Dedo de Deus. Serra dos Órgãos. Magé (RJ). Foto: Fernando Mendes.
Viagem de bicicleta Verão 2003 Rio de Janeiro - Litoral Sul Fluminense - Vale Histórico no Cone Leste Paulista - Região Serrana Fluminense - Região dos Lagos - Rio de Janeiro. |
Data | Do (de) | Para | Quilometragem |
28/12/2002 | Rio de Janeiro (RJ) | Angra dos Reis (RJ) | 182 |
29/12/2002 | Angra dos Reis (RJ) | Paraty (RJ) | 100 |
30/12/2002 | Paraty (RJ) | Trindade (RJ) | Ônibus |
31/12/2002 | Paraty (RJ) | Cunha (SP) | 50 |
01/01/2003 | Cunha (SP) | Queluz (SP) | 109 |
02/01/2003 | Queluz (SP) | Bananal (SP) | 90 |
03/02/2003 | Bananal (SP) | Quatis (RJ) | 52 |
04/01/2003 | Quatis (RJ) | Conservatória (RJ) | 54 |
05/01/2003 | Conservatória (RJ) | Rio das Flores (RJ) | 69 |
06/01/2003 | Rio das Flores (RJ) | Três Rios (RJ) | 77 |
07/01/2003 | Três Rios (RJ) | Teresópolis (RJ) | 88 |
08/01/2003 | Teresópolis (RJ) | Nova Friburgo (RJ) | 90 |
09/01/2003 | Nova Friburgo (RJ) | Sana (RJ) | 67 |
10/01/2003 | Sana (RJ) | Araruama (RJ) | 120 |
11/01/2003 | Araruama (RJ) | Rio de Janeiro (RJ) | 130 |
Total de quilômetros pedalados em 15 dias de viagem. Média de 85,2 km/dia. | 1.278 |
A ideia de fazer um giro pelo Estado do Rio de Janeiro era antiga. Chegou hora de planejar uma empreitada por terras fluminenses. Foi assim que nasceu o roteiro acima, alternando cidades conhecidas e outras não. Fui da Capital Federal [onde moro atualmente] à capital fluminense [onde nasci] de ônibus.
Deixei o Rio de Janeiro (RJ) no sábado, 28/12, sob chuva fina. Eram 4 horas da manhã. Ingressei a ciclovia e dei as primeiras pedaladas por Ipanema e Arpoador. Os quiosques estavam cheios. A turma aproveitava para se despedir do último sábado de 2002. Muitos me olhavam de forma espantada: “aonde será que esse cara vai a essa hora com toda essa bagagem e debaixo de chuva?”, imaginava.
No Posto Seis (Copacabana) pude observar o Morro do Pão de Açúcar, encoberto por forte nevoeiro. A chuva bailava ao sabor do vento. Ao final da orla de Copacabana, dobrei à esquerda e segui pela Avenida Princesa Isabel, atravessei o Túnel Coelho Cintra, o Canecão passou pelo meu través norte e, a alguns metros à frente, dobrei à esquerda e passei a pedalar pela Avenida Pasteur, que deságua na Enseada de Botafogo.
Passei pela Praia do Flamengo, Museu de Arte Moderna (MAM), Aeroporto Santos Dumont, chegando à Praça XV. Dali segui pela Rua da Assembleia, antiga Rua da Cadeia, até alcançar a 1º de Março e chegar à Avenida Presidente Vargas. Eram 5h 11.
Quando passei pela Central do Brasil, o majestoso relógio, ainda iluminado, marcava 5h 18. A chuva fina continuava. Havia pouco movimento nas ruas do centro da cidade. A chegada à Rodoviária Novo Rio foi tranquila. Atravessei a Rodrigues Alves, passei pelo JB, na Av. Rio de Janeiro, e penetrei na Avenida Brasil, altura do Caju. Fiz a primeira parada em frente à Fiocruz. Estava ensopado, apesar de a chuva não ser tão forte.
Concentrei-me no trecho que estava por vir, o pior daquele dia: pedalar por toda extensão da Avenida Brasil [58 quilômetros] até Santa Cruz, início da Rodovia Rio-Santos. A chuva apertou e isso me obrigou a vencer aquele trecho o mais rápido possível. Pedalei forte, sem parar, até Realengo, chegando às 7h 10 em um posto BR, na pista lateral da Avenida Brasil, sem perceber que clareava. A seguir, passei por Bangu, Santíssimo, Vila Kennedy e, finalmente, Santa Cruz. Eram 9h. A chuva havia parado. Abandonei a Avenida Brasil que, naquele ponto, torna-se uma pequena estrada de mão dupla. Saída à direita para ingressar na rodovia Rio - Santos, um trecho da enorme BR-101. Faltavam 120 quilômetros para Angra dos Reis (RJ).
O Sol deu, finalmente, o ar da graça. E haja Sundown, Fator 8. Levei quatro frascos. O calor não tardou a ser sentido, principalmente quando a primeira subida apareceu pela frente. É o acesso ao túnel da Rodovia Rio – Santos. De casa até ali o trajeto é todo plano. “Chovia” dentro do túnel. Ou melhor, minava água em profusão das rochas, resultado das chuvas das últimas semanas. Havia uma enorme poça d água no interior da galeria e, à medida que os veículos passavam, eu ia sendo molhado com força. Quando saí na outra extremidade, estava ensopado. Mas a roupa secou logo, pois os tecidos do short e da camisa são de dry-fit (seco rápido ao pé da letra) e logo estava pronto para outro banho, que não tardou a acontecer, ao atravessar o segundo túnel, próximo a Mangaratiba (RJ).
Era sábado, dia 28/12/2002 e, às margens da rodovia BR-101, Rio-Santos, foi possível avistar vários adoradores de Iemanjá, que faziam seus rituais à Rainha das Águas, em pequenas cachoeiras às margens da estrada. Mães e pais de santos misturavam-se aos seguidores da seita e aos curiosos, que lotavam o acostamento da estrada para ver o cerimonial.
Foto: Fernando Mendes.
Por volta das duas da tarde, fiz uma parada maior, uns 20 minutos, em um posto BR na região do Estaleiro Verolme. Fazia um calor saariano. Tomei água de coco (coco é sem acento) a R$ 0,50. Lembrei-me da viagem que fiz com minha filha Suzana por aquelas bandas no verão de 1997, ocasião em que não me imaginava percorrendo o mesmo trajeto de bicicleta.
Faltava pouco para Angra dos Reis (RJ), que não tardou a aparecer. Primeiro vi as favelas que circundam a cidade. Depois avistei, lá em baixo, a cidade, que parece parada, adormecida no tempo. Como Angra é feia. Às 15h parei em uma lanchonete próxima ao cais da Lapa. Detonei uma tigela de açaí acompanhada de um delicioso sanduíche de frango. Saí para encontrar o Hotel Eri, uma casa antiga transformada em pensão. O quarto parecia o mapa do Chile: estreito e cumprido. A bicicleta ficou no quintal. A proprietária, uma senhora muito idosa e que fala pelos cotovelos, pediu-me para não colocar a bike no quarto para não sujar as paredes. Não caberia mesmo. O quarto é tão estreito que eu, com 1,80m de estatura, não cabia deitado entre as paredes. Mal havia espaço entre a cama e a dita parede. Nada de TV no quarto, mas estava bom assim mesmo. O preço foi bem em conta e os hotéis, além de caros, estavam lotados. Depois do banho fui dar uma volta pela cidade. Jantei cedo e voltei à pensão para descansar. Havia pedalado, porta a porta, naquele dia, 182 quilômetros. No dia seguinte, mais 100 quilômetros até Paraty (RJ).
Comecei a ler, de José Saramago, a Bagagem do Viajante, tema bastante sugestivo para a ocasião. É um livro de contos. Adormeci antes do terceiro parágrafo e dormi um sono pesado, sem sonhos até ser acordado, às 6 horas da manhã, por uma ensandecida sinfonia canina. É a minha sina ser despertado dessa forma. Onde moro, em Brasília, é o mesmo inferno, principalmente nos finais de semana. Mesmo a tantos quilômetros da minha casa, não fiquei livre da ladainha matutina.
Tomei café em uma panificadora próxima à pensão, arrumei minhas tralhas e parti para Paraty (RJ), ingressando na rodovia Rio – Santos (BR-101) às 8h 30. Fazia muito calor, mais do que no dia anterior, e o movimento de automóveis na estrada aumentava a cada minuto. Parece que a passagem de ano por aquelas bandas é muito concorrida.
Angra dos Reis (RJ), assim como a maioria das cidades brasileiras, não cresce, incha. Nos arredores de Angra existe uma expansão da cidade chamada Nova Angra, formada, em sua maioria, por casas inacabadas e ruas sem pavimentação. Porém uma coisa chamou-me mais à atenção do que a forma desordenada de crescimento do lugar. Existe ali, a menos de 5 quilômetros do centro, uma distribuidora da cerveja Cintra. Em Angra eu tentei tomar dessa cerveja e não a encontrei em nenhum bar, boteco, birosca, pé sujo ou cospe grosso. Por que será? Escutei dos donos desses singelos estabelecimentos: “aqui agente só trabalhamos com cerveja de primeira”. Pareceu-me que uma máfia controla o pedaço. A cerveja Cintra é do Estado do Rio e deveria ter incentivos para concorrer com as demais. Coisas do Brasil.

Na região do Frade, as praias são belíssimas e é ali que a nobreza tem suas casas de veraneios e seus barcos suntuosos para passeios pela Baía de Angra. Do alto de uma ponte, tirei fotos espetaculares da região. Os viajantes, de dentro de seus automóveis, não têm a mesma oportunidade que os ciclistas de ver as belezas da Rio – Santos. Das pontes, por exemplo, o visual é magnífico, mas não há acostamento para veículos de quatro ou mais rodas. Mas para bicicleta os espaços existentes [nas pontes] são suficientes e seguros para parar e apreciar a paisagem. Logo surgiu a Usina Nuclear, na praia de Itaorna.
Foto: Fernando Mendes.
A Usina Nuclear, hoje nas mãos da Termonuclear, ainda continua a suscitar debates polêmicos. De um lado os elevados gastos, cerca de US$ 30 bilhões consumidos em uma empreitada cuja relação custo/benefício é bastante criticada: o elevado valor de implantação para um benefício pífio, pois a Usina gera 3% da energia elétrica consumida no País. Seu potencial é tão baixo que sequer aparece nos balanços energéticos elaborados pelo M.M.E. Do outro lado existem aqueles que defendem que, a despeito do que foi gasto, a Usina de Angra colocou o Brasil em uma era tecnológica e o País passou dominar o know-how de enriquecimento de urânio, a partir de um projeto da Marinha do Brasil. Mas o cerne da discussão está no fato de a Alemanha, que nos vendeu a tecnologia nuclear a peso de ouro, ter anunciado a desativação de suas usinas nucleares, no máximo, em 20 anos, por entender que essa forma de obtenção de energia é perigosíssima para o ambiente, além do alto custo de operação. Será que o Brasil acompanhará a decisão dos germânicos? E se o fizer como ficarão os avanços tecnológicos nacionais conseguidos na área? Jogaremos tudo fora? Em um país no qual a pobreza cresce exponencialmente, abandonar tudo resultará em investimentos perdidos. E se essa mesma quantia (US$ 30 bilhões) tivesse sido investida para barrar o avanço da pobreza e da miséria? Na Alemanha os indicadores sociais são menos perversos do que no Brasil e lá não existem as mazelas que temos por aqui. Valeu a pena ganhar espaço no campo tecnológico e depois desfazer tudo? Tecnologia é indispensável para vivermos, progredirmos e crescermos. Mas com tanta miséria a nossa volta, viver, progredir e crescer dignamente é para poucos.
Continuei a comprar água de coco (coco é sem acento) por R$ 0,50. Muitos ambulantes à beira da estrada e como o movimento de fim de ano crescia, todo mundo estava querendo faturar o seu. Por volta do meio-dia deu lerdice total. O calor era sufocante. Do asfalto subia um bafo dando a impressão de estar com o inferno sob meus pés. Se tivesse naquela hora um termômetro de precisão, não me espantaria com temperaturas registradas na casa dos 45ºC. Parei em um ponto de ônibus à beira da estrada. Deitei-me no banco. Não havia ninguém esperando pelos coletivos que rodam por ali. Continuei deitado. Creio que cheguei a cochilar. Senti que era preciso esperar um pouco antes de prosseguir. Fazia muito calor. Faltavam uns 25 quilômetros.
Paraty foi alcançada às 14h. Abandonei a Rio-Santos, dobrei à direita no trevo central da BR-101 e entrei na cidade pela Avenida Roberto Silveira. Em frente à agência do Bradesco, dobrei à esquerda e segui pela Rua João do Prado até o final. Lá, dobrei à esquerda e cheguei à Hospedaria Canto do Rio, um Albergue da Juventude, show de bola. Fica às margens do rio Perequê-Açu, tem ótimas instalações e excelente localização. No albergue todos ficaram espantados quando disse estar vindo do Rio e ainda ter mais de 1.000 a percorrer até voltar para casa. Ficamos conversando até às 17h, quando saí para almoçar. Nem senti o tempo passar. Fui o último hóspede a chegar naquele 29/12/2002, um dia muito quente e com 100 quilômetros pedalados em 5 horas e meia.
Nessa época de fim de ano, hospedar-se em Paraty é uma tarefa muito dispendiosa. As pensões e hotéis utilizam sistema de pacotes: de R$ 600,00 a R$ 900,00 cinco dias para o casal. Como viajei sozinho, nem hotéis nem pousadas quiseram hospedar-me, muito menos para pernoite. O jeito foi procurar outra forma de acomodação. Recorri, então, a essa maravilhosa ferramenta chamada Internet e nos sites de busca encontrei a Hospedaria Casa do Rio. Diária de RS 50,00. Embora pareça um preço salgado para uma pessoa, acabou ficando em conta se comparado aos preços dos pacotes vigentes nos demais estabelecimentos paratienses.
Terminado o almoço fui à rodoviária obter informações quanto aos horários dos ônibus para a praia de Trindade. Depois fui ao centro histórico. Paraty estava lotada. Às 18 horas, os alto-falantes das igrejas anunciaram a Hora do Ângelus e a canção Ave-Maria encheu o ar da cidade.
