Viagem de Bike Aparecida (SP) a Brasília (DF). Julho 2008.
VIAGEM DE BIKE APARECIDA (SP)
A BRASÍLIA (DF).
1.146 QUILÔMETROS.
APARECIDA (SP) X BRASÍLIA (DF) | ||||
DATA | DE | PARA | KM | ACUMULADO |
11/07/2008 | APARECIDA (SP) | SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (SP) | 75 | 75 |
12/07/2008 | DIA EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (SP) |
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13/07/2008 | SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (SP) | ATIBAIA (SP) | 95 | 170 |
14/07/2008 | ATIBAIA (SP) | LIMEIRA (SP) | 111 | 281 |
15/07/2008 | LIMEIRA (SP) | RIBEIRÃO PRETO (SP) | 163 | 444 |
16/07/2008 | RIBEIRÃO PRETO (SP) | UBERABA (MG) | 180 | 624 |
17/07/2008 | UBERABA (MG) | UBERLÂNDIA (MG) | 112 | 736 |
18/07/2008 | UBERLÂNDIA (MG) | CATALÃO (GO) | 100 | 836 |
19/07/2008 | CATALÃO (GO) | HOTEL SONHO VERDE (GO) | 150 | 986 |
20/07/2008 | HOTEL SONHO VERDE (GO) | BRASÍLIA (DF) | 160 | 1.146 |
MÉDIA: 127 km/DIA. |
Mesmo muito abalado com a morte, um mês antes, de meu querido pai, que sempre acompanhava [a distância] minhas aventuras em duas rodas pelo Brasil, essa viagem foi um desafio aos meus limites físico e mental.
Por sugestão de meu irmão Aldo, no dia 05/07/2008, partimos [de carro] para Águas da Prata (SP). O objetivo era percorrer [de bike] partes do Caminho da Fé até Campos do Jordão (SP), alcançada em 08/07/2008.
No dia seguinte, ele e família voltaram para Brasília (DF). Eu fiquei, desci [de bike] a Serra da Mantiqueira pela Rodovia SP-123, ingressei no Vale do Paraíba e cheguei ao Santuário Nacional por volta das 17h.
O crepúsculo vespertino me brindou com céu cor de laranja, que deixou as partes mais elevadas da Serra da Mantiqueira com cores lavanda e rosa. Entrei no Santuário e ali fiquei por quase duas horas.
Quando saí à rua, havia anoitecido. Entrei num restaurante para jantar. Naquele momento senti-me aliviado e tranquilo. Talvez meu pai estivesse comigo, preparando-se para o pedal Aparecida (SP) a Brasília (DF).
Aparecida nunca foi, não é
e jamais será do NORTE.
11/07/2008 | Aparecida (SP) a São José dos Campos (SP) | 75 km |
Acordei pouco antes das 9h. Tomei café e fui ao Santuário assistir à missa das 10h. Às 11h voltei ao hotel, arrumei a bike e parti. Pelo retrovisor, vi o Santuário Nacional de Aparecida diminuindo. Era meio-dia em ponto.
Pela BR-488 1, a rodovia que liga o Santuário à Via Dutra, comecei a minha jornada pedalando devagar para vencer uma subida leve, porém longa.
Ingressei na Dutra (BR-116) e parei logo à frente, no Restaurante da Rede Frango Assado. Era hora do almoço.
Às 12h 16, voltei à Dutra depois de almoçar muito bem. Saquei uns reais no Banco 24 horas, localizado na área externa do restaurante e tomei a proa de São José dos Campos (SP), 75 quilômetros à frente.
Às 12h 33 Roseira (SP) passou no meu través oeste e continuei pedalando forte. Como a minha direção geral era sul, pedalava paralelamente à Serra da Mantiqueira, a minha direita, no ponto cardeal oeste.
Às 13h 48, Taubaté (SP) foi atravessada em alto giro do pedal. Sete quilômetros à frente, parei no Frango Assado para hidratação. Eram 14h. Foi possível perceber a trajetória do Sol, escorrendo lentamente para o oeste e não tardaria para esconder-se atrás da Mantiqueira. Faltavam 43 quilômetros para São José dos Campos (SP)2, o maior polo de tecnologia da América Latina na área aeroespacial.
