De Diamantina (MG) a Paraty (RJ). Maio 2011
DIA | TRECHOS | |
01/05 | Diamantina (MG) a São Gonçalo do Rio das Pedras (MG) | 33 km |
02/05 | São Gonçalo do Rio das Pedras a Itapanhoacanga (MG) | 54 km |
03/05 | Itapanhoacanga (MG) a Conceição do Mato Dentro (MG) | 47 km |
04/05 | C. do Mato Dentro (MG) a Itambé do Mato Dentro (MG) | 64 km |
05/05 | Itambé do Mato Dentro (MG) a Bom Jesus do Amparo (MG) | 44 km |
06/05 | Bom Jesus do Amparo (MG) a Catas Altas (MG) | 73 km |
07/05 | Catas Altas (MG) a Mariana (MG) | 54 km |
08/05 | Mariana (MG) a Congonhas do Campo (MG) | 90 km |
09/05 | Congonhas do Campo (MG) a São João del Rei (MG) | 100 km |
10/05 | São João del Rei (MG) Passeios | |
11/05 | São João del Rei (MG) a São Vicente de Minas (MG) | 100 km |
12/05 | São Vicente de Minas (MG) a Caxambu (MG) | 70 km |
13/05 | Caxambu (MG) a Passa Quatro (MG) | 50 km |
14/05 | Passa Quatro (MG) Passeios | |
15/05 | Passa Quatro (MG) a Guaratinguetá (SP) | 70 km |
16/05 | Guaratinguetá (MG) a Cunha (SP) | 53 km |
17/05 | Cunha (SP) a Paraty (RJ) | 57 km |
TOTAL | 959 km |
01/05/2011 | Diamantina (MG) a São Gonçalo do Rio das Pedras (MG) | 33 km |
Estrada Real na saída de Diamantina. Foto: Fernando Mendes. |
De Diamantina (MG) a Paraty (RJ) atravessei esses três conjuntos serranos, com subidas insanas, descidas alucinantes e visual de se fazer reverência. A Estrada Real tem que ser percorrida em ritmo lento, de bicicleta, a cavalo ou a pé.
Assim, o viajante pode bebericar todas as belezas que se descortinam aos seus olhos. Não tive pressa ao percorrê-la. Não estava competindo e nem havia um pódio de chegada em Paraty (RJ).
A sensação de vencer esses caminhos, comemorei silenciosamente, sentindo a alegria de estar cumprindo um desejo antigo: pedalar pela mesma rota feita pelos tropeiros do Brasil Colônia. No entanto, ao invés de ouro, eu carregava o desejo pela aventura e o cumprimento de uma missão. Diferentemente dos muleteiro (tropeiros), que viajavam em comboio, eu fui sozinho, mas sem me sentir solitário. Às vezes é salutar ficar só para estabelecer um diálogo interno e descobrir a força pessoal.
Saída de Diamantina (MG). Foto: Fernando Mendes. |
Durante o planejamento da viagem e a elaboração do percurso, constatei que a altimetria da ER é marcada por fortes aclives e declives.
Na saída de Diamantina, o GPS indicava 1.200m de altitude. Nos primeiros oito quilômetros percorridos, a cota altimétrica caiu para 1.000m e atravessei a ponte sobre o Ribeirão do Inferno.
Em seguida, uma subida dos infernos, em forte ângulo de inclinação, me levou de volta aos 1.200 m iniciais. Foi possível sentir que o sobe e desce é constante. Após vencer a primeira ladeira – entre muitas que encarei até Paraty (RJ) – passei a pedalar num platô, com quatro quilômetros de extensão até chegar a descida que me levou ao Povoado do Vau, onde parei para almoçar. Eram 13h. Havia pedalado apenas 26 quilômetros e gasto, para tal, 4 horas. Média de medíocres 6 km/h.
Nesse povoado, em qualquer casa que o viajante bata à porta e peça almoço, a comida é garantida. Faz parte da hospitalidade mineira, presente em todo o trajeto. Almocei delicioso prato com arroz, feijão, ovo e asa de peru. Tomei uma Coca-Cola e quando fui pagar, quase não acreditei: apenas R$ 7,00.
Deixei a pequena localidade, que pertence à jurisdição de Diamantina (MG), e desci até a cota de 900 m, a mais baixa do dia. Atravessei a ponte sobre o Rio Jequitinhonha, que tem sua nascente ali perto. Esse rio marca a divisa entre os municípios de Diamantina (MG) e Serro (MG). Eram 15h 05.
Foto: Fernando Mendes. |
Ponte sobre o Rio Jequitinhonha. Foto: Fernando Mendes. |
De uma margem à outra, a distância é de pouco mais de 1 metro. Quando o Jequitinhonha lança suas águas no Atlântico, na localidade de Belmonte (BA), a distância entre as margens ultrapassa dois quilômetros.
Após a travessia da ponte, veio a mais radical subida
daquele dia. Em apenas 2,5 quilômetros, saí da cota 900 m para chegar à cota
1.100 m, na qual está São Gonçalo do Rio das Pedras (MG), bucólico distrito do Serro (MG).
Eram 16h 30 e dei por encerrada a jornada daquele primeiro dia, sabendo que a viagem, por conta da altimetria e das condições do piso da ER, seria mais penosa do que imaginei.
Por sugestão de um amigo de Brasília (DF), que fez esses caminhos em 2009, dirigi-me à Pousada Fundo de Quintal. Trata-se da casa do Sr. Ademil, sujeito boa praça, dono de um empório que tem [quase] de tudo. Me senti em casa.
São Gonçalo do Rio das Pedras teve sua origem ligada à exploração do ouro. O declínio da mineração e o isolamento geográfico do distrito, garantiram praticamente todos os elementos arquitetônicos e paisagísticos dos séculos XVIII e XIX. É um lugar pacto, daqueles que o tempo tem preguiça de passar.
Poderia ficar por ali dias e não sentir tédio. As ruas possuem calçamento de pedras e as casas conservam o estilo colonial. É passagem obrigatória dos viajantes da ER.
Depois do banho, assisti TV até às 19h e saí em busca de um lugar para jantar. Indicado pelo Sr. Ademil, fui à Pizzaria Quero Mais e degustei deliciosa pizza portuguesa.
Voltei à pousada e fui me deitar para merecido descanso após
vencer um trecho com subidas infernais e paisagens maravilhosas, nas quais o
cerrado mineiro e a Serra do Espinhaço se fazem presentes.
Considerada a
única cordilheira do Brasil, a Serra do Espinhaço tem aproximadamente 1.000
quilômetros de extensão, parte em Minas Gerais e parte na Bahia. Possui o maior
afloramento de calcário do País, jazidas de ouro, ferro, bauxita e manganês.
Estima-se que sua idade geológica seja de 2,5 bilhões de anos. Funciona como
divisor de águas. A leste, todos os rios tendem ao Atlântico, enquanto que a
oeste inflam o sistema hídrico do São Francisco. A largura da Serra do
Espinhaço varia de 50 a 100 quilômetros. Vales e picos são interpostos,
configurando um terreno bastante acidentado. É Reserva da Biosfera, contém
muitas áreas de proteção e outras de preservação, além de reservas particulares.
Fonte: Brasília-Paraty, somando pernas para dividir impressões. Weimar Pettengil – Brasília – Editora Thesaurus, p.90.
02/05/2011 | São Gonçalo do Rio das Pedras (MG) a Itapanhoacanga (MG) | 54 km |
Embora seja adepto da filosofia de que toda viagem tem que começar depois das 8h da manhã, naquele segundo dia de jornada levantei da cama muito cedo. Havia dormido por longas 11 horas – coisa que jamais consigo em minha rotina. Ciente dos 65 quilômetros que me aguardavam, comecei a pedalar bem cedo.
Às 6h cheguei à cozinha da pousada, tomei café da manhã na companhia de toda a família do Sr. Ademil, que me passou dicas valiosas acerca do trecho até a cidade do Serro (MG). Uma delas eu adorei. Do pequeno povoado de Milho Verde – sete quilômetros à frente de São Gonçalo – até o Serro (MG), a ER encontra-se asfaltada. Parti às 7h.
Entre São Gonçalo e Itapanhoacanga as subidas e as descidas são mais leves do que as encontradas no dia anterior entre Diamantina e São Gonçalo.
Percorrer 65 quilômetros nessas condições me pareceu possível. Os 30 quilômetros que separam São Gonçalo do Serro do Serro (MG), foram percorridos em pouco mais de uma hora. Fiquei uns 30 minutos fotografando o centro histórico da cidade.
Saquei dinheiro no BB e fui degustar um pedaço do queijo do Serro, o melhor do Brasil. Aproveitei para tomar uma dose de pinga, que o dono do estabelecimento disse ser a melhor de Minas Gerais. Tive minhas dúvidas.
Às 9h
32 segui rumo a Alvorada de Minas (MG) , 18 quilômetros à frente, em estrada recém-asfaltada. Que maravilha. O tempo estava esplendoroso: céu sem nuvens e
temperatura em 22ºC.
