Viagem de Bike Brasília (DF) ao Rio de Janeiro (RJ). Dez 2001/Jan 2002.
VIAGEM DE BIKE BRASÍLIA (DF) AO RIO DE JANEIRO (RJ)

Enseada de Botafogo. Rio de Janeiro (RJ).
Disponível em:<https://viagemeturismo.abril.com.br/atracao/pao-de-acucar/>.
Acesso: 10/02/2002.
Data | Trecho a percorrer | Quilometragem a percorrer | Horário de Saída (Previsão) | Horário de Chegada (Previsão) |
26/12/01 | Brasília (DF) e Cristalina (GO) | 145 km | 8h | 16 h |
27/12/01 | Cristalina (GO) e Catalão (GO) | 183 km | 8 h | 18 h |
28/12/01 | Catalão (GO) e Uberlândia (MG) | 116 km | 8 h | 17 h |
29/12/01 | Uberlândia (MG) e Uberaba (MG) | 118 km | 8 h | 15 h |
30/12/01 | Uberaba (MG) e Orlândia (SP) | 125 km | 8 h | 16 h |
31/12/01 | Orlândia (SP) e Pirassununga (SP) | 172 km | 8 h | 18 h |
01/01/02 | Pirassununga (SP) e Itatiba (SP) | 143 km | 8 h | 17 h |
02/01/02 | Itatiba (SP) e Jacareí (SP) | 141 km | 8 h | 17 h |
03/01/02 | Jacareí (SP) e Queluz (SP) | 160 km | 8 h | 19 h |
04/01/02 | Queluz (SP) e Piraí (RJ) | 121 km | 8 h | 17 h |
05/01/02 | Piraí (RJ) ao Rio de Janeiro (RJ) | 126 km | 8 h | 16 h |
Total |
A viagem começou quando abri o portão da garagem do edifício no qual moro em Brasília (DF). Eram 8h 04 do dia 26/12/2001, uma quarta-feira, com tempo nublado e um ar de ressaca pós-natalina.
Até o trânsito no Eixo Rodoviário, diferentemente de outros dias, era pequeno para a hora. No céu havia formações baixas, os nimbos-estratos, a nuvem chuvosa do mau tempo. A temperatura era de 22ºC e não ventava. Naquele primeiro dia de viagem, fiz [pela BR-040] o percurso Brasília – Cristalina (GO) em 7h e 50, um recorde. As condições da estrada, entre as duas cidades, são excelentes e o acostamento, de 3,0 metros de largura, um tapete.
Quando faltavam 22 quilômetros para chegar à cidade dos cristais, o Sol apareceu forte e foi preciso aplicar protetor solar. Uma hora mais tarde, um forte temporal marcou a minha chegada. Eram 15h 54, e o aguaceiro se estendeu pela noite e madrugada, deixando-me apreensivo com relação ao dia seguinte. Mas a chuva fazia parte da minha aventura, afinal moramos em um país tropical, marcado por um clima alternadamente úmido e seco.
Na maior parte do Brasil, as chuvas marcam o verão e as estiagens marcam o inverno. Dezembro é verão no Hemisfério Sul. Portanto, as chuvas dessa época não me surpreenderam. Sabia que seria a única companhia que teria durante a viagem. Quem está na chuva tem que se molhar.
Quando acordei na quinta-feira, dia 27/12, chovia forte e havia nevoeiro encobrindo a cidade de Cristalina (GO). Fiquei deitado escutando o barulho da chuva. Enquanto esperava o aguaceiro terminar ou pelo menos diminuir, assisti ao Bom Dia Brasil, que anunciou muita chuva para as regiões Centro-Oeste e Sudeste. Não podia ficar deitado o dia todo. Precisava tomar uma decisão. Seguir sob forte chuva com nevoeiro ou desistir e voltar para casa. Mas voltar não é do meu feitio e nem estava em meus planos.
Depois de tanto tempo de preparo, não faria sentido desistir. Tomei café, paguei a conta e deixei o Goyas Hotel às 9h 20. Chovia muito e o nevoeiro era menos intenso. Como não sou de açúcar, não tenho medo de água. Coloquei o capacete e segui para Catalão (GO), 183 quilômetros à frente. Nesse trecho, assim como em todo o percurso, o acostamento é da melhor qualidade.
Posto Ponte Alta. BR- 050, km 149. Foto: Fernando Mendes.
Em Cristalina (GO), a sobreposição das Rodovias BR -040 e BR-050 termina. A BR-040 segue a direção BH e Rio, e a BR-050 me conduziu rumo ao Sudeste de Goiás (Catalão) e ao Triângulo Mineiro.
Apesar da forte chuva, que não dava trégua, comecei o segundo dia de viagem pedalando forte e atingindo a média de 31 km/h, na primeira hora de pedal. Fiz a primeira parada na Pamonharia Sonho Verde, às 10h 45.
Muitas pessoas fizeram-me a mesma pergunta ao longo da viagem. Algumas me perguntaram se eu estava pagando promessa, enquanto outras elogiaram a organização e não deixaram de reconhecer a coragem em encarar essa empreitada. Quando me indagavam sobre os riscos de assalto, eu respondia: “é mais fácil ser assaltado viajando de ônibus”, haja vista as estatísticas da Polícia Rodoviária Federal. Conhece alguém que foi assaltado viajando de bicicleta? Silêncio.
Às 13h 23, parei no Restaurante Paineira, às margens da BR-050. Era hora do almoço. Degustei saboroso bife acebolado, arroz, feijão e salada. Comida deliciosa. A chuva continuava e o dono do estabelecimento quis saber detalhes acerca da minha viagem. Saí de lá com a impressão de que ele não tinha [e continua sem ter]a menor ideia de onde fica o Rio de Janeiro (RJ).
BR - 050. Foto: Fernando Mendes.
Quando planejei essa aventura, a possibilidade de não chegar à cidade assinalada no roteiro, em virtude de mau tempo ou problemas mecânicos, entre outros, obrigou-me a selecionar, no trecho pedalado, uma localidade alternativa. Se não fosse possível ir até o próximo destino, pararia antes ou, se fosse o caso, voltaria à cidade de onde parti. Por exemplo: de Brasília (DF) para Cristalina (GO) a alternativa era ficar em Luziânia (GO) ou voltar para casa. De Cristalina (GO) para Catalão (GO), a alternativa era a pequena Campo Alegre (GO). De Catalão (GO) a Uberlândia (MG), a alternativa era Araguari (MG) e assim por diante.
Às 13h 35, deixei o Restaurante Paineira. A chuva continuava forte. Se não parasse de chover até a chegada a Campo Alegre de Goiás (GO), eu não continuaria a pedalar naquele dia. O movimento de veículos leves e pesados era pequeno, mas eu estava encharcado até a alma. Nunca havia sentido na pele uma chuva daquelas. Podia sentir os ossos molhados.
