resolvi seguir, quem sabe, até Maresias (SP) e se o tempo piorasse durante o trajeto eu tinha como alternados Juréia (SP) ou Ponta do Una (SP). Arrisquei.

Almocei, arrumei tudo e comecei a pedalar pelas Praias das Pitangueiras e Enseada. Quando a orla terminou, dobrei à esquerda, na esquina do restaurante Rufino´s, e peguei a proa de Bertioga (SP), pela Rodovia Ariovaldo de Almeida Viana. Eram 13 h. Às 14 h cheguei à balsa, que me levou, através do Canal de Bertioga, até a cidade de mesmo nome.

Quando saí da embarcação, senti a bike pesada e a traseira sambando. Pneu furado. Voltou a chover. Haja paciência. Fui à borracharia anexa ao posto BR, que fica em frente à Estação de Embarque, desmontei a roda, retirei a câmara furada e o borracheiro fez o resto.

Em 1531, Martim Afonso de Souza recolheu as velas de suas naus em frente às águas de Buriquioca, nome derivado do Tupi com o significado de "Morada do Macaco". Iniciou-se, então, em meio a índios e desbravadores, o surgimento do local que conhecemos hoje como Bertioga. Foi erguida uma paliçada (espécie de trincheira) originando o "Forte São João", em 1547. 

Disponível em: <https://d.costanorte.com.br/bertioga-especial/35615/bertioga-onde-tudo-comecou. Acesso: 31/07/2002.


O jeito foi hospedar-me em Bertioga (SP) e torcer, para que no dia seguinte, o tempo melhorasse. Hipótese bastante improvável. As partes mais elevadas da Serra do Mar estavam encobertas pela neblina e isso, segundo os entendidos, queria dizer tempo ruim para os próximos dias. “Uma frente fria vinda da Argentina havia chegado ao litoral das regiões Sul e Sudeste. Chovia do Chuí (RS) ao Rio Grande do Norte”, falou a repórter da TV Record no noticiário local. Era semana de Lua em quarto crescente. Alguma relação?

À noite, quando fui à procura de um estabelecimento para jantar, constatei como Bertioga (SP), diferentemente do verão, quando a cidade parece ser pequena para tanta gente, estava vazia. Ventava moderadamente e as sombras das amendoeiras, que têm as copas abaixo dos postes de iluminação pública, bailavam pelo chão das ruas desertas. A maioria das casas à beira-mar estava fechada. Caminhei bastante até encontrar um restaurante. Na volta para o hotel, começou a garoar. Fui dormir descrente de melhoras no tempo. 590 quilômetros pedalados. Faltavam 575 quilômetros.

6º Dia – 19/07/2002 – Bertioga (SP) a São Sebastião (SP)  108 km.

Despertei com uma sinfonia de bem-te-vis, que significa amanhecer com Sol. Eram 7h. Ao abrir a janela fui ofuscado pela claridade. Arrumei os meus cacarecos e fui à padaria para o café da manhã. O dia estava esplêndido.

Tirei algumas fotos do Forte São João, localizado no Canal de Bertioga, e retomei a viagem. Percorri toda a orla pela Av. Tomé de Souza. Ao final, dobrei à esquerda, na Av. Dezenove de Maio e, ao final, virei à direita, ingressando na Rio-Santos, que a partir de Bertioga (SP), é paralela ao Oceano Atlântico.

Até Camburí (SP) a estrada é plana por 70 quilômetros, continuação da Baixada Santista. Depois, até chegar a São Sebastião (SP), são 40 quilômetros muito acidentados, farto de subidas e descidas fortes.

Viajei com o mar à minha direita, sem perdê-lo de vista. Vi belíssimas paisagens ao passar pelas praias de Boracéia, Juréia, Barra do Una, Juquehy, Barra do Sahy, Praia da Baleia, Camburí e Boiçucanga. Nesta última fiz uma parada. Eram 12 h 30. 

A partir daquele ponto, a Baixada Santista é “espremida” entre a serra e o mar e, ao terminar, me vi diante de uma muralha, a Serra do Boiçucanga, um aclive de quatro quilômetros. E que aclive. As curvas, quase todas, em ângulo de 180º. A Mata Atlântica se fecha sobre a rodovia. O canto da passarada e o cheiro de mato tornaram aquele trecho, embora penoso, um dos mais bonitos da Rio-Santos.

Ao atingir o ponto mais alto (400 metros de ascensão em 3 km), curva em 180º à direita e uma vista deslumbrante da praia de Maresias (SP), lá em baixo. Parada para fotos e contemplação do lugar.

Disponível em: http://www.correforte.com.br/revezamento-bertioga-maresias-trecho-8/. Acesso: 31/07/2002.

Praia de Maresias vista do alto da Serra Boiçucanga. Foto: Fernando Mendes.

A descida é muito forte e com sucessivas curvas em “S”. Ao final, a estrada é paralela à praia de Maresias (SP).

Eram 14 h 10. Fazia calor e havia muitos banhistas aproveitando um “dia de verão”, em pleno inverno. Era hora do almoço. Degustei delicioso prato comercial. Voltei à estrada. Próxima praia após Maresias: Paúba, de areia clara e em forma de ferradura. É pequena.

O povoado, homônimo da praia, têm muitas casas de veraneio e empórios em ambos os lados da estrada.

Logo depois, Praia de Santiago, que preserva o ar agreste e nativo nos seus 400 metros de areia por esconder suas casas atrás dos abricozeiros nativos que circundam a orla.

A visão do mar em Santiago é belíssima. As Ilhas de Toque-Toque, Montão de Trigo e Alcatrazes ficam próximas à praia.