À noite, Paraty parecia uma estufa. O calor acumulado durante o dia esquentou o asfalto, as paredes e o ar. Voltei ao centro histórico, atravessei a Rua da Lapa, em toda a sua extensão, e cheguei ao cais, localizado na Rua Fresca, que de fresca não tem nada. As igrejas estavam iluminadas, as ruas fervilhavam de turistas - muitos argentinos e franceses -, os restaurantes lotados, as lanchonetes e os cafés eram pequenos para tanta gente. Era véspera de ano novo. Fazia um ano da morte da Cássia Eller.
Como era Paraty em 1640, época da fundação? Seria tão concorrida? Do ciclo do ouro, no século XVII, ao ciclo do turismo atualmente, Paraty tem mais de 300 anos de história. Será que aquela multidão que lotava a cidade tem conhecimento dessa história? Será que sabem, por exemplo, que o porto de Paraty era o segundo mais importante do Brasil? No início do ciclo do ouro, uma viagem de Ouro Preto a Paraty, transportando o precioso metal, era feita em três meses.
No dia seguinte, 31/12, segui no ônibus das 10h, que saiu às 11h, para a praia de Trindade (1).
(1) A estrada de Trindade passa pelo morro do Deus-me-livre, assim conhecido por sua dificuldade em atravessá-lo, principalmente em dia de chuva. Hoje, a situação mudou, pois a estrada está asfaltada. Isto é bom para os moradores e para os turistas, mas assusta e preocupa quando vemos um volume exagerado de pessoas, como em feriados prolongados, podendo trazer importantes conseqüências para o ambiente.
Na estrada, à esquerda, está o começo de uma trilha (que não está sinalizada) que vai para a Praia Brava. Depois de 30 minutos de caminhada, chega-se a uma praia espetacular, que está sempre deserta, rodeada de Mata Atlântica. As ondas são fortes e tem fonte de água doce. Voltando à estrada e seguindo em frente, chega-se à Praia do Cepilho, a preferida dos surfistas. Um barzinho localizado estrategicamente acalma a sede, a fome e o cansaço. Atravessando em seguida um pequeno riacho, avista-se logo a Vila.
Ao longo de toda a Vila está a Praia de Fora ou dos Ranchos. Esta denominação se refere aos "barzinhos" de beira-mar onde se pode matar a sede, a fome e, se for época de lua cheia, pode-se esperar o nascer da lua no horizonte. É de arrepiar! No fim da praia pode-se pegar uma trilha para chegar à Praia das Conchas, sem esquecer de levar os chinelos para não machucar os pés. Fonte: paratyonline.
Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.
A praia estava lotada. As pedras arredondadas, que dão beleza ao lugar, estavam cheias de banhistas que mais pareciam morsas antárticas aquecendo-se aos primeiros raios solares do verão Austral.
Fui a Trindade de ônibus, pois não teria onde deixar a bicicleta em segurança. Fiz longas caminhadas até as partes mais distantes da muvuca e consegui fotos sensacionais. O banho de mar foi magnífico.
Do alto da serra do Mar descem vários rios, que proporcionam belos banhos de água doce Existem várias trilhas que levam às praias da região, mas o calor era forte e desaconselhável, àquela hora, para encarar o sobe e desce de morros para alcançar todas as praias vistas na foto ao lado.
Na hora do almoço não havia um lugar sequer nos bares da praia. Com muita boa vontade, um argentino, dono de um pequeno restaurante, acrescentou uma mesa para mim, mas mesmo assim a comida demorou mais de uma hora para ser servida. Gostosa, porém cara.
Resumindo: o passeio à Praia de Trindade foi um PI (Programa de Índio), cotado com 10 machadinhas. Ônibus lotado, atrasado, muito gente por todos os lados, cerveja quente, trânsito engarrafado no vilarejo e muito, muito calor. Valeu pelo banho de mar e pelas fotos.
Retornei a Paraty (RJ) ao entardecer. Jantei e fiquei até tarde conversando com o pessoal do albergue. Enquanto eu fui a Trindade, eles foram passear na antiga trilha do ouro e tomar banho nas várias cachoeiras localizadas na estrada Paraty-Cunha, a RJ-165.
Dormir pensando no trecho a percorrer no dia seguinte. Embora fossem apenas 57 quilômetros de Paraty (RJ) a Cunha (SP), sabia que enfrentaria um aclive único, de 23 quilômetros até a divisa dos Estados do Rio e de SP, local no qual a rodovia RJ-165 passa a ser a SP-171. Isso mesmo, uma subida de 23 quilômetros sem nenhum trecho plano ou declive.
Dia 31/12/2002 foi o mais quente até então. Às 8 horas da manhã a temperatura no Centro Histórico de Paraty (RJ) era de 30ºC. Cometi um grave erro ao não sair cedo. Subestimei os 57 quilômetros a percorrer naquele último dia do ano. Antes de pegar a estrada, fui ao Centro Histórico para umas fotos. O céu estava esplendidamente azul e sem nuvens. Não poderia perder aquele cenário. Se não o fizesse, me arrependeria. Deixei Paraty para trás às 12h sob um sol escaldante. Pela Avenida Roberto Silveira cheguei ao trevo da BR-101. À direita, Santos (SP). À esquerda, Rio (RJ). Nem uma nem outra. Contornei 180º da rótula e fui em frente, pela RJ-165, rumo à pequena Cunha (SP), estância climática localizada no alto da Serra do Mar, na cota altimétrica de 950m acima do nível do mar. As primeiras pedaladas pela RJ-165 foram suaves. Os quilômetros inicias são planos e bastante arborizados. Passei pelo povoado Pantanal. A rodovia faz uma curva de 90º à direita, desembocando na ponte de madeira sobre o rio Perequê Açu. A água estava convidativa para um banho. O calor era sufocante. A partir dessa ponte, curva de 90º à esquerda e o terreno inclina-se consideravelmente. Comecei a pedalar em forte ângulo de subida, semelhante àquela ladeira que liga o Rio Sul à Praça Cardeal Arcoverde, em Copacabana. A velocidade caiu bastante, as curvas ficaram fechadas iguais às da Estrada do Corcovado e, então, senti quanto seria dura tal etapa.
No 8º quilômetro, percorrido em 1 hora, parei no povoado de Penha para tomar água. A dona da birosca ficou surpresa quando lhe disse que estava indo para Cunha (SP): “o senhor está muito animado moço. Cunha fica longe e têm muitas subidas, além do trecho de terra que é ruim demais”. Explico: pouco antes da divisa RJ/SP, a estrada atravessa o Parque Nacional da Serra da Bocaina. O IBAMA não permite que esse trecho (de 10 quilômetros) seja asfaltado. Não sabia o que me esperava.

À medida que subia o calor e a inclinação da estrada aumentavam. O movimento de veículos rumo a Paraty era intenso. Na direção que eu seguia, era inexistente. Afinal quem iria passar o ano novo em Cunha? Eu! Existem muitas chácaras e casas de veraneio ao longo da RJ-165. Quanto mais subia, mais bonita ia ficando a paisagem da região. Era possível ver a Baía de Paraty lá em baixo em meio à vegetação da Mata Atlântica. Às 17h havia pedalado 17 quilômetros, quando a estrada de asfalto deu lugar à estrada de terra. Uma placa à esquerda informava que, a partir daquele ponto, o viajante está ingressando no Parque Nacional da Serra da Bocaina. Há alertas quanto às práticas de camping, caça, e travessia de animais silvestres. Os 10 quilômetros que faltavam para a divisa com o Estado de SP estão em precário estado de conservação. Há muitas pedras soltas no leito da estrada (RJ-165) e enormes valas (ravinas) ou sulcos abertos pelas águas das chuvas. Isso tornou cada metro pedalado um suplício. O grau de dificuldade crescia e não foi possível manter-me equilibrado sobre a bicicleta. A saída foi empurrá-la. Mas se tivesse que empurrá-la pelos próximos 10 quilômetros, chegaria a Cunha (SP) depois da virada do ano.
Não existem cidades alternativas no caminho. Ou continuaria empurrando e pegaria noite pela frente ou voltaria a Paraty (RJ). Nessa hora, em que tive que decidir o que fazer, parou um carro (Pick-Up Corsa) ao meu lado, com dois sujeitos a bordo. O que dirigia perguntou-me: “e ai mano. Vai aonde? “Pretendo chegar a Cunha ainda hoje”, respondi. “Mas essa estrada está ruim para pedalar”. Têm muitas pedra e valas, completei”. “Bota a bike ai na caçamba que eu te levo até Cunha”, disse-me o motorista. “Eu vou até Lorena (SP) e te deixo em Cunha, complementou”. DEMOROU. Agradeci e não perdi tempo. Ajeitei a bicicleta na caçamba da caminhonete, acomodei-me como foi possível e lá fui eu, comendo poeira e sacolejando igual em caminhão pau de arara. Esses dois camaradas caíram do céu. Foi uma bela ajuda que eles me deram. Se não fosse assim, não sei se chegaria ao meu destino com a luz natural naquele último dia do ano.
Quando a estrada de terra acabou, pedi para que parassem. Eram 18h em ponto. O Sol estava alto. Pelo menos uma vantagem esse horário de verão tem. Desci a bike da caçamba, agradeci a eles e voltei a pedalar no asfalto. Naquele trecho há uma placa indicando a divisa dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Outra placa informa que a RJ-165 passa a ser a SP-171. Exatamente ali se dá a “virada” da serra, e a subida de 27 quilômetros foi vencida.
Até a cidade de Cunha (SP) são 23 quilômetros de um frenético sobe e desce pela serra da Bocaina. A média horária voltou a subir, a paisagem é belíssima, mas o calor, mesmo naquela altitude, não dava trégua. Estava de poeira até a alma, muito sujo e suado. Mas com o aumento da velocidade nas descidas o calor foi arrefecido e ganhei ânimo para completar o trecho daquele dia. Que sufoco. Graças àquelas duas almas caridosas que me “rebocaram” cheguei a Cunha (2), por volta das 19h, são e salvo, apesar da sujeira.
(2) O povoamento das terras hoje pertencentes a Cunha (SP) teve início durante o ciclo do ouro, com a criação de várias fazendas ao longo da Trilha dos Guayanazes, ou o Caminho do Ouro, que ligava a região das minas ao porto de Paraty e ao Rio de Janeiro. Foi elevada à freguesia em data que não se sabe ao certo, sob a denominação de Falcão. Foi elevada à Vila por ordem do capitão-general Francisco da Cunha Menezes, de 15 de setembro de 1785, recebendo, então, o nome de vila de N. Sª. da Conceição de Cunha, como homenagem ao dito capitão general. Foi elevada à cidade pela Lei nº30, de 20 de abril de 1858.
Com o decorrer do tempo, ficou o nome de N.S. Conceição de Cunha. Fundadores: Capitão General Francisco da Cunha Menezes e família Falcão. Data de Fundação: 08 de dezembro de 1784. Município: foi criado em 20 de abril de 1858 e tornou-se estância em 20 de outubro de 1948.Origem do Nome: Presume-se que seja derivado de uma das famílias que aqui estiveram, os Cunha Menezes. Nas atividades econômicas, destaque para a agricultura, com o cultivo de milho, feijão, batata inglesa, cana-de-açúcar; a agropecuária, com a produção de ovos, mel e leite; a fruticultura de clima temperado e a piscicultura de trutas. Para desenvolver o artesanato – a cerâmica é o forte do município - Cunha oferece a Casa do Artesão.
A cidade tem 25 mil habitantes e 80% deles se concentram na área rural, garantindo a comidinha caseira e os produtos naturalmente servidos à mesa. Entre os melhores restaurantes, garanta seu lugar à mesa do Quebra Cangalha, onde a comida tem sabor da serra e o ambiente é aconchegante; vá também ao Recanto Uruguayo, que também serve como pouso de turistas; e ao Casarão. Vale a pena também apreciar as guloseimas da Doceria da Cidinha, na praça da matriz. Fonte: Prefeitura Municipal de Cunha (SP).
Às 19h 20, entrei na cidade de Cunha (SP) ao som de “Que nem Maré”, de Jorge Vercilo, canção na qual o autor diz que: “a saudade é que nem maré, quando vem de repente de tarde invade e transborda esse bem ¯me quer. A saudade é que nem maré”.
Havia um palanque sendo montado na Praça da Igreja do Rosário e o som estava sendo testado para a festa da virada do ano. Hospedei-me no Hotel Estância, que fica próximo à praça. A cidade estava pouco movimentada naquele início da última noite do ano. Tomei banho e voltei à rua, agora para degustar uma deliciosa pizza. Somente eu no restaurante. O garçom disse-me que o movimento nas ruas aumentaria lá pelas 22h. Dito e feito. A partir das 22h as ruas ficaram lotadas. Não sei de onde saiu tanta gente. Da janela do meu quarto, no Hotel Estância, assisti à queima de fogos quando os ponteiros do relógio da Igreja Matriz se juntaram no 12. E que foguetório. Durou 20 minutos, o mesmo tempo da queima em Copacabana. Há um ano, eu estava em Pirassununga (SP), de bicicleta também, a caminho do Rio. Como passou rápido.
Consegui dormir depois das 3 da manhã, quando o som foi desligado na praça e cada um foi para suas casas. Acordei às 9 horas. Era o primeiro dia de 2003. O sol brilhava forte e o céu, sem nuvens, dava o retoque final. As ruas estavam vazias. Tomei café e parti, não sem antes tirar belas fotos das duas igrejas da cidade: Matriz do Rosário e Igreja Imaculada Conceição, ambas da época áurea do ouro e em estilo Barroco.
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Matriz do Rosário. Foto: Fernando Mendes |
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Matriz do Rosário Foto: Fernando Mendes
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Matriz do Rosário Foto: Fernando Mendes
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Às 10h 27 dei as primeiras pedaladas de 2003. Meu destino naquele dia primeiro do ano foi Queluz (SP), às margens da Via Dutra. Rota: Cunha (SP) até Guaratinguetá (SP), pela SP-171. De Guará até Queluz (SP), pela Via Dutra, a BR-116. Era dia da posse do presidente Lula. Em Brasília (DF), chovia a cântaros. Em Cunha (SP), assim como em toda a rota a ser seguida, fazia um dia belíssimo. A cidade é circundada pela serra do Mar e as araucárias são vistas por todos os lados. Atravessei o portal da cidade e voltei à rodovia SP-171, que me levou, por meio de fortes subidas e alucinantes descidas – intervaladas por belos vales floridos-, até Guaratinguetá (SP), no Vale do Paraíba. Nesse trecho de 48 quilômetros, a estrada está muito ruim, com enormes remendos no asfalto e acostamento de terra. Mas como o movimento era quase zero, pude pedalar tranquilamente, desfrutando de uma paisagem belíssima. A serra do Mar e a Mata Atlântica se misturam às araucárias e a pequenos cursos d água que, ora margeiam a estrada, ora cortam a estrada e são atravessados por pequenas pontes de concreto.