Igreja de Santa Rita. Serro (MG). |
Chegada a Alvorada de Minas (MG). Foto: Fernando Mendes. |
A média horária, muito baixa no dia anterior, passou a ser de 20 km/h, elevando o moral. Paisagens magníficas me deram forças para pedalar firme e chegar a Alvorada de Minas (MG) às 10h 40.
Fui conhecer a Igreja de Santo Antônio (século XVIII). Alvorada de Minas (MG) teve sua ocupação com o início da mineração do ouro no Rio do Peixe, a partir de 1712.
Almocei e segui rumo a Itapanhoacanga, retornando à ER às 12h, agora em leito natural. Alvorada, como a maioria das cidades da Estrada Real pelas quais passei, fica dentro de um buraco fundo. Descia pra chegar. Penava pra sair.
Nesse ponto é preciso seguir como e estivesse voltando para o Serro pela MG-010. Três quilômetros à frente tem um marco da ER indicando Itapanhoacanga à esquerda e a ER se desmembra da MG-010, acabando a sobreposição.
Uma bela paisagem é oferecida ao viajante. Na região conhecida como Duas Pontes está um curso d’água, que passa sob duas pontes e segue formando pequenas quedas d’ água.
Cheguei à pequena Itapanhoacanga às 16h 30. Torci para
encontrar lugar para ficar. Perguntei para umas moças que estavam conversando
na calçada onde poderia me hospedar. Uma delas me disse: “ocê vai
lá na casa do Biu uai, que ele ruma um lugar procê moço.
É pertim daqui. Fala com a muiê dele. Mas
se ocê prifiri, o Biu passa aqui gurim messss.
Ele foi apanhá o fi dele, o Jãozim, na escola”. Preciso
traduzir?
Fui para a Pousada
do Bill, modesta, confortável e com excelente comida. Após o jantar, o Bill me
disse que está iniciando uma expansão no estabelecimento. Serão construídos
mais quartos “num puxadim para cima”, falou-me orgulhoso.
A Pousada Real,
única até então na cidade, foi arrendada para uma mineradora que trabalha na
região. O Bill se deu bem. Itapanhoacanga fica encravada em um vale
muito profundo e cercada pela Serra do Espinhaço, que recebe denominações
locais de Serra do São José, também chamada de “Serra da Escadinha”. Ao longo
do Caminho dos Diamantes – trecho compreendido entre Diamantina (MG) e Ouro Preto (MG) -,
o Espinhaço recebe diversas nomenclaturas dadas pela população nativa.
Em Itapanhoacanga existem monumentos religiosos e ricas manifestações culturais. O
povoado é distrito de Alvorada de Minas (MG). O pequeno vilarejo de é símbolo da
época em que esse pequeno distrito, na porção central de Minas Gerais, era o
mais rico garimpo de ouro do Serro Frio (arraial que deu origem à cidade
do Serro - MG).
A
situação é tão precária que as imagens e peças sacras foram retiradas e levadas
para um local mais seguro.
Não há TV no quarto da pousada. Fui dormir cedo. Eram 20h. Encerrei a jornada daquele segundo dia de viagem bem animado e pensando na subida da Serra da Escadinha, programada para o dia seguinte.
Dormi por longas 11 horas, que me proporcionaram o descanso merecido. A Lua entrou na fase Nova. Quando entrar na fase Cheia, chegarei a Paraty. Faltavam 872 quilômetros.
03/05/2011 | Itapanhoacanga (MG) a Conceição do Mato Dentro (MG) | 47 km |
Pontualmente às 8h, deixei a pequena Itapanhoacanga saindo pela rua principal, virando à esquerda após o término do calçamento. Avistei o marco da ER . Zerei o ciclo computador no mesmo instante em que o GPS de pulso recebeu sinal do satélite, informando-me que a cota altimétrica era de 700 m.
A
próxima cidade – Santo Antônio do Norte, também chamada de Tapera -
dista 14 quilômetros de Itapanhoacanga e fica na cota 800 m. Se não
tivesse estudado a altimetria desse trecho, eu diria que seria moleza
percorrê-lo, afinal saí de 700 m para 800 m.
No entanto, Itapanhoacanga e
Santo Antônio do Norte (Tapera) são intervaladas pela Serra da
Escadinha. Nos primeiros nove quilômetros, subi de 700 m para 1.100 m. Os
primeiros 500 m são impedaláveis, em virtude das ravinas (valas) e muitas
pedras soltas. Nesse caso, o mais ponderado é descer e empurrar a bike.
A falta de tração pode resultar em tombo, e tombo é tudo que um ciclista deve
evitar, pois a viagem pode terminar prematuramente.
Vencidos os 500 m iniciais, pedalei de coroinha (marcha leve) e apreciando a paisagem que se
descortinava ao meu redor, apesar de o tempo estar nublado e com cara de chuva. E
fui subindo, subindo e pareceu-me que chegaria ao céu. Um silêncio delicioso,
quebrado, às vezes, por fracas rajadas de vento, que chegam sem se fazer anunciar.
Foi possível ver Itapanhoacanga, lá embaixo, dentro de um buraco e cercada
pela Serra da Escadinha.
E subi, subi e subi. Parava, fotografava e ouvia sons variados que vinham lá de baixo, no vale. Depois de uma hora pedalando em moderado ângulo de subida, consultei o ciclo computador que indicava quatro quilômetros percorridos. Parei , tomei água e consultei o GPS. Havia chegado à cota 840 m. Faltavam cinco quilômetros e mais 260 m de ascensão. Isso demonstra que, a partir desse ponto, o moderado ângulo de subida suavizou-se e a pedalada tornou-se mais fácil, sendo possível trocar a marcha para a coroa do meio.
À frente, o topo côncavo da Serra da Escadinha apareceu. A ER serpenteia-o até chegar ao mirante, alcançado às 11h, após 3 horas de pedal, 400 metros de ascensão e nove quilômetros morro acima. Quando a inclinação deu lugar a um platô, exclamei: “cheguei”!
O tempo começou a
abrir. O Sol brilhou forte. Foi a recompensa pelo esforço despendido na subida.
Avistei os mares de morros formados pela Serra do Espinhaço. Como se estivesse
a bordo de um avião avistei o pequeno povoado de Santo Antônio do
Norte (Tapera), encravado num vale cercado pelas serras do Intendente e São
José. Sentei-me numa pedra à beira do mirante. Momento de reflexão,
contemplação e agradecimento. O GPS marcava exatos 1.100 m de altitude.
O mesmo valor está gravado no marco da ER localizado na “vira da serra”, ponto no qual começa a descida da Serra da Escadinha, com apenas quatro quilômetros em fortíssima declividade. Nesse ponto, a ER transforma-se numa trilha muito técnica e sombreada.
A rua principal é
calçada e a igreja do Rosário tem seu charme. O sol brilhava forte depois de um
início de manhã bastante nublado. No Restaurante da Enny almocei
arroz, feijão, salada, ovo e umas batatinhas da hora. O estabelecimento tem o
nome da proprietária, uma senhora que estampa a simpatia dos mineiros. É
proprietária da Pousada Coyote, a única da cidade.
Presume-se que a sua construção ocorreu entre os
anos de 1745 e 1748. Porém, na fachada estão gravadas, em cima da porta, as
datas de 1872 e 1994. Possivelmente, é uma referência às reconstruções que
ocorreram na igreja.
Fundado por bandeirantes em 1702, o Distrito de Córregos pertenceu ao Serro até o ano de 1851, passando a ser distrito de Conceição do Mato Dentro. Situado em um vale de difícil acesso, no início de sua formação foi núcleo de mineração de ouro e diamantes. Córregos é uma das cidades históricas às margens da Estrada Real e integrante do Circuito dos Diamantes.
Disponível em: < http://cmd.mg.gov.br/distritos/corregos>. Acesso: 31/05/2011.
O velho povoado de Nossa Senhora Aparecida de Córregos tem seu casario tipicamente colonial distribuído em uma pequena praça e algumas ruas. São casas térreas e alguns sobrados, simples e antigos. Durante muitos anos esquecido e abandonado, o órgão da Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida no Distrito de Córregos em Minas Gerais, ressurge para nos revelar segredos, informações históricas e de organaria até então ignorados.
Disponível em: < http://cmd.mg.gov.br/distritos/corregos>. Acesso: 31/05/2011.
Córregos (MG) é um lugar no qual se tem a sensação de que o tempo parou. Vale apreciar (e registrar em imagens) a minúscula praça, a linda igrejinha Matriz de Nossa Senhora Aparecida e os sobrados coloniais.
O muro de pedras que circunda a igreja foi construído pelos escravos, sem uso de cimento ou argamassa. É pedra encaixada em pedra. E está de pé a mais de 300 anos. Deixei Córregos e pedalei forte rumo a Conceição do Mato Dentro (MG), 24 quilômetros à frente, meu destino daquela 3ªf.
Após Córregos, passei por vários
búfalos que se refrescavam dentro de pequenos lagos. Minas Gerais tem o 9º
rebanho nacional, com pouco mais que 70 mil cabeças.
A bubalinocultura difundiu-se em Minas Gerais, destacando-se pela
produção de reprodutores e matrizes para outros estados. Durante muito tempo,
búfalos estavam associados à Ilha de Marajó (PA).