As últimas praias antes de São Sebastião (SP) são: Toque-Toque Pequeno, Toque Toque Grande, Guaecá, praia cheia de mistérios e lendas, e Baraqueçaba.  

Na Ponta Norte, rampa para decolagem de Asas Delta; Canto Sul os turistas se concentram em maior número. O Riacho e a Gruta-do-Bicho onde, segundo a lenda, morava a serpente gigante devoradora de barcos são outros atrativos da bela Guaecá. Em Baraqueçaba o mar é calmo e a Mata Atlântica chega à areia da praia.

São seis quilômetros de orla com belezas naturais e um curioso espetáculo em noites claras, quando suas areias deixam rastros luminosos ao serem pisadas.

Às 17 h cheguei à Pousada das Conchas, em São Sebastião (SP). Fui o único hóspede daquela 6ª feira, 19 de julho. À noite caminhei até o centro para jantar e sacar dinheiro no BB.

Estava encerrado o sexto dia de viagem, no qual vi belíssimas praias do Litoral Norte de São Paulo. Outro espetáculo foi a subida/descida da Serra de Boiçucanga, que me levou à Praia de Maresias (SP).

No dia seguinte, sábado 20/07/2002, fui conhecer Ilhabela (SP), a capital nacional da vela, município – arquipélago marinho brasileiro, emancipado em 1805. Levei a bike e deixei a bagagem na pousada.

7º Dia – 20/07/2002 Dia em Ilhabela (SP)  45 km.

Embarquei na Balsa das 10 h. Ventava muito, mas o Sol brilhava, deixando as águas do mar prateadas. A travessia, feita em embarcações da DERSA - a mesma Cia. que opera a travessia Guarujá – Bertioga - é feita em 15 minutos. Automóveis pagam. Pedestres, ciclistas e cachorros de rua (*) são isentos.



(*Os cães e animais soltos nas ruas são um dos mais graves problemas de Ilhabela. Eles espantam os turistas, ameaçam a saúde e a segurança de todos nós. Nossa cidade de 21 mil habitantes tem hoje cerca de 6 mil cães. Além daqueles que os turistas trazem para "passear" por aqui. A Organização Mundial de Saúde recomenda 1 cão para 14 habitantes, ou seja, Ilhabela não deveria ter mais de 1.500 cães. Mais grave: as florestas da Ilha abrigam morcegos hematófagos, que se alimentam de sangue e transmitem a Raiva. O excesso de cães aumenta o perigo de uma epidemia desastrosa para o turismo e para a saúde da nossa população. Leis municipais e estaduais proíbem a criação de animais soltos. Também proíbem terminantemente que sejam levados às praias e trilhas. Mas um grande número de proprietários de animais insiste no desrespeito à legislação, à comunidade e ao bom senso. 

Acesso: 31/07/2002.

Ao desembarcar em Ilhabela (SP), a capital nacional da vela, rumei para o norte.  A estrada, construída em uma falésia, proporciona vista belíssima do mar e, ao fundo, no continente, São Sebastião (SP). Havia uma regata. O colorido foi realçado pelas velas multicoloridas dos barcos.

Numa extensão de seis quilômetros, pedalei pelas praias de Perequê, do Itaguassu, do Itaquanduba, Engenho d´água, Pequeá, Saco da Capela, Saco Grande e Saco do Indaiá, onde almocei às 12h. Ilhabela (SP) tem trânsito intenso de veículos. As calçadas nem sempre oferecem segurança. O lado norte, onde as ruas ficam ao nível do mar e repletas de amendoeiras, lembra muito a Ilha de Paquetá (RJ). É grande a quantidade de restaurantes e pousadas.

Como a ilha tem um relevo muito montanhoso, rapidamente os picos ficaram cobertos por nuvens densas e baixas. Avizinhava-se um temporal. Apressei-me no retorno à estação da balsa. Embarquei às 17h e cheguei à Pousada das Conchas junto com a chuva.

Retirei as roupas da corda e deixei tudo arrumado para o dia seguinte, cujo destino era Ubatuba (SP). Naquele sábado adormeci cedo. Foi um dia proveitoso.

ILHABELA (SP), com área de 348 km², é um dos poucos municípios – arquipélago marinho brasileiro e está localizado no litoral norte do Estado de São Paulo, na microrregião de Caraguatatuba (SP). Banhada pelo Atlântico e situada ao sul do Trópico de Capricórnio, que passa pela vizinha Ubatuba (SP).

 É formada pelas Ilhas da Vitória, Dos Búzios a de São Sebastião e ainda pequenas ilhas como a dos Pescadores, das Cabras, da Semítica, da Figueira, da Serraria, dos Castelhanos, da Lagoa e das Anchovas.


Ilha mapa color [s.d] disponível em: https://bigviagem.com/ilha-bela-turismo-e-ferias/>. Acesso: 31/07/2002.

 A população estimada, segundo o Censo 2000 do IBGE, era de 28.176 mil habitantes. Possui uma das mais acidentadas paisagens da região costeira brasileira, com todas as características de relevo jovem. Com o aspecto geral de um conjunto montanhoso – formado pelo Maciço de São Sebastião e Maciço da Serraria, além da acidentada Península do Boi –, a Ilha de São Sebastião se destaca como um dos acidentes geográficos mais elevados e salientes do litoral paulista, tendo como pontos culminantes o Pico de São Sebastião, com 1379 metros de altitude; o Morro do Papagaio, com 1307 metros; e o Morro da Serraria, com 1285 metros.