Quando Campo Alegre de Goiás (GO) foi avistada lá embaixo, dentro de um pequeno vale fluvial, foram completados 110 quilômetros, faltavam apenas 73 quilômetros para chegar a Catalão (GO). Ao parar no Posto Xará, no trevo de entrada da cidade, a chuva, surpreendentemente parou e, sendo assim, a alternativa de ficar por lá foi cancelada.
Retomei as pedaladas às 15h 50. Parou a chuva, começou o vento. Um vento lateral que logo passou a ser um vento de cauda que, se não ajudou, pelo menos não atrapalhou. Com o fim da chuva e a pista menos molhada, pedalei forte por duas horas, parando para algumas fotos. Às 18h 05, fiz a última parada antes do encerramento da jornada daquele dia. Foi no Posto Eldorado. Apesar da temperatura amena e da forte chuva que caiu o dia todo, o consumo de líquido foi elevado: 5 litros entre água e sucos.
Quando voltei para a estrada, o azul do céu foi aparecendo na direção oeste, prenúncio de melhora no tempo, depois de um dia de muita, muita chuva. Eram 18h 30. O Sol ainda estava alto e faltava 1 hora para chegar a Catalão (GO). Como as roupas que levei são de um material próprio para a prática de exercícios, chamado dry-fit, tão logo o Sol apareceu, minha camisa e meu short secaram. O tênis continuou encharcado.
A quinze minutos do Motel Summer Time, local do 2º pernoite, passou um Gol marrom por mim, na direção de Brasília, buzinou e pelo retrovisor da bike, observei as luzes de freio do carro acionadas. Deu meia volta e veio em minha direção. Era o meu grande amigo Euller, professor de Química e que, por cinco anos, foi meu parceiro nas viagens a Três Marias (MG) com os nossos alunos. Ele voltava do Rio e havia me ligado no dia anterior, quando eu pernoitava em Cristalina, pedindo alternativas de estradas para Brasília, pois a BR-040, na Serra de Petrópolis (RJ), estava interditada em vários pontos, devido à queda de barreiras.
Disse a ele para vir por SP, na direção contrária do caminho que eu estava fazendo. Registramos o encontro com algumas fotos e seguimos em direções opostas.Finalmente às 19h cheguei ao Motel e dei por encerrado o segundo dia de pedal. Foram 183 quilômetros percorridos em 9h 40. Um recorde. Até esse dia, o maior trecho percorrido por mim aconteceu em 28 de abril de 2001, dia do nascimento do meu sobrinho Pedro, quando pedalei 154 km dentro do DF, percorrendo toda a DF-001, a maior rodovia da Capital Federal.
Ao chegar para pernoite nos hotéis ou motéis, eu tinha que cumprir um ritual que se repetiu por toda a viagem: exercícios de alongamento, tomar banho e lavar a roupa utilizada. Depois de cumprir essas tarefas, pedia o jantar e terminava o dia com uma boa leitura. Por volta das 23h, fui acordado pelo barulho da chuva contra o aparelho de ar condicionado do quarto. Pelo visto, o dia seguinte seria molhado.
Sexta-feira, dia 28/12, levantei-me por volta das 8h. Pedi o café e iniciei o ritual de aquecimento e alongamento. Mesmo com o tempo nublado, não dispensava o uso protetor solar. Eventualmente a chuva parava e o Sol, mesmo entre as nuvens, agia como um maçarico sobre a pele. Às 9h 03, deixei o motel e ingressei na BR-050, passei pelo perímetro urbano de Catalão (GO) e parei no Posto JK, às 9h 43, para comprar água e Nutry.
BR-050 PONTE SOBRE O RIO PARANAÍBA. DIVISA GO/MG. Foto: Fernando Mendes.
BR-050 PONTE SOBRE O RIO PARANAÍBA. DIVISA GO/MG.Foto: Fernando Mendes.
Do Posto JK, de onde saí às 10h, até a divisa estadual entre Goiás e Minas Gerais, são 34 quilômetros de muitos declives, pois a fronteira GO/MG é feita pelo Rio Paranaíba. Atravessei a ponte Wagner Campos e ingressei em Minas Gerais. Eram 11h 25. Não chovia..... por enquanto.
Deixei o Centro-Oeste na outra cabeceira da ponte e ingressei no Sudeste, em MG. E vieram os aclives. Até Araguari (MG) são 38 quilômetros, dos quais 30, em fortes ângulos de subidas, que são intervaladas por curtas retas. Levei 3 horas para chegar a Araguari (MG).
Eram 15 h quando parei no Posto Brasileirão para comprar água e barras de cereais. E começou a chover forte quando retomei a estrada. Faltavam 30 quilômetros para Uberlândia (MG), cidade onde ocorreu o 3º pernoite.
Atravessei o perímetro urbano de Araguari (MG) e, a partir da ponte sobre a linha férrea, vem uma descida animal, de 10 quilômetros, em direção ao Rio Araguari. O acostamento naquele trecho está muito gasto e com várias ondulações.
Até a ponte sobre o rio Araguari, o trânsito, embora intenso, é muito lento, isto porque os veículos pesados não têm alternativas: tanto os ônibus quanto os caminhões descem em marcha reduzidíssima, pois o traçado é sinuoso e as curvas fechadas. Chovia forte. O asfalto está em ótimas condições; o acostamento, nem tanto.
A ponte sobre o Rio Araguari é muito antiga e estreita, mas existe uma passagem para pedestres. O rio está com um grande volume de água e, mesmo com o tempo chuvoso, a paisagem daquela área é muito bonita.
Logo após a ponte [sobre o Rio Araguari] encarei uma subida forte de 15 quilômetros até a cidade de Uberlândia (MG), na qual cheguei às 17h. Em cidades grandes como Uberlândia, Uberaba, Pirassununga, entre outras, a melhor opção para hospedagem está nos motéis à beira da rodovia.
Entrar nessas cidades significa perder um bom tempo procurando pelo hotel reservado, além de enfrentar trânsito. Por isso, em todas as cidades que pernoitei, a opção mais lógica [e barata] foram motéis ou hotéis à beira da estrada. Todos muito bons, exceto o de Uberlândia, Lipstick, um motel caindo aos pedaços e com formiga na cama. Mas foi a única opção para aquele momento. Chovia para caracoles e o motel ao lado, de nome “Ce Que Sabe” pediu-me 80 reais pelo pernoite, alegando que, por ser final de semana, era mais caro.
Como eu não havia bebido querosene, batido na minha mãe e muito menos gargarejado com óleo diesel, desisti. Perguntei se havia outro mais barato e então me indicaram o Lipstick. Por R$ 25,00 e café da manhã incluído, foi lá mesmo. Banho, lavar a roupa usada naquele dia, exercícios de alongamento e finalmente a tão esperada ceia. Mas como esse motel está muito largado, não havia serviço de janta. Me contentei com um sanduíche safado de frango.