Às 13h 30 cheguei a Guaratinguetá (terra das garças brancas) abandonei a SP-171 e, pela alça de acesso, ingressei na Dutra. Como era dia 1º, feriado mundial – Dia da Paz -, a Dutra, diferentemente dos demais dias do ano, quando o movimento de veículos é frenético, estava silenciosa. Passavam poucos carros. Caminhões, menos ainda. Observei, nos postos à beira da estrada, muitos caminhões estacionados. Era pouco provável que, àquela hora, voltassem à estrada.
Faltavam 61 quilômetros para Queluz (SP). O dia estava belíssimo. À minha esquerda, imponente e majestosa, a serra da Mantiqueira, sem nuvens nos pontos mais altos – coisa rara – fazendo um belo contraste entre o granito de suas rochas e o azul do céu. Parei em uma churrascaria no km 62,5. No interior do estabelecimento muitas pessoas se aglomeravam em frente ao aparelho de TV preso em uma das pilastras.
Se eu não estivesse atualizado com os fatos, podia jurar que estávamos em época de Copa do Mundo e em dia de jogo da Seleção Brasileira. Nada disso. Todos estavam atentos às imagens que mostravam a posse do presidente. A festa pareceu-me bastante concorrida. Mais tarde, quando assisti ao JN, pude sentir o quanto a posse do Lula “mexeu” com o País. Se fosse o Serra tomando posse, a festa não teria sido a mesma. Quem esteve em Brasília, ou assistiu à cerimônia de posse pela TV, não pôde ignorar que se viveu um momento histórico.
De volta à estrada – eram 14h – pedalei forte por meio da longa reta que apareceu pela frente. Rapidamente as cidades foram se sucedendo no meu caminho: Lorena (SP), depois veio o acesso a Canas (SP), a seguir Cachoeira Paulista (SP), Cruzeiro (SP), entrada para Silveiras (SP) (a cadeia dessa cidade foi projetada por Euclides da Cunha) e, a seguir, o majestoso trevo de acesso a Lavrinhas (SP). Naquele ponto, a parada é obrigatória para fotos. Existe uma enorme ponte sobre o rio Paraíba do Sul. Sempre que viajo de bicicleta pela Dutra, paro naquele trevo. É uma beleza de lugar. Quando retomei a estrada, senti uns pingos. Seria chuva? Impossível! O céu estava azul e sem nuvens. Bem, quase sem nuvens. Acima de mim, havia um nimbo, nuvem do mau tempo. A julgar pelo calor daquele dia, vinha chuva de verão. E não deu outra. Mesmo com o Sol de fora, os pingos foram engrossando e se multiplicando. Em poucos segundos estava sob um temporal típico de final de tarde em época de verão. Choveu forte por trinta minutos e me vi obrigado a parar porque o asfalto ficou escorregadio, não para a bicicleta, mas para os poucos veículos que transitavam pela Dutra. Era possível ver e, principalmente, sentir o cheiro do óleo que gruda no asfalto e que, na hora das chuvas, se desprende, tornando a pista escorregadia como sabão. Parei no Posto Quatro Irmãos. Bastante ensopado, não tive coragem de adentrar no estabelecimento. Pedi uma Coca-Cola lá do lado de fora. O atendente veio, serviu-me e perguntou-me de onde eu estava vindo e aonde eu estava indo. Pergunta que se tornou rotina quando viajo de bicicleta. Depois da resposta, a cara de espanto. Já me acostumei com a cara de espanto dos meus interlocutores quando digo de onde venho e para onde vou. “Está pagando promessa?”, perguntou-me. Por que será que as pessoas associam promessa com autoflagelação? Pagar promessa é sinônimo de se autoflagelar? Viajar de bicicleta é autoflagelação? Não creio. Para mim, viajar - de bicicleta ou não - está entre as coisas que mais amo no mundo. Acredito que vivi muitas vidas, das quais suspeito ter passado a maior parte do tempo viajando, de bicicleta ou não.
Com a mesma rapidez que a chuva veio, se foi. O Sol, em nenhum momento, deixou de brilhar. Eram 17h quando retomei as pedaladas. O asfalto estava encharcado e não demorou para surgiu aquela névoa característica de superfícies aquecidas depois da chuva. A drenagem da Dutra está muito boa. Nada de poças d´água que provocam aquaplanagem. O calor aumentou. Subia do asfalto um bafo quente e pesado, acompanhado de um agradável odor de terra molhada.
Às 17h 45 o Hotel Athenas foi avistado, à esquerda, na pista direção SP, a pista Sul, km 8. Acomodei-me em um quarto virado para a estrada. No ano passado, quando fui de Brasília para o Rio, hospedei-me no mesmo Hotel Athenas. Naquela viagem fiquei em um quarto do lado oposto à rodovia, virado para um terreno baldio, na esperança de dormir sem o barulho da estrada. Ledo engano. De madrugada, um galo sem noção começou uma cantoria com intervalos exatos de 30 segundos. Desta vez preferi o barulho da estrada ao canto do galo. No entanto, a noite foi muito mal dormida. Fez muito calor. O ar estava abafado e nem o ventilador do teto arrefeceu o ambiente. Na hora do jantar, assisti ao JN e vi os principais momentos da posse do presidente. Fui dormir por volta das 23h.
Depois de uma noite abafada, calorenta e mal dormida, arrumei as tralhas, tomei um excelente café da manhã e, às 10h, rumei na direção de Bananal (SP), distante 80 quilômetros de Queluz (SP). Atravessei a Dutra pela passarela de pedestres, peguei a pista direção Rio e logo depois virei à direita, passei pelo centro de Queluz. Atravessei a ponte sobre o rio Paraíba do Sul e ingressei na rodovia SP-68, a Estrada dos Tropeiros. (3).
Até chegar a Bananal, passei por Areias, São José do Barreiro, Formoso e Arapeí, as cidades históricas do Estado de São Paulo, que localizam-se no Cone Leste do Estado.
(3) A Estrada dos Tropeiros foi o caminho utilizado no século XVII até parte do XIX, nas viagens dos tropeiros na região Sudeste e Sul. Há várias Estradas dos Tropeiros no Brasil, mas a mais importante é a atual SP-68, ligando Silveiras (SP) até Bananal (SP). A mesma estrada serviu de base para a antiga Rio-São Paulo, que utilizou as trilhas como orientação do melhor caminho para chegar ao Vale do Paraíba. Foi pela Estrada dos Tropeiros (SP-68) que D. Pedro I passou na viagem entre Rio e São Paulo, no ano de 1822, quando o Brasil emancipou-se de Portugal.
A história do Brasil, e principalmente dos brasileiros, está presente em cada curva. No seu trajeto, principalmente entre Silveiras e Bananal, surgiram cidades que hoje conservam sua majestade, nas construções históricas e atrações naturais. A aparente decadência dessas cidades revela os ciclos da vida, e as cidades dos Tropeiros, situadas estrategicamente, em média, a quatro léguas (24 km), e estão ressurgindo através do tropeirismo contemporâneo: o ecoturismo.
Para quem tem tempo, nada melhor que passar uns dias na região. Pode-se dizer que a Estrada dos Tropeiros é o Circuito das Cidades Históricas de São Paulo. Mesmo que as construções não sejam tão importantes historicamente, o cenário que oferecem permitiria, sem nenhuma dificuldade, uma superprodução cinematográfica, reconstituindo a história do Tropeirismo. Como se não bastasse, a natureza é generosa na região, tendo como destaque o Parque Nacional da Serra da Bocaina.
As árvores centenárias oferecem sombra do tempo, dos séculos e são silenciosas testemunhas de um passado que o Brasil não pode esquecer. Já quem viaja sempre com pressa ou não pode dispor de alguns dias, vale a pena pegar a Estrada, percorrê-la até Bananal e depois voltar para a Dutra. É verdade que o desvio tomará mais duas horas de viagem pelo menos. Elas não farão falta na contabilidade da vida, mas seguramente irão aumentar seu saldo de conhecimento sobre a história do Brasil.
Passando por ela, Serra da Bocaina, pode-se perceber que, no stress da vida moderna, há pessoas que vivem em outro ritmo e refletir sobre a "pressa", palavra que passou a dominar nosso vocabulário.
Bananal (4) foi a cidade que financiou o Brasil.
(4) A origem de Bananal está ligada à construção de uma alternativa na época que permitisse viajar entre Rio de Janeiro e São Paulo, sem enfrentar a difícil viagem por mar, a partir de Parati. No final do século XVIII, mais precisamente em 1785, João Barbosa de Camargo e sua esposa Maria Ribeiro de Jesus, construíram a capela para Bom Jesus do Livramento, que veio a ser o padroeiro da cidade. Com o ciclo do café, Bananal tornou-se uma potência econômica da época, a ponto de, já no Brasil Império, ter sido necessário o aval de fazendeiros da região, para que o Banco Rotschild emprestasse dinheiro ao Brasil.
Durante sua época áurea, Bananal assistiu à construção de inúmeras casas e fazendas, cuja opulência e refinamento confirmam o poderio econômico dos barões do café. Em 1832 passou a ser cidade. O nome, segundo alguns, provém da expressão indígena banani, que significaria sinuoso. Há outros que alegam que na região havia muitas plantações de banana. A riqueza da cidade era tanta, que chegou, durante bom tempo, a ter moeda própria, financiar a construção de uma ferrovia, importar uma estação ferroviária inteira da Bélgica, exemplar único na América Latina.
Dentre os fazendeiros mais ricos, estava Manoel Aguiar Vallim, dono da Fazenda Resgate, que, ao morrer em 1878, teria 1% de todo papel moeda existente no Brasil. Sua fazenda está restaurada e foi construída com requintes que só havia nos palácios da Corte. Ao final do século XIX, com fim da escravidão, os sinais de cansaço da terra eram evidentes. Novas estradas de ferro foram encerrando o ciclo de desenvolvimento de Bananal. Depois, com a inauguração da Dutra, a cidade ficou fora do circuito Rio- São Paulo. Relegada ao esquecimento.
Devido ao seu potencial histórico, seu rico artesanato e grande número de atrações turísticas, Bananal começou a dar sinais de recuperação e hoje já é um pólo turístico em pleno desenvolvimento. Situada a apenas duas horas do Rio de Janeiro e 4h de São Paulo, a cidade possui atrações naturais e culturais que lhe garantem um futuro brilhante.
Além da Estação Ferroviária e da Fazenda Resgate, absolutamente imperdíveis, o visitante fica deslumbrado com a riqueza dos sobrados da Rua Manoel Aguiar, as inúmeras construções históricas espalhadas pela cidade. A Igreja Matriz, orgulho de seus mais de 15.000 habitantes, construída em 1811.
A riqueza da cidade era tanta que até uma farmácia ganhou dimensões históricas, como é o caso da Pharmácia Popular, que funciona desde 1830. Surgiu inicialmente como Pharmácia Imperial, mas com a República, ouviu os conselhos e mudou de nome. É a mais antiga do País em funcionamento, com peças únicas do século XIX. As Fazendas, outro patrimônio fantástico. Algumas como a Independência, Três Barras, são também hotéis, permitindo sentir o clima do século passado no pernoite.
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Pharmácia Popular Foto: Fernando Mendes
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Bananal foi ainda brindada com a presença do Parque Nacional da Serra da Bocaina, onde o visitante encontra inúmeras paisagens selvagens e inesquecíveis. A quantidade de atrações de Bananal merece muitas páginas. O viajante não deve deixar de programar uma viagem a essa região privilegiada do Brasil. Pela Estrada dos Tropeiros é possível perceber a importância da construção de um caminho e entender a força da economia cafeeira na história do Brasil.
Fonte: Secretaria de Turismo do Cone Leste Paulista,
site: www.conelestepaulista.com.br
De Queluz (SP) a Bananal (SP) pedalei por uma região belíssima. A serra da Bocaina domina a paisagem e a estrada (Rodovia dos Tropeiros SP-68) tem fortes subidas até Areias (SP), por onde passei às 11h 20. A partir desse ponto, vem um sobe e desce de 22 quilômetros até São José do Barreiro (SP), alcançada às 13h 10. Mais 11 quilômetros de subidas e cheguei à pequena Formoso (SP), às 14h 15, uma cidade que, de tão pequena, não consta nos mapas rodoviários. Não é município, e sim distrito de Arapeí (SP). Mais 22 quilômetros, com subidas e descidas leves, passei por Arapeí (SP). Eram 16h. Comi uns pastéis de queijo deliciosos. O cheiro estava no ar e me guiou ao bar onde estavam sendo servidos. Os 18 quilômetros finais foram percorridos em 1 hora. Cheguei a Bananal (SP), fechando o circuito das cidades históricas de SP, às 17 h.
A Estação Ferroviária de Bananal foi inaugurada em 1889, importada da Bélgica, em modelo pré-fabricado em placas de aço, sendo um dos acervos mais valiosos do Estado. A Estrada de Ferro Bananal começou a ser construída em 1882, e a linha, partindo da estação de Saudade, em Barra Mansa (RJ), no ramal de São Paulo, chegou a Rialto, ainda na Província do Rio de Janeiro, em 1883. Somente no Natal de 1888 chegou ao seu objetivo, Bananal. A União encampou a ferrovia em 1918. Por um curto período. Em 1931, esteve subordinada à E. F. Oeste de Minas, mas voltou a ser da Central do Brasil. O ramal foi finalmente desativado em 1/6/1964.
No país dos caminhões e dos ônibus, a era romântica das ferrovias teve vida curta. Ao conhecer a Estação Ferroviária de Bananal foi possível sentir a nostalgia que está presente entre os habitantes mais idosos. Este sentimento aumentou, ainda mais, quando a antiga Estação Ferroviária virou estação rodoviária. A economia do Brasil foi sobre trilhos; hoje é sobre rodas.
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Estação Ferroviária de Bananal. Foto: Fernando Mendes
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Encontrei o Hotel Brasil, reservado com dias de antecedência e localizado em frente à praça principal de Bananal, fechado. Uma briga de família acabou fechando as portas da mais antiga hospedaria da cidade. Acomodei-me, então, na Pousada DK, inaugurada recentemente e localizada na Rua da Pharmácia Popular.