(2) O município abriga a Embraer, a 3º maior fabricante de aviões da Terra. O ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), que possui cursos de graduação e pós-graduação em áreas ligadas à engenharia, principalmente no setor aeroespacial. É considerada uma das melhores Instituições de Ensino Superior do Brasil. São José também conta com o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), fornece a previsão do tempo e monitora queimadas pelo País e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), que reúne um expressivo contingente de alto nível, na ordem de 5.500 militares e servidores civis, dentre engenheiros, pesquisadores e técnicos nas mais diversas especialidades e áreas, que atuam em projetos de vanguarda e de grande valor estratégico para o País. E por último a Avibras Indústria Aerospacial é uma companhia brasileira que projeta, desenvolve e fabrica produtos e serviços de defesa. Sua escala de produtos abrange artilharia e sistemas de defesa aéreos, foguetes e mísseis. A empresa também fabrica veículos armados. A Avibras atua também na área do transporte civil. Com uma divisão chamada Tectran fabrica equipamentos de telecomunicação, equipamento industrial eletrônico (Powertronics), pintura e explosivos automotrizes.
Cheguei a São José dos Campos (SP), às 16h 33. Abandonei a Dutra e acessei a pista marginal. Após o Shopping Centervale, segui à direita para alcançar o Hotel Bonaparte. O sol, posto àquela hora atrás da Mantiqueira, deixou o céu alaranjado.
No dia seguinte não houve pedal. Programei passar o sábado em São José dos Campos (SP) para ir à missa das 19h. Fazia um mês do falecimento de meu pai.
Tirei uma soneca depois do banho e, ao acordar, desci para o jantar. Após, saí para um rolezinho pelas cercanias do Bonaparte, tomei delicioso expresso no Centervale Shopping, voltei ao hotel e entreguei-me à química digestiva, adormecendo rapidamente. Brasília (DF) a 1.071 quilômetros.
12/07/2008 | Dia em São José dos Campos (SP) |
Acordei com hóspedes barulhentos fazendo zoada no corredor. Eram 7h. Muito cedo. Voltei a dormir. Não consegui. Desci e tomei delicioso café da manhã. Como não houve pedal naquele sábado, pude ficar mais tempo degustando meu dejejum.
Quando o Jornal da Record terminou, saí em busca uma lavanderia que desse jeito nas roupas sujas que, àquela altura, eram mais numerosas do que as peças limpas.
Voltei ao Shopping Centervale e acomodei-me numa poltrona na Livraria Cultura. Lá, me deliciei lendo o Guia Nascentes do Paraíba do Sul 3, "rio que atravessa três Estados (SP, RJ e MG), passa por 168 municípios e abastece uma população de 14 milhões de pessoas. Irriga mais de 60 mil hectares (ha) de plantações e é utilizado para produção de energia elétrica. Sua foz é na Praia de Atafona, no município de São João da Barra (RJ), litoral norte do Estado do Rio de Janeiro".
Almocei no Spoletto e voltei sonolento para o hotel. Acordei pouco antes das 18h. Banhei e fui à missa das 19h, que terminou lá pelas 20h.
Fiz um lanche próximo à igreja e fui para o terraço do hotel ver São José dos Campos (SP) do alto. A noite estava azulada e a Lua, em fase minguante, tardaria a nascer. Com muitos andares, o Bonaparte se eleva mais em relação aos demais prédios adjacentes, de forma que é possível ver o Aeroporto, o DCTA, a Embraer e o frenético movimento na Via Dutra. Quando deu a hora, desci para descansar. 95 quilômetros me aguardavam no dia seguinte. Sonhei com meu pai.
13/07/2008 | São José dos Campos (SP) a Atibaia (SP) | 95 km |
Não tive pressa em sair. Acordei às 9h, tomei café prolongadamente, voltei ao quarto para arrumar a bagagem e, às 11h, deixei São José dos Campos (SP), ingressando na Via Dutra, pela alça de acesso no km 151, próximo ao Carrefour. Apesar de ser domingo, o movimento era intenso. O sol, quase no zênite, aquecia-me bem. Meu termômetro de bolso marcava 22ºC.
Às 12h, passei pelo pedágio em Jacareí (SP) e, logo à frente, parei no Frango Assado. Degustei delicioso suco de uva, enchi as garrafas com água e voltei à lida. Um quilômetro à frente, na saída 169, abandonei a Dutra (BR-116) e ingressei na Rodovia D. Pedro I (SP-065), que segue para Campinas (SP). Pontualmente 13h. Faltavam 75 quilômetros para Atibaia (SP). Pretendia fazer esse trecho em quatro horas, de forma que chegaria antes do pôr do sol.
A Rodovia D. Pedro I (SP-065) tem três faixas de rolamento em cada sentido e canteiro central em forma de V. O acostamento tem 3,10 metros, o que proporciona uma pedalada segura.
Os primeiros dois quilômetros foram fáceis. Um leve e prolongado declive, permitiu que deixasse a bike ir na inércia. Depois um aclive moderado até a ponte sobre a linha férrea operada pela MRS Logística. Daí em diante, forte descida até a ponte sobre o Rio Parateí.