E choveu a noite toda, com a força de um dilúvio bíblico. Antes de dormir, fiz as contas: havia pedalado 444 km . Faltavam 1.100 km , menos do que quando saí de Brasília.
No dia seguinte, 29/12, sábado, o tempo estava nublado. As nuvens baixas demais anunciando mais chuva. E não deu outra. Assim que retomei a pedalada e ingressei na estrada, começou o aguaceiro, um rio vertical. No início foi uma chuva leve, daquelas que o vento faz os pingos bailarem no ar. Em pouco tempo a intensidade foi aumentando e a coisa começou a ficar complicada. Complicada porque o trânsito no anel viário que corta Uberlândia (MG) é intenso e confuso.
A estrada está em obras de duplicação até Uberaba MG. Caos total. Após me livrar desse trecho urbano de muito movimento, parei no Posto Kung-Fu e comprei uma garrafa com água mineral de 1,5 litro . Essa garrafa chegou a Uberaba (MG) intacta. Bebi água da chuva. Entre Uberlândia (MG) e Uberaba (MG) existem poucos postos de combustíveis ou pontos de apoio.
Dos 120 quilômetros que separam as duas maiores cidades do Triângulo Mineiro, 70 quilômetros estão duplicados, embora não liberados para o trânsito. Para mim foi ótimo, pois reinei absoluto nesses 70 quilômetros e bem longe do trânsito da rodovia que, naquele sábado, estava intenso nas duas direções. E como a chuva não dava trégua, pedalei na maior tranqüilidade e com total segurança.
Mas os 50 quilômetros finais estão com as obras [de duplicação] em andamento e, pedalar nessa pista sem pavimentação e com todo aquele aguaceiro, foi impossível. Voltei para a estrada e coloquei duas faixas refletivas em forma de X, aquelas que os guardas de trânsito e os motoqueiros usam para serem vistos pelos motoristas. Acionei as lanternas de luzes piscantes e fui em frente. Tão importante quanto ver é ser visto. A chuva e a neblina dificultavam a visibilidade.
BR-050.Foto: Fernando Mendes.
Fiz os 50 quilômetros restantes em 3 horas, chegando a Uberaba (MG) às 14h 45. Cedo demais, porém como estava planejado parar naquela cidade e a chuva não diminuía de intensidade, tratei de ficar no Hotel Antares, da Rede Graal, localizado às margens da BR-050.
Cheguei às 14h 45 e fui almoçar. Estava sendo servida uma suculenta feijoada. Que delícia aquele feijão depois de pedalar 120 quilômetros sob forte aguaceiro. Eu merecia. Findo o almoço, voltou a chover forte. Fui para o quarto e assisti ao filme Debby & Loyde, dois idiotas em apuros. A chuva parou por volta das 21h, quando acordei da hibernação pós-feijoada e fui jantar. Na voz do jornalista Bóris Casoy, ouvi a notícia do falecimento da cantora Cássia Eller.
Era véspera de Lua Cheia. Por volta das 22h, foi possível ver a claridade da [Lua] esforçando-se para vencer densas nuvens. Prenúncio de tempo bom para o dia seguinte? Depois de jantar li um pouco e cama. No dia seguinte, 125 quilômetros até Orlândia (SP) me aguardavam e descanso é essencial para uma boa pedalada.
30/12/2001. Deixei Uberaba (MG) às 9h 01 após um senhor café da manhã. 30 quilômetros à frente do Hotel Antares, seguindo pela BR-050, está a divisa MG/SP, feita pelo Rio Grande. Município de Delta (MG) na margem direita, município de Igarapava (SP) na margem esquerda.
Divisa MG/SP. Foto: Fernando Mendes. |
A partir da divisa, a estrada é duplicada, sob concessão da Via Norte e pedagiada. Vai nessas condições até o Rio de Janeiro (RJ). O acostamento tornou-se mais largo e nivelado com a faixa de rolamento. A sinalização é muito boa. Às 9h 33, atravessei a nova Ponte do Rio Grande, inaugurada recentemente em substituição à antiga, toda em ferro e prestes a desabar de tanta ferrugem. Chovia do lado de MG e fazia Sol no lado de SP. Bizarro. Tirei algumas fotos registrando a minha passagem e segui em frente. Ao ingressar no Estado de SP, no município de Igarapava, a rodovia federal [BR-050] transforma-se em rodovia estadual, a SP-330 ou Via Anhanguera.
Às 10h e sob Sol forte, comecei as primeiras pedaladas na Via Anhanguera, a SP-330, que tem quatro concessionárias administrando-a. Da divisa até Ribeirão Preto (SP), temos a Via Norte. De Ribeirão Preto (SP) a Santa Rita do Passa Quatro (SP), temos a Auto Vias. De Santa Rita (SP) a Americana (SP), temos a Intervias e finalmente de Limeira (SP) a São Paulo (SP), temos a AutoBan. Nessa estrada eu pedalei até Campinas (SP) e passei por 7 pedágios.
Nesse dia a média horária encolheu bastante. Primeiro por causa do calor e segundo porque a Anhanguera é uma estrada que corta uma área de topografia acentuadamente ondulada. Ou seja, aclives e declives alternam-se e raros são os trechos planos. Logo que cruzei a ponte do Rio Grande e ingressei no Estado de SP, um aclive suave de cinco quilômetros. Vencido esse aclive, um declive suave de 4 quilômetros e assim vai.
De ambas as pistas, visualizam-se canaviais, que parecem sumir no horizonte. As áreas cultivadas de soja também estão crescendo nos municípios que ficam às margens da rodovia naquela área Norte do Estado de São Paulo, tais como: Igarapava, Aramina, Buritizal, Ituverava, Guará, São Joaquim da Barra e Orlândia, cidade onde parei para pernoite.
Foto: Fernando Mendes.
O azul do céu substituiu o cinza das nuvens, que por quatro dias encobriram a paisagem. Era possível sentir a temperatura subir rapidamente. Mais para o meio da tarde senti a falta da chuva. Passei por Igarapava às 12h.
A Anhanguera, diferentemente de muitas estradas brasileiras, não atravessa cidades, passando ao largo de cada uma delas. Com isso, o motorista não tem que enfrentar sucessões de quebra-molas e nem enfrentar perímetros urbanos com trânsito confuso, pedestres desatentos, ciclistas distraídos, carroças na contra-mão e animais soltos. Telas de arame isolam a rodovia das casas que ficam às margens da estrada. Para atravessar as pistas existem passarelas suspensas.
Em Igarapava (SP) parei no Posto Estoril na hora do almoço. Lembrei-me da feijoada de Uberaba (MG). Comi barras de cereais e toquei em frente, passando por Aramina (SP) e Ituverava (SP), onde fiz uma nova parada às 14h 10.