CAIRU (BA) é outro município – arquipélago marinho do Brasil. Localizado na Bahia, ao sul de Valença (BA) e a quase 300 quilômetros de Salvador, é o único município-arquipélago daquele Estado. São 36 ilhas cheias de riquezas naturais, históricas e culturais.

Disponível em: < https://www.ilhabela.com.br/ilhabela/>. 

Acesso: 31/07/2002.



8º Dia – 21/07/2002 – São Sebastião (SP) a Ubatuba (SP)  81 km.


Fazia uma semana que estava viajando. Havia pedalado 743 quilômetros. Faltava uma semana para o término do passeio. Naquele domingo pretendia assistir ao jogo do Fluminense com o Palmeiras, pela Copa dos Campeões, em Ubatuba (SP).

Embora o trajeto São Sebastião (SP) a Ubatuba (SP) fosse curto, com apenas 81 quilômetros, saí cedo. Eram 8 h 43 quando deixei a pousada e ingressei na avenida principal da cidade de São Sebastião. Passei pelo Terminal Marítimo da Petrobrás e rumei na direção de Caraguatatuba (SP), 27 quilômetros à frente. Passei pelas praias de Porto Grande, Deserta, Pontal da Cruz, Arrastão, Olaria, Cigarras, Enseada e São Francisco, onde existe um núcleo de artesanato caiçara e abriga o Convento de Nossa Senhora do Amparo, datado do século XVII.

Ao longo desse trecho pedalei por uma grande reta. Ao passar pelo perímetro urbano de todas essas praias, o trânsito é confuso, com ciclistas pela contramão, pedestres desatentos, motoristas fazendo baianadas e intenso fluxo de ônibus urbanos.
Foto: Fernando Mendes.

Às 9 h 43 cruzei a divisa dos municípios São Sebastião e Caraguatatuba e às 10 h 21 atravessei o centro de Caraguá, como é chamada, percorrendo toda a orla pela ciclovia. A cidade, que muitos dizem não ter nada de interessante, teve a orla reativada e urbanizada. Ubatuba (SP) a 54 quilômetros.

Passei pelas praias de Martin Sá e Tabatinga. Depois a Rio-Santos distancia-se do mar. Voltei a ver o Atlântico na Ponta do Espia e, às 13h 30, cheguei a Ubatuba (SP).

Foi um dia de pedaladas rápidas. Hospedei-me no Hotel Monteiro, Rua Benedito Cunha Bueno 102 – Centro, bairro do Itaguá.  Almocei e entreguei-me à morgação. Enquanto dormia, o Palmeiras levava a melhor. Ganhou por 1 a 0. Não perdi nada, além de ter dormido bastante.

À noite fui dar uma volta pela avenida principal do Itaguá (Rua Leovegil Dias Vieira), paralela ao mar, bem iluminada e com grande movimento nos quiosques, bares e restaurantes.

A praia está localizada no centro nobre de Ubatuba.

Jantei delicioso filé de pescada com fartos acompanhamentos. Café expresso como saideira e retornei ao hotel.

Marco Trópico de Capricórnio em Ubatuba (SP). Foto: Fernando Mendes.

Na praia de Itaguá está o local no qual passa o Trópico de Capricórnio. Itaguá é um dos mais ecléticos e movimentados “points” de Ubatuba, com atrações para todos os gostos e todas as idades.

Adormeci antes do primeiro intervalo do Fantástico. Faltavam três dias para a Lua Cheia.


9º Dia – 22/07/2002 – Ubatuba (SP) a Paraty (RJ)  77 km.



Quando saí de Ubatuba, às 9 h da matina, pensei que, se fosse um dia de trabalho, àquela hora eu estaria iniciando o 3º tempo de aula na escola na qual leciono em Brasília. Mas felizmente o recesso do meio do ano permitiu-me fazer essa maravilhosa viagem de bicicleta. É fundamental que algo seja feito para refrescar a cabeça da dureza do dia a dia. Viajar, independente do lugar aonde se vai ou do meio de transporte que se utilize para tal, é um bálsamo para os olhos e para a alma. Ao mudarmos de ambiente, tudo muda.

Fazia uma semana que eu estava viajando e parecia que havia mais tempo. O fato de estar, a cada dia, em um lugar diferente, me dava a impressão de que o tempo caminhava lentamente, permitindo que o proveito fosse maior.

Parei em um quiosque do Banco 24 horas, saquei uns reais e continuei em direção à saída de Ubatuba (SP). Alcancei a Rio-Santos no trevo de acesso a Taubaté (SP). A partir dali a jurisdição da rodovia deixou de ser estadual (SP-55) e passou a ser federal (BR-101). Quanto à conservação, a Rio-Santos, no Estado de SP, está em boas condições de uso.

Ao retomar as pedaladas, o Atlântico voltou a aparecer à minha direita. Praias desertas, com areia clara e ondas que quebram preguiçosamente, foram aparecendo a cada quilômetro. Naquele trecho, Ubatuba a Paraty, a estrada foi assentada na encosta da Serra do Mar. O traçado tem predomínio de aclives e declives, intervalados por sequência de praias.

Do alto da falésia, na qual a rodovia foi construída, fui avistando praias e mais praias. Difícil dizer qual a mais bela. Vermelha do Norte, Itamambuca, do Félix, do Prumirim, homônima à ilha em frente, da Justa, Ubatumirim, da Almada, do Engenho, Brava, das Conchas, da Fazenda, Picinguaba e Camburi, a última antes da divisa SP/RJ, alcançada às 12h 43.