E
veio a primeira baixa da viagem: pneu dianteiro furado. Providenciei
a troca e toquei em frente. Faltando 10 quilômetros para chegar a Conceição do
Mato Dentro (MG), a Estrada Real se sobrepõe à Rodovia MG-010. A partir desse ponto,
prevalece a MG-010, em obras de asfaltamento e intenso movimento de caminhões.
Brutal a diferença quanto ao movimento.
Enquanto pedalava pela ER, tranquilidade total e diminuto movimento de veículos. Ouvia somente os sons da natureza. Pedalando pela MG-010, com asfalto recém-inaugurado, o trânsito era intenso e muitas máquinas trabalhavam nos trechos ainda por asfaltar.
Cheguei
ao Hotel Cuiabá por volta das 16h 30, a tempo de assistir ao seriado Chaves, no
SBT.
Naquele dia percorri, em minha opinião, a etapa mais bonita do Caminho dos Diamantes. O céu de outono, sem nuvens, a temperatura agradável, o canto dos galos, o mugir dos bovinos, o cheiro de mato, o tempo que passa preguiçosamente.
Isso é a Estrada Real. Paraty (RJ) a 818 km. Aproveitei o que restava de luz natural e fui à Igreja do Bom Jesus de Matozinhos, a mais bela da Estrada Real, embora não seja em estilo barroco.
igreja [s.d] disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/543528248754492136/>. Acesso: 31/05/2011.
Em 1931, a igreja encontrava-se em péssimo estado
de conservação e foi totalmente demolida e substituída por uma construção
moderna. Edificação recente, sem ter um significado artístico - arquitetônico,
o atual Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos merece menção por ser
centro de romaria, que se realiza anualmente pelas festas do Jubileu, entre 14
e 24 de junho, desde os tempos coloniais. A decisão de construir a igreja foi
tomada pela irmandade em reunião no dia 14 de março de 1931. O lançamento da
pedra fundamental ocorreu em 8 de novembro do mesmo ano. O projeto é de autoria
do arquiteto Mario Moreira. As linhas arquitetônicas são bastante ecléticas,
variando do mourisco ao neogótico. A entronização da imagem do Bom Jesus no
Santuário se deu a 12 de maio de 1934.
04/05/2011 | Conceição do Mato Dentro (MG) a Itambé do Mato Dentro (MG) | 64 km |
Acordei com barulho de conversa
alta, alguém assoando o nariz no banheiro do corredor enquanto outro tossia e
puxava aquela “ostra”. Bela maneira de acordar. Eram 6h da manhã. O Hotel
Cuiabá hospeda muitos funcionários de uma mineradora que trabalha na região de
Conceição do Mato Dentro.
A alvorada para esses trabalhadores é cedo, mas para mim não era. Não tive opção. Levantei-me muito a contra gosto. Tentar dormir com aquela algazarra, sem chances.
Quando cheguei ao refeitório, não havia mesa disponível. Esperei por meia hora. Após terminar o café, arrumei as tralhas e pedal na estrada. Eram 8h quando deixei Conceição do Mato Dentro (MG) pedalando pela MG-010. Um subida infernal de 2,5 quilômetros e a cidade foi ficando cada vez menor dentro de um buraco.
Após vencer essa ascensão, a MG-010 e a Estrada Real – sobrepostas até ali – bifurcam-se. À direita, MG-010 para Serra do Cipó, Lagoa Santa e BH; à esquerda, Estrada Real para Morro do Pilar (MG) e Itambé do Mato Dentro (MG), percurso daquela quarta-feira, dia de decisão na Taça Libertadores, com os jogos de volta das oitavas de final. O Fluminense estava nessa.
No ponto em que as rodovias bifurcam-se, parei para registro de fotos. O tempo estava nublado, mas dava indícios de melhoras. Após, abandonei a MG-010 e virei à esquerda, ingressando na Estrada Real, em leito natural, bucólica e maravilhosa.
Passei pelo rio Santo Antônio, que dá nome ao vale no qual Conceição do Mato Dentro (MG) foi edificada. Nas águas desse rio, o ouro era lavado. E as planuras continuaram até o rio do Peixe.
Daí para frente, as subidas e as descidas se intervalaram até, do
alto do último aclive, avistar a torre da Igreja Matriz de Nossa Senhora do
Pilar.
Foto: Fernando Mendes. |
Morro do Pilar abrigou a primeira fábrica de ferro líquido do Brasil, em 1814. A Real Fábrica de Ferro ou Fábrica do Rei é hoje um dos principais pontos turísticos da região.
O Monumento do Intendente da Câmara foi erguido em homenagem ao intendente responsável por sua instalação. Da época da exploração do ouro estão as ruínas da Mina do Hogó, exploradas pelo próprio fundador da cidade.
A Igreja do Canga, construída em 1710, e a Matriz de Nossa Senhora do Pilar são singelas demonstrações da fé dos moradores de Morro do Pilar.
A localidade conta com infraestrutura turística e tem atrativos naturais, principalmente as quedas d’água, afastadas do centro da cidade, que merecem uma visita.
Disponível em: http://www.descubraminas.com.br/Turismo/DestinoApresentacao.aspx?cod_destino=99. Acesso: 31/05/2011.
Atravessei uma pequena ponte e subi muito até alcançar a parte central da cidade. Num bar em frente à Igreja de Nossa Senhora do Pilar, almocei muito bem. Depois, sentei-me num banco adjacente à igreja para descansar. Sombra refrescante para aliviar o calor.
O alto-falante da paróquia, que funciona como uma rádio comunitária, anunciava que naquela noite haveria reunião de pais e mestres do grupo escolar. Estava sendo feita a convocação dos responsáveis pelos alunos do Ensino Fundamental. Também foram chamadas as pessoas ligadas à igreja para uma reunião após a missa das 18h.
Toda forma de comunicação é válida. Numa localidade tão pequena como Morro do Pilar (MG), o alto-falante da igreja é o arauto de boas e más notícias, como o comunicado de falecimento de um nativo, ocorrido assim que comecei a pedalar rumo à saída da cidade. Eram 14h. Faltavam 38 quilômetros para Itambé do Mato Dentro (MG).
Na saída, caminho sombreado e plano com oito quilômetros acompanhando o rio do Peixe. Mas a moleza acabou quando passei pela última ponte. Pela proa encarei 22 quilômetros de subida constante, embora com moderada inclinação. Mas o excesso de pedras e valas me fez – por segurança – empurrar a bike algumas vezes.
Às 16h 50, tendo a deslumbrante paisagem da Serra do Cipó ao fundo, cheguei ao topo da subida, na cota 900 m. Os quatro quilômetros restantes, para alívio das pernas e pulmões, foram feitos em declive até chegar ao calçamento da cidade.
Eram 17h15 e a missão daquele dia estava cumprida. Hospedei-me na Pousada Lava Pés, tomei banho e assisti ao seriado Chaves, no SBT. Às 19h saí para jantar e dar uma volta por bucólica localidade que parece dormir com as galinhas. Às 20h 30 não havia quase ninguém nas ruas. Também fui dormir. Foi um belo dia de pedal.
Paraty (RJ) a 767 quilômetros.
05/05/2011 | Itambé do Mato Dentro (MG) a Bom Jesus do Amparo (MG) | 44 km |
Ao acordar fiquei sabendo que o
Fluminense foi eliminado por um time do Paraguai. Adeus Taça Libertadores da
América. Tomei café assistindo ao Bom Dia Brasil, que mostrou o fiasco do
tricolor. Vida que segue.
Deixei Itambé do Mato Dentro (MG) às 9h ao cruzar o Portal da Cidade. Ao fundo, majestoso e imponente, o Pico do Itambé, o farol que guiava os tropeiros que iam para as regiões auríferas de Ouro Preto no século XVIII.
Encarei uma subida
forte de quatro quilômetros para sair do buraco no qual a cidade está. Pouco
antes de chegar ao topo do primeiro aclive do dia, ouvi aquele inconfundível
som de máquinas pesadas quando dão marcha à ré: pi-pi-pi-pi.
À medida que a subida ia acabando, vi um trator fazendo a terraplanagem da ER para posterior asfaltamento até Ipoema, distrito de Itabira, berço do poeta Carlos Drummond de Andrade.
Embora muitos não sejam a favor da cobertura asfáltica da ER, eu adorei. Nos próximos 32 quilômetros, nada de valas, pedras soltas ou areia. O solo bastante compactado rendeu uma média muito boa. Às 11h passei pela pacata Nossa Senhora do Carmo e às 13h cheguei a Ipoema. Almocei e fui conhecer o Museu dos Tropeiros.
Cerca de 500 peças pertenceram ao colecionador José Dutra, fazendeiro da cidade de Rio Vermelho. O local também se transformou num espaço de convivência com múltiplas funções, sendo palco para apresentações artísticas e culturais, degustação da deliciosa culinária regional e, principalmente, para a velha e boa prosa.
Nos séculos XVII e XVIII com a descoberta do ouro e, posteriormente, de diamantes, houve uma grande migração de portugueses, paulistas e escravos em busca do "Eldorado", nas terras das Minas Gerais.
Devido ao grande contingente populacional criado na região, a escassez de
alimentos e produtos básicos não demorou a acontecer, gerando alta taxa de
mortalidade.