O calor era forte e as nuvens de chuvas ficaram em MG. Quando atravessei a ponte sobre o rio Grande, o marco quilométrico de MG ficou para trás e o marco quilométrico de SP passou para "km 450", decrescendo até a capital paulista, no "km ZERO", na Marginal Tietê, bairro da Penha. No km 405, em Ituverava (SP), passei pelo 1º pedágio. Motos e bicicletas são isentas. Esse trecho está sob a administração da Via Norte.
Foto: Fernando Mendes.
De Ituverava (SP) a Guará (SP) são 10 quilômetros de planura, a primeira desde o meu ingresso na SP-330. A pequena Guará (SP) fica em ambos os lados da estrada, protegida por cercas e os carros passam bem longe da população.
É proibido o trânsito de pedestres na rodovia nesse trecho e atravessá-la, somente pela passarela suspensa. Até São Joaquim da Barra (SP) foram mais 18 quilômetros. Parei para alongar as pernas. Eram 15h 30. O azul do céu era digno de uma contemplação.
Faltavam apenas 18 quilômetros para Orlândia (SP) quando começou a soprar um vento de proa (vento contra), os aclives ficaram mais extensos e a média horária caiu. Cheguei às 18h, mas cheguei bem. Isso é o que importa.
Hospedei-me no recém – inaugurado Hotel São Marcos, reservado via Internet. Por volta das 20h, quando voltava para o hotel, depois do jantar, a Lua Cheia apareceu no ponto leste, parecendo emergir dos canaviais que cercam a cidade. Era o primeiro dia da última Lua Cheia do ano de 2001.
Como existiam algumas nuvens logo acima, em poucos minutos ela foi encoberta. Tratei de ficar ali, parado, contemplando aquela pintura e pensado na minha viagem. Eu estava conseguindo. Imaginei pedalar sob aquele luar. A cidade de Orlândia (SP) é muito pequena e pacata. Conta com 38 mil habitantes e uma área de apenas 297 km2.
No passado ela fez parte de um dos ramais mais importantes da maior Cia. Férrea do século XVIII, a Cia. Mogiana de Estradas de Ferro.
31/12/2001 deixei Orlândia (SP) às 9h com tempo claro, temperatura agradável e céu sem nuvens. Naquele último dia do ano de 2001, eu tinha 172 quilômetros a pedalar e alcançar o meu próximo destino: Pirassununga (SP), famosa pela cachaça 51, aquelas da “boa ideia”.
Ao ingressar na via Anhanguera, notei que a linha férrea da antiga Cia. Mogiana atravessa a cidade e segue paralela à rodovia até a cidade de Cravinhos (SP). Quanta história aqueles trilhos não guardam. A história de uma região que teve no café o primeiro surto de desenvolvimento.
Hoje a cana de açúcar, a soja e a criação de gado comandam a economia da região. Passei pelo 2 º pedágio, em Sales de Oliveira (SP), às 10h 27, depois de pedalar os primeiros 26 quilômetros do dia. Logo em seguida parei no Posto Alvorada. A temperatura subia rapidamente e o dia prometia ser quente.
De Sales de Oliveira (SP) fui a Jardinópolis (SP) pedalando forte por 29 quilômetros . Jardinópolis é uma pequena cidade às margens da Anhanguera. Chama mais atenção dos viajantes pela colossal ponte férrea que vence o vale no qual a cidade cresceu.
PONTE FERROVIÁRIA DA FCA EM JARDINÓPOLIS (SP). Foto: Fernando Mendes. |
Tem 600 m de extensão e altura corresponde a um prédio de 15 andares. É paralela à Anhanguera (SP - 330). Depois de fotografá-la, segui rumo a Ribeirão Preto (SP), chegando à Califórnia Brasileira às 12h, pontualmente. Liguei às minhas filhas em Brasília para dar notícias. De Orlândia (SP) a Ribeirão Preto (SP), havia pedalado 53 km . Faltavam 119 km para Pirassununga (SP).
Foto: Fernando Mendes.
Às 12h 15 continuei viagem sob um Sol saariano acompanhado de um calor senegalês. Foi a partir desse ponto que tirei as mais belas fotos que tenho da Via Anhanguera. O céu muito azul e com poucas nuvens proporcionaram belas imagens da estrada, ladeada por imensos canaviais. Continuei em frente. Depois das fotos, pedalei por 20 quilômetros sem nenhum ponto de apoio. A água que eu levava estava quente e, portanto, intragável. Em Cravinhos (SP) comprei água gelada e tomei dois picolés de uva que estavam uma uva. Liguei para a galera do Rio para dar notícias.
Eles acompanharam a minha viagem pelo celular. Às 14h 15 voltei à estrada com ânimo renovado e pedalei sem parar até São Simão (SP). Após o 3º pedágio, encostei a bicicleta no Posto do Tim e comprei algumas barras de cereais e rapadura.
Fiz uma parada de 15 minutos e alonguei-me todo. Às 16h deixei São Simão (SP) para trás. Faltavam 63 quilômetros para Pirassununga (SP). Conclui esse trecho [restante] em 3 horas. Mantive uma média muito boa para um dia de distância longa e temperatura elevada.
Cruzei a ponte sobre o famoso rio Mogi-Guaçu, que atravessa Pirassununga (SP) e passei pelo 4º pedágio.
Parei às 19h, quando cheguei ao hotel. Depois de realizar aquele ritual pós-pedalada, saí em busca de comida. A cidade estava deserta, nem parecia o último dia do ano. Restaurantes, bares e lanchonetes estavam fechados. Para jantar, precisei voltar à estrada e fazer a refeição em posto da Rede Graal.
Voltei ao hotel por volta das 21h. As ruas continuavam desertas. A Srª Helena, que é a dona do hotel, disse-me que sempre é assim. Pintou feriado, a população viaja para a praia. De Pirassununga (SP) às praias do Litoral Norte de SP são 300 km . Brasília (DF) poderia ser tão perto do mar quanto Pirassununga (SP).
Quando os relógios marcaram a passagem do ano velho para o ano novo, alguns morteiros foram disparados nas ruas. Mas foram poucos. Assisti pela TV à queima de fogos em Copacabana.
Mesmo estando sozinho em um quarto de hotel, na deserta Pirassununga, em plena passagem de ano, eu, certamente, estava mais seguro do que um ano antes, na agitada Copacabana.
Acordei às 7h. Era ano 2002. Tomei café, concluí o ritual de alongamento e protetor solar, saindo às 9h. Calibrei os pneus da bicicleta no Posto Pica Pau e rumei pela Anhanguera. Aquele foi o último dia de pedal na espetacular rodovia SP-330 ou como diziam os índios tupis, “diabo velho”. Ao deixar Pirassununga (SP), avistei, à minha direita, imensos tonéis de cachaça 51.