E uma subida insana de seis quilômetros pela proa veio a seguir e foi vencida sem maiores dificuldades. Depois trechos com sobe e desce moderados se alternam até chegar à ponte que atravessa a colossal Represa de Igaratá, resultado do barramento do curso do Rio Jaguari, que é um afluente da margem esquerda do Rio Paraíba do Sul.
Faltavam 25 quilômetros para Atibaia (SP). Eram 16h. Esse trecho final é quase todo feito área plana, com descidas e subidas discretas, de forma que consegui vencê-lo em pouco mais de uma hora.
Às 17h15, abandonei a SP-065 e pela alça de acesso a Atibaia (SP), no km 75, entrei no perímetro urbano, encarei uma subida animal (Rua Major Juvenal Alvim) até chegar à rodoviária, virar à direita e terminar a jornada no Hotel Panorama. Eram 17h 27. O dia rendeu. 95 km em seis horas, incluindo paradas. Nada mal.
Depois de banho merecido, saí para um rolezinho e passei em frente a um restaurante chinês (Aiko). Um cartaz na porta informava que a abertura seria às 19h. Andei mais um pouco pela cidade e isso aumentou a minha fome. Às 19h encontrava-me à porta do Aiko. Jantar formidável. Ainda caminhei um pouco mais até dar a hora de dormir. Às 21h estava de volta ao Panorama e cama. Noite agradável. 17ºC. Dormi muito e bem, mas não tive sonhos. Brasília (DF) a 976 quilômetros.
14/07/2008 | Atibaia (SP) a Limeira (SP) | 111 km |
Acordei às 9h e saí às 10h. Definitivamente sair cedo não é comigo.
Às 10h 30 voltei à SP-065 e agora com proa geral oeste, rumei na direção de Campinas (SP). 31 quilômetros à frente, passei por Jarinu (SP) no meu través sul. Era meio-dia. Hora do almoço. Parei no Posto Jarinu e degustei delicioso prato comercial com duas Cocas bem geladas.
Às 12h 23, de volta à estrada, percorri os 15 quilômetros até o trevo de Itatiba (SP) em quase uma hora. Outra parada para hidratação. Fazia calor àquela altura dos acontecimentos. Meu termômetro de bolso marcava 28ºC. Foi o dia mais quente até então.
De Itatiba (SP) a Campinas (SP) foram 39 quilômetros de muito movimento. À medida que a cidade campineira ficava mais próxima, o fluxo de veículos aumentava e o desejo de deixar aquela estrada aumentava igualmente.
Às 15h 07, finalmente a SP-065 terminou, desembocando na SP-330, a Via Anhanguera que segue na proa norte até a divisa com MG, 346 quilômetros à frente. Para Limeira (SP), faltavam 44 quilômetros, percorridos mansamente em 2 hora e meia.
Às 17h 37, cheguei a Limeira (SP) e hospedei-me no Plaza Hotel, ao lado da Concessionária Germânica (Volkswagen). Belo pôr do sol registrado após fazer o check-in.
Foto: Fernando Mendes.
À noite jantei deliciosa comida num quiosque que não dei nada quando passei por ele. Voltei ao Plaza e deitei para merecido sono. Mas o barulho de carros passando sob a janela me incomodou. Coloquei as pelotas de silicone nos ouvidos. O barulho sumiu e o sono logo chegou.
15/07/2008 | Limeira (SP) a Ribeirão preto (SP) | 163 km |
Acordei às 10h da manhã. Não acreditei quando vi a hora no relógio de pulso. Dei um pulo da cama. “Caracoles, a essa hora eu deveria estar pedalando, provavelmente passando por Araras (SP)”. Arrumei as tralhas na maior correria, tive que tomar café da manhã na padaria porque perdi o café do hotel e, somente, às 11h consegui voltar à SP-330 e continuar na proa norte.
Não poderia fazer muitas paradas. Precisava tirar (pelo menos parte) do atraso de duas horas. Mas a chegada a Ribeirão Preto (SP) seria no escurão da noite, lá pelas 20h.
Pedalei em giro rápido até Araras (SP), 24 quilômetros à frente de Limeira (SP), chegando às 13h 13. Abasteci as garrafas com água e o estômago com deliciosa macarronada e três Cocas. Parti às 13h 46.
A próxima parada foi feita 42 quilômetros à frente, em Pirassununga (SP), no Graal Coral (km 210 da Anhanguera). Eram 15h 46.
O sol escorria mansamente para o poente, agora à minha esquerda, uma vez que seguia para o norte. Não teria mais do que 2 horas de luz natural.