Para os mineradores não era viável colocar um escravo para trabalhar na plantação de alimentos, pois era uma força a menos na busca pelo ouro. Como consequência desse acontecimento, surgiram os Tropeiros - viajantes encarregados de fazerem a transição de alimentos e materiais de necessidades básicas de outras regiões para a região de exploração.
Os muares (animal resultante do cruzamento entre jumento e equino) eram os animais propícios para esse tipo de serviço na região, pois outros tipos de transporte, como os carros de boi, não conseguiriam chegar aos locais devido às irregularidades do terreno nas zonas de exploração.
Disponível em: <https://guiadaestrada.com.br/listings/museu-do-tropeiro-itabira/>. Acesso: 31/05/2011.
Após
conhecer o maior acervo da ER sobre tropeirismo, fui almoçar. Às 15h
deixei Ipoema para cumpri os 13 quilômetros restantes para Bom Jesus
do Amparo (MG). Pedalei sobre asfalto novo e altimetria generosamente suave.
Cheguei a Bom Jesus do Amparo (MG) às 16h e hospedei-me na Pousada Real, a única da comarca. À noite saí para conhecer a cidade, comi pizza e fui dormir o sono dos justos.
Paraty (RJ) a 717 quilômetros.
06/05/2011 | Bom Jesus do Amparo (MG) a Catas Altas (MG) | 73 km |
Acordei cedo, mas continuei deitado. Estava escuro. Quando abri a
janela, o tempo estava fechado. Ameaça de chuva. Fui tomar café. A pousada na
qual me hospedei é comandada por dois homens: pai e filho. Por isso entendo o
porquê da falta de toalha sobre a mesa. Que falta faz uma mulher na
administração.
Saí sem dar muita importância ao tempo nublado. Nessa época do ano, as chuvas rareiam e inicia-se a estiagem. Dito e feito. Quando comecei a pedalar pelos seis quilômetros iniciais em asfalto, as nuvens foram se dissipando e o sol veio forte. Abandonei o asfalto e ingressei na ER, em leito natural com muito cascalho. No geral o percurso está em boas condições, com predomínio de terreno plano.
A paisagem que marca o caminho é composta pelas grandes plantações de café da região. Em alguns trechos elas abrem espaço para florestas plantadas de eucaliptos.
Atravessei a Rodovia MG-434, que vai para Itabira (MG) e continuei pela ER. À direita, eucaliptos; à esquerda áreas de pasto. Mais à frente, sempre em terreno plano, passei por várias chácaras com imponentes casas com piscinas e haras. Após forte descida, cheguei à rodovia BR-381, que liga Belo Horizonte (MG) a João Monlevade (MG). Atravessei-a e parei num posto. Eram 10h.
Depois de abastecer as caramanholas com água, pedalei 500 m pela BR-381 e virei à direita, voltando à ER. Veio uma subida forte e os eucaliptos passaram a dominar ambos os lados da ER. Uma paisagem sinistra, semelhante ao filme Bruxas de Blair. Percorri todo o eucaliptal ao som da passarada e do zumbido de abelhas. Havia uma névoa que acentuava, ainda mais, a atmosfera funesta daquele trecho da ER.
FLORESTA DE EUCALIPTOS. Foto: Fernando Mendes.
Venci subidas fortes, sempre ladeado
pelos eucaliptos. Avistei o povoado de Cocais. Eram 13h. Parada para o almoço.
Fiz uma bela refeição num bar e segui na direção de Barão de Cocais (MG).
Na saída de Cocais, forte subida que me deixou acima da maioria dos morros da região. Iniciei pedalando bem devagar por conta das valas, mata- burros e pedras soltas. Em alguns trechos parei para fotos.
Passei pelo Sítio Arqueológico da Pedra Pintada com pinturas rupestres de seis mil anos. Infelizmente estava fechado. Cocais (Distrito de Barão de Cocais) foi fundada no século XVIII e têm belas cachoeiras, além das ruínas do Congo Soco, uma antiga mina adquirida pelos ingleses no século XIX. O local acabou se transformando em uma vila britânica, com hospital, capela e cemitério particular.
E assim, pedala um pouquinho, empurra um pouquinho, cheguei ao topo duas horas após ter saído de Cocais. Eram 15h 30. Parei no mirante da Pedra da Cambota, que além de ser considerado ponto chave para estudos geológicos, oferece uma vista panorâmica de várias cidades. E que vista. Desci três quilômetros e depois mais três em planuras até entrar em Barão de Cocais. Eram 15h50.
O trecho desse dia
foi muito duro. Se seguisse pela ER até Catas Altas (MG) chegaria muito tarde. Optei
em ir pelo asfalto (MG-129). Passei por Santa Bárbara (MG) às 16h 15. Nesse ponto da
MG-129 tem um acesso (de 20 km com muitas subidas) para O Santuário do Caraça,
que NÃO FAZ PARTE DA ESTRADA REAL. Quem pensa em ir ao Santuário,
conhecê-lo e voltar para a ER, melhor desistir. São 40 quilômetros (ida e volta) e um
tempo precioso será gasto. A menos que o viajante queira pernoitar por lá.
Fui visitar o Bicame de
Pedra. Trata-se de um aqueduto com quatro metros de altura, construído pelos
escravos em 1792. Servia para captação de água do alto do Maciço do Caraça, que
era destinada à lavagem de minérios e cascalhos, como parte do sistema de
exploração aurífera dos séculos XVIII e XIX. Nada de cimento ou argamassa. E
está em pé há mais de 200 anos.
O trecho da ER chega ao fim na cidade de Catas Altas (MG). Fundada em 1703 por bandeirantes, teve a decadência de sua economia com término da exploração de ouro. Quando cheguei estava anoitecendo. Catas Altas (MG) foi edificada na base do Maciço do Caraça.
É uma cidade simpática e as ruas são todas calçadas com pedras. Fui para Pousada Solar da Serra. Era o único hóspede. Viajar em baixa temporada tem suas vantagens.
Quando abri a janela do quarto, lá estava ela, a Lua Nova, com seu fino halo, parecia sorrir e falar para mim. “Parabéns. Você está indo muito bem na ER”. “Quando eu estiver cheia, saudarei sua chegada a Paraty”.
Em Catas Altas (MG), cães e gatos abundam pelas ruas. A maioria tem dono, mas seus proprietários preferem que os bichos fiquem soltos. Diferentemente de outras cidades que passei, nas quais vi muitos cães e gatos abandonados, em Catas Altas (MG) quase todos têm coleira. A prefeitura comanda o mutirão de veterinários e voluntários. Os animais são castrados e cadastrados.
Jantei no Restaurante Casa de Taipa típica comida mineira: arroz, feijão, farofa, salada e bisteca de porco.
07/05/2011 | Catas Altas (MG) a Mariana (MG) | 54 km |
Acordei
tarde, lavei a bike no jardim da pousada e bati em retirada às 11h.
Por absoluta falta de atrativos no trecho da ER entre Catas Altas (MG) e Mariana (MG),
decidi pedalar pela rodovia MG-129. Foram 54 quilômetros marcados por fortes
aclives e declives, numa estrada com pouco movimento.
Contornei o Maciço do Caraça, ferido em vários pontos pela ação da mineradora Maybach Mineração e Serviços Ltda. Minas Gerais está sendo consumida - dia a dia - pelas empresas mineradoras. A maioria delas não age em conformidade com a lei e nem sempre são cobradas ou punidas pelos órgãos fiscalizadores do ambiente. A situação é preocupante. A sociedade civil de Catas Altas (MG) está mobilizada para impedir a degradação do Caraça.
No Brasil Colônia, o ouro seguia das Minas Gerais para o porto de Paraty em comboios formados por mulas. No Brasil do século XXI, o minério de ferro viaja em comboios puxados por locomotivas a diesel até os portos de Vitória (ES) e Sepetiba (RJ). O ferro é vendido a peso de ouro. No ano 2000, a tonelada era comercializada por US$ 20; em 2011 está US$ 110.
O aquecimento da demanda mundial pelo minério de ferro, alimentado principalmente pela China, tem movimentado um mercado que parecia estar, até então, quase extinto: o da compra de reservas minerais.
Pedalava tranquilamente pela MG-129. Um inconfundível apito de trem se fez ouvir atrás do mato alto que separa a rodovia dos trilhos. Um enfileiramento de vagões carregados de minério de ferro.
Gigantesca e interminável serpente. Parei para assistir a passagem. Marquei no relógio. Três minutos e não conseguia ver o último vagão. No passado, o ouro ia para Portugal. Hoje, o ferro de Minas Gerais vai para a China. Exportar é o que importa.
A região do centro-sul de Minas Gerais que, ao
final da década de 1950, passou a ser chamada de Quadrilátero Ferrífero,
abrange uma área de cerca de 7.000 km2, na qual um conjunto de
serras dispostas quase ortogonalmente é assinalado pela ocorrência de formações
ferríferas e minérios ferro. Em decorrência da sua história e dos recursos que
ainda encerra, o Quadrilátero Ferrífero pode ser considerado como a mais
importante província mineral do Brasil. A descoberta do ouro na região, ao
final do século XVII, constituiu o centro de atração de levas de mineradores
para o interior brasileiro e, em virtude disso, representa um marco da
interiorização e urbanização do Brasil, antes uma terra essencialmente
litorânea e agrária. Catas Altas e Marina fazem parte do Quadrilátero
Ferrífero, juntamente com outros 28 municípios, entre eles Belo Horizonte e
Ouro Preto.