São recipientes semelhantes àqueles que existem nas distribuidoras de combustíveis. Essa cachaça está sendo exportada para a Europa e, na Alemanha, a 51 é mais vendida que limonada no deserto.
Passei pelo 5º pedágio em Leme (SP), às 10h e fiz a primeira parada do dia em Araras (SP), às 11h 50. Detonei umas barras de cereais e comprei água. O calor diminuiu bastante. O dia estava nublado e com ameaça de chuva.
Enquanto estive parado, esquadrinhei o céu em busca de algum ponto azul, mas nada. A minha preocupação era com o aumento do movimento dos paulistanos, que voltavam à capital pela Anhanguera depois das festas de fim de ano. O fluxo de automóveis era bem grande quando deixei Araras (SP), às 12h 15. Se chovesse e com todo aquele trânsito, seria complicado. Mas felizmente não choveu, embora o movimento aumentasse a cada minuto.
Às 13h avistei o 6º pedágio e um engarrafamento se formava. Estava em Limeira (SP), ponto onde a Via Anhanguera bifurca e dá origem à Rodovia dos Bandeirantes (SP-348), outra alternativa para quem segue para a capital do Estado. Como o meu destino era Campinas (SP), continuei na Via Anhanguera.
A partir do pedágio de Limeira (SP), a Rodovia SP-310, que vem de São José do Rio Preto (SP), Catanduva (SP), Matão (SP), Araraquara (SP), São Carlos (SP) e Rio Claro (SP) encontra-se com a Anhanguera. Resultado: mais movimento. A partir desse ponto, a concessionária que administra a rodovia é a AutoBan. As faixas de rolamento passam de duas para quatro. O movimento para a capital paulista era cada vez maior.
Logo depois passei por Sumaré, que abriga a fábrica da Honda. E às 15h 25, em Campinas (SP), abandonei a Via Anhanguera [na saída 104] e, por uma alça de acesso, ingressei na Rodovia D. Pedro I ou SP-65, que liga Campinas (SP) a Jacareí (SP), com 145 km em pista dupla e administrada pela DERSA, Desenvolvimento Rodoviário S.A.
O pernoite foi em Itatiba (SP), localizada às margens da Rodovia D. Pedro I, SP 65, 26 quilômetros à frente de Campinas (SP).
LEME (SP). Foto: Fernando Mendes. |
LIMEIRA (SP). Foto: Fernando Mendes. |
1ª placa indicando Rio de Janeiro. CAMPINAS (SP). Foto: Fernando Mendes. |
Deixando a Anhanguera, pensei, o movimento de veículos diminuiria. Ledo engano. Nos primeiros quilômetros da SP-65, enfrentei trânsito pesado acompanhado de forte vento lateral. Ameaçava chover. E choveu fraco quando cheguei a Itatiba (SP), às 16h 30.
Estava programado pernoite naquela cidade, embora ainda fosse bastante cedo para parar. O dia foi muito estressante. Movimento pesado na maior parte dos 143 quilômetros daquele 1º de janeiro. Nem na Via Dutra eu peguei trânsito tão intenso.
Comecei bem o ano, fazendo duas coisas que curto muito: pedalar e viajar. Até pouco tempo, ou fazia uma coisa ou fazia outra. Mas agora é possível fazer as duas ao mesmo tempo. Viajar de bicicleta é muito bom. Parei no Motel Desert Inn. A chuva era fina e a fome era grossa. Consegui um preço especial para o pernoite. O Motel é muito confortável e o rango maravilhoso. Pedi macarronada, estava uma delícia. Dormi cedo para acordar cedo.
Dia 02/01/2002. Às 7h 30 deixei o Desert Inn e voltei à Rodovia D. Pedro I. Passei pelo único pedágio para automóveis e pedalei forte até Atibaia (SP), 48 quilômetros à frente , passando por Jarinu (SP). O dia prometia. Sol forte e céu claro. Cheguei a Atibaia (SP) às 10h 13.
Comprei mais barras de cereais. Segui meu rumo. Atravessei a ponte que passa sobre a BR-381, a Fernão Dias, a rodovia federal que liga BH a SP. Em seguida deixei para trás as cidades de Bom Jesus dos Perdões (SP), Nazaré Paulista (SP) e Igaratá (SP), esta última é banhada por uma belíssima represa de águas límpidas e convidativas ao banho.
É a represa do rio Jaguari, considerada pelos órgãos ambientais a mais limpa do Brasil. Trata-se de um reservatório de 40 km2 (do tamanho do Lago Paranoá em Brasília) que fica à beira da SP-65. Abandonei a estrada de asfalto e segui por uma trilha que passa sob a ponte da SP-65 e sai em uma das várias praias da represa.
Tomei um banho maravilhoso naquelas águas transparentes e frias. Com o calor que estava fazendo, foi impossível resistir. O banho arrefeceu a temperatura corporal e reanimou-me para mais 30 quilômetros até Jacareí (SP), local de pernoite daquele dia 2 de janeiro de 2002.
Fiquei duas horas na Represa do Rio Jaguari, em Igaratá (SP), para banho e fotos.
REPRESA DE JAGUARI/ SISTEMA CANTAREIRA. Foto: Fernando Mendes.
REPRESA DE JAGUARI/ SISTEMA CANTAREIRA. Foto: Fernando Mendes. |
SP - 065. RODOVIA D. PEDRO I. Foto: Fernando Mendes.
VIA DUTRA. BR-116. KM 171. JACAREÍ (SP). Foto: Fernando Mendes. |
Às 14h retomei o meu rumo, passando por Santa Isabel (município da Grande São Paulo) às 14h 30 e às 14h 45 abandonei a SP-65 e, finalmente, ingressei na Via Dutra (BR-116), administrada pela Concessionária Nova Dutra desde 1996.
O ano de 2001 marcou as comemorações dos 50 anos da Via Dutra. Exatamente no dia 19 de janeiro de 1951, o presidente Eurico Gaspar Dutra inaugurou a ligação Rio-São Paulo, com vários trechos retificados, que acabou recebendo seu nome. Pedalar pela Dutra, até o Rio, foi a minha homenagem [silenciosa] aos 50 anos da mais importante rodovia do País.
Parei às 15h no Frango Assado, que pertence à rede de mesmo nome com postos espalhados pelas rodovias da região. Um casal de gaúchos que se dirigia para o Rio perguntou-me de onde eu vinha e para onde eu ia. Quando disse que vinha de Brasília e ia para o Rio, ouvi um sono BAHHHHHHHHHHHHH GURI, ESTÁS ANIMADO TCHÊÊÊÊ!!!!!!!!!!!!!!