Tomei banho, fiz os exercícios de alongamento e malhei lavando toda a roupa, aproveitando a lavanderia da pousada. Não sei quando teria outra lavanderia à disposição. Terminada as obrigações, saí para uma volta pela cidade. Em Bananal existe aquele ar de cidade pequena e interiorana: igreja matriz, pracinha e coreto. Os casarões de antigos barões do café podem ser vistos pelas ruas. Simbolizavam toda nobreza do período em que a cidade cunhava sua própria moeda e representava a elite do Império. Os antigos casarões, localizados no centro histórico, são resquícios típicos da chamada “Arquitetura do Café”, que se caracteriza por influências do estilo neoclássico. Hoje, esses casarões tornaram-se, ao lado da Estação Ferroviária, alvo da apreciação de turistas, como eu.
O ciclo do café trouxe prosperidade e desenvolvimento à cidade. Durante seis décadas do século XIX, Bananal (SP) foi considerada a cidade mais rica do Vale do Paraíba e, em 1850, recebeu o título de maior produtora de café. O poder e a força econômica dos cafeicultores da região ficaram evidenciados quando o Brasil Império solicitou empréstimo ao Banco Inglês Rotchield e foi exigido o aval dos fazendeiros bananenses. Quando a riqueza do período do café rareou, o turismo e a agropecuária tornaram-se as principais fontes de renda do município, localizado no Leste Paulista, próximo à divisa com o Estado do Rio, na região de Barra Mansa.
Dormi até às 8h. Tomei café na pousada e, antes de partir, fui conhecer a Estação Ferroviária (5) em modelo pré-fabricado e importada da Bélgica. Ao lado da Estação está estacionada – para sempre – a Locomotiva 302.
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Locomotiva 302. Foto: Fernando Mendes
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(5) A estação foi toda importada da Bélgica e montada aqui. As chapas, até no telhado, são metálicas, e o assoalho é de pinho de Riga. Tem dois pavimentos. O dono original da ferrovia e principal elemento da primeira Diretoria, José Aguiar Valim, vendeu a ferrovia mais tarde para Domingos Moitinho, e a União finalmente a encampou por decreto de 25/09/1918, mas desde o dia 7 de setembro desse mesmo ano, ela estava encampada pela Central, como um ramal. Por um curto período, em 1931, esteve subordinada à E. F. Oeste de Minas, mas voltou a ser da Central do Brasil. A abertura da ferrovia Santos-Jundiaí veio facilitar o escoamento da produção e possibilitou a expansão da lavoura cafeeira no oeste paulista.
A economia da região foi enfraquecendo paulatinamente e com a inauguração da Rodovia Presidente Dutra, na década de 50, foi-se mais sua força econômica, pois a estrada dos Tropeiros perdeu a maioria de seus usuários. O ramal foi finalmente desativado em 1/6/1964. A estação é hoje tombada pelo Patrimônio Histórico. Um antigo morador de Bananal conta que a estação, quando foi recuperada pelo Patrimônio, teve as placas metálicas substituídas por outras mais leves, que são as atuais. "Eu não conseguia levantar as que tinham sido retiradas e estavam no chão, mas as novas, que estavam sendo colocadas, eram muito leves..."
Após a desativação da estrada, em 1/6/64, a estação foi sede de Correio, e mais tarde, estação rodoviária do município. É uma das estações mais retratadas do Brasil.
Fonte: Guia das Estações Ferroviárias do Estado de São Paulo.
Ignácio Loyola Brandão, à página 57, na obra Dutra 50 Anos, quatro séculos em cinco horas, publicado pela Editora paulista DBA (Dorea Books and Art – SP) e com apoio do Ministério da Cultura, em 2001, em homenagem aos 50 anos da mais famosa e importante estrada do País, escreveu: "na altura de Barra Mansa, pode-se tomar a estrada (RJ-157/SP-68) que passa por Bananal. Monteiro Lobato chamou-a de cidade morta. Povoação que, depois do fausto, estagnou-se e retrocedeu. A população diminuiu. Bananal nas épocas áureas chegou a ter 25 mil habitantes. Hoje, não passa de 9 mil".
Em 1975, os prefeitos de Bananal e das quatro cidades próximas (Areias, Arapeí, São José do Barreiro e Formoso) reuniram-se e fizeram uma reivindicação: a abertura de uma variante (desvio) que, além de passar pelas cidades citadas, encurtaria o trajeto da Dutra. Entre essas cidades, Bananal é uma das que tiveram passado dos mais fulgurantes. Era o principal município cafeeiro de São Paulo, o mais rico da província. Certa vez, o Império solicitou um empréstimo à Inglaterra. Para concedê-lo, os banqueiros exigiram o endosso de Bananal.
Ficava ali a maior fazenda do Império, a Boa Vista, com 2400 escravos. Hoje é hotel-fazenda. A estação ferroviária tinha chapas de aço, importadas da Bélgica, porque protegiam melhor o café. Cidade-presépio, na definição da historiadora Maria Aparecida de Freitas. As fazendas da região estão entre os grandes exemplos de uma época dourada. Em 1822, a caminho de São Paulo, D. Pedro I pernoitou na cidade. Por ela passaram também Spix, Martius, Debret e Saint-Hilaire.
As casas de fazenda ostentavam afrescos de pintores europeus, e plantadores contratavam professores particulares de música, latim, francês, alemão, até inglês. O lustre do palacete de D. Domiciniana Vallim media 1,80 metros de diâmetro. As maçanetas de quase todas as casas eram de cristal. O Visconde de São Laurindo possuía um aparelho de jantar de duzentas peças, com suas iniciais gravadas em ouro. As grandes famílias moravam nas fazendas, mas cada uma possuía um imenso sobrado na cidade. No teatro Santa Cecília, decorado pelo pintor Villarionga – autor de incontáveis afrescos pelas mansões-, era proibido vaiar e jogar coisas no palco, excetuadas flores e grinaldas, em forma de aplausos.
Durante o Segundo Reinado, a cidade teve dezenove jornais. Franceses abriram a padaria mais moderna do Vale do Paraíba, a À La Gerbe d´Or, que oferecia pães de viagem recheados com paio, lingüiça, frango e pombo.
No Rio de Janeiro, as mulheres de Bananal compravam seda pura da China, seda lavrada, brocados, tafetás, linho belga. Nas festas, cabeleireiros vinham da Corte, pagos a peso de ouro.
O Bazar Bananalense mantinha um estoque de champanhe Clicquot, vinhos do Porto e de Bordeaux, genebra holandesa, cerveja Basse, peito de peru (uma novidade), camarões, salmão, lagosta, patês, salame de Lyon, queijo do Reino, mostarda francesa. Toda casa tinha sua cozinha, sua doceira, sua especialista em pães e broas, roscas e biscoitos, sequilhos. A mãe-benta de Bananal ainda é um quitute dos mais apreciados. Era a aristocracia rural em seu clímax. Nos anos de 1864-5, a renda de Bananal superou até mesmo a renda da capital da província.
No entanto, outras regiões passaram a plantar café de excelente qualidade. As terras do Vale cansaram, viram-se sujeitas a erosão e pragas. Com a abolição da escravatura, os senhores de café ficaram sem mão-de-obra. Não tinham se preparado, não tinham contratado nem tinham como contratar colonos. Foram perdendo terras, abandonando fazendas. Fortunas se dissolveram. Sensível melhora aconteceu quando a estrada velha do Rio a São Paulo passou pela cidade. O comércio se intensificou um pouco e o movimento de veículos agitou. Por pouco. A Dutra, inaugurada em 1951, passa fora da cidade, longe. Bananal se esvaziou, caiu no silêncio. Hoje, tenta sobreviver com o turismo interno. O crochê de barbante é uma especialidade local.
Bananal é a imagem da vida que se foi.
Da glória, dinheiro, poder. (Nota do Autor).
Deixei a cidade da opulência [de outrora] às 10h. Tirei algumas fotos e iniciei a jornada daquele dia 3 de janeiro. O tempo estava ótimo, com Sol forte e muito calor. Fui pedalando de leve pelas ruas de paralelepípedos até alcançar a SP-64, Rodovia Álvaro Brasil Filho, que liga Bananal (SP) à divisa com o Estado do Rio. Foram 16 quilômetros até a fronteira. A partir daquele ponto, ingressei em terras fluminenses e até Barra Mansa (RJ) foram mais 10 quilômetros pela RJ-157, Rodovia Engenheiro Alexandre Drable (*)
(*) Amyr Klink, em seu livro, Mar Sem Fim, uma viagem de 360º ao redor da Antártida, à página 123, faz o seguinte comentário, que considero bastante pertinente: “vício incurável esse, o de dar nome de pessoas, mortas [ou não], às coisas públicas, e, pior ainda, de mudar nomes às vezes naturais e espontâneos de obras, vias ou lugares. Assim, a estrada caminho do ouro (SP-171) para descer até Paraty (RJ), ganhou o nome estapafúrdio de Estrada Vice-Prefeito Salvador não-sei-o-quê”. "A SP-64 chama-se Rodovia Álvaro Brasil Filho, a RJ-157 chama-se Rodovia Engenheiro Alexandre Drable. Pelo Brasil afora, são inúmeros os exemplo de duplo desrespeito, ao se tirar o nome genuíno dos lugares e o de roubar o nome do defunto, quase sempre sem seu consentimento".
Às 13h 23 o asfalto escuro da estrada deu lugar a um piso claro, semelhante a cimento. Essa mudança marca a divisa SP/RJ, ponto em que a SP-64 passa a ser a RJ-157. Mais 10 quilômetros e cheguei a Barra Mansa (RJ), entrando na cidade por um bairro muito pobre, com casas inacabadas, muitas roupas nos varais e parabólicas por todos os lados. Ao terminar a travessia desse bairro, feita por uma rua estreita e cheia de lombadas, veio uma descida forte que termina na alça de acesso à Via Dutra. Tomei a direção de São Paulo. Eram 14h.
Diferentemente do 1º dia do ano, quando pedalei pela Dutra, no trecho Guaratinguetá-Queluz e o movimento era muito pequeno, naquele dia 3 de janeiro, uma sexta-feira, a Dutra estava movimentadíssima – como sempre – e entrei, rapidamente, na estrada, em meio àquele frenesi de veículos de todos os tamanhos.
Aquela é a Via Dutra que conheço. Pedalei, sem trégua, por 20 quilômetros até a saída 290, acesso à pequena Quatis (RJ). Abandonei a estrada pela saída lateral à direita e ingressei na RJ-159, novinha em folha, que me levou a Porto Real (RJ). Ali existe uma bela ponte sobre o rio Paraíba do Sul. Passada a ponte, começa a RJ-143, também novinha em folha, que termina em (6) Quatis (RJ).
Ameaçava chuva quando cheguei à Pousada Pôr-do-Sol. Foi o tempo de me acomodar no quarto e um temporal desabou sobre a região. Eram 15h 30. Só parou de chover às 18h. Fiquei no quarto, lendo.
(6) Conhecida por suas festas e folclore, arquitetura colonial, belezas naturais, Quatis (RJ) também é terra de tempo seco, temperatura amena e ventos suaves. Além das belezas naturais, Quatis encanta pelo aconchego de seu povo, suas festas e folclore. Com arquitetura colonial do século XVIII, Quatis proporciona ao visitante uma viagem ao passado.
Todo o segundo e quarto domingos de cada mês, a cidade se torna pequena para receber trabalhadores rurais e artesãos que chegam para participar da Feira da Roça. Esta festa é comandada por uma associação criada há 10 anos e que estabelece as normas a serem seguidas por seus associados. Nesta feira, os turistas e moradores encontram produtos da roça, artesanato, cachaça produzida na região, mel, biscoitos, plantas medicinais, comida típica e forró.
A região onde se situa Quatis demorou a ser desbravada em razão da barreira geográfica de serra do Mar. Em 1724, foi iniciada a escalada da Serra por ordem do Governador Geral Luiz Monteiro, com a finalidade de abrir um caminho mais curto para São Paulo, sem os inconvenientes da travessia marítima até Paraty.
A ocupação então se fez através de Resende (RJ), quando em 1744, Simão da Cunha Gago, de Taubaté, vindo de Aiuruoca descobriu "uma extensa clareira existente na Mata Atlântica". Essa clareira se alongava entre Quatis (RJ) e Itatiaia (RJ). Simão da Cunha Gago, fundador de Resende (RJ), foi a primeira pessoa que se tem notícia de ter passado pela região. Toda a referida área era ocupada, até então, pelos índios Puris e Acaris. Esses índios acabaram sendo expulsos (indo posteriormente para Goiás) pelo Sargento Mor Joaquim Curado. O Vice-Rei, Conde da Cunha foi o mandante da expulsão.
Quatis passou a ser o caminho natural dos Bandeirantes, tropeiros e boiadeiros, além daqueles que recebiam concessões de sesmarias por volta de l764/65, e se encaminhavam para as atuais cidades de Volta Redonda (RJ) e Barra Mansa (RJ). Com o declínio da procura do ouro em Minas Gerais e o desenvolvimento da cultura do café no final do século XVIII, foram concedidas muitas sesmarias a futuros cafeicultores. Em 1820, já se tinha notícia de 2 importantes fazendas em Quatis: a Fazenda do Cedro do Comendador Bernardo José Ferraz e a Fazenda Nossa Senhora do Rosário dos Quatis de Antônio Marcondes do Amaral.
O local onde se situa Quatis começou quando o fazendeiro Faustino Pinheiro e sua mulher Gertrudes Maria de Jesus, fizeram uma doação, em 5 de Março de 1832, para construção de uma igreja e de um pequeno povoado. Quatis pertenceu até 1844 ao Município de Resende, quando foi desmembrada e incorporada ao Município de Barra Mansa.
Com a inauguração da Estação Ferroviária, em 1897, e com a conclusão do trecho que a incorporava à Estrada de Ferro Oeste de Minas, muitos colonos e fazendeiros afluíram para adquirir ou trabalhar em fazendas de café.
Muitas fazendas passaram, com o tempo, a se ocupar também de pecuária. O Colégio Ateneu Quatiense foi fundado em 1897 e no mesmo ano, em 19 de março, o sistema de luz elétrica foi instalado na cidade, e com a luz elétrica, outros melhoramentos chegaram a Quatis. Quatis foi emancipada em 11 de dezembro de 1990, e instalado em 1º de janeiro de 1993. Fonte:Turismo-RJ Internet.