Disponível em: <Wagner de Cerqueira e Francisco. «Quadrilátero Ferrífero».
Brasil escola. Consultado em 31/05/2011.
A chegada a Mariana (MG) se deu por volta das 15h. Foi um dia de pedal curto e sob sol forte.
Hospedei-me no Hotel Brasil Real. Após o banho, saí para caminhar pelo Centro
Histórico e aproveitar o resto da luz natural.
Mariana foi a primeira vila, a primeira capital, a sede do primeiro bispado e a primeira cidade a ser projetada em Minas Gerais. A história de Mariana, que tem como cenário um período de descobertas, religiosidade, projeção artística e busca pelo ouro, é marcada também pelo pioneirismo de uma região que há três séculos guarda riquezas que nos remetem ao tempo do Brasil Colônia.
Em 1745, por ordem do rei de Portugal
D. João V, a região foi elevada à cidade e nomeada Mariana – uma homenagem à
rainha Maria Ana D’Austria, sua esposa, transformando-se no centro religioso do
Estado.
Naquela época, a cidade passou a ser
sede do primeiro bispado mineiro.
Disponível em: https://mariana.portaldacidade.com/historia-de-mariana-mg.
Acesso: 31/05/2011.
Caminhei pelo Centro Histórico. Sentia-me um tropeiro - ciclista recém-chegado à cidade. Tomei o primeiro café expresso desde a saída de Diamantina (MG). Encerrei o Caminho dos Diamantes (Diamantina a Ouro Preto).
No dia seguinte, comecei a percorrer o Caminho Velho (Ouro Preto a Paraty). A 1ª etapa foi vencida. Paraty (RJ) a 590 quilômetros.
08/05/2011 | Mariana (MG) a Congonhas do Campo (MG) | 90 km |
Eram 9h da manhã
quando deixei Mariana (MG) pela Avenida Nossa Senhora do Carmo, que desemboca na
BR-356 (Rodovia dos Inconfidentes). Dessa forma, passar por Ouro
Preto (MG), evitando aquelas ruas apertadas, muito movimentadas e com ladeiras de absurdas
inclinação.
O percurso de Mariana (MG) a Ouro Preto (MG), pela Rodovia BR - 365, tem 11 quilômetros com subida moderada. Saí da cota 700 metros e atingi o trevo de acesso a Ouro Preto (MG) na cota 1.200 metros. Um belo aquecimento para domingo, Dia das Mães.
Um marco do Instituto indica a direção para São Bartolomeu e Glaura, dois bucólicos distritos de Ouro Preto (MG). Voltei ao leito da Estrada Real
Enquanto me preparava
para essa viagem, assisti a um vídeo no Youtube, que mostra uma turma de
São Paulo percorrendo – de bike – o trecho Ouro Preto - São
Bartolomeu. As imagens me convenceram a não seguir por ali.
Após forte subida que atravessa condomínios de luxo num bairro periférico, um marco do Instituto indica virar à esquerda e ingressar numa trilha estreita e em mata fechada.
Teria que carregar a bike no ombro por três quilômetros, piso escorregadio e em forma de “V”. Carregava 15 quilos de bagagem.
Plano B. Fui até Cachoeira do Campo, 11 quilômetros à frente, pela BR-356 (asfalto). Dessa forma, evitei problemas.
Rapidamente cheguei a Cachoeira do Campo (distrito de Ouro Preto), que fica às margens da BR-356. Depois de passar por uma sucessão de quebra-molas, virei à esquerda e voltei à ER.
Nove quilômetros adiante, Santo Antônio do Leite, outro distrito de Ouro Preto (MG). Parei para almoçar deliciosa bisteca de porco com arroz, feijão e salada. Faltavam 54 quilômetros para Congonhas (MG).
O restaurante fica
em frente à Igreja Matriz de Santo Antônio do Leite. Eram 14h 10
quando retomei a viagem. Pedalando devagar pelo calçamento irregular da cidade,
logo avistei o marco que indicava a direção de Congonhas do Campo (MG).
Terminado o trecho em calçamento, a ER passou a ser em leito natural, larga e em boas condições de tráfego. De ambos os lados, enormes pastagens rodeadas pelo esplendor da Serra do Espinhaço. Pequenas propriedades à beira do caminho dão o tom bucólico do lugar.
Atravessei uma ponte sobre um pequeno córrego, que forma várias corredeiras convidativas ao banho. Estava quente para um domingo de outono. Deixei o banho de lado.
Foto: Fernando Mendes.
Ainda faltava muito até Congonhas (MG). Não queria me atrasar e muito menos pedalar à noite. Às 15h 08 passei pelo acesso a Itabirito (MG) e às 15h 20 estava atravessando Engenheiro Correa (distrito de Ouro Preto), com casas simples de ambos os lados.
Pedalava por um piso que um dia foi chamado de asfalto. Parei no único empório local e tomei uma Coca-Cola. Não havia água para vender.
Voltei a pedalar. Vi uma senhora na janela de uma casa. Saudei-a. “Boa tarde”. Ela respondeu-me em minerês “tarde sô!” Perguntei se ela poderia encher minhas duas garrafas com água. Prontamente e, em minrês, ela sorriu e respondeu-me “ispera un cadim”. “Vorto gurinha messs”.
E saiu com as garrafas para dentro de casa. E demorou, demorou e demorou. Passados uns cinco minutos, ela voltou trazendo uma bandeja com biscoitos, um pedaço de queijo, outro de goiabada e uma garrafa com café.
Isso se chama hospitalidade mineira, presente em toda a ER. Pessoas simples, num lugar simples e sempre prontas a ajudar.
Lanche providencial e inesperado. Viver é ter a chance da surpresa. Uma hora depois, atravessei a minúscula Miguel Burnier, antiga São Julião, outro distrito de Ouro Preto.
A Estação Ferroviária, que herdou o nome do chefe da ferrovia, o engenheiro Miguel Noel Nascentes Burnier, foi inaugurada em 1887, tendo completado 124 anos em 2011.
Em 1889, a ferrovia chegou até Ouro Preto. A transferência da capital mineira, de Ouro Preto para Belo Horizonte, desembarcou e embarcou em Miguel Burnier, além da mão de obra e materiais necessários para a construção de Belo Horizonte, vindos de diversas partes do Brasil.
Miguel Burnier era o ponto de entroncamento que ligava a nova Belo Horizonte a Ouro Preto e ao Rio de Janeiro. Mas com a decadência do transporte ferroviário no Brasil, esse ramal foi abandonado, depois de ter passado à administração da Leopoldina em 1970.
Em 2007 começaram a existir tentativas locais de reforma e reutilização do prédio da estação.
Infelizmente tudo em Miguel Burnier cheira a miséria. As casas da Central, ricas, bem construídas e adornadas, são ocupadas por gente que não tem onde cair morta. Sem manutenção, as casas vão aos poucos definhando, lentamente desaparecendo, matando o passado ferroviário que hoje se resume aos trens da MRS, que levam aço da Usiminas para os Portos do Rio e de Santos.
Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_mg_linhacentro/burnier.htm.
Acesso: 31/05/2011.
MIGUEL BURNIER (MG).
Fotos estação burnier [s.d] disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_mg_linhacentro/burnier.htm>. Acesso: 31/05/2011.
Miguel Burnier não é a única localidade do Brasil que entrou em decadência em virtude da desativação de um ramal ferroviário. Próspera no passado, hoje o distrito sucumbe ao descaso e padece no esquecimento. Um projeto chamado Estação Cultura está tentando recuperar uma das mais importantes estações ferroviárias do Brasil.
Disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_mg_linhacentro/burnier.htm>. Acesso: 31/05/2011.
Ao atravessar Miguel Burnier, constatei pobreza por todos os lados. A estação está caindo aos pedaços e virou moradia de sem tetos. Que tristeza!
No Brasil,
o rodoviarismo eclipsou o ferroviarismo e as rodovias foram
elevadas à condição de cultura e arte. Tanto é verdade, que várias expressões,
ligadas às estradas, foram incorporadas ao linguajar cotidiano: “vou pôr o pé
na estrada”; “fulano é experiente, tem “x” anos de estrada” ou “para me
aposentar, ainda tenho muita estrada a percorrer”.
O asfalto logo apareceu e passei a pedalar forte por um trecho plano e sem movimento. Após passar sob uma enorme ponte ferroviária da MRS Logística, a ER desemboca na rodovia – duplicada – que liga Ouro Branco (MG) a Congonhas do Campo (MG). Eram 17h 38.
Na direção oeste, as cores derradeiras do entardecer. Os últimos quilômetros foram percorridos no escuro. Menos mal. A rodovia tem asfalto impecável e o movimento de veículos era zero.
Às 17h 58 avistei uma placa indicando Congonhas do Campo (MG) à direita. Desci a alça de acesso à BR-040 e me senti quase no hotel, tomando aquele banho merecido. Minhas pernas estavam negras da fuligem do minério de ferro que cai dos caminhões que circulam pela região.