Ficamos conversando acerca da minha viagem. Eles queriam saber tudo. Pedalei até o pedágio de Jacareí (SP) e logo depois parei no Top´s Motel. Nesse dia, 2 de janeiro, eu havia completado a segunda etapa da minha viagem. Agora faltava apenas uma etapa, a etapa da Via Dutra. Faltavam 340 quilômetros para o RJ. Sentia-me quase em casa.
03/01/2002 deixei o Top´s Motel às 8h 30 e segui para Queluz (SP), cidade localizada às margens do Rio Paraíba do Sul e a 9 quilômetros da divisa estadual SP/RJ. Foram 170 km percorridos em 10 horas e meia, incluindo as duas horas em fiquei em Aparecida (SP) para conhecer o Santuário Nacional.
Começava a travessia do Vale do Paraíba, um enfileiramento de cidades às margens da Via Dutra, considerado o centro geográfico do Brasil. Concentra 60% do parque industrial brasileiro, 25% da população do País em diminuta área de 0,5% do território nacional. Engloba a Grande SP e o Grande Rio. Ai está se formando a Megalópole Brasileira.
A quem interessar possa: centro geográfico de um país não significa o que está no centro daquele país. No caso do Brasil, o centro geográfico seria Brasília. Mas isso é um erro. Por definição, centro geográfico é uma alusão que fazemos às áreas mais desenvolvidas de um país. No Brasil, o centro geográfico é, sem dúvida, o Vale do Paraíba. Brasília, na melhor das hipóteses, é o centro geométrico do Brasil. ( N.D.A).
O Vale do Paraíba é limitado pela Serra da Mantiqueira a Noroeste e pela Serra do Mar a Sudeste. Entre essas duas formações serranas, do período Arqueozoico, está o Vale, por onde corre o Rio Paraíba do Sul, que tem a sua nascente na cidade de Areias (SP), localizada na Serra do Mar.
A Via Dutra foi construída dentro desse vale e corre, em alguns trechos, paralela ao rio Paraíba do Sul. No passado foi o café quem trouxe riquezas para região, utilizando mão-de-obra escrava, até o esgotamento dos solos e, por extensão, veio a decadência.
Quando a Bolsa de Valores de Nova York foi à lona, em outubro de 1929, os EUA, maiores compradores do café brasileiro, entraram em recessão e pararam de importar o principal [e único] produto de exportação do País.
A oferta ficou maior que a demanda e o resultado foi o excesso de café no mercado. E café em excesso significou queda nos preços das sacas. Essa crise marcou o fim da época áurea do café no Brasil. Mas os capitais acumulados com o ciclo do café transformaram a região de agro - exportadora em urbano - industrial.
Mas por outro lado, essa política de valorização do Vale levou o País às grandes desigualdades regionais: um Sudeste poderoso e desenvolvido, enquanto o Norte e o Nordeste carentes e pouco desenvolvidos.
O Vale do Paraíba é uma megalópole (união de metrópoles, no caso, Rio e São Paulo, 402 km ) em fase de constituição. As duas maiores megalópoles da Terra estão no eixo Boston-Washington, 1.100 km, na costa Leste dos EUA e Tóquio-Osaka, 500 km , no Japão.
Deixei Jacareí (SP) e logo cheguei a São José dos Campos (SP), a maior cidade do Vale do PB, com 700 mil habitantes, e o maior polo tecnológico do Brasil.
Não pude deixar de sentir a força econômica [e tecnológica] de São José dos Campos (SP), que abriga a gigante Embraer, 3ª maior fabricantes de aviões.
Prédios com arrojadas arquiteturas são vistos da Via Dutra. O CTA, Centro de Tecnologia Aeroespacial, forma astronautas e fabrica satélites. O INPE (Instituto nacional de Pesquisas Espaciais) é um moderno centro de previsão meteorológica, monitora queimadas pelo território e é referência mundial. O ITA é a universidade que forma a mão de obra para Embraer, INPE ou CTA.
Em Caçapava (SP), 22 quilômetros à frente de São José dos Campos (SP), avistei um ciclista que seguia na mesma direção. Observei que, pela quantidade de coisas que carregava na bike, estava viajando.
Apertei a pedalada e consegui alcançá-lo. Começamos a conversar e ele (Alexandre) me disse que vinha de Araçatuba (SP) e ia para o Rio (RJ). Paramos em Taubaté (SP) para tomar água.
Contamos como foram as nossas viagens até aquele ponto e chamei-o para ir a Aparecida (SP) conhecer o Santuário Nacional. Tiramos fotos ao passar pelo pedágio que fica na divisa dos municípios de Moreira César (SP) e Pindamonhangaba (SP). O céu estava limpo e as nuvens se acumulavam no topo da Serra da Mantiqueira, que pode ser vista da estrada, à esquerda.
Chegamos a Aparecida (SP) às 12h. Por duas horas andamos pelas basílicas, a nova, inaugurada em 1980, e a antiga, toda em estilo barroco, inaugurada no dia 26 de julho de 1745, 238 anos antes do nascimento de minha querida filha Suzana.
SANTUÁRIO NACIONAL DE APARECIDA (SP). Foto: Fernando Mendes.
SANTUÁRIO NACIONAL DE APARECIDA (SP). Foto: Fernando Mendes.
SANTUÁRIO NACIONAL DE APARECIDA (SP). Foto: Fernando Mendes.
SANTUÁRIO NACIONAL DE APARECIDA (SP). Foto: Fernando Mendes.
O Santuário de Aparecida, que eu conhecia por fotos, é muito mais bonito do que podia imaginar. A Basílica Velha, em estilo barroco do século XVIII, está bem conservada. A Basílica Nova é um colosso. A arquitetura é belíssima e valeu ter passado 2 horas naquele lugar, fotografando e, principalmente, aprendendo. Mesmo em pleno período de férias, tive uma aula de história em Aparecida (que não é do Norte).
Saí de lá sabendo bem mais acerca do lugar do que quando entrei, duas horas antes. Sempre procurei fazer das minhas viagens, independente do meio de transporte utilizado, uma maneira de aprender mais sobre os lugares por onde passo, além do prazer de estar passeando e curtindo todas as belezas que me circundam, não importando se estou em uma igreja ou uma cachoeira.
Voltamos para a Dutra às 14h. O calor era implacável e as subidas começaram. De Jacareí (SP) a Aparecida (SP) a topografia é plana. Fizemos uma média alta (28 km/h ). A partir de Aparecida (SP), até o trevo de Lavrinhas (SP), as subidas são fortes e longas.
O Alexandre, que carregava muita bagagem em sua bicicleta, incluindo uma barraca de camping, começou a ficar para trás. Quando chegamos a Cachoeira Paulista (SP), ele parou em um posto de combustíveis e disse-me para eu seguir e não esperá-lo. Tiramos mais fotos, trocamos endereços eletrônicos e nos despedimos. Depois de 10 dias pedalando sozinho, foi bom ter uma companhia.