Quando a chuva passou saí para o reconhecimento do lugar. Nada dos tempos áureos dos ciclos do ouro e do café foi preservado. Quatis é uma cidade pequena e que teve importância crucial na antiga rota do ouro. Era parada obrigatória para os comboios que vinham de Ouro Preto antes de começar a descida da serra do Mar, para chegar a Paraty.
Nada foi preservado. Até a igreja da cidade, em estilo Nova Inglaterra, nada tem a ver com a colonização do País. Voltei logo para a pousada e terminei ler o livro de contos do José Saramago. Dormi cedo e não vi graça nenhuma em Quatis. No dia seguinte, Conservatória, a terra mundial da seresta, parecia ser um lugar bem mais interessante que a pequena Quatis.
Como a distância a percorrer naquele sábado, Quatis-Conservatória, dia 4 de janeiro – Lua Nova – era de apenas 49 quilômetros, saí na hora do almoço. Dormi até mais tarde e depois do café da manhã fui conhecer o restante da cidade. Nada de mais interessante. Às 13h, parti. Atravessei a praça principal e cruzei a linha do trem, após passar por uma ponte sobre um córrego muito mal cheiroso.
A estrada que liga Quatis a Conservatória, a RJ-143, é de terra. Existe outra alternativa. O viajante tem que voltar à Dutra, seguir na direção Rio e, em Volta Redonda, pela BR 393, seguir até o Trevo de Barra do Piraí, dobrar à esquerda e seguir até Conservatória. São mais de 100 quilômetros.
Ao planejar a viagem, optei por seguir pela RJ-143, mesmo sendo de terra, evitando, dessa maneira, pedalar por rodovias muito movimentadas, principalmente a BR-393, que tem trânsito confuso na travessia de Volta Redonda e falta de acostamento em alguns trechos. Foi a melhor coisa que fiz. A RJ-143, mesmo sendo uma rodovia sem pavimentação, atravessa uma região – a serra do Amparo – muito bonita, cheia de fazendas e belas formações rochosas. O movimento de veículos foi quase nenhum naquele sábado. Pude seguir em meio ao silêncio, só quebrado pelas maritacas que voavam em bando, fazendo a maior fuzarca.
Na saída de Quatis, a estrada é de asfalto. Muda para brita e, antes da magnífica ponte ferroviária da MRS, começa o trecho de terra. A ponte corta um vale muito bonito e largo, por isso a extensão [da ponte] deve ser de mais de um quilômetro. Altura, uns 50 metros. É belíssima. No meio do nada, surge uma espetacular obra da engenharia nacional.

Passada a ponte ferroviária, veio um trecho muito acidentado, com subidas e descidas alternadas e íngremes. O piso da estrada está muito castigado pelas últimas chuvas e, em algumas subidas, foram colocadas pedras, semi-enterrradas, para que os veículos tenham tração nos aclives. Com a bicicleta não encontrei maiores dificuldades para subir. Logo veio a cidade de N.Sª do Amparo, que cresceu dentro de um vale, o Vale do Rio Turvo. É uma bela cidade, com calçamento em pedras sextavadas, belas casas, comércio variado e muita gente pelas ruas. Amparo é muito mais bonita que Quatis. Eram 14h 05 quando parei para tomar água. Percebi que o pneu traseiro estava baixo. Quando iniciei a jornada daquele dia, em Quatis, ele não estava assim. Teria furado? Continuei, após enchê-lo com a bomba que levo presa ao quadro da bike.
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Ponte Ferroviária em Quatis (RJ). Foto: Fernando Mendes.
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Quando cheguei ao final da rua principal, o calçamento deu lugar à terra. Estava de volta à RJ-143, a rodovia que liga Quatis a Conservatória. A próxima cidade foi São José do Turvo (RJ), distante 14 quilômetros de Amparo.
Levei quase duas horas para percorrer esse trecho, mais acidentado do que o anterior e o pneu traseiro, a cada 10 minutos, precisava de mais ar. E tome bombadas. Acreditei que em Turvo encontraria um posto para calibrá-lo. Quebrei a cara. A cidade é minúscula e não tem posto de gasolina. O jeito foi continuar pedalando e parando, a cada 10 minutos, para novas bombadas. Decidi que só trocaria a câmara de ar na estrada se o pneu baixasse por completo.
Deixei a pequena São José do Turvo (RJ) às 16h, mas não sem antes degustar uns deliciosos pastéis de queijo na única padaria do lugar. Conservatória estava próxima. Faltavam apenas 14 quilômetros, os mais penosos daquele dia. O piso da estrada piorou consideravelmente. Muitas ravinas e sulcos, abertos pelo escoamento superficial das águas das chuvas, dificultavam a manutenção da média horária conseguida até ali. O intervalo para bombear mais ar para o pneu caiu para cada 5 minutos e o calor era abrasador. Sentia-me como um frango dentro de um forno elétrico.
Nenhuma cachoeira ou rio à vista. O jeito foi encarar as subidas com aquele piso pior a cada metro. Parei na porteira de uma fazenda. Pensei em substituir a câmara de ar que, não havia mais dúvida alguma, estava furada. Mas devia ser um furo pequeno, porque o pneu murchava vagarosamente. Desisti quando, pela marcação do Cateye, constatei que faltavam apenas 8 quilômetros para Conservatória. Veio uma subida insana de 5 quilômetros e, após, uma descida curta e as primeiras casas da cidade começaram a aparecer em ambos os lados da estrada.
Entrei em Conservatória (RJ) empurrando a bicicleta. Eram pontualmente 18h. O Sol estava alto. Horário de verão – para mim – só tem vantagem quando estou de férias e viajando de bicicleta.
A Pousada Angélica, para minha sorte, fica ao lado do único posto de gasolina de Conservatória. Deixei as tralhas no quarto e fui trocar a câmara de ar, substituindo-a por uma novinha em folha. Quanto ao remendo na câmara furada, deixei para fazê-lo no dia seguinte. Estava na hora de um banho, sair para jantar e conhecer a vida noturna de Conservatória (7), a terra mundial da seresta.

(7) “Conservatória não é um lugar comum, desses que a gente encontra pelo mundo afora. Conservatória é o último patrimônio da autêntica música popular brasileira. É uma "cidade-resistência". Conservatória cheira a cultura brasileira. Cheira a poesia. Cheira a bom gosto. Cheira a amor. Um cheiro que a mídia não tem coragem de exalar porque contraria o interesse das grandes gravadoras, mas que contamina de prazer a quem aspira aos seus versos. Em Conservatória, a gente descobre o verdadeiro sentido da beleza, da paz e da brasilidade." Luiz Carlos Martins. Fonte: Museu dos Seresteiros de Conservatória.
Enquanto jantava, observei que os seresteiros estavam se reunindo para definir qual o trajeto a ser seguido naquela noite de sábado. A cidade fervilhava de gente. Turistas do Estado e da vizinhança saem pelas ruas acompanhando “os velhinhos dos violões”. Esse ritual só não acontece nos dias de chuva. Sem chuva, tem público garantido. Jantei, assisti ao cerimonial e voltei à pousada. De madrugada, acordei com o barulho da chuva, que caía com força. “Tomara que não tenha estragado o tour dos violeiros”, pensei.
No dia seguinte, domingo, dia 5 de janeiro, após o café da manhã, montei na bicicleta e rumei em direção à Serra da Beleza (8). Objetivo: conhecer a Ponte dos Arcos (9), antigo leito da EFOM (Estrada de Ferro Oeste de Minas).
(8) Serra de relevo típico, de cumes com formas arredondadas. Suas encostas apresentam trechos em mata virgem, de médio e alto portes, capoeirões e vegetação rasteira. O trecho mais elevado da RJ-137, o Mirante da Serra, é o melhor local para se apreciar a paisagem que circunda a região, um infindável "mar de morros", avistando-se desde o Pico do Cavalo Ruço, até a torre da Igreja Matriz de Santa Rita de Jacutinga (MG), além de uma visão total do Vale do Rio Preto. Fonte: Internet.
Foram cinco quilômetros de subida com inclinação moderada em estrada de terra em ótimo estado.
(9) A Ponte dos Arcos - um dos pontos turísticos da cidade - é uma construção feita pelos escravos entre os anos de 1880 a 1883. A ponte é toda elevada em cantaria, óleo de baleia, chumbo fundido, areia, ferro e pedras. O óleo de baleia tinha como finalidade dar liga às pedras, já que naquele tempo não existia o cimento. A ponte foi construída para dar passagem à antiga estrada de ferro, sendo desativada em 1961, no governo Jânio Quadros. Mede 55 metros de comprimento, 12 metros de altura e 4 metros de largura. Fonte: Secretaria de Turismo do Estado do Rio de Janeiro a partir da Internet.
Tirei algumas fotos sob e sobre a ponte. Do alto dessa maravilha da engenharia do século XIX tem-se uma visão completa da serra da Beleza e do Vale do Rio Preto. Se eu tivesse seguido mais adiante, pela estrada que corta a Serra da Beleza, chegaria a Santa Rita do Jacutinga (MG). Conservatória localiza-se próxima à divisa RJ/MG. Mas Santa Rita não estava no meu roteiro. Depois de conhecer a Ponte, desci a serra, voltei a Conservatória, passei pela Pousada Angélica, arrumei as minhas tralhas e parti. Meu próximo destino: Rio das Flores (RJ), distante 69 quilômetros, dos quais 25 na terra.
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Ponte dos Arcos Conservatória (RJ).Foto: Fernando Mendes
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Mas antes de pôr o pedal na estrada, passei no Lava a Jato do Bacana para limpar a bicicleta. Estava com muito barro acumulado no quadro, nas rodas e nos pedais. Embora os fabricantes e mecânicos condenem a prática de lavar a bike com fortes jatos de água, ignorei tal instrução e pedi ao Bacana que caprichasse principalmente nas 7 catracas e 3 coroas (7 X 3 = 21 marchas). Depois do banho, lubrifiquei a corrente e saí para a última volta pela cidade. Fui conhecer a Locomotiva 206, da velha estrada-de-ferro, cartão postal de Conservatória. (10)
(10) A fundação da Aldeia de Santo Antônio do Rio Bonito iniciou-se em 1789 por ordem do Vice-Rei Luiz de Vasconcelos e Souza. Inicialmente, Conservatória era o aldeamento dos índios Araris. Mais tarde passou a ser chamada de Conservatório dos Índios e finalmente Conservatória - a "Capital Mundial da Seresta". Várias novelas de televisão foram gravadas em Conservatória: O Feijão e o Sonho, Escrava Isaura, Sinhá Moça, uma pequena parte de Cambalacho, Salomé e A Viagem. A primeira iluminação pública de Conservatória foi a querosene em 1885. Essa iluminação perdurou até 1918, quando chegou a iluminação elétrica. A construção das casas obedece ao padrão tradicional arquitetônico do século XIX. Nenhuma casa pode ser construída ou demolida sem a autorização da Prefeitura. Mas é na base da alegria e das serestas que Conservatória é hoje a mais famosa cidade do País, quando se fala em "poesia cantada". As casas em Conservatória são encontradas pelos carteiros não pelo número, mas por uma plaqueta com o nome de uma música. Quase todas são assim. Rua das Flores, na casa Chão de Estrelas ou na casa Luar de Paquetá, Saudosa Maloca, Maringá, Iracema, etc. Se visitada de segunda a quinta-feira, Conservatória não despertará tanta atenção. Ela cochila esperando o entardecer da sexta-feira, fazendo-se confundir com um vilarejo comum, desses tantos que existem perdidos no interior. Porém, quando chega a sexta-feira, as coisas se modificam porque Conservatória recebe centenas de visitantes que saem dali extasiados com tanta arte, poesia, dedicação e amor. A população local - simpática e tranquila - passa à condição de minoria, pois os turistas estão em todos os lugares: nas lojas, nas calçadas, na igreja... enquanto os mais aventureiros partem para caminhadas, escaladas, banhos de cachoeira.
Fonte: Prefeitura Municipal de Conservatória via Internet.
Conheci o túnel que chora. Ganhou esse nome porque no seu interior mina muita água da rocha, furada pelos escravos no século XIX. Era, até então, o único acesso a Conservatória. E por último passei pela antiga estação ferroviária, de onde a 206 partiu e chegou por meio século. Hoje descansa na praça principal e representa o maior símbolo de Conservatória nas épocas áureas do café. Quando subi na Ponte dos Arcos, antigo leito ferroviário por onde a 206 apitava avisando da sua chegada ou da sua partida, foi possível imaginar a cena: a Maria Fumaça nº 206 apitando, fumegando e pedindo passagem. O apito ainda ecoa pela cidade na memória dos mais velhos, que viveram a época romântica dos trens. (11) A Locomotiva 206 é a lembrança mais viva daqueles tempos.
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Locomotiva 206.Foto: Fernando Mendes
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(11) Nasci na Filadélfia-EUA, no ano de 1910, graças ao grande inventor inglês Jorge Stepheson. De pedaços em pedaços, com muitos parafusos, arrebites e soldas eu fui construída. Meço 6m de comprimento, 3,15m de altura e 2,86m de largura.
Enfeitaram-me com sino, apito e farol. Fiquei muito bonita e todos me admiravam lá na terra do Tio Sam. Estávamos na primeira década do século XX quando recebi a notícia: "Você vai trabalhar no Brasil". Recebi esta notícia com muita alegria pois faria a minha primeira viagem de navio. Embarcaram-me num grande navio que navegou pelo Atlântico por cerca de 30 dias com muito balanço e abandono; parece que foi aí que peguei a minha primeira "gripe de ferrugem".
Cheguei ao Rio de Janeiro onde fui recebida com muita festa, pelo povo que queria me conhecer e pelos meus novos donos. Lá estavam: o Coronel Leite de Souza; o Engenheiro Pedro Carlos da Silva e muitos outros Diretores da Estrada de Ferro Santa Isabel, que havia me comprado dos Estados Unidos.
Depois de muita conversa me falaram que eu viria para as montanhas do Estado do Rio e Minas Gerais. Aí fiquei mais feliz ainda, pois iria trabalhar numa linda região deste Brasil maravilhoso. Chegando aqui fui logo colocada em serviço, pois eu era jovem e com muita disposição para o trabalho. Dos anos 1920 até 1935, fui muito solicitada para as viagens da Estação de Barra do Piraí, no Estado do Rio, até a Estação de Soledade no Estado de Minas. Trabalhei muito. Meu maquinista (o que me dirigia) era o Manoel Vicente Sobrinho e o foguista (que me alimentava com lenha) era José Miguel Araújo.