Entrei na BR-040. Teria que pedalar três quilômetros até a entrada de Congonhas (MG). Senti a bicicleta instável. O que eu menos queria naquela hora era um pneu furado, faltando tão pouco para chegar.
O que não tem remédio, remediado está. Empurrei a bike até um posto à beira da rodovia, tirei os alforjes, saquei a roda traseira e substituí a câmara furada por uma nova. Fui à borracharia, providenciei o remendo e enchi o pneu.
Eram 18h 30 quando voltei a pedalar por uma rua paralela à BR-040, que me levou ao centro de Congonhas do Campo (MG). Ainda faltava subir uma ladeira de três quilômetros para alcançar o Hotel Colonial, situado em frente à Igreja Matriz do Bom Jesus de Matosinhos.
Creio que nem o Monte Calvário é tão inclinado. Encerrei a jornada daquele Dia das Mães degustando uma deliciosa macarronada no restaurante anexo ao hotel.
Antes de dormir, fui tirar fotos da igreja. A lua quase em quarto crescente. Primeiro (e único) pneu furado. Paraty (RJ) a 500 quilômetros. Metade do caminho vencido.
O santuário barroco de Bom Jesus de Matosinhos é o célebre monumento histórico e artístico de Congonhas. Patrimônio da Humanidade foi tombado pelo IPHAN em 1985. Construído em várias etapas, nos séculos XVIII e XIX, por vários mestres, artesãos e pintores, como o Aleijadinho e Manuel da Costa Ataíde, é uma das maiores realizações do barroco brasileiro.
O santuário mineiro começou a ser construído como pagamento de uma promessa feita pelo fiel português Feliciano Mendes em 1757. Espelha-se no Santuário do Bom Jesus de Braga.
Aleijadinho foi o responsável apenas pela parte escultórica do pátio, sendo o projeto arquitetônico de responsabilidade de Tomás de Maia Brito.
09/05/2011 | Congonhas do Campo (MG) a São João del Rei (MG) | 100 km |
Noite mal dormida não tem preço. O
restaurante anexo ao Hotel Colonial é ponto de balada. E a música tocou alto
até às 3h da manhã. Como desgraça pouca é bobagem, a cozinha fica sob meu quarto. Cheiro de comida, fritura e óleo queimado.
Quando a fuzarca acabou, consegui dormir, mas por pouco tempo. Às 6h da manhã, o telefone da recepção do hotel começou a tocar e não apareceu ninguém para atendê-lo. E tocou, tocou e tocou um pouco mais. Enfurecido, levantei-me, fui ao balcão e tirei-o do gancho. Isso me garantiu mais duas horas de sono.
Às 8h, muito contrariado e sentindo-me nada descansado, levantei-me. O dia parecia nublado e cinza. Quando abri a janela do quarto, não vi nada. Uma neblina espessa e sinistra tomava conta de tudo.
Tomei café e fiquei à espera de melhoras nas condições do tempo. Sabendo que no outono esse tipo de formação é comum em regiões serranas e que a única maneira de haver dissipação é com o aumento da temperatura, esperei o tempo melhorar.
Às 10h 30, o sol aqueceu o ar e a neblina foi-se. Comecei a pedalar com mais de duas horas de atraso. Vi-me obrigado a executar [outro] Plano B.
Com o avançar da hora, seguir para São João Del Rei (MG) pela ER significava chegar a meu destino por volta meia-noite. Optei por um caminho alternativo.
Pela BR-040, saí de Congonhas (MG) às 11h 10 na direção Rio de Janeiro (RJ). Três quilômetros à frente virei à direita (eram 11h 30), ingressando na BR-383, que liga Congonhas (MG) a São João Del Rei (MG).
Mesmo não pedalando pelo tramo principal da ER, a BR-383 faz parte da REG. ESTRADA REAL (Região da Estrada Real). Até São João Del Rei (MG) foram 100 quilômetros pelo asfalto, acostamento razoável e movimento fraquíssimo.
Após pedalar 16 quilômetros pela BR-383, cheguei a São Brás do
Suaçuí (MG), localizada na microrregião da Serra do Espinhaço. O município tem uma
altitude em torno de 1.000 metros, é servido pela Ferrovia do Aço e está na Zona
Metalúrgica de Minas Gerais.
Pausa para delicioso almoço. Comida boa, mas o recinto do restaurante estava envolto em muita fumaça do fogão à lenha.
Por volta das 14h, voltei à lida no pedal. Próxima cidade: Entre Rio de Minas (MG), 18 quilômetros à frente, alcançada às 15h 30.
Mais 31 quilômetros e cheguei à cidade de Lagoa Dourada (MG), a terra do rocambole. Eram 16h 30. Optei por não comer rocambole. Estava muito quente.
O povoamento
local começou por volta de 1625, quando a bandeira comandada por Oliveira
Leitão descobriu ouro nas águas de uma pequena lagoa. Por volta de 1717, a
região estava bem povoada e o arraial foi se formando com a chegada de novos “oureiros”.
Em 1734, Dom Frei
Antônio de Guadalupe ergueu, então, uma capela dedicada a Santo Antônio. Em
1750, o arraial foi elevado a “Distrito da Paz”. Em 1832, o nome original de
Alagoa Dourada foi alterado para Lagoa Dourada, uma referência à lagoa ali
existente, muito rica em ouro. Após o esgotamento das jazidas auríferas, o
arraial buscou alternativa na agricultura, principalmente, no milho e na
produção do leite.
Em 1892, o distrito
passou a pertencer a Prados, e em 1911, foi finalmente emancipado. A comunidade
é habilidosa na produção de licores, vinhos e doces caseiros, que também
recheiam os famosos rocamboles. De fato, os deliciosos pães-de-ló recheados
de doces variados fazem jus à fama.
Passar por Lagoa Dourada significa provar e comprar rocamboles para levar. Essa receita, que vem sendo passada de geração em geração, tem as dicas que lhe garantem o irresistível sabor.
Disponível
em: http://www.descubraminas.com.br/Turismo/DestinoApresentacao.aspx?cod_destino=188. Acesso:
31/05/2011.
Às 16h 45 atravessei o perímetro urbano
de Lagoa Dourada (MG). Faltavam 39 quilômetros para São João Del Rei (MG). Como pedalava
fora da ER, de nada adiantava consultar a planilha ou a altimetria.
Resolvi perguntar a um nativo acerca do trecho que tinha pela frente. “Olá”. “Boa tarde”. “Tarde moço”. “O senhor sabe me dizer se daqui até São João Del Rei tem muitas subidas”. “NNNNNNNNú”. “Daqui ni São João é uns 40 quilontros”. “Ocê vai descê dôi morro”. “Um tirin de frobé daquilá”. E como não poderia deixar de ser, veio aquela pergunta: “Ocê nessa bicicreta lá evém dionde”? “De Diamantina e vou para Paraty”. “NNNNNNNí”. “Cê besta sô!” “Ocê tá vindo de Diamantina mesm”? “Nú” “Não sei se ocê é doido ou animado dimaissss”. Por diversas vezes ouvi essa reação quando dizia de onde vinha e para onde estava indo. “Ocê vai descê dôi morro”.
“Um tirin de frobé daquilá”.
Isso, em linguagem minerês, quer dizer: você vai descer dois morros. É
rapidinho daqui até lá. A informação foi precisa.
Logo na saída de Lagoa Dourada (MG) uma descida longa, depois um trecho plano, mais descidas e planuras até que, às 18h 30, cheguei à entrada da São João Del Rei (MG), localizada no Vale do Rio das Mortes.
A referência que eu tinha para chegar à Pousada do Bispo era a Matriz de São Francisco de Assis. Como todos na cidade conhecem a igreja, foi fácil chegar ao local de pernoite.
Mas antes, uma parada para fotografar aquela que é a mais bela igreja barroca da ER. No dia seguinte, não haveria pedal. A bike seguiu para revisão.
Paraty (RJ) a 400 quilômetros.
10/05/2011 | Dia em São João del Rei (MG) |
Beco do Bispo é uma pousada nota 10. O
proprietário chama-se Átila Godoy, o idealizador da Estrada Real. Fiz
questão de me hospedar numa das melhores da cidade, afinal passei dois dias em
São João Del Rei (MG). Conforto é bom e eu gosto.
Jantei deliciosa lasanha e dormi numa cama enorme, onde pude me esparramar à vontade. Foi um dia de pedal duro, sol forte e muitas subidas até Lagoa Dourada.
Felizmente havia um Plano B, no qual evitei a ER em virtude do elevado atraso na saída de Congonhas (MG) por conta da neblina espessa. Tudo estava dando certo. Que sensação maravilhosa. Havia pedalado 559 quilômetros. Paraty (RJ) estava a 400 quilômetros. Mais da metade do caminho havia sido vencido.
No dia seguinte, nada de pedalar. Estava programado levar a bike para revisão e passar o dia na malandragem.
Acordei às 9h (isso sim é hora de acordar), tomei delicioso café com toda calma e fui para a Bike Advanced cumprir a única obrigação daquela terça-feira (10/5/2011).