De Cachoeira Paulista (SP) ao trevo de acesso a Lavrinhas (SP) são 18 quilômetros . As subidas ficaram mais intensas e, a 3 quilômetros do dito trevo, veio uma descida animal, que termina em uma curva na qual tem a ponte sobre o Rio Paraíba do Sul.
Parei para fotografias da área. Como a câmera que levei tem o dispositivo timer, pude tirar várias fotos com a minha participação. Do trevo de Lavrinhas, onde a Nova Dutra construiu um baita conjunto de viaduto, foram 13 quilômetros até Queluz (SP).
PONTE SOBRE O RIO PARAÍBA DO SUL. Foto: Fernando Mendes. |
Eram 18h 46 quando parei no Hotel Athenas, à beira da estrada, mas na pista Sul, ou seja, na pista que vai do Rio a SP. Atravessei a passarela suspensa para chegar ao hotel. Foram 179 km naquele dia 3 de janeiro de 2002. Faltavam dois dias para o Rio de Janeiro (RJ). Estava quase lá.
Jantei no Restaurante do Gaúcho, que fica no posto de gasolina ao lado do hotel. O jantar estava uma delícia, principalmente o feijão. Assisti ao JN e fui para o quarto. Comecei a ter a sensação de fim de viagem.
Eu tinha a impressão de estar fora de casa fazia dias e, ao mesmo tempo, a sensação que a viagem estava passando muito rápida. Até Queluz (SP), pedalei 1.204 km em 9 dias. Às vezes eu custava a acreditar. Havia atravessado três estados e o meu destino estava a apenas 248 quilômetros. Antes de dormir repassei todos os dias de viagem e os lugares onde estive; os dias de planejamento e as grandes subidas que venci, sem maiores dificuldades. Aos 42 anos sinto-me com muito mais gás para realizar uma viagem como essa do que quando estava com 32 anos.
04/01/ 2002, penúltimo dia da jornada, a viagem começou tarde, às 9h 30. Dormi muito mal. A partir das 4h da manhã um galo começou a cantar no quintal da casa adjacente ao hotel. E cantava alto e forte, foi impossível continuar dormindo.
E o infeliz cantava em intervalos de 30 segundos, cronometrados. Lembro-me que às 5h da manhã eu ainda estava acordado. Dormi com o dia clareando. Ou os meus ouvidos se acostumaram com o canto do galo ou o cansaço me derrotou.
Quando acordei, eram 9 horas da matina. Àquela hora eu devia estar na estrada. Pulei da cama e nem fiz os exercícios de aquecimento. Tomei o café da manhã bem rapidinho e zarpei com destino a Piraí (RJ), 133 quilômetros adiante, mas com muitos trechos em subida. E o calor prometia.
Quando passei pela divisa estadual SP/RJ, tirei algumas fotos, de mim e da paisagem. Quando cheguei a Engenheiro Passos (RJ), fiz uma especial viagem pelo passado. Parei a bike na estação do trem, que fica em frente ao Hotel Fazenda Villa Forte, lugar que eu, quando criança, adorava passear em qualquer época do ano.
Tenho lembranças das viagens que fiz para lá em companhia de meus pais, irmãos, tios, tias, primos e primas. Adorávamos passear de trem até Resende (RJ) e a estação de Engenheiro Passos (RJ), hoje abandonada, guarda boas recordações da infância. Pedalai por mais 11 quilômetros e passei pelo pedágio de Itatiaia (RJ), que fica próximo à entrada do Parque Nacional.
Um daqueles relógios, que alternam a hora com a temperatura, instalado na praça do pedágio, marcava 11h 44 e 35º C. Fazia muito calor. Foi o dia mais quente desde a minha saída de Brasília. Existe entre Itatiaia e Resende, um pedaço da Finlândia no Brasil. Chama-se Penedo (RJ).
Localizada entre o Rio e São Paulo, Penedo (RJ) é a única colônia finlandesa da América do Sul. Tudo começou em 1929 quando um grupo de naturalistas veio da Finlândia para criar uma sociedade. Com o tempo, Penedo tornou-se um polo turístico, atraindo visitantes de todo o país, para desfrutar das cachoeiras, caminhadas à beira do Rio das Pedras, em meio a muita natureza. (NDA).
Próximo à AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) existe um shopping da Rede Graal à beira da Dutra. Um cartaz anunciava um caixa-eletrônico do banco 24h. Como eu tinha apenas R$ 2,00 no bolso, estava na hora de sacar mais algum para os gastos até Piraí, hotel e o jantar.
Atravessei a Dutra pela passarela, deixei a bicicleta na guarita do estacionamento do shopping e dirigi-me ao caixa. O ar condicionado no interior do autoatendimento foi um alívio para o calor que estava lá fora. Coloquei o cartão na máquina e, ao invés de aparecer a mensagem “digite a sua senha”, apareceu outra mensagem, terrível: “cartão com problemas na tarja magnética”. “Dirija-se à sua agência e solicite outro cartão” e “engoliu – o”. Pânico geral.
Como me dirigir à minha agência se eu estava a mais de 1.400 quilômetros de Brasília? Pelo interfone, a funcionária [do 0800] informou-me que quando isso acontece a máquina retém o cartão e automaticamente cancela-o. E que eu teria que solicitar outro cartão à minha agência, em Brasília.
Achei melhor não falar em que condições eu estava viajando. Não adiantaria nada. Voltei para a estrada e fiquei parado tentando raciocinar. Dinheiro na conta corrente, mas sem poder sacá-lo, era tudo que não podia acontecer. E aí? Como eu faria? Não consegui pensar em nada.
Continuei a pedalar sem conseguir acreditar no que havia acontecido. A bicicleta derrapou e eu quase me estabaquei. O pneu dianteiro foi atingido por um prego. Não faltava mais nada. Troquei-o e fui.
Mas como viajar o restante daquele dia e todo o dia seguinte com apenas RS 2,00 e uma folha de cheque? Levei o cartão VISA do BB, que funcionava como cartão de crédito, cartão de débito, saque e solicitação de folhas avulsas de cheques. Por segurança, levei 4 folhas de cheque, sacava pouco dinheiro e procurava pagar as coisas sempre com débito em conta. Cartão de crédito, em último caso. Mas sem o cartão não poderia fazer nada.
Até Piraí (RJ) fui pedindo água nos bares dos postos e para comer eu tinha um bom estoque de barras de cereais e rapadura. O moral nesse dia estava em baixa e as subidas até Barra Mansa (RJ) foram fortes. Passei Volta Redonda (RJ), Arrozal (RJ) e depois Piraí (RJ), onde parei para o último pernoite. Estava preocupado com aquela história de ter apenas R$ 2,00 no bolso.