Foto: Fernando Mendes.
De Pirassununga (SP) a Porto Ferreira (SP), a terra da cerâmica, foram 20 quilômetros. Parada para degustar doce de leite com Coca. Senti que precisava de açúcar. Eram 17h. Faltavam 80 quilômetros para Ribeirão Preto (SP).
A passagem pelo trevo de acesso a Santa Rita do Passa Quatro (SP) se deu na hora do pôr do sol. Parei para contemplar e fotografar. Senti que a temperatura começava a cair. Vesti o casaco e liguei as luzes de sinalização da bike. Antes das 18h, ficou escuro igual a asfalto novo. Faltavam 60 quilômetros para Ribeirão Preto (SP).
Às 20h, depois de encarar longas subidas, cheguei a Cravinhos (SP). Faltavam 27 quilômetros para Ribeirão Preto (SP). Noite sem lua e com céu sem nuvens. Pedalava sob o manto das estrelas. Perder a hora em Limeira (SP) acabou não sendo tão ruim assim. Afinal se tivesse parado antes de escurecer, perderia esse espetáculo.
Às 21h 15, depois de pedalar por um longo platô, veio uma descida forte e Ribeirão Preto (SP) foi avistada lá em baixo, toda iluminada, parecia que o céu desceu ao chão.
Parei na Churrascaria Bandeirantes. Foram 10 horas e 15 minutos de viagem. Cheguei bem e esfomeado. Parti para um rodízio e depois fui para o hotel, anexo à churrascaria. Estava bem, com o cronograma em dia, mas sentia-me cansado. Precisava dormir bem. No dia seguinte, teria 180 quilômetros até Uberaba (MG).
Noite dos horrores. Longa e barulhenta. Um grupo de motoqueiros viajantes resolveu acampar nas cercanias do hotel. Fizeram a maior algazarra a noite/madrugada. Mesmo com as pelotas de silicone nos ouvidos, o barulho era infernal. Dormi mal e pouco. Fez muito frio. Mas o pior ainda estava por vir.
16/07/2008 | Ribeirão preto (SP) a Uberaba (MG) | 180 km |
Às 6h da manhã, ainda escuro, os motoqueiros bateram em retirada. Sentindo o corpo moído pela noite mal dormida, saí do quarto para tomar café no restaurante ao lado. Não acreditei no frio que fazia. Meu termômetro registrava 8 ºC. Impossível começar uma viagem com aquela temperatura polar. Voltei para cama e recostei-me na cabeceira. Adormeci sentado.
Acordei às 8h. A vontade que me deu foi de dormir até o outro dia. Mas não podia atrasar-me. Minha chegada a Brasília (DF) estava confirmada para domingo (20). Na segunda-feira (21) havia trabalho me esperando na escola. Ou continuava a viagem pedalando, ou terminava ali e voltava para casa de ônibus. Mas eu não sou de desistir assim tão facilmente. Prevaleceu a disciplina. Arrumei as tralhas, tomei café e parti com temperatura em 12ºC. Eram 8h 30. Dia cascudo.
Às 10h, emparelhei com a Ponte Ferroviária da FCA em Jardinópolis (SP). Apesar de o sol brilhar, a temperatura continuava baixa. E assim se manteve até Uberaba (MG).
E veio um trecho recheado de subidas após a ponte sobre o Rio Pardo, que divide os municípios de Ribeirão Preto (SP) e Jardinópolis (SP). Parada no Jardinópolis Auto Posto. O frio continuava. Usava calças compridas. Água das garrafas completadas, segui meu destino.
Uberaba (MG) a 153 quilômetros. Eram 10h 30. Se percorresse os 153 km em dez horas, chegaria a Uberaba (MG) lá pelas 22h 30. Outro trecho sendo pedalado no escurão da noite e sob o manto das estrelas. Nada mal.
Foto: Fernando Mendes.
Cheguei ao trevo de acesso a Sales de Oliveira (SP) às 11h 30. Cedo para almoçar. Estiquei as pernas e senti que o sono queria me pegar. Tomei um bom expresso com uma Coca e segui, sempre na direção geral norte, para Orlândia (SP), 11 quilômetros à frente. Parei no Auto Posto Manga-larga. Era meio-dia e meia. Hora da boia. Uberaba (MG) a 113 quilômetros.