Muitos de vocês não conhecem o traçado da antiga linha férrea onde trabalhei, cortando as montanhas do Estado do Rio e de Minas Gerais; era uma viagem maravilhosa; que lindos túneis, pontes, cortes de pedra, muitos "mata-burros" e uma paisagem deslumbrante, sendo a mais linda de todas a da Serra da Beleza, entre Conservatória e Santa Isabel do Rio Preto.
Saía da linda Estação de Barra do Piraí e, após trafegar um bom trecho no meio da rua principal daquela cidade, atravessava a Ponte Metálica, construída sobre o Rio Paraíba do Sul e logo depois começava a subir a primeira serra do itinerário, passando por Prosperidade; Ipiabas; Desvio Gomes; Paulo de Almeida até chegar aqui nesta querida cidade de Conservatória, onde hoje me encontro gozando de um merecido descanso. Estou muito feliz de estar aqui neste lugar maravilhoso, neste "Pedacinho do Céu", terra das Serenatas ao Luar; lugar sempre procurado por quem quer descansar da vida agitada das grandes cidades; eram os "VERANISTAS" como eram conhecidos na minha época que por aqui passavam, e que ficavam hospedados nos hotéis: da Estação (Sr. Aníbal e Dª Aurora Duarte); da Dª Vivina e da Dª Mariana Simões.
Lembro-me, com saudade, que, quando das minhas chegadas aqui na Estação de Conservatória, lá estavam a Angélica ou sua mãe Dª Salma, com a sua mesa com pastéis fresquinhos, cavacas (que os passageiros adoravam) e o delicioso cafezinho. Os passageiros faziam ali um delicioso e nutritivo lanche para seguirem viagem. Mais tarde este serviço foi executado pela Maria Nossar (irmã da Angélica) e depois pela Maria Jorge.
Recordo-me, ainda, que trabalhavam aqui na estação, entre outros: o Sr. Gilberto - Agente da Estação; o Sr. Hélio de Castro - Sub-Agente e mais tarde também Agente; o Sr. Ernani, guarda-chaves e mais tarde o seu filho Pedro Rocha. Quem cuidava da manutenção do trecho daqui da Estação de Ferro era o Sr. Mário Conrado, chefe da "turma da soca" como era conhecida a turma que cuidava da manutenção da linha. No meu trabalho diário andava quase sempre atrasada, mas, mesmo assim era sempre esperada nas estações com muito carinho e ansiedade. Uma coisa que não me sai da lembrança era como eu era recebida aqui na estação de Conservatória na ocasião das Festas de Santo Antônio: a começar pelo grande número de passageiros que eu trazia de Barra do Piraí, vindos de todos os lugares, principalmente do Rio de Janeiro, muitas vezes vinha também a Banda de Música, ou do Rio ou de Barra do Piraí (Euterpe ou Moreira Lopes).
A viagem já era uma alegria só, com a Banda tocando, o povo cantando. Na chegada a Conservatória era costume eu acionar o meu apito antes do túnel e na chegada eu vinha tocando o sino. Na estação o povo aguardava com muita ansiedade, com muitos foguetes, soltos pelo Norberto. A Banda de Música chegava tocando aqueles lindos dobrados, até eu parar na estação. Aí era aquela alegria. O povo se reencontrando com os parentes que vinham para a festa; a chegada da Banda de Música; enfim, era o início do clima de festa para o povo local. Eu também ficava muito feliz com tudo aquilo. Pena que tinha que prosseguir minha viagem. Por outro lado quando era Sexta-feira Santa, eu não apitava e nem tocava o sino durante todo o dia.
Era o respeito que naquela época se dedicava àquele dia sagrado para a cristandade. Com o passar dos anos o movimento da Estrada de Ferro (então Rede Mineira de Viação - RMV) foi aumentando e, então, tiveram que me substituir por uma outra locomotiva mais possante - da série 400 - e me passaram para um outro tipo de serviço. Passei a carregar os vagões dos chefes de linha e do Carro Pagador. Era comovente ver os funcionário da Estrada de Ferro receberem seus salários com alegria e tranqüilidade naquela época, sem nenhum risco de assalto ou de roubo. Prestei serviços até o início dos anos 50. Aí fiquei um pouco esquecida mas sem nunca perder a esperança de um dia voltar a esta terra querida. Em 1960 e então Presidente da República, Jânio Quadros, teve a infeliz ideia de desativar quase todos os ramais ferroviários que não davam lucro (que pobre visão de um Presidente da República). Lucro para quem? Para ser desviado para outros meios de transportes, para favorecer os magnatas dos transportes rodoviários? Para ser dilapidado pelos corruptos do serviço público? Um serviço ferroviário é implantado não para dar lucro, mas para servir ao povo que necessita de meios de transporte econômicos e eficientes. Mas como lei é lei, a Estrada de Ferro RMV foi desativada em 1961. Muito tempo se passou e eu fui parar na Oficina da RMV de Barra Mansa, totalmente abandonada, esperando o maçarico me cortar toda em pedaços para ser vendida como "ferro velho". Triste fim me esperava. Mas, graças ao bom Deus, surgiu, na oficina do "Juca da Luz", uma conversa entre o Vicente Ricardo, o João Marcos, o Wanderley, o Júlio César e o Juarez, que discutiam a possibilidade de me trazerem de volta para Conservatória. Após algum tempo, o Vitinho se interessou pelo assunto, abraçou a ideia da minha vinda para aqui e começou logo a trabalhar.
A primeira providência do Vitinho foi apresentar como vereador da Câmara Municipal de Valença - e com a ajuda do Dr. Paulo Teixeira, um projeto de requerimento solicitando a ajuda do Município para a minha remoção de Barra Mansa para Conservatória, justificando que era uma coisa boa para a nossa cidade, pois relembrava o velho tempo das "Marias Fumaça" e serviria como um atrativo para os turistas que visitam Conservatória. Aprovado a proposição, pela Câmara Municipal de Valença, o Vitinho continuou a sua batalha, até conseguir do Sr. Elmo Serejo, na época o Presidente da Rede Ferroviária Federal, a autorização para a minha remoção. Vocês não imaginam como fiquei feliz.
Eu que iria virar sucata estava tendo a oportunidade de viver mais alguns anos, e me tornar "MONUMENTO HISTÓRICO" em Conservatória. Quem ajudou muito na minha vinda para cá, foi o grande amigo e companheiro de muitas viagens, o João Mateus de Sousa, filho do Avelino Mateus, gente nascida aqui em Conservatória. O João, antigo e dedicado ferroviário, se dedicou a me reformar, ainda em Barra Mansa, me pintando, me reformando, me preparando para a grande e última viagem da minha vida. Ele me acompanhou nesta volta gloriosa. Era o mês de novembro de 1981. Toda bonita, lustrosa, e até mesmo cheirosa, com muita alegria aqui cheguei. Foi uma recepção festiva. O povo todo na rua me aplaudindo.
O Geraldo sapateiro fazia a vez do maquinista e tocava o meu sino e apitava na minha chegada pelas ruas de Conservatória. Na ocasião o José Borges, nosso grande seresteiro, fez uma canção maravilhosa falando tudo sobre a saudade que o trem de ferro deixara no povo de Conservatória. Finalmente me colocaram no lugar onde hoje estou. Um lugar de destaque, eu olhando para a Estação. Todos que passam por mim e que algum dia viajaram no trenzinho da RMV, me olham com saudade e alegria. Dª Maria Rita, que sempre passava em minha frente, sonhava com os bons tempos que viajava no trenzinho da RMV. Eu, como "MONUMENTO HISTÓRICO" me sinto feliz e realizada. Muitos turistas que por aqui passam, tiram fotografias como recordação de Conservatória.
Colocam-me nas manchetes das Revistas e dos Jornais; até em filmes eu já apareci e sempre promovendo o turismo de Conservatória.
Tive, durante toda a minha vida útil, muitos passageiros ilustres que moravam ou vinham visitar Conservatória. São tantos que não consigo citar os nomes de todos. Mas três passageiros foram muito especiais para mim. O mais antigo foi o Moacir Jornaleiro. Que criatura encantadora. Que dedicação ao seu modesto serviço de se deslocar, todos os dias, de Barra do Piraí, com sua cesta de taquara, para vender aqui e por onde eu passava, os seus jornais e revistas.
Lembro-me ainda do seu "bordão" (sua frase favorita) para atrair a atenção dos fregueses; ele anunciava: "OLHA A NOTÍCIA DA MULHER QUE ENGOLIU UM TIJOLO!!!". Usava um "guarda-pó" todo furado pelas fagulhas (pequenas brasas) QUE SAIAM DA MINHA CHAMINÉ. Em 1938 tive a felicidade de transportar até Conservatória, dois jovens estudantes do Colégio Pedro II do Rio de janeiro, que vinham passar férias aqui. Esses dois jovens hoje são os símbolos da cultura musical de Conservatória, pois foram eles, JOUBERT CORTINES DE FREITAS e seu irmão JOSÉ BORGES DE FREITAS NETO, os precursores da nova fase das "SERENATAS AO LUAR", que tanto tem contribuído para o desenvolvimento do turismo em Conservatória.
Pois é, meus amigos e minhas amigas. Hoje eu estou completando 20 anos da minha volta à Conservatória. Posso dizer que me sinto como uma noivinha pronta para casar, tal o meu estado de beleza e a minha alegria. Quero ficar por aqui com vocês ainda por muitos anos. Sei que sou querida por todos vocês e, particularmente, pelos nossos visitantes, que me tratam com muito respeito e carinho.
Agora sou TROVAS - POEMAS e ... SAUDADES! OBRIGADA MINHA GENTE, POR TUDO QUE FIZERAM POR MIM. Obs.: A primeira locomotiva a transitar em Conservatória foi a de número 1 vinda da Alemanha por D. Pedro II. A 206 foi a segunda.
SUA MARIA FUMAÇA 206.
Pesquisa e Redação: Victor Couto e Helvécio Marques
(Novembro de 2001
Pela RJ-143, que liga Conservatória (RJ) a Valença (RJ), através da serra do Amparo, deixei aquela simpática e pacata cidade para trás. Muitos cariocas e fluminenses não conhecem Conservatória. Na primeira oportunidade, conheçam, preferencialmente nos finais de semana. Durante a semana, a cidade dorme, como se estivesse curtindo uma saborosa ressaca após tantas serestas.
O tempo estava abafado e ameaçava chuva. Até alcançar Valença (RJ), onde recomeça o asfalto, foram 25 quilômetros de muitos sobem e descem entrecortados por vales, com gado pastando sobre um tapete verde. Havia muito silêncio no ar e poucos carros passaram por mim. Parei para tomar água em uma birosca à beira da estrada. Uma senhora me atendeu. Trazia um papagaio no ombro esquerdo. Quando me aproximei dela, ele deu um salto e pulou em cima do meu capacete. Como ciclistas de capacete por aquelas bandas são raros, a ave deve ter estranhado o objeto e começou a bicá-lo. Como a superfície do protetor de cabeça é lisa, o bicho escorregou e estatelou-se no chão, apesar do esforço – em vão – de bater as asas. Peguei-o e ele não me estranhou.
Quando tirei o capacete e coloquei-o em cima do balcão, novas bicadas. Tirei foto do papagaio. Ele estranhou o flash e disse alguma coisa que não entendi ou fingi que não entendi. Segui em frente. Faltava pouco para o asfalto. Logo o trevo de Valença apareceu e a RJ-143 deu lugar a RJ-125, asfaltada e muito movimentada na direção de Valença (RJ).
Eram 16h e o ar abafado e as nuvens cinzas anunciavam um aguaceiro daqueles. Mais 16 quilômetros em trecho plano e cheguei à pequena Taboas (RJ). A cidade estava em festa. Vários templos evangélicos espalhados pelo perímetro urbano concentravam muitos fies. Havia uma animada quermesse e não parava de chegar gente. Em certo trecho foi preciso descer da bicicleta e empurrá-la em meio àquele mar de gente. Mais seis quilômetros e cheguei à pacata Rio das Flores que, no século XVI, era o “trampolim” que dava acesso às Minas Gerais. Nos tempos da ferrovia, havia um ramal de EFCB, parada obrigatória para os trens que seguiam do Rio a Juiz de Fora. O ciclo do ouro acabou, o ramal da Central do Brasil foi desativado e Rio das Flores (12) parece ter parado no tempo.
Rio das Flores é uma cidade rural, com população estimada em 66.290.000 habitantes. Feriados nos dias 15/8 (Feriado Religioso) e 29/10 (Fundação da Cidade). Fica a 159 quilômetros do Rio de Janeiro.
(12) Os primórdios devassamentos do território do município de Rio das Flores não estão até hoje bem esclarecidos. Autores atribuem o seu devassamento às correntes de faiscadores, aventureiros e bandeirantes, que desde o início do século XVI, utilizavam o curso do Rio Paraíba, como ponto de referência para atingir as" Minas Gerais". Segundo consta das notícias sobre o roteiro da expedição chefiada por Martim Corrêa de Sá, ainda em 1597, o rio Paraíba era utilizado como via de acesso ao território das "Minas" embarcando no Rio de Janeiro, por aquela data, chegou aquele capitão, por mar, a Paraty, acompanhado de 700 portugueses e 200 índios penetrando em São Paulo rumo a Pindamonhangaba, onde atingiu o vale do Rio Paraíba, cujo curso seguiu até chegar à foz do rio Paraibuna. Vemos assim que, desde a abertura desse caminho, na segunda metade do século XVI, as margens do Paraíba, pertencentes hoje ao território de Rio das Flores, já eram conhecidas. Todavia, o que de positivo existe sobre as origens do atual município é que a sua colonização e o seu desbravamento foram motivados pela extraordinária expansão agrícola, que se verificou na província do Rio de Janeiro, durante o século XIX. Quando o "ciclo do café" atingiu, na província, proporções vultosas, trazendo riqueza e abastança para os que cultivam, os demais fazendeiros, seduzidos pelas promissoras perspectivas que lhes apresenta a nova cultura, abandonaram, em determinadas zonas, quase que totalmente suas antigas lavouras, para se dedicarem exclusivamente aos cafezais. A necessidade de aproveitamento de terrenos apropriados a essa cultura motivou o desbravamento de zonas até então inóspitas, processando-se a sua colonização e seu povoamento com notável rapidez. Segundo a maioria dos autores, foi devido a essa ansiosa procura de terras férteis, adaptáveis à cultura do café que se observou o desbravamento e a colonização das terras de Rio das Flores, na primeira metade do século XIX. Foi nesse período, segundo tudo faz crer, que chegaram a esta região os primeiros grupos de colonizadores, dedicando-se desde logo, à cultura do café, cujas plantações, em breve, recobriam vastas extensões até essa época ocupadas pela mataria virgem. A notícia da fertilidade do solo da localidade nascente propalou-se com rapidez, atraindo a atenção dos governantes. Fonte: site da PMRF na Internet.