A Cachoeira da Escada é a divisa natural entre os dois estados. Do alto da Serra do Mar, despenca um considerável volume de água proporcionado, além do visual, um gostoso banho para quem desejar. Existe um pequeno bar no qual havia alguns viajantes curtindo o lugar. Uma hora após cruzar a divisa SP/RJ, a Igreja de Santa Rita foi avistada da BR-101, de uma reta paralela à Baía de Paraty, em ângulo maravilhoso para fotos da cidade. Eram 13 h 52.

Foto: Fernando Mendes.

Na Rua da Lapa, no Centro Histórico, hospedei-me na Pousada do Careca. Deixei as coisas no quarto e parti para o almoço. Degustei filé de pescada com pirão e café expresso, indispensável depois de uma refeição. 

Saí com a câmera e passei o resto daquela tarde/noite caminhando pelo Centro Histórico, que tem as ruas com calçamento pé-de-moleque e casas em estilo colonial.

Às 18 h, os alto-falantes da Igreja Matriz Nossa Senhora dos Remédios, anunciam a hora do Ângelus e a melodia Ave-Maria ecoou por toda Paraty, me fazendo parar e contemplar o final de tarde com céu avermelhado e a Lua, quase cheia, erguendo-se no leste para testemunhar aquele momento tão especial.

Agradeci pela viagem e pela saúde que tenho, permitindo-me realizar essas proezas, quando muitas pessoas, mesmo querendo, não podem fazer o mesmo.

Enquanto jantava, decidi não seguir para Angra (RJ) no dia seguinte. Fiquei para conhecer as praias de Paraty-Mirim e Trindade, a subida da serra para Cunha (SP), na RJ-165, onde está a Cachoeira do Tobogã e a Igreja da Penha.


10º Dia – 23/07/2002 – Passeios em Paraty (RJ)  45 km.


Depois do café na pousada, segui pela Av. Roberto Silveira em direção à saída de Paraty. No entroncamento com a BR-101 tem um trevo. Para a direita, Rio, para a esquerda, Santos e, em frente, o acesso à rodovia RJ - 165, que liga Paraty (RJ) a Cunha (SP).  É uma estrada belíssima. Os primeiros quilômetros são planos e em ciclovia. A partir da ponte sobre o Perequê-Açu, o traçado empina para cima. É o início da subida da Serra do Mar. Pedalei por 10 inclinadíssimos quilômetros, com curvas fechadas até o Povoado Penha, onde a igreja foi construída sobre uma rocha.

Cachoeira do Tobogã. Foto: Fernando Mendes.

Saí da rodovia e, por um caminho de terra, cheguei à Cachoeira do Tobogã. É um monólito, enorme pedra muito lisa e cheia de limo para sentar, escorregar e cair dentro de um largo poço com águas cristalinas. Como sou medroso para essas façanhas, fiquei olhando os que têm coragem. Essa cachoeira está no Parque Nacional da Serra da Bocaina, com a Mata Atlântica muito fechada e preservada. O rio é o Perequê-Açu, que nasce no alto da serra e deságua nas praias de Paraty. O canto da passarada e a macacada que pula de galho em galho é uma atração à parte. Como não sou experto em macacos, não consegui identificar as espécies que habitam aquelas bandas.

Auxiliado por um guia local, percorri parte da Trilha do Ouro. Naquele trecho de serra, ela foi calçada com pedras retiradas do solo da Mata Atlântica, dinamitadas e encaixadas como um jogo de quebra-cabeça. Serviam para aumentar a tração nas patas das mulas que vinham de Minas Gerais carregando alforjes contendo 10 arrobas de ouro (150 kg); escravos carregavam nas costas três arrobas de ouro (45 kg).

Na direção contrária (Paraty – Ouro Preto – Diamantina), os animais subiam a serra levando móveis e utensílios daqueles que se aventuraram na busca por precioso metal. Fiquei imaginando a dificuldade para as mulas carregadas vencerem o trecho da Serra do Mar. Se o ouro descia pela trilha, outras coisas subiam pela mesma trilha. Aventureiros e famílias, vindas de várias partes, se mudaram para o Brasil. Camas, armários, fogões e até piano de cauda subiram no lombo de mulas e nas costas dos escravos através de 618 quilômetros. É difícil de imaginar essa cena, mas aconteceu.

Terminada a visita à Trilha do Ouro, desci a RJ - 165 até o entroncamento com a Rio-Santos e dobrei à direita, tomando a direção de Santos (SP). Pedalei por 9,6 quilômetros e cheguei à entrada da Praia de Paraty-Mirim, no marco “km 593” da rodovia Rio-Santos.  Abandonei-a e, por uma estrada de terra acidentada e esburacada, pedalei devagar e venci os 7,6 quilômetros em menos de uma hora. Assim, cheguei a Paraty-Mirim, lugar paradisíaco. A praia fica numa enseada. O mar estava prateado por causa do sol forte. A areia é de uma brancura que não se vê mais em Ipanema, Leblon ou Copacabana. A água tem tons verdes na superfície e azulados no fundo. É muito transparente. O mar é calmo, com minúsculas ondas. O rio Paraty-Mirim tem águas cristalinas. Deságua na parte oeste, vindo de um mangue preservadíssimo, bem diferente daqueles que existem na Baía da Guanabara. Havia poucas pessoas no lugar.