Voltei caminhando e sem pressa para o centro histórico. Tirei muitas fotos e tomei delicioso café expresso numa padaria próxima à Estação Ferroviária. Fui à Igreja de São Francisco de Assis. Mais fotos.
A cidade de São João
Del Rei originou-se do antigo Arraial Novo do Rio das Mortes.
A ocupação do arraial remonta a 1704, quando um paulista chamado Lourenço Costa descobriu ouro no ribeirão de São Francisco Xavier. A descoberta fez com que as terras fossem distribuídas a várias pessoas, que começam a explorar as margens do ribeirão.
Algum tempo depois, o português Manoel José de Barcelos encontrou mais ouro na encosta sul da Serra do Lenheiro, num local chamado Tijuco.
Naquele local estabeleceu-se o primeiro núcleo de povoamento que deu origem ao Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar, mais tarde Arraial Novo do Rio das Mortes e atual São João Del Rei.
Disponível em: https://guiadaestrada.com.br/listings/historia-de-sao-joao-del-rei/. Acesso: 31/05/2011.
Foto: Fernando Mendes.
Bela e
imponente, a Igreja de São Francisco de Assis é a grande referência da
arquitetura religiosa colonial de São João Del Rei.
Em 1749, existia uma capela dedicada ao santo. Em 1772, essa capela encontrava-se em péssimas condições, levando a Ordem Terceira Franciscana a iniciar um novo templo. “A autoria do projeto original é do Aleijadinho, comprovada pelo risco existente no Museu da Inconfidência de Ouro Preto.” (IPHAN).
Mas, para executar o risco, foi contratado o mestre Francisco de Lima Cerqueira, que fez várias mudanças no projeto original, como substituição das torres oitavadas, modificações no desenho dos óculos da nave e alteração do arco-cruzeiro. Os trabalhos arquitetônicos foram concluídos em 1804.
Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.
Caminhei bastante pelo Centro
Histórico. Isso me abriu o apetite. Almocei em um restaurante ao lado da
Estação Ferroviária. Comida mineira da melhor qualidade. Foi o mais saboroso
feijão que degustei ao longo da ER. Tomei delicioso café expresso numa padaria
adjacente à casa de pasto e voltei para a pousada.
Dormi até às 17h 30, quando o despertador tocou e saí para buscar a bike na oficina. Fazia 10 dias que não sabia o que era dormir após o almoço. Essa parada programada em São João Del Rei (MG) foi providencial. Café expresso, dormir à tarde, são coisas que não têm preço.
Bike revisada, tudo em ordem, voltei pedalando para a pousada. No caminho, passei por outra loja de bikes. Na vitrine estava exposto um par de alforjes. Foi amor à primeira vista. Comprei em substituição aos que levei. Àquela altura da viagem encontravam-se surrados e puídos. Não chegariam a Paraty (RJ).
À noite tomei deliciosa sopa de mandioquinha na entrada e lasanha no prato principal. Voltei para o quarto e assisti TV detendo o monopólio do controle remoto. Que maravilha! Diversos canais – entre abertos e a cabo – para meu deleite.
Antes de dormir, deixei as tralhas arrumadas, agora em alforjes novos. Adormeci antes das 22h. Paraty (RJ) a 400 quilômetros.
11/05/2011 | São João del Rei (MG) a São Vicente de Minas (MG) | 100 km |
Acordei às 8h com a sensação de que estava chovendo. Continuei deitado ouvindo aquele barulho de água caindo. Mas logo percebi que não era chuva. O jardim interno da pousada estava sendo regado. Mas o dia amanheceu nublado e havia previsão de pancadas isoladas para a região.
Tomei delicioso café da manhã, com frutas, pão de queijo e omelete. Quando estava pagando a conta, o funcionário da recepção perguntou-me qual era o meu destino naquele dia. De pronto, respondi: “Carrancas" (MG)”.
Ele me deu uma notícia nada animadora. A ER entre Capela do Saco e Carrancas (MG) está muito ruim para quem pedala com bagagem. Além disso, a Fazenda Traituba – local de possível pernoite entre Carrancas (MG) e Cruzília (MG) – foi fechada.
Mais uma vez tive que recorrer ao Plano B. Deixei São João Del Rei (MG) pela BR-265 e pedalei até o trevo de acesso à BR-383, que me levou a Cruzília (MG), pelo asfalto, passando por Madre de Deus de Minas (MG) e São Vicente de Minas (MG), cidade de pernoite daquela 4ªf, dia 11/05/2011.
Foi um dia de
pedal tranqüilo, sol entre nuvens, almoço em Madre de Deus de Minas (MG) e
chegada a São Vicente de Minas (MG) às 17h 30, junto com o pôr do sol.
Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.
Desde 1888 o município de São Vicente de Minas (MG) é cruzado por uma ferrovia, que até 1931 era de responsabilidade da Estrada de Ferro Oeste de Minas. Durante as décadas seguintes passou a ser propriedade da Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA). Atualmente a concessão cabe à FCA e o trecho é conhecido por Ferrovia do Aço.
Em setembro de 1912 a antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas inaugurou uma estação com sete residências em volta, nas proximidades do Pico Minduri, que deu o nome à cidade. Até 1920, muito pequeno era o movimento daquela estação, que servia mais como um posto de abastecimento de água, lenha e carvão, às locomotivas da época.
Em 12 de dezembro de 1953, Minduri foi elevado à categoria de município. Em 1940, passou a ser chamado de Minduri, nome indígena que significa "quem faz casa no chão", referência a uma abelha, também chamada manduri, típica da região.
A estação fechou para passageiros em 1996, quando o trem Barra Mansa a Ribeirão Vermelho deixou de operar.
Hoje é um centro cultural do município. Atualmente, a Concessionária FCA (Ferrovia Centro-Atlântico) opera a linha férrea da antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas, transportando apenas cargas. A principal é o minério de ferro, que segue para a CSN, em Volta Redonda (RJ).
Estações Ferroviárias do Brasil (11 de setembro de 2010). «São Vicente de Minas».
Acesso 31/05/2011.
Em São Vicente de Minas (MG), a terra dos queijos finos, começou a esfriar. Saí para jantar por volta das 19h. Quando voltei para o quarto, deitei-me sob um cobertor que estava no armário.
Foi meu primeiro dia de pedal pelo Circuito Terras Altas da Mantiqueira. Sabia que desse ponto em diante, as temperaturas iriam cair. E caíram.
A lua entrou em quarto crescente. Faltavam 6 dias para chegar a Paraty. (RJ).
Seis dias para a Lua Cheia. O termômetro do GPS marcava 11ºC.
Paraty (RJ) a 300 quilômetros.
12/05/2011 | São Vicente de Minas (MG) a Caxambu (MG) | 70 km |
Pela manhã, o termômetro do GPS marcava 16ºC. Às 10h deixei São Vicente
de Minas (MG). Não saí antes porque estava muito frio. Pedalei forte para aquecer e
cheguei à pequena Minduri (MG), distante 23 quilômetros de São Vicente, às 11h
12.
Foto: Fernando Mendes.
A próxima cidade, Cruzília (MG), foi
alcançada às 13h, após 33 quilômetros de fortes ondulações. Era como se a Serra
da Mantiqueira estivesse me avisando: “camarada, isso é apenas o começo do sobe
e desce intenso que encontrarás pela frente”.
Cruzília (MG) fica dentro de um buraco fundo. Desci muito para alcançar o downtown e chegar a um restaurante, no qual saboreei uma refeição deliciosa e merecida. O sol brilhava forte e a temperatura era bem agradável. O GPS marcava 23ºC. Foi uma boa opção o Plano B.
Consegui chegar a Cruzília sem precisar
me expor ao trecho duro da ER entre Carrancas (MG) e Cruzília (MG). Essa etapa tem 65
quilômetros em leito natural (isso não é problema) e sem apoio algum (isso é um
problemão).
A Fazenda Traituba, na metade
desse caminho deserto, funciona como um “cais do porto para quem precisa
chegar.” Funcionava. Foi fechada. Por isso segui para Cruzília (MG) pelo asfalto.
Quando se pedala sozinho é imperioso evitar situações como essa. Para mim, não chegou a ser decepcionante ter pedalado esse percurso fora do caminho dito “oficial” da ER.
O caminho dessa estrada nunca foi estático. Variantes ou descaminhos para fugir à cobrança do “quinto”, desmoronamentos, lamaçais, alternância das estações do ano, surgimento de cidades, fazendas que foram desmembradas, passagens outrora livres, hoje estão restritas às mineradoras, são algumas explicações para entender o porquê de a ER, que aparece nos mapas de hoje, NÃO ser exatamente aquela aberta nos séculos XVII e XVIII.
Por isso as placas indicativas de distâncias, por exemplo, trazem sempre, na parte superior, os dizeres: “REG. ESTRADA REAL”, que significa que o viajante NÃO está – quem sabe, na Estrada Real, mas na REGIÃO INFLUENCIADA por ela, na qual existem polos turísticos que englobam vilas (Milho Verde-MG), distritos (Campos de Cunha-SP) e até municípios (Paraty-RJ).