Às 13h 11, com vento contra, voltei a pedalar e a sentir sono. 16 quilômetros à frente, São Joaquim da Barra (SP) passou no meu través leste. Aproveitei a longa reta que atravessa o perímetro urbano para imprimir ritmo mais veloz. E assim mantive as pedaladas rápidas até Guará (SP), 18 quilômetros à frente. Parei numa sorveteria às margens da Anhanguera. Eram 14h 55. O sol, a minha esquerda brilhava, mas a temperatura continuava baixa. Meu termômetro marcava 18ºC. Foi a hora mais quente daquele dia.
Tomei sorvete de flocos na casquinha. Uma pérola. Uberaba a 84 quilômetros. Como ainda dispunha de pouca mais de duas horas de luz natural, estimei que o pôr do sol seria em Aramina (SP), 38 quilômetros à frente. Voltei a imprimir ritmo forte, apesar de o trecho ser bem ondulado. Subidas e descidas fortes.
A pequena Ituverava (SP) foi alcançada às 16h e o giro continuava alto até o pneu traseiro ser atingido por um prego. Perdi 15 minutos preciosos minutos na troca, mas o moral não caiu. Antes de Aramina (SP), o sol foi para o Japão. Vesti o casaco. A temperatura descia a ladeira. O termômetro marcava 15ºC.
Faltavam 11 quilômetros para a divisa SP/MG, na ponte sobre o Rio Grande, atingida às 19h 06.
Embora Uberaba (MG) estivesse diminutos 30 quilômetros à frente, a mudança de estado leva à mudança nas condições da estrada.
Naquele ponto, acaba a Rodovia Anhanguera, sob concessão, pedagiada e com padrão europeu e começa a BR-050, com acostamento tomado pelo mato, asfalto gasto e sinalização horizontal (faixas pintadas no asfalto) precária.
Após o registro da passagem pela divisa SP/MG, respirei fundo pra encarar o pior trecho daquele dia. Mas antes, para relaxar, uma olhada mais demorada para o céu, salpicado de estrelas, numa noite sem Lua. Era o penúltimo dia de Lua Minguante. Nesse dia, ela nasceu por volta das 4h da manhã.
Contemplei aquele manto de estrelas e conversei com meu pai como se ele estivesse realmente ali comigo. Talvez tenha estado por um instante ou o tempo todo da minha viagem.
Ao entrar em Minas Gerais, agora pedalando pela BR-050, nota-se a péssima qualidade da estrada. O mato invadiu o acostamento, me obrigando a, volta e meia, pedalar pela pista, muito movimentada àquela hora por vários caminhões. Era um olho na pista e outro no retrovisor. Era possível ver as luzes de Uberaba (MG) bem à frente, no alto de um platô. Isso significa dizer que até lá, tome subida. E cada uma mais extensa que a outra, intervaladas por pequenas retas.
Às 20h 30 parei no Posto Zebu para mais uma Coca. Naquele ritmo e com a estrada muito ruim, gastaria, pelo menos, umas duas horas para chegar. Mas estava quase lá. Faltava pouco. Com paciência e prudência fui vencendo, em meio à escuridão, cada quilômetro que me separava de Uberaba (MG).
Às 21h 14 avistei as primeiras luzes que marcam o início do perímetro urbano da cidade. Parei no Posto BR. Faltavam exatos 20 quilômetros para o Hotel Antares, da Rede Graal, onde me hospedei. Mais uma Coca e força para a etapa derradeira.
Depois de uma noite pessimamente mal dormida, encarar 180 quilômetros, sendo os últimos 30 em condições adversas, até que não foi um dia ruim.
Às 21h 57, avistei o letreiro luminoso com a inconfundível logomarca da Rede Graal. Em silêncio comemorei minha chegada. Nesse dia, creio que testei todos os meus limites físicos e psicológicos. Mas cheguei bem e isso é o que importa.
Fui à recepção do Hotel, registrei-me e segui para o quarto. Estava começando Fluminense e Palmeiras pelo Brasileirão 2008. Enquanto desarrumava as tralhas, gol do Fluminense. Fui tomar banho. Quando saí do Banheiro, gol do Palmeiras. Fui jantar no restaurante do hotel. Enquanto me servia, gol do Palmeiras. Quando voltei ao quarto, gol do Palmeiras. Desisti e fui dormir o sono dos justos. Depois do banho e refeição, relaxei de tal modo que até para me virar na cama foi difícil. Sonhei que pedalava à beira-mar. Brasília (DF) a 527 quilômetros.
17/07/2008 | Uberaba (MG) a Uberlândia (MG) | 112 km |
Acordei às 10h, mas sem estresse. Naquele dia, o trecho a ser cumprido até Uberlândia (MG) tem apenas 112 quilômetros, percorrido em, no máximo, 7 horas. Tomei café, levei a câmara furada no dia anterior para o borracheiro remendar e às 11h parti.