Próximo à foz do rio Paraty-Mirim está a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, uma construção térrea, de linhas simples e fachada voltada para o mar. Possui apenas um altar, dedicado a Nossa Senhora da Conceição. Não há torre e o espaço para o sino, que está desaparecido, é na lateral externa da igreja, apoiado em uma laje encravada na parede. Na ponta leste, alguns barcos de pesca ancorados dão o tom para a pintura de um quadro. Algumas amendoeiras produzem sombra o dia todo para quem quiser abrir uma rede e ficar ali dormitando e curtindo o pequeno paraíso. A orla da Praia de Paraty Mirim tem 760 metros de extensão. Daí a denominação “Mirim”.

Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Fernando Mendes.

A vila de Parati-Mirim era uma alternativa ao Porto de Paraty para o escoamento do ouro e outras transações comerciais. Durante o ciclo do café, era também ponto de desembarque de escravos, muitas vezes ilegais, para as lavouras paulistas. Ali havia ainda muitos engenhos e fazendas de cana de açúcar. A partir do século XIX, o lugarejo entrou em decadência.

Deste passado, restam a Igreja de Nossa Senhora da Conceição e as ruínas de outras edificações que faziam parte da casa e do engenho da Fazenda Parati-Mirim. Situada num lugar de grande beleza natural, onde a Mata Atlântica circunda as praias, toda a área da vila é protegida pelo Parque Estadual de Paraty-Mirim pela APA (Área de Proteção Ambiental) do Cairuçu e pela Reserva Ecológica de Juatinga.  

Almocei sob amendoeiras PF de qualidade, com arroz, feijão, frango e salada. Coca-Cola para arrematar, algumas fotos e um delicioso banho de mar. O meu dia estava ganho. Deixei Paraty-Mirim quando o Sol escorria para o horizonte.  Cheguei a Paraty na boca da noite, a tempo de fotografar, do terraço da pousada, a Lua Cheia erguendo-se entre duas palmeiras.

Depois do JN, fui ao Centro Histórico jantar, café expresso, após a degustação de delicioso filé de pescada, caminhada e fotos noturnas. Adormeci com as imagens daquele dia. Todas devidamente fotografadas.

 Praia do Caxadaço. Foto: Fernando Mendes.
 Praia do Caxadaço. Foto: Fernando Mendes.
 Praia do Caxadaço. Foto: Fernando Mendes.
Praia do Caxadaço. Foto: Fernando Mendes.


11º Dia – 24/07/2002 – Paraty (RJ) a Angra dos Reis (RJ)  95 km.

A saída de Paraty foi cedo, às 8h. Não podia perder muito tempo. Era necessário percorrer 100 quilômetros até Angra dos Reis (RJ). Às 15h 30 a Barca para Ilha Grande zarpava. Perdê-la, nem pensar.

Tratei de pedalar forte e manter o ritmo. O trecho têm muitas retas e poucos aclives. Foi uma viagem rápida. Às 13h cheguei a Angra dos Reis (RJ).  Fiz o trajeto em cinco horas, mantendo média horária de 20 km/h.

Como faltavam 2 horas e meia para o embarque à Ilha Grande, aproveitei para ir ao BB pegar dinheiro e almoçar com tranquilidade.

Às 15h embarquei na velha Brisamar, embarcação de monocasco, com capacidade para até 2.000 passageiros e operada pela CCR Barcas.

 À medida que o horário da partida aproximava-se, mais gente ia chegando e com elas os ambulantes, que entram na embarcação e tentam vender de tudo: água mineral, refrigerantes, biscoito “Grobo”, cigarros, bonés, picolés, dim-dim etc. 

O interior mais parece um convescote. Crianças correm para não perder a janelinha, cachorros são amarrados na parte traseira, turistas disputando o melhor lugar para fotos durante o percurso e nativos embarcando com muitos víveres para abastecer as pousadas e o comércio da Ilha.

A Brisamar tem capacidade para 500 passageiros e possui 520 coletes salva-vidas. Li sobre a embarcação em um painel localizado na popa. Foi lá que a bicicleta, por determinação da empresa, teve que viajar. 

“É proibido viajar na proa” diz uma placa em letras grandes, mas o marinheiro responsável pela cabine de passageiros deixou-me ir até lá para umas fotos e depois voltei ao meu lugar.

Às 15h 30 a Brisamar apitou e zarpou rumo à Ilha Grande. Ipaum (Ilha) Guaçu (Grande). Era assim que os índios Tamoios e Tupinambás, primitivos habitantes, chamavam esses 193 km de circunferência e de beleza com 106 praias, cachoeiras e montanhas; 20 vezes maior que a ilha de Fernando de Noronha (PE). Começava a parte mais cênica da viagem.

Às 17h 20 a Brisamar ancorou na Vila do Abraão. Um mar de gente esperava pela barca. Uns vieram buscar parentes, outros retornavam para o continente e funcionários de algumas pousadas – na Ilha não circulam automóveis – são enviados ao cais para trazer, em carrinhos personalizados, as bagagens dos hóspedes.

Comecei a procurar um canto para pernoitar. A julgar pelo movimento nas ruas, eu teria dificuldades para conseguir pouso. A Ilha pareceu-me lotada, como se fosse verão. Mas ficou na impressão. A Pousada Aconchego ofereceu pernoite por R$ 20,00 com café da manhã.

O ambiente cheirava a novo. TV em cores, ventilador no teto, frigobar e um ótimo café da manhã. No verão os preços dobram para hospedagens e alimentação. Nessa época [o verão], para comer uma pizza é preciso esperar muito nas longas filas. Ainda bem que era inverno e tudo estava muito calmo. 

12º Dia – 25/07/2002 – Passeios a pé pela Ilha Grande (RJ).