As estradas que chamamos rodovias são estáticas. BR-116, BR-040, SP-330 e por ai vai. Naquela época, não era assim. Quando uma barreira caía, abria-se uma variante e o caminho mudava.Hoje, quando uma barreira cai, máquinas limpam tudo e a estrada não tem seu trajeto alterado.
Durante as pesquisas para realizar minha viagem, encontrei esse alerta em várias publicações acerca da Estrada Real. Eis o que diz Marcelo Ribas em “A História do Caminho do Ouro em Paraty”, página 7: “como resultado desse empenho na difícil busca de respostas às tantas indagações que, em sua maioria, encontram-se até hoje em aberto com relação ao traçado do caminho, ou dos caminhos, traçado que variou no espaço, no tempo e nos descaminhos”.
Outra dificuldade para se estabelecer por onde passa (ou passou) o caminho dito “oficial” deve-se ao fato de o Brasil ser um país sem memória histórica. Nação que não prima por registrar hoje o que será história amanhã. Esse movimento de penetração do litoral para o interior em busca de riquezas talvez tenha sido o mais importante, mudando definitivamente a cara do País, até então escassamente povoado em alguns trechos do litoral.
Foi a grande corrida provocada pela descoberta do ouro no sertão de Cataguás, atual Estado de Minas Gerais que, em ato sem precedentes, interiorizou o povoamento do Brasil.
Após almoçar muito bem, encarei os 23 quilômetros finais até Caxambu (MG) sob um espetacular céu sem nuvens e a esplendorosa Serra da Mantiqueira completando o cenário.
Depois de 10 quilômetros, a BR-383 termina e desemboca na BR-267, que segue para Caxambu (MG), passando por Baependi (MG). Eram 16h 30 quando cheguei à cidade das águas minerais.
Hospedei-me no Grande Hotel de Caxambu.
Infelizmente o estabelecimento está muito mal cuidado, principalmente a parte
interna. Os tacos estão soltos no assoalho, os móveis velhos e sem manutenção.
O Glamour de outrora foi substituído pelo abandono. Depois do banho, dei umas
voltas pela cidade, tomei café expresso e fui visitar a Igreja Matriz.
O Parque das Águas em Caxambu é o único a concentrar
no mesmo local, fontes de água mineral, com propriedades químicas diferentes
umas das outras. Dentro do limite do parque, há o suntuoso complexo
arquitetônico do Balneário.
Uma luxuosa construção datada de 1912 com imenso
portal de vitral, abrigando diversificados banhos, duchas, saunas e piscinas
térmicas de água mineral.
Caxambu está sobre o maior manancial de águas
minerais carbogasosas da Terra.
São mais de dois milhões e meio de litros fluindo
diariamente por meio de doze fontes.
Disponível em: http://www.turismo.mg.gov.br/component/content/article/41/447-caxambu. Acesso: 31/05/2011.
Jantei delicioso nhoque à bolonhesa numa casa de massas. Voltei à cafeteria e tomei outro expresso. Recolhi-me ao Grande Hotel, pois a temperatura, segundo um termômetro da rua – era de 15ºC.
Caxambu (MG) fica no
coração da Mantiqueira na cota de 900 metros. Essa altitude é suficiente para
rebaixar as temperaturas, principalmente à noite.
Nenhuma preocupação em dormir cedo, pois o dia seguinte foi de malandragem. Acordar tarde e sem o compromisso de pedalar, não tem preço. O hotel estava vazio e quando apaguei a luz do quarto, mais parecia o cenário de filme de terror. Lembrei-me da película “O Iluminado”. Faltavam cinco dias para a Lua Cheia.
Paraty (RJ) a 230 quilômetros e a viagem estava maravilhosa.
13/05/2011 | Dia em Caxambu (MG) |
Pela manhã, café
com frutas e omelete. Deixei a bike para ajustes na oficina e saí
para conhecer o Parque das Águas. Pelas ruas vi muitas charretes, paisagem
característica de cidades que não perderam seu ar rural e bucólico, apesar da
grande urbanização pela qual Caxambu (MG) vem passando. Caminhei até a portaria do Parque. Segui por uma alameda bem arborizada até a Fonte D. Pedro.
Foto: Fernando Mendes.
É a fonte mais antiga e simbólica do Parque das
Águas. Possui interessante construção em estilo greco-romano sendo um dos
cartões postais da cidade de Caxambu. A captação ocorreu em meados do séc. XIX,
e o pavilhão atual, de inspiração neoclássica, foi construído no início da década de1960 . O prédio em que ela se encontra possui cúpula apoiada por
pilastras grossas, não tendo paredes. Em seu interior, encontra-se uma réplica
da coroa que pertenceu a Dom Pedro II. A Fonte Dom Pedro em Caxambu MG, está em
uma pilastra de mármore encimada pela Coroa Imperial. A água sai de uma
torneira de aço inox.
Disponível em: http://www.turismo.mg.gov.br/component/content/article/41/447-caxambu. Acesso: 31/05/2011.
Depois de beber a saborosa água da
Fonte D. Pedro fui conhecer o prédio da Hidroterapia. Havia um pequeno
movimento de pessoas que usavam a sauna e as salas de banho. Fazer uma sauna
seria uma boa pedida. Mas eu deveria ter atestado médico. Deixei para
outra ocasião.
Creio que andei pelos 210.000 m2 do Parque ou quase isso. O movimento era pequeno. As águas do lago estavam espelhadas e as fotos renderam belos dublês de imagem. Deixei o Parque ao meio-dia. Mas antes de almoçar, fui conhecer a Igreja de Santa da Hungria.
Oferecida pela Princesa Isabel, em agradecimento ao pedido atendido (era estéril e as águas de Caxambu a curaram). A construção foi iniciada em novembro de 1868. A consagração do templo aconteceu em 1897, quando o Brasil era República, e a família real se encontrava no exílio. A arquitetura da igreja é em estilo neogótico, utilizado a partir da segunda metade do século XIX para a construção de templos religiosos. Um dos acessos para a igreja é feito por uma escadaria de 126 degraus. Ao longo do caminho, estão passos da Via Sacra, iluminados por lanternas; no topo, há um cruzeiro se cinco metros de altura.
Disponível em: <https://www.diariopopular.com.br/opiniao/consagracao-do-brasil-a-maria-146820/>. Acesso: 31/05/2011.
Subi
os 126 degraus e conheci o templo por fora. Lá do alto, bela vista da cidade de
Caxambu (MG). Desci e fui almoçar delicioso arroz com feijão, salada e bisteca de
porco.
Após a refeição, café expresso e ida à lotérica fazer uma fé na Mega Sena acumulada. Foi uma manhã cheia.
Voltei ao hotel e dormi deliciosamente até o fim da tarde. Ao despertar, caminhei até a oficina e retirei a bike.
Limpa, revisada, sem marchas pulando e com pastilhas de freios novas. Quando dei aquela voltinha para testar, senti vontade de pegar a ER. Mas havia anoitecido e começava a esfriar.
De volta ao Grande Hotel, deixei a bike na garagem, agasalhei-me e fui jantar na mesma casa de massa da noite anterior. Pizza portuguesa de qualidade. Terminei o dia querendo beber uma água mineral Caxambu. Não logrei êxito na busca por delicioso líquido.
Em Caxambu (MG) não se encontra água mineral Caxambu. A explicação é que os tributos que incidem sobre a água mineral que leva o nome da cidade são elevados. Assim, os comerciantes preferem vender outras marcas, como a São Lourenço.
Toda a produção de Água Caxambu é comercializada para outras Unidades da Federação.
14/05/2011 | Caxambu (MG) a Passa Quatro (MG) | 50 km |
Embasado
na tese de que toda viagem deve começar depois das 8h da manhã, deixei Caxambu
(MG) às 9h 30. Fui pela BR-354 até Pouso Alto (MG), onde acessei a MG-158, passando
por Itanhandu (MG) e chegando a Passa Quatro (MG).
Foto: Fernando Mendes.
Se seguisse pela ER, não chegaria à cidade sorriso (Passa Quatro – MG) naquele sábado. Isso significava perder o passeio de Maria Fumaça, que acontece aos finais de semana.
Os 32 quilômetros que separam Caxambu (MG) de Pouso Alto (MG) são percorridos em subidas intermináveis. A paisagem da Mantiqueira é exuberante. A rodovia é sombreada pela Mata Atlântica e como o movimento era pequeno, o canto da passarada ditou o ritmo das pedaladas.
Passei por Pouso Alto (MG) às 12h 30. Hora do almoço. Parti às 13h e pedalei nove quilômetros para alcançar Santana do Capivari (MG). Nesse ponto, deixei a BR-354 e ingressei na MG-158.
Foto: Fernando Mendes.
Mais nove quilômetros – agora em descidas – até passar por Itanhandu (MG) e mais 12 quilômetros, entre descidas e subidas moderadas, até Passa Quatro (MG).
Cheguei às 14h 51. O dia estava esplendoroso. Aquele céu com poucas nuvens, típico do outono tropical brasileiro.
Foto: Fernando Mendes.
Hospedei-me na Pousada Ecos da Mantiqueira. Excelente. Fui à Estação Ferroviária e adquiri o bilhete para o passeio de trem do dia seguinte, às 10h. Em seguida, rolezinho pela