O Hotel Antares fica às margens da BR-050. Basta descer uma rampa e pronto, estava na proa de Uberlândia (MG). O sol, quase no zênite, espantou o frio dos últimos dias. Fazia 27º C.
Após 20 quilômetros, almoço no Posto Shell Evolux. Eram 12h. Detonei delicioso pernil com arroz, feijão, farofa, salada, ovo e duas Cocas. Uberlândia (MG) 92 quilômetros à frente.
De volta ao giro, veio um trecho com muitas subidas, a começar pela ascensão após o posto. São quatro quilômetros com inclinação na casa dos 7%. Isso é relevo de serra, não de planalto. Mas subi tudo.
Ao terminar, avistei um Ford K parado no acostamento. Quando estava prestes a ultrapassá-lo, a motorista abriu a porta e pediu que parasse. Ela descreveu a pane e pediu meu celular para ligar para o SOS da Sul América Seguros. O celular dela, embora carregado, não captava nenhum sinal da região. Pareceu-me muito nervosa. Dizia ter medo de ser assaltada. No carro com ela seguia um menino (filho) de uns dez anos. O sinal estava fraco. Então atravessei a estrada e fui testar a intensidade do sinal do outro lado, subindo um pequeno promontório. Rapidamente a qualidade melhorou. Ela foi até mim, fez a ligação para Sul América em Uberaba (MG) e foi informada que o socorro chegaria em uma hora.
Foto: Fernando Mendes.
Agradeceu-me e segui meu caminho. Minha boa ação daquele dia estava feita. Quatro quilômetros à frente, ao passar pelo Posto da Polícia Rodoviária Federal, presenciei uma cena um tanto quanto rara. Seis ônibus piratas estavam sendo autuados. Os passageiros foram desembarcados e ficaram no aguardo de ônibus legalizados para seguirem viagem. Vinham de São Paulo (SP) e estavam a caminho de Floriano (PI).
Às 14h 14, pausa num Posto BR para refrescar o corpo. Fazia 30°C. Molhei bem a cabeça e a nuca e deixei a água escorrer para arrefecer a temperatura corporal. Faltavam 54 quilômetros para Uberlândia (MG). O Sol castigava a pele, mesmo com protetor solar. Para minha alegria, o restaurante serve tigela de açaí. Detonei uma de 700 ml, com banana e morango. Era a energia que faltava para chegar bem ao destino.
Em três horas, alcancei o perímetro de Uberlândia (MG). Eram 17h 37. Acomodei-me no Motel Ele & Ela. Deixei para atravessar a parte central da cidade, com trânsito intenso, no dia seguinte.
Devo ter ficado perto de uma hora debaixo do chuveiro. Foi o melhor banho dessa viagem. Mais tarde pedi o jantar, fiz algumas contas de km e R$ e adormeci antes do “boa noite” do Jornal Nacional. Até ali, foram seis dias de viagem, com 736 quilômetros e média de 122 km/dia. Boa média. Brasília (DF) a 410 quilômetros.
18/07/2008 | Uberlândia (MG) a Catalão (GO) | 100 km |
Ao acordar, percebi que o pneu traseiro estava descalibrado. Depois do café, paguei a conta e no primeiro posto, os pneus foram calibrados. Se voltasse a murchar, teria que substituir a câmara. Eram 8h de uma deslumbrante manhã de inverno nos trópicos. Céu de brigadeiro, sem nuvens e temperatura em 21°C. Condições ideais para início de viagem.
A travessia da região central de Uberlândia (MG) sempre foi tensa. Muito movimento e pouco espaço para a bike. Mas com calma e devagar, alcancei, às 9h 11, o trevo de acesso a Araguari (MG) e Brasília (DF). Virei à direita e continuei pela BR - 050.
Após o trevo, vem uma reta com postos de combustíveis em ambos os lados, assim como motéis e haras. Aos poucos a estrada vai inclinando para baixo. Após o Posto Décio Buriti, começa uma descida alucinante de quatro quilômetros, que vai terminar na ponte sobre o Rio Araguari, marco natural da divisa Uberlândia (MG) - Araguari (MG).
Vencida a ponte, preparei as canelas. Subida de 10 quilômetros, que terminou no perímetro urbano de Araguari (MG). Pedala um pouquinho, fotografa um pouquinho e descansa um pouquinho. Eram 10h 11 quando comecei a subir.
Às 11h 42 cheguei ao topo. Senti a bike dançando. Pneu traseiro murcho. Parei no Posto Cerradão, troquei a câmara e aproveitei para fazer o rodízio dos pneus. Terminada essa tarefa, almoço.