Hospedei-me na única pousada da cidade, a Rio das Flores, localizada no ponto mais alto da cidade, no alto de um morro. O acesso é feito por uma ladeira calçada com paralelepípedos com inclinação cascuda. Tive que descer da bicicleta e empurrá-la. São vários chalés e eu fui o único hóspede daquela noite de domingo, dia 5 de janeiro. Eram 18h quando cheguei à recepção. Os sinos da igreja anunciavam a hora do Angelus.
A Pousada [Rio das Flores] é administrada por uma senhora, filha e genro. Mas a mascote da hospedaria é a pequena Laura, menina muito esperta, neta da proprietária, e muita dada com as pessoas. Não era para menos. Por ali passam muitas pessoas e a garotinha está acostumada ao movimento. Fala com desembaraço e, enquanto o chalé era providenciado, contou-me quase três anos da sua história.
A cidade é muito silenciosa. Havia pouca gente nas ruas quando saí para degustar uma deliciosa pizza feita em forno à lenha. Quando voltei à pousada, o tempo abriu e a Lua Nova, quase atingindo o quarto crescente, apareceu entre as nuvens. O céu foi ficando estrelado à medida que o tempo limpava. Fiquei do lado de fora do quarto contemplando aquele espetáculo. O silêncio era um bálsamo para os ouvidos. Dez badaladas do sino da igreja se fizeram ouvir às 22h. Fui dormir repassando cada trecho pedalado.
Quando acordei, chovia muito. Eram 10h. havia dormido 12 horas seguidas. Fazia tempo que não dormia tanto. Dei um pulo da cama e apressei-me para o café da manhã, que estava para se encerrar. O aguaceiro apertou e a vontade que tive foi de continuar deitado e passar aquele dia, 6 de janeiro, dia de Reis, deitado vendo a chuva lá fora e descansando. Mas no roteiro não estava previsto nenhum dia de descanso. Três Rios (RJ) era a minha próxima parada e já estava atrasado. Parti sob uma chuva forte e pesada.
Antes de pegar a estrada, passei em um borracheiro para remendar a câmara de ar que furou antes de chegar a Conservatória. A borracharia fica em um barraco de madeiras ao lado de uma loja de materiais de construção. Ao entrar, vi um camarada deitado sobre vários pneus velhos assistindo tranquilamente ao seriado Chaves. “Desculpe-me atrapalhar o seu descanso, mas tenho uma câmara de ar a ser remendada”. “Estou seguindo viagem e não posso ir sem estepe”. Prontamente fui atendido, embora a prensa estivesse fria e levou bem uns dez minutos para esquentar, mais uns quinze para concluir o serviço. Enquanto esperava, assisti ao Chaves na TV. O episódio exibido foi aquele em que o Chaves encontrou um maço de notas de dólares no chão da vila e, ao encontrar o Kiko, disse que se tratava de figurinhas repetidas. Só o Chaves mesmo. Esse episódio eu vi várias vezes. Quando minhas filhas eram pequenas, nós assistíamos ao Chaves diariamente na hora do almoço.
Às 13h o serviço de remendo foi concluído. Tomei a direção da saída, cruzei a ponte sobre o Rio das Flores e ingressei na RJ-145, com destino a Três Rios (RJ).
Os primeiros dez quilômetros foram penosos porque a estrada tem muitos buracos e como estavam cheios pelas águas das chuvas, podiam se tornar uma armadilha. Pedalei 10 quilômetros e cheguei a Manoel Duarte (RJ), situada às margens do Rio Preto que, naquele trecho, separa RJ/MG. A partir dali, a qualidade do asfalto melhorou muito e os buracos desapareceram. Veio, então, um trecho plano e longo, margeado pelo rio Preto, com 28 quilômetros, percorridos em uma hora (recorde para o dia), que me levou a Afonso Arinos (RJ). Parei para tomar uma Coca-Cola, tirei uma foto da estação ferroviária e pedalei mais dois quilômetros para alcançar Mont Serrat (RJ), cortada pela antiga BR-040, Rodovia União-Indústria, em frente à ponte velha sobre o rio Paraibuna, que naquele trecho, divide RJ/MG. Em julho de 2001, quando pedalei do Rio a Juiz de Fora pela Estrada Real, em companhia de meu irmão Aldo, passamos por Mont Serrat e pela velha ponte na divisa.
A chuva não dava trégua. Embora tivesse diminuído de intensidade, continuava a cair. Tirei várias fotos da região, incluindo as corredeiras do Paraibuna, a estação ferroviária de mesmo nome e o colosso da Pedra do Paraibuna, um monólito de granito com 415 metros de altura. Estava coberto no topo por esparsas nuvens. Faz 31 anos que passei, pela primeira vez, por essa região. Foi em 1972, quando me mudei do Rio para Brasília. Naquela época não existia a nova BR-040, duplicada e pedagiada. A única ligação Rio-Juiz de Fora-BH, era a velha BR-040, também chamada (até hoje) de União-Indústria, cheia de curvas e caminhões. Eram cinco horas de viagem do Rio a Juiz de Fora. Hoje, pela estrada nova, são apenas três horas. Depois das fotos e de boas recordações dos tempos em que viajava na União-Indústria, voltei ao pedal e alcancei a nova BR-040 por volta das 16h. A chuva continuava. Era o primeiro banho de chuva de 2003. Lavou a alma.
A nova BR-040 tem duas pistas de cada lado e grade de proteção no centro. O acostamento é espaçoso, com uns 3,0m de largura. Foram 22 quilômetros até alcançar Três Rios (RJ). Cheguei às 17h. A chuva continuava fina e persistente. Evitei entrar na cidade. Acomodei-me no Motel Star, ao lado do Posto Trevo, às margens da BR-040. Como era dia de semana, o pernoite saiu por R$ 20,00, uma pechincha. Tomei um banho quente relaxante. Depois de pegar chuva no lombo por quatro horas sem trégua, nada como um bom banho. A baixa do dia foi a inundação no interior da bolsa que carregava no bagageiro. Molhou tudo, roupas, livros, folhetos com informações das cidades visitadas.
Improvisei um varal no quarto, liguei o ar condicionado e torci para que tudo secasse até o dia seguinte. Destino: Teresópolis (RJ). Apaguei cedo.
Acordei durante a madrugada. Olhei o céu. Estava parcialmente nublado. A Lua Nova, quase em fase crescente, esforçava-se para aparecer. O quarto fica de frente para a estrada (BR-040). Estava silenciosa e com pouco movimento. Abri a janela do quarto para renovar o ar, viciado pelo aparelho de ar condicionado. A temperatura era bem agradável. O asfalto da estrada estava molhado. Chovera o dia todo. Voltei a dormir esperançoso de que o Sol brilhasse pela manhã.
E brilhou forte e quente logo cedo quando acordei. Eram 7h. pedi o café, desmontei o varal improvisado e, às 8h 30, voltei a pedalar pela BR-040, com destino a Itaipava (RJ), a cidade das cerâmicas. Na altura do Castelinho, abandonei a BR-040 e peguei a BR-495, que liga Itaipava a Teresópolis (RJ). São 35 quilômetros, dos quais 22 em uma subida única, com médio ângulo de inclinação e paisagem de tirar o fôlego.
De Três Rios (RJ) a Itaipava (RJ) pedalei 32 quilômetros. Fazia calor e o movimento na BR-040 era pequeno. Parei em Areal (RJ), na Lanchonete Brasília, renovei o estoque de água e continuei até o Castelinho de Itaipava, no km 42. Saí da estrada, atravessei a ponte sobre o rio Piabanha, contornei o trevo e ingressei na BR-495. E fui ladeira acima. Os primeiros oito quilômetros se desenrolam pelo Vale do Cuiabá, região de belas mansões e tráfego intenso. Vencido esse trecho, o piso da BR-495 muda completamente; de asfalto passa a ser de cimento, blocos retangulares encaixados, semelhante à Estrada do Corcovado e à subida da serra de Petrópolis (RJ). Aos poucos, sem pressa, fui vencendo a subida. Parava para fotos. Parava para tomar água nas biquinhas ao longo da estrada. Parava para observar a beleza do lugar. Já fiz esse percurso de carro, dirigindo, prestando atenção na estrada. Não pude contemplar a beleza do lugar. De bicicleta tudo passa lentamente. Quanto mais pedalava, mais subia e mais bela ia se tornando o visual. Cada ponte que cruzava, um rio de águas cristalinas abastecia a minha garrafinha de água. O banho estava uma delícia. Às 13h 15 cheguei à “virada da serra” e a subida cessou. Veio um trecho plano e depois 10 quilômetros de descida até Teresópolis (RJ). Logo o trânsito ficou pesado e procurei tomar a direção da saída para o Rio de Janeiro. Sabia que próximo à entrada da Granja Comari existe um hotel. Hospedei-me ali uma vez. Atravessei o centro da cidade e próximo à entrada do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, avistei o Hotel Teresópolis. Eram 16h. Mais uma etapa foi cumprida dentro do planejado. Mesmo encarando uma subida de 22 quilômetros, compensada pela beleza da região, cheguei muito bem. Nada de dores, sintoma de fadiga, cansaço ou saco cheio.
Saí para almoçar. A temperatura, pela primeira - e única vez-, durante a viagem estava abaixo dos 30ºC. O termômetro da rua marcava 23ºC, bastante agradável. Vi pessoas nas ruas vestindo casaco. É mole?
Degustei, em um restaurante no centro, um delicioso arroz com feijão acompanhado de salada e dois ovos. Show de bola! Fui ao mercado comprar umas coisinhas e voltei ao hotel. Peguei a bicicleta e pedalei até o Mirante do Soberbo, aquele que fica na entrada da cidade quando se vem do Rio. A vista estava enevoada. O tempo parecia estar virando. Não se avistava muita coisa lá em baixo, na direção do Rio. Em dias claros e sem nuvens é possível, do Mirante, avistar a Baía da Guanabara. Naquele dia, 7 de janeiro, não foi possível. Como almocei muito tarde, fiz um leve lanche à noite. Quando acabou o JN, dormi profundamente. O dia seguinte foi um dos mais esperados. Não era para menos.
Acordei com uma ladainha canina no prédio ao lado do hotel. Ainda sonolento abri a janela para verificar o tempo. A claridade cegou-me momentaneamente. Fechei os olhos e, ao abri-los de novo, comecei a acostumar-me com a claridade e pude ver a beleza do dia.
Era 8 de janeiro, aniversário de 21 anos de minha querida filha Daniela. Era o dia de pedalar Teresópolis-Friburgo, uma das regiões serranas mais bonitas do Estado, cortada pela RJ-130, estrada de verdes paisagens e pitorescas formações rochosas. Sabia que seria um sobe e desce acentuado, mas estava mais do que preparado e ansioso para iniciar a viagem. Tomei um excelente café da manhã e rumei em direção à saída de Teresópolis. No Mirante do Soberbo tirei fotos soberbas do Dedo de Deus e morros vizinhos. O céu estava azul e sem nuvens. O dia estava ótimo para pedalar. Depois da chuvarada no dia de Reis, quando percorri de Rio das Flores a Três Rios, sob forte aguaceiro, o tempo foi camarada e manteve-se assim durante todo o trajeto. Quem não conhece a RJ-130, rodovia que liga Teresópolis (RJ) a Nova Friburgo (RJ), tem que percorrê-la. São 70 quilômetros por uma das mais belas áreas serranas do Estado do Rio de Janeiro. Eu garanto!
Após as fotos, ingressei na BR-116, direção Além Paraíba, pedalando por 10 quilômetros até alcançar o entroncamento com a RJ-130. No trevo de acesso a Nova Friburgo, fiz uma parada para água e protetor solar. O Sol estava “uma brasa, mora”. A RJ-130, também é conhecida como circuito turístico Tere-Fri. São 68 quilômetros de lugares encantadores e aconchegantes dentro da Mata Atlântica. No coração da região serrana do estado do Rio, existem cenários ideais para passeios, aventuras, esportes e descobertas. O circuito Tere-Fri oferece diversos atrativos para os visitantes, além de charmosos hotéis e pousadas da região. Uma das principais atrações é o Jardim do Nego (13), com suas lindas esculturas talhadas no barranco.
(13) Se foi do barro que Deus fez o homem é da mesma matéria prima que o escultor cearense Nego realiza verdadeiras obras de arte em seu sítio na estrada Friburgo-Teresópolis. O Jardim do Nego é um museu ao ar livre único do gênero no mundo. Não é qualquer artista que consegue dar vida a barrancos e mantê-los intacto por muito tempo. É que o musgo que envolve cada escultura protege contra a erosão e ainda dá um colorido especial a cada uma dependendo da estação do ano.

O dono desse talento protege seu dom com um tapa olho no meio da testa onde, segundo ele, se encontra uma terceira visão. Entra tantas esculturas será que existe uma preferida? É difícil para o artista definir qual é o melhor trabalho.Da mais antiga - a mulher que existe há vinte anos e que está sendo reestruturada – até a mais nova, o bebê, que ainda está em processo de criação de musgo. O visitante se encanta com cada detalhe. E se não bastasse tanta beleza, no final, Nego ainda dá uma amostra do seu outro talento, a música. Completando o clima de paz. Fonte: Cia de Turismo do Estado do RJ.
Voltando a estrada. Em todo o percurso da Tere-Fri, o clima de montanha convida a magníficos passeios e caminhadas em meio a belas paisagens, cercada de muito verde e riachos de águas cristalinas. Ao longo dos 68 quilômetros, tomei banho em dois. O Pico das Três Salinas é uma das mais belas paisagens do trajeto e pode ser observado no município de Conquista.