Mas como o "Sangue de Jesus tem Poder", ao abrir a minha pequena mala de roupas para pegar a tesourinha de unhas, eis que dentro da minha carteira do Plano de Saúde estava o meu cartão VISA do BRB (Banco de Brasília), que levei para casos emergenciais. Não me lembrava desse cartão, pois sequer foi usado até aquele ponto da viagem. Caiu no esquecimento.
Como tratava-se de um caso emergencial, usei-o. Paguei o hotel com a única folha de cheque que eu tinha e o jantar daquele dia, a despesa na farmácia com protetor solar e os gastos até o Rio, foram pagos no cartão do BRB. Como a maioria dos postos tem lojas de conveniência que aceitam cartões de créditos, os meus problemas acabaram.
A cidade de Piraí (RJ) é muito parecida com Vassouras (RJ). Estava cheia de turistas, a maioria dos carros de passeio tinha placa do Rio e alguns de cidades próximas, como Valença (RJ) e Barra do Piraí (RJ). Jantei muito bem. Toda aquela tensão me deu uma baita fome. E dormi cedo torcendo para que nenhum galo me acordasse antes de o Sol nascer.
05/01/2002, 8h da manhã, deixei Piraí (RJ)e ingressei na Dutra. Era o último dia de viagem e parecia que havia saído de Brasília ontem. Logo cheguei à descida da Serra das Araras, que tem um visual belíssimo e cheirava a manga. As mangueiras chegam à beirada da pista. Elas caem de maduras e os carros passam e as esmagam, daí o forte odor da fruta.
O dia estava belíssimo. Comecei a descida às 10h. São 10 quilômetros , mas como parei muito para fotografar e curtir a paisagem gastei uma hora para descer a Serra das Araras. Embora não tenha acostamento, a descida é muito segura. Os veículos pesados descem bem devagar e eu ia atrás de um deles, a uma distância de segurança, de forma que quem viesse atrás de mim, também em marcha reduzida, me via com clareza.
DESCIDA SERRA DAS ARARAS. VIA DUTRA. Foto: Fernando Mendes.
DESCIDA SERRA DAS ARARAS. VIA DUTRA. Foto: Fernando Mendes.
CENTRAL DO BRASIL. Foto: Fernando Mendes.
ENSEADA DE BOTAFOGO. Foto: Fernando Mendes.
Concluí a descida das Araras às 11h e ingressei na Baixada Fluminense, que mais parecia a sucursal do inferno. Passei pelos municípios de Seropédica (RJ), Queimados (RJ), Nova Iguaçu (RJ), Belford Roxo (RJ) e São João de Meriti (RJ). Do final da descida da serra ao Trevo das Margaridas, na Avenida Brasil, percorri 40 quilômetros. Às 12h em ponto, liguei o meu walk man e sintonizei na Rádio Tupi (1.280 mHz) para escutar a Patrulha da Cidade, há 40 anos líder de audiência. É o melhor programa policial humorístico do rádio brasileiro.
Penetrei na Avenida Brasil, em Parada de Lucas, às 13h 30. Como era sábado, o movimento de ônibus na pista lateral estava pequeno. Com pouco movimento na Avenida Brasil, exceto nas imediações do Piscinão de Ramos, fiz em uma hora o trecho que vai do Trevo das Margaridas à Rodoviária Novo Rio.
Às 14h 30 parei no posto Ipiranga em frente à Rodoviária Novo Rio. Tomei um Mate Leão gelado e prossegui pela Avenida Francisco Bicalho até o Viaduto dos Marinheiros, passando pela Estação da Leopoldina e alcancei a Av. Presidente Vargas sem maiores dificuldades, afinal era sábado e o trânsito estava tranqüilo no centro da cidade.
Às 15h estava em frete à Central do Brasil. Tirei uma foto do relógio para registrar aquela minha triunfal, porém silenciosa, chegada ao Rio, vindo de Brasília, pedalando por 11 dias consecutivos. Será que as pessoas que me viam poderiam imaginar que eu estava vindo de tão longe?
Foi essa a sensação que tive quando parei no sinal da Presidente Vargas com a Avenida Passos. A galera que estava dentro de um ônibus ficou olhando e imaginando de onde aquele cara, cheio de tralhas, poderia estar vindo?
Aos sábados, a pista lateral da Presidente Vargas é fechada servindo de estacionamento para quem vai à Saara fazer compras. Pedalei por ali e cheguei rápido à Candelária.
Passei sob o viaduto da Praça XV e, em pouco tempo, estava em frente ao Aeroporto Santos Dumont. Ingressei na ciclovia, que começa no Museu de Arte Moderna - MAM, e fui em frente. Me sentia [quase] em casa. Era uma tarde típica de verão. O céu claro e o Sol forte, sinal de praias cheias.
Ao passar pela Praia do Flamengo, uma multidão aproveitava aquele dia de muito calor para refrescar-se, mesmo sendo poluída. Até na Enseada de Botafogo, mais poluída do que nunca, havia muitos banhistas. Eram 15h 30 quando sai do Túnel do Pasmado, passando pelo Canecão e Rio Sul e, ao sair do Túnel Novo, na Avenida Princesa Isabel, a brisa do mar de Copacabana foi sentida. Eu havia conseguido.
Esse ar de chegada ao Rio não tem igual. Cheiro de mar, de maresia, Sol forte e praias cheias. Atravessei no sinal em frente ao Hotel Meridien e peguei a ciclovia em Copacabana até o Posto Seis. Rumei pela Rua Francisco Otaviano e saí na Praia de Ipanema, na esquina do velho Barril 1.800. Segui até o Leblon pela ciclovia e, após atravessar a ponte sobre o canal do Jardim de Alah, a última ponte que cruzei entre tantas no caminho, pedalei os últimos metros até a garagem de casa e BINGO. Pontualmente 16h.
Eu havia conseguido realizar o antigo desejo. Havia pedalado 1.550 quilômetros e cumpri a viagem Brasília X Rio em 11 dias, com uma média de 140,9 km/dia. Agradeci por isso, guardei a bike em casa, fiz algumas ligações informando a minha chegada e fui para a praia.
Naquela noite, antes de dormir, lembrei-me do dia 7 de setembro de 1964, quando fiz a minha primeira viagem pela Via Dutra. Fomos eu, meus pais e minha tia Anete, do Rio a SP. A viagem, no Fusca 61, durou 12 horas e a minha tia contou-me inúmeras vezes as estórias do livro de fábulas dos Irmãos Grimm (Contos de Grimm é uma coletânea de contos de fadas e outros contos, publicada, inicialmente, em 1812 por Jacob e Wilhelm Grimm).
Quem diria que, 38 anos depois, eu, que vi a Dutra por meio da janela do Fusca, estaria a percorrê-la de bicicleta, realizando um desejo antigo.
Viver é ter a chance da surpresa.
“Se o Sol vem saindo eu já vou partindo e quando anoitece estou noutro lugar ”
(Cortando Estradão, de Almir Sater).
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