Às 13h, sob um sol saariano, voltei à estrada, embora desejasse uma rede acompanhada de frondosa sombra. Catalão (GO) a 74 quilômetros.
Terminado o perímetro urbano de Araguari (MG), passei pelo trevo de acesso a Caldas Novas (GO) e iniciei a forte descida, com 10 quilômetros de extensão, rumo à ponte sobre o Rio Jordão. Alucinante. Passada a ponte, veio uma subida de três quilômetros até o trevo de acesso a Cascalho Rico (MG). Outra descida e outra subida e assim a estrada se apresenta até a ponte sobre o Rio Paranaíba, que marca a divisa de MG/GO. Eram 15h 26
Depois de detonar duas Cocas no restaurante contíguo à ponte, entrei em Goiás e afinei as canelas.
Veio o trecho mais difícil do dia. Os 34 quilômetros restantes para atingir Catalão (GO), são percorridos, a maior parte, em subidas longas, intervaladas por curtas retas. Às 16h o acesso a Cumari e Anhanguera passou no meu través oeste e continuei na lida do pedal, pretendendo chegar sem fazer nenhuma parada.
Como a direção geral continuava a ser norte, o sol, a minha esquerda, ia brincando de esconde-esconde atrás das árvores do cerrado. Às 17h 15 uma placa anunciou “Catalão a 10 km”. Meia hora e pronto. Pontualmente às 17h 45, com o pouco de luz natural que restava, entrei na cidade pela Avenida José Marcelino, que me levou ao Hotel Champion. Havia carreata de um candidato a prefeito.
Depois do banho fui à pizzaria Legítima Pizza Paulistana e fartei-me com deliciosa pizza de escarola. Muito boa. Duas Cocas e o dia estava ganho. Brasília a 310 quilômetros. 836 quilômetros ficaram para trás desde a saída de Aparecida (SP).
Quando deitei, repassei cada etapa da viagem. Sentia-me bem no corpo, na alma e no coração. Mais uma viagem prestes a ser concluída. Acordei às 2h da manhã com o apito do trem da FCA que corta a cidade sempre nesse horário.
18/07/2008 | Catalão (GO) ao Hotel Sonho Verde (GO) | 150 km |
Parti de Catalão (GO) às 9h de um sábado ensolarado, céu sem nuvens e forte vento lateral, sentido quando entrei na BR-050. Na primeira subida, bike bambeou por causa do vento. Seria (e foi) um dia difícil. A umidade relativa do ar andava muito baixa, comum nessa época do ano no Planalto Central, associada à intensidade do vento, tornaram a jornada muito penosa.
Às 11h 30, depois de pedalar 30 quilômetros apenas (média de 15 km/h), cheguei ao Posto Eldorado. A boca e a garganta estavam secas. A água acabara uns três quilômetros antes. Tomei água mineral sem gás misturada à água mineral com gás. Um litro. Uma delícia. Comprei duas garrafas de 1,5 litro para enfrentar tempo deveras seco.
Às 12h deixei o Eldorado, quatro quilômetros à frente passei pela pacata Pires Belo (GO), onde parei para almoçar no Posto Pacheco. Deliciosa carne desfiada com mandioca, arroz e feijão. Show de bola. Descansei por 20 minutos e voltei à estrada.
A parti dali, as subidas são fortes até Campo Alegre (GO), 37 quilômetros à frente, onde cheguei por volta das 15h. Fazia muito calor. Parei no Posto Xará e comprei mais duas garrafas de 1,5 litro com água mineral.
O Hotel Sonho Verde estava a 80 quilômetros à frente. Calculei que, se percorresse esse trecho [de 80 km] em quatro horas, chegaria ao Sonho Verde às 19h. Pedalaria apenas uma hora sob o manto da noite.
Às 15h 21 toquei em frente até a Pamonharia Paineira, onde cheguei às 16h 31. Mais água goela abaixo. Estimei que a umidade relativa do ar devesse estar em torno dos 20%. Cada pedalada, um gole de água. O vento deu uma trégua. O calor, não.
Por volta das 17h 17, parei no Posto Ponte Alta. O pôr do sol foi um espetáculo à parte, num dia seco e quente. E logo escureceu. Os 21 quilômetros finais daquela sábado foram pedalados, inicialmente, com uma aquarela de cores à minha esquerda (oeste). Rapidamente o manto da noite baixou sobre a BR-050.
Muitas estrelas sobre mim e logo o fino halo da Lua Nova foi visto no poente. Era o segundo dia dessa fase tão especial da Lua, pelo menos pra mim. Parece o sorriso do Gato, do desenho Alice no País das Maravilhas.