Acordei cedo, informei-me acerca da trilha para a Praia de Lopes Mendes e parti. Percorri toda a orla da Vila do Abraão, sempre na direção do nascente e, ao final da praia, ingressei por um caminho estreito morro acima. Foram dois quilômetros de subida e mais dois de descida.

No ponto mais alto avista-se toda a extensão da Vila, com a enseada repleta de barcos. O dia estava esplêndido. Céu azul, sem nuvens e contrastando com o mar esverdeado. O caminho é muito íngreme, com pedras e grossas e enormes raízes das árvores da Mata Atlântica que, expostas, formam mosaicos em alto relevo no solo úmido.

Para mim a trilha foi mais penosa do que para os demais porque levei a bicicleta, na esperança que seria possível ir pedalando. Ledo engano. Carreguei a bike nas costas. Quando a trilha terminou, cheguei à Praia Grande de Palmas, localizada em uma enseada em forma de U, 600 metros de extensão, areia clara, grossa e a água é esverdeada.

Deixei a bicicleta num restaurante e prossegui a pé. Ao final da Praia Grande de Palmas outra trilha, menos pedreira que a primeira, me levou à Praia dos Mangues, que possui um manguezal na extremidade norte.

Entre saveiros, escunas e traineiras ancorados, uma embarcação chamou-me à atenção. Tem matrícula do ICRJ (Iate Clube do RJ). Barco grande, não sei como se chama - de barcos entendo pouco – e com muitos pés de cumprimento. O proprietário dessa maravilha náutica, certamente, não deve ser daquelas pessoas preocupadas, quando o mês acaba, se vai ser possível ou não cobrir o cheque especial. 

Apenas o aluguel daquele colosso no ICRJ deve ser o meu salário mais as horas extras.

Como o tempo estava magnífico, imaginei o dono, ao acordar, decidiu: “hoje vou à Ilha Grande com o meu barquinho”. “Se não estiver do meu agrado, irei para Angra”. Vida dura.

Continuei caminhando pela Praia dos Mangues e, pouco antes do final, a última trilha para Lopes Mendes. Em menos de 10 minutos cheguei. 

A praia fica do lado leste da Ilha, oposto ao Abraão. Está em mar aberto e as ondas atraem muitos surfistas. Custei a acreditar no que os meus pavilhões oculares vislumbravam. É extensa, bastante diferente das outras praias da Ilha, sempre em forma de ferradura e com mar sem ondas.

A coloração da água é diferente de qualquer outra que tenha visto. A areia é finíssima e muito branca. Pareceu-me um daqueles lugares que nunca imaginamos que existe. Tomei um banho inesquecível. Fazia calor. Na ponta sul, pedras arredondadas pela ação abrasiva das vagas (ondas). Subi na mais alta e pude constatar a transparência da água. As pedras submersas são escurecidas, contrastando com as que estão emersas. Dezenas de surfistas deslizavam em ondas de 1 a 1,5 metros.

À medida que se formam, em consequência da transparência da água, avistei cardumes, das mais variadas cores, nadando paralelos à arrebentação.
Lopes Mendes é desses lugares que não dá vontade de ir embora. 

PRAIA DE LOPES MENDES. Foto: Fernando Mendes.

 PRAIA DE LOPES MENDES. Foto: Fernando Mendes.

 PRAIA DE LOPES MENDES. Foto: Fernando Mendes.

PRAIA DE LOPES MENDES. Foto: Fernando Mendes.

Fiquei umas três horas naquele paraíso repleto de coqueiros e ornamentado pela Mata Atlântica. Mas era preciso voltar. Estava ficando tarde e, além de almoçar, ainda tinha pela frente, na última parte da trilha, a bicicleta para carregar. Voltei ao bar da Praia Grande de Palmas, onde deixei a bike, almocei e dei linha na pipa, morro acima, com a bicicleta nas costas. A volta foi mais rápida do que a ida. Porque a volta é sempre mais rápida?

Às 16h 30 estava na Praia do Abraão. Com a maré cheia, não pude ir pedalando pela orla, como fizera pela manhã. Empurrei a bicicleta e, por vezes, as pequenas ondinhas molhavam as rodas.
À noite, enquanto esperava pelo PF no restaurante, li algumas coisas sobre a Ilha e decidi que, no dia seguinte, iria conhecer o Presídio ou Colônia Penal Cândido Mendes (*), localizada na Praia dos Dois Rios.

(*) O antigo presídio (Cândido Mendes) da praia de Dois Rios possibilitou uma exploração lenta e controlada do turismo na Ilha por várias décadas, mantendo-a muito preservada. Era comum, na época, ouvir notícia de presos que fugiam do presídio e procuravam embarcações fundeadas na Ilha, usando-as como transporte para a liberdade no continente.

Com a extinção do Cândido Mendes (1994) o número de turistas aumentou, e inúmeros empresários passaram a oferecer serviços e conforto aos exploradores, existindo hoje uma grande infraestrutura para atendimento aos turistas.

A preocupação deve ser de todos para que a ocupação turística desse paraíso seja feita com o máximo de cuidado e respeito com a natureza.

A Vila do Abraão é o principal núcleo urbano com várias opções de hospedagem, bares e lojas de artesanato. Caminhando pelas trilhas abertas na mata, chega-se a praias, cachoeiras, enseadas cor de esmeralda, monumentos históricos como o aqueduto e as ruínas do Lazareto  da Praia Preta.