No quilômetro 33 fiz uma parada na Churrascaria Linguiça do Padre, onde o principal quitute da casa é pão com linguiça. Comi três. Estavam ótimos. Era hora do almoço e o estômago clamava por algo diferente de Nuttry ou rapadura. As araucárias estão presentes em muitos trechos, principalmente, nos mais elevados. A presença dessa árvore, de clima temperado frio, é explicada pela altitude do lugar. É um belo exemplo da altitude corrigindo a latitude.
O traçado sinuoso, asfalto novinho e belas paisagens, fizeram daquele dia 8 de janeiro o mais especial de todos os dias do passeio. É claro que o aniversário da Daniela contribuiu, em muito, para esse dia ser ainda mais especial.
Depois de percorrer esses maravilhosos 68 quilômetros da Tere-Fri ou RJ-130, cheguei ao centro de Nova Friburgo às 15h 30. Logo avistei o Hotel Avenida e por ali me instalei. O quarto no térreo poupou-me de subir escadas com a bicicleta. Tomei banho e saí para rever Nova Friburgo, onde estive pela última vez no inverno de 1990. Não almocei nesse dia. Ao lado do hotel, um restaurante anunciava rodízio de massas à noite. Foi lá mesmo que me deliciei na hora da janta. Telefonei, em seguida, à Daniela que estava em Brasília. Como a UnB (Universidade de Brasília) estava repondo aulas após uma longa greve, ela e a Suzana, a minha filha mais nova, não tiveram férias. Parece que faz pouco tempo, muito menos do que 21 anos, que a Daniela estava nascendo, numa sexta-feira, 8 de janeiro de 1982. E assim se passaram 21 anos.
Dormi muito mal naquela noite. O colchão mais parecia uma tábua. Acordei e senti o corpo dolorido. Saí para sacar uns Reais no BB e parti para Barra do Sana (RJ) com escala em Lumiar (RJ). Ameaçava chuva. A temperatura era de 22ºC e o céu estava cinza.
Tomei a direção do Rio até a pequena Muri, distante 8 quilômetros do centro. Dobrei à esquerda no trevo e ingressei na RJ-142, a rodovia Friburgo – Lumiar. De Lumiar até Sana a estrada é de terra. Os primeiros quilômetros da RJ-142 atravessam uma região plana e com belas casas dos dois lados da estrada. A seguir vieram as subidas, longas e pouco inclinadas. Até Lumiar são 22 quilômetros com asfalto bom e acostamento estreito. O movimento de veículos era pequeno e a paisagem belíssima. Logo o rio Macaé apareceu para dar o retoque final àquele cenário montanhoso e paradisíaco. Em uma forte descida, deixei a bike desenvolver e a velocidade chegou aos 72 km/h. Radical, como diz o meu sobrinho Bernardo, de cinco anos. Em uma subida mais longa avistei um cão que parecia me esperar para correr atrás da bicicleta. Adotei uma tática diferente: seguindo conselhos de um ciclista amigo, desci da bike e chamei-o Ele logo veio abanando o rabo, sintoma característico desses cães carentes. Vão com a cara de qualquer um, coisa típica de vira-lata. Comecei a brincar com ele que se enturmou de primeira. Assim que fiz menção em ir embora, o bicho começou a chorar e foi seguindo-me. Como era um trecho de subida e fui pedalando devagar, o vira-lata foi atrás. Quando a subida terminou e a descida começou, ele aumentou a passada e logo estava correndo, acompanhando-me. E assim fez por mais de cinco quilômetros, até que parei e o bicho já estava com a língua quase arrastando no asfalto. Chamei um camarada que estava parado na porteira de uma chácara e pedi que ficasse com o cão. Ele ficou. Continuei a pedalar e o cão chorava. Deve sofrer de GCA (Grande Carência Afetiva).
Cheguei a Lumiar por volta do meio-dia. O Sol apareceu para brindar a minha entrada pela pequena cidade. E é pequena mesmo. A 500 metros da entrada, já estava no centro, onde localiza-se o Bar do Vovô, de propriedade de um grande tricolor, é ponto de referência e central de informações. Nos finais de semana forma-se a maior muvuca em frente ao Vovô. Naquele dia 9, uma quinta-feira, estava sem movimento. A cidade estava vazia. Em Lumiar o movimento acontece nos finais de semana e feriados prolongados. Almocei um delicioso PF no Vovô, deixei a bicicleta no bar e fui caminhar pela pequena Lumiar. Tirei algumas fotos e segui para Barra do Sana, agora em estrada de terra. A RJ-142 só é asfaltada até Lumiar. Dali a Sana são 30 quilômetros de piso ruim, esburacado pela ação das águas superficiais e com fortes subidas e descidas. O rio Macaé vai acompanhando a estrada e quando o calor apertava, mergulho em suas águas límpidas e geladas.
Na saída de Lumiar (RJ) avistei a Pedra Riscada. Igual à Pedra do Paraibuna, trata-se de um monólito de granito com 1.900 metros de altura, Um colosso. Seus riscos se devem à ação das águas das chuvas. Eram 15 horas e, pelos meus cálculos, baseado no grau de dificuldade daquele trecho, chegaria a Sana (RJ) antes do entardecer, previsto para 19h 45. Mas como parei muito para fotos e banhos acabei chegando às 20h. Mas foi um trecho incrivelmente belo, onde o rio Macaé, com seus meandros e fortes corredeiras, é um espetáculo à parte. Após terminar uma longa subida, avistava o rio, lá em baixo, serpenteando o terreno e quebrando o silêncio do lugar com o barulho das pequenas cachoeiras que se formam no caminho.
Hospedei-me da Pousada do Geci. Uma casa que foi adaptada para receber os hóspedes que lotam Sana nos finais de semana ao longo do ano. Mas como era uma quinta-feira, o povoado estava deserto. Eu fui o único hóspede naquela noite. Não gosto muito de muvuca. Depois do jantar, saí, sob um luar espetacular e um céu forrado de estrelas, para uma caminhada. Só ouvia os barulhos de sapos e o chuá-chuá do rio Macaé, que acompanha a estrada de entrada e saída de Sana. Caminhei por três horas e fui dormir. Como a natureza foi generosa com aquele pedaço do Estado do Rio. Começa a sentir o clima de fim de festa. No dia seguinte, Araruama (RJ) e, depois, Rio. Passou tão rápido.
Acordei cedo e fui tomar café na padaria local. Eram 8h. Suava em profusão. Depois de alimentado, peguei a bicicleta e fui conhecer as cachoeiras de Sana. São muitas, muitas mesmo. Um dia é pouco para ver todas. Fiquei nas mais próximas ao povoado. Como fazia um calor senegalês, fiquei tomando banho. Toma banho em uma, depois em outra, fui conhecer mais uma, e tome banho. Água gelada, uma delícia para o corpo e a alma. A hora foi passando e eu relaxei e desliguei-me. Quando me informei da hora, quase tive um treco. Era meio-dia. Eu tinha 120 quilômetros até Araruama (RJ). Tratei de dar no pé. Peguei as minhas tralhas na pousada, paguei a conta e, às 12h 30, passei pelo Portal de Sana deixando aquele paraíso para trás. Encarei mais 16 quilômetros pela estrada de terra até chegar a Casimiro de Abreu (RJ), às margens da BR-101. O calor era sufocante. Como o banho de cachoeira estava gostoso. Eram 14h.
Casimiro de Abreu mais parecia uma fornalha. Subia um bafo do asfalto e a temperatura devia estar próxima dos 45ºC. Tomei a direção de Silva Jardim. Encarei 30 quilômetros até Silva Jardim (RJ) em meio àquele inferno de Dante. Por sorte existem muitos vendedores de água de coco pelo caminho. O movimento na estrada, uma das principais do País-BR-101-, era intenso em ambas as direções. Pretendia fazer aqueles 30 quilômetros em uma hora. Pretendia. O calor não dava trégua e tive que reduzir o ritmo, embora o trecho seja rigorosamente plano. O Sol esquentava minha nuca e o capacete contribuía para aumentar a temperatura na cabeça. Parava a cada três quilômetros para beber algo. Comecei a comprar garrafas de água mineral de 1,5l e despejar da cabeça aos pés.
Alcancei Silva Jardim às 16h 10. Abandonei a BR-101 e atravessei a cidade, para pegar a RJ-140 até São Vicente de Paula. Foram 22 quilômetros por uma estrada novinha em folha e com ciclovia. Maravilha. O Sol ainda estava alto. O calor não dava trégua. Em São Vicente parei em uma padaria para tomar sorvete. Comprei 4 garrafas de água de 1,5 litros e derramei-as sobre mim assim que saí da cidade.
Mudei de estrada. Deixei a RJ-140 e peguei a RJ-138. Muito esburacada e movimentada. Foram 12 quilômetros até a Via Lagos (RJ-124), privatizada, pedagiada e sem acostamento. Pedalei pela Via Lagos uns 8 quilômetros, sem postos ou bares, até atingir o acesso a Araruama (RJ). Eram 18 horas. Faltavam 12 quilômetros para meu destino naquela 6ª feira, dia 10 de janeiro.
Parei em um bar assim que abandonei a Via Lagos. O Sol ainda estava forte e alto. Era Sol das 17 horas. Pedi uma água de coco, depois outra, e outra, depois um picolé de goiaba, outro e fui ficando. Foi a única pausa refrescante naquele encalorado dia rumo à Região dos Lagos. Nada de vento ou brisa. Foi o dia mais quente de todos da viagem. O calor me deixou zonzo em alguns momentos. Só quando o Sol baixou foi possível continuar. Cheguei a Araruama pouco antes da 20h. Logo encontrei um hotel. Jantei uma deliciosa pizza, saí para caminhar um pouco e cama. De madrugada desabou um temporal bíblico. Não era para menos. Depois de tanto calor, sendo verão, chuvas de verão. Temi pelo dia seguinte, já que o roteiro previsto era quase todo em estradas de terra até Itaipuaçu (RJ).
Sábado, 11 de janeiro, último dia de viagem. De Araruama ao Rio foram 130 quilômetros pela orla. Voltei a ver o mar depois de duas semanas pedalando pelo interior do Estado. Acordei depois das 9 da matina. Só consegui sair de Araruama às 10h 35. Segui direto para Bacaxá (RJ) e de lá para Saquarema (RJ), onde não ia desde 1979. Continua a mesma coisa. Tirei umas fotos na praia de Itaúna e continuei, sempre à beira-mar, com o Atlântico à esquerda. Logo o asfalto da orla cedeu lugar à estrada de terra. Eram 11h 50. Cheguei a Jaconé (RJ) às 13h 20. Apesar do Sol e da temperatura elevada, o vento melhorava as coisas. Se tivesse que encarar outro dia quente como o anterior eu pensaria duas vezes.
Ponta Negra (RJ) foi alcançada às 13h 40 e passei ao largo da Lagoa de Maricá às 14h 15. Faltavam 76 quilômetros para o Rio de Janeiro (RJ). A pior parte foi quando atravessei toda a extensão da Praia de Itaipuaçu (RJ). A orla é muito grande, movimentada naquele sábado e o piso da rua está péssimo. Muitos buracos. Eram 16h quando cheguei ao final da praia. Abandonei a orla e segui em direção à estrada que atravessa a serra da Tiririca, uma pirambeira de quase 1 quilômetro inclinadíssima. Pedalei até onde foi possível pedalar.
Desci e empurrei a bicicleta. Carro 1.0 sobe só em 1ª marcha. Essa serra atravessa a Pedra do Elefante e a estrada nos leva a Itaipu, do outro lado do morro.
Fui até a praia de Itaipu e de lá tirei uma foto sensacional do Rio. É possível enquadrar o Pão de Açúcar, Corcovado e Pedra da Gávea. O lado mais bonito é visto do lado mais feio. E veio o meu inferno astral daquele sábado. De Itaipu até a Estação das Barcas, no centro de Nictheroy, é longe para cachorro. Uns 35 quilômetros, pedalando em meio ao trânsito frenético de um final de sábado, com muito calor e praias lotadas. Desde 1976 não ia por aquelas bandas. Tudo está tão mudado que parecia ser a primeira vez que por ali passava. Em São Francisco atravessei um túnel. Nunca soube que existe túnel em Niterói (RJ).
Consegui, depois de muito pedalar, chegar à Estação das Barcas, no centro, às 18h 55. A barca para o Rio estava saindo às 19h. Apressei-me em comprar o ingresso para mim e para a bicicleta. Às 19h, a lancha Martim Afonso apitou e zarpou rumo à Praça XV de Novembro, no centro do Rio de Janeiro. Chegar à capital fluminense passando por Niterói (RJ) é bem mais agradável do que pela Avenida Brasil. Foi um entardecer para fechar a minha viagem com chave de ouro. O Sol se pondo na direção da Ilha do Governador e deixando um rastro prateado nas águas da Baía da Guanabara. Desembarquei na praça XV às 19h 20 e pedalei mais 20 quilômetros até em casa, no Leblon. Foram os últimos giros do pedal. Faltava pouco para concluir mais uma magnífica e bem planejada viagem em duas rodas. Quando vai ser a próxima? No inverno 2003 e já tem o roteiro definidíssimo. Aguardem.
Atravessei a Praça XV, passei pelo Aeroporto Santos Dumont e ingressei na ciclovia. As cores do entardecer brindavam aquele fim de sábado, com praias cheias e muito calor. Na Enseada de Botafogo, mais fotos do fim de tarde e do fim da viagem. Desci a rampa da garagem e parei a bicicleta no hall do elevador de serviço. Desliguei o cateye. Eram 20h 30. Missão cumprida e muita bem cumprida.
No dia seguinte, domingo, 12 de janeiro, começou a chover forte. Como o tempo piorou muito, desisti de fazer a segunda etapa, que consistia em voltar do Rio a Brasília pedalando. Chovia muito em São Paulo e Triângulo Mineiro, lugares por onde passaria. Como havia pedalando bastante e já estava satisfeito, decidi ficar as duas semanas restantes de férias pelo Rio.
Voltei para Brasília no dia 23 de janeiro com a bicicleta no bagageiro do ônibus. Terminei a viagem do mesmo jeito que comecei.
Pedalei do Leblon à Rodoviária Novo Rio, embarquei no ônibus leito das 14h 30 e cheguei a Brasília (DF) do dia seguinte, às 7h da manhã.
Girei os pedais da Rodoferroviária até a minha casa, na Asa Norte. Tudo saiu exatamente como o planejado. Planejar é a regra.
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