Cheguei ao Sonho Verde ao mesmo tempo em que a Lua Nova pousava no horizonte do Planalto Central. Foram 150 quilômetros puxados. Muito vento, umidade baixa e temperatura alta.
Jantei deliciosa macarronada e cama. Brasília (DF) a 160 quilômetros. A viagem estava a um dia do término. Vontade de começar outra, assim que essa terminar.
18/07/2008 | Hotel Sonho Verde (GO) a Brasília (DF) | 160 km |
Nesse último dia de pedal, coloquei o despertador para às 7 horas. Precisava sair, no máximo, às 8h. E assim fiz. 32 quilômetros à frente e com muitas subidas cheguei a Cristalina (GO), o município mais elevado do Centro-Oeste do Brasil: 1.250 m de altitude. Foram três horas e meia para percorrer 32 quilômetros. Média de 9 km/h. Trecho bruto. Vento contra.
Às 10h 30 lanchei no Posto Lamar, no perímetro urbano de Cristalina (GO). Pouco antes das 11h, estava de volta à BR-050 para percorrer seus últimos quilômetros e ingressar na BR-040, que me levou até Brasília (DF), 133 quilômetros à frente.
O Posto JK passou no meu través leste, depois veio o trevo de acesso à Rodovia GO 436, também no meu través leste e uma sequência de descidas se sucederam pelos 25 quilômetros seguintes até chegar à Ponte sobre o Rio Furnas. Depois de uma honesta subida, parei na Pamonharia Acantus. Pão com linguiça e queijo. Caiu muito bem. As duas Cocas também.
Eram 12h e o sol não espera. Aquele era um dia para não pedalar à noite em hipótese alguma. Por isso tratei de apertar as pedaladas, passei pela ponte sobre o Rio São Bartolomeu, que marca a divisa dos municípios de Cristalina (GO) e Luziânia (GO), às 12h 17.
Às 14h 44, depois de subir uma encosta de chapada com quatro [longos] quilômetros, parei no Posto Corujão. Tomei um energético com Coca. Liguei para minha filha Daniela e pedi um comitê de recepção na chegada. Sugeri o Eixão Norte, fechado ao trânsito aos domingos. Ela achou legal a ideia e disse que providenciaria o comitê.
Do Posto Corujão a Luziânia (GO) são 12 quilômetros em retas extensas intervaladas por curvas suaves. Às 15h 44 Luziânia (GO) passou no meu través oeste e ingressei na região do Entorno do Distrito Federal, com seus ferros-velhos, inferninhos, botecos, restaurantes e tudo mais à beira da BR-040. Casas inacabadas com terracinhos nos quais roupas são desfraldadas em varais comunitários e crianças jogam bola em ruas sem calçamento, enquanto outras empinam pipas do alto de lajes e telhados.
É preciso muita atenção ao pedalar nessa região do Entorno. Pedestres desatentos andam pelo acostamento e se misturam aos ônibus que entram e saem dos pontos, muitas vezes sem sinalizar. As vans clandestinas disputam passageiros à tapa. Carroças e ciclistas na contramão completam esse quadro de horrores.
Às 16h 29, rápida parada num posto em Valparaíso (GO), o último município antes da divida GO/DF, alcançada às 16h 58. Entrei no Distrito Federal. Mais 38 quilômetros, minha casa. Que maravilha.
Às 17h 33, depois de atravessar o Mergulhão da Rodoviária e sair no Eixão Norte, meu lar estava a apenas cinco quilômetros. Pouco antes de chegar à quadra onde moro, o comitê de boas vindas estava à minha espera e era composto pela minha filha Daniela e pelo cãozinho dela, o Pingo. Melhor do que não ser recebido por ninguém. Dei-lhe um abraço de chegada, peguei o Pingo no colo e me despedi combinando uma pizza para mais tarde.
Terminei a noite contando sobre a viagem enquanto degustávamos deliciosa pizza. Fui para casa e desabei na minha cama. Que saudades. Adormeci refazendo os passos desde a saída de Aparecida (SP). Mais uma jornada concluída dentro do que foi planejado e cumprido. A satisfação de chegar, e chegar bem, é muito grande.
Viajar, independente do lugar aonde se vai ou o meio de transporte utilizado para tal, é um bálsamo para a alma. Ao mudar de ambiente, tudo muda.
Sempre viajo sozinho, mas sem me sentir solitário. Às vezes é salutar ficar só para estabelecer um diálogo interno e descobrir a força pessoal.
Viajar está entre as coisas que mais amo na vida. Se vivi muitas vidas, creio que passei a maioria delas viajando.
Brasília, 20 de Julho 2008.
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