 A praia mais conhecida é a de Lopes Mendes, a primeira virada para o mar aberto, no litoral sul da Ilha. Além de bela é uma das mais famosas e mais bonitas. Essa praia tem quase 3 quilômetros de extensão. Suas águas azuis e cristalinas impressionam. Não há construções, nem cais, nem vendedores, um lugar onde é possível encontrar o tão procurado sossego. Ainda no lado sul, fica a Reserva Biológica da Praia do Sul criada nos anos 70 (1971-1980) quando a Ilha foi transformada em Parque Estadual.

Por cerca de 90 anos a Praia de Dois Rios abrigou o Instituto Penal Cândido Mendes, conhecido como o Presídio da Ilha Grande.  Palco de histórias cinematográficas como a fuga do traficante conhecido como “Escadinha”, em 1986, se agarrando à escada de um helicóptero que veio em seu resgate.  Também estiveram por lá presos ilustres como o escritor Graciliano Ramos e presos políticos, como Fernando Gabeira. 

Outra figura lendária foi o preso conhecido como Madame Satã.  Um travesti do bairro da Lapa (Rio de Janeiro) que numa briga na noite boêmia, levou à morte o cantor e compositor Wilson Batista.  Wilson, juntamente com Noel Rosa, propiciou uma das mais belas disputas musicais de seu tempo.  Musicas como "Feitiço da Vila" e "Palpite Infeliz" foram feitas por Noel em resposta a provocações de Wilson Batista. 

Após ser solto, Madame Satã trabalhou como cozinheiro num restaurante na Vila do Abraão e desenvolveu algumas receitas de muito sucesso. Uma moqueca de peixe com molho de coco ganhou seu nome e é até hoje encontrada em restaurantes na Vila do Abraão.  Faleceu livre, na Ilha, faz uma década. 

Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-12-16/mostra-resgata-habitos-e-documentos-do-antigo-presidio-candido-mendes. Acesso: 31/07/2002 (com adaptações).


Mapa color [s.d]

Disponível em https://pt.wikivoyage.org/wiki/Ilha_Grande. Acesso: 31/07/2002.

Por muitos anos foram comuns mensagens nos rádios marítimos [em VHF] informando fuga de presos e indicando as precauções necessárias, tais como não ancorar a menos de 200 metros da Ilha.  Isso permitiu uma exploração menos predatória do turismo.

Por ironia do destino, a preservação que o presídio proporcionou deu tempo para que o homem “civilizado” tomasse mais consciência da natureza que existe a sua volta.

Hoje em dia, mais que há poucos anos, o turismo é desenvolvido com respeito ao ambiente e aos visitantes.

Disponível em: https://www.ilhagrande.com.br/ilha-grande/historia/presidios/. Acesso: 31/07/2002.



13º Dia – 26/07/2002 – Passeios a pé pela Ilha Grande (RJ).


Sexta - feira, 26 de julho.  Aniversário de 19 anos da minha querida filha Suzana. Parti da Vila do Abraão, pedalando, pela única estrada da Ilha, que me conduziu à Praia dos Dois Rios, onde, outrora, funcionou o Presídio Cândido Mendes. São dez quilômetros até a antiga colônia penal. Cinco em subida e cinco em descida. No ponto mais alto da estrada, uma vista deslumbrante. Mas o tempo começou a virar. Fortes ventos e nuvens taparam o Sol. Pareceu-me que ia chover. Mas não desisti. Se chovesse, molharia. Era o máximo que poderia acontecer. Em menos de uma hora completei o percurso.

Ao chegar, entrei por uma rua com uns 100 metros de extensão, sem calçamento e com palmeiras em ambos os lados. A seguir veio uma pracinha com igreja e um pequeno restaurante. As casas, que serviram de moradia aos funcionários do presídio, são simples, com muros e portões baixos. Ao ser desativado, em 1994, os moradores que permaneceram na Ilha fizeram opção de compra. Estão lá até hoje vivendo da pesca, do comércio e do turismo.

Quando a rua terminou, apareceram as ruínas daquilo que, um dia, foi a Colônia Penal da Ilha Grande. Está em ruínas. Depois que o último detento saiu, jamais houve conservação do que sobrou. Tirei algumas fotos e fui até a Praia dos Dois Rios, que fica um quilômetro à frente.

Colônia Penal Cândido Mendes. Foto: Fernando Mendes.

O nome Dois Rios, foi dado em razão de dois pequenos rios que deságuam nas extremidades da praia. São limpos e vêm do alto dos morros que circundam o lugar. A maré estava baixa e isso possibilitou boas pedalas à beira-mar. A areia é escura (monazítica), dura e a extensão, de ponta a ponta, é de 3,5 quilômetros. Ventava muito e as condições do tempo pioravam. 

Mas nem assim a beleza do lugar foi apagada. Fiquei por mais de uma hora, entre caminhadas e pedaladas, a contemplar mais um ponto da Ilha Grande.

Às 12h 20 estava de volta ao Abraão. A barca sai às 17h 30 para Mangaratiba (RJ), lembrei-me. Tratei de aproveitar ao máximo. Fui à Praia Preta antes do almoço, que é vizinha à Vila do Abraão. De bicicleta alcancei-a em 10 minutos. Possui faixas de areia monazítica, que alguns cientistas defendem possuir efeitos medicinais.  Poderes à parte, é muito bela e nem sempre possui movimento intenso. Bem próximo está o Lazareto e o Aqueduto.

Almocei às 15h e às 16h e 30 aguardava a chegada da barca para Mangaratiba (RJ). Às 17h 10 a Charitas apitou na entrada do cais, vinda do continente. Zarpou de volta às 17h e 30 e ancorou, em Mangaratiba (RJ), às 19h. Hospedei-me no Hotel Mendonça, próximo à estação das barcas. Foi o último pernoite da viagem.




O Lazareto, construído em 1871, era o abrigo aos viajantes que, vindos de pontos distantes, ficavam em quarentena para evitar a disseminação de doenças trazidas de outros povos, incluindo a lepra. Permaneceu com esta função até 1910, quando, aproveitando o clima obscuro e de eficiente segurança quanto às fugas, virou presídio político na década de 30 (1931-1940), inaugurando a atividade carcerária na Ilha Grande.  Saiu de operação com a transferência de seus presos para o Instituto penal Cândido Mendes, na Praia de Dois Rios.  Foi implodido pelo governo estadual em 1954, mas ainda existem grossas paredes de algumas celas.  O ambiente é obscuro e nos remete aos tempos em que funcionava.  Fica localizado na Praia Preta, a 20 minutos (caminhando) a partir da Vila do Abraão.

O Aqueduto foi construído, por determinação de Dom Pedro II e inaugurado em 1893, para levar água ao Lazareto.  Serviu como o primeiro sistema de abastecimento de água da Ilha Grande. Hoje está desativado.

Disponível em: <http://ilhagrande.org/pagina/lazareto-ilha-grande>. 

Acesso: 31/07/2002.



14º Dia – 27/07/2002 – Mangaratiba (RJ) ao Rio de Janeiro (RJ) 120 km.

Depois de uma noite mal dormida em decorrência do barulho dentro e fora do hotel, arrumei as tralhas e fui à padaria local para o café da manhã. Queijo quente e suco de laranja. Ventava horrores, apesar de o céu estar limpo e sem nuvens. Fotos da Baía de Mangaratiba e pedal na estrada.

Baía de Mangaratiba (RJ). Foto: Fernando Mendes.

Saí de Mangaratiba (RJ) passando por Ibicuí (a Capri brasileira). Dessa forma, quando entrei na Rio-Santos, na altura de Muriqui (RJ), o Túnel de Mangaratiba ficou para trás. O vento parecia ter uma velocidade de 30 km/h e as rajadas deviam ser de 45 km/h. Por duas vezes fui jogado para o lado direito e quase caí.

Parei em um ponto de ônibus, às margens da rodovia, e fiquei abrigado daquela ventania insana. O mar estava todo encarapitado. Como dizia nos tempos de crianças, “cheio de carneirinhos”, aquelas pequenas ondinhas provocadas pelo forte vento e que deixam a espuma branca sobressair no azul das águas.

Fiquei meia hora esperando a fúria do vento diminuir. Às 10h 30 pude retomar a viagem. Passei por Itacuruçá, Coroa Grande, Itaguaí (que ambientou a narrativa do livro "O alienista" de Machado de Assis) e, por Santa Cruz. Após parada em um posto Shell, optei por seguir pela Barra da Tijuca, mais agradável do que enfrentar 60 quilômetros de Avenida Brasil.

De Santa Cruz, por onde passei às 13h e com temperatura de 31ºC, fui em direção à Estrada da Grota Funda e, a seguir, Estrada do Pontal, até o entroncamento com a Avenida das Américas. Se em Santa Cruz faz máxima de 31ºC no inverno, qual será a máxima no verão?

Quando cheguei ao entroncamento com a Avenida das Américas, decidi continuar pela Estrada do Pontal até a Praia do Recreio dos Bandeirantes. Dali até em casa, fui pela ciclovia. Na altura do número 2.390, na Praia da Barra, o pneu traseiro furou. Depois de pedalar por 14 dias, mais de mil quilômetros, o pneu foi furar a menos de 20 quilômetros de casa. Fala sério! Saí da ciclovia, para não atrapalhar os usuários e encostei a bicicleta atrás de um quiosque. Em menos de 15 minutos fiz a substituição da câmara de ar furada por uma novinha, tirada da embalagem. Enchi o pneu com a bomba que vai acoplada ao quadro e retomei a viagem.

Elevado do Joá. Foto: Fernando Mendes.

Quando a Praia da Barra terminou, peguei o viaduto que passa sobre o quebra-mar e fui pelo Túnel do Joá. Muito movimentado e barulhento, mas bem iluminado. Quando saí do túnel segui pelo Elevado do Joá. Parei a bike rente à mureta e tirei fotos belíssimas. Terminado o elevado, passei pelo Túnel do Pepino e cheguei à praia de mesmo nome. Eram 16h 30. O Sol estava indo para atrás da Pedra da Gávea. Pedalei pelas Praias do Pepino e de São Conrado, ingressando na a Avenida Niemeyer. Passei pelo Vidigal, Hotel Sheraton e Mirante do Leblon. Às 16h 55 entrei na ciclovia, na qual 14 dias antes, ainda de madrugada, parti para essa aventura.

Com a mesma sensação de um alpinista a poucos metros do cume, pedalei, do Canal da Visconde de Albuquerque ao Canal do Jardim de Alah, os últimos quilômetros. 

Mais do que a sensação de uma montanha conquistada ou de uma batalha vencida foi sentir o prazer interior de realizar aquilo que desejei: ter feito e visto o que fiz e vi.

Mais uma viagem, idealizada, planejada e executada estava a minutos do fim. Tudo o deu certo. 

Atravessei a Borges de Medeiros e, pela Rua Almirante Pereira Guimarães, cheguei à Avenida Ataulfo de Paiva nº 23.

Ponto final em mais uma espetacular, deslumbrante, fascinante, maravilhosa e inesquecível viagem de bike.

Escrevi esse relato com o mesmo profundo prazer que sinto em viajar de bicicleta.

Brasília, 31/07/2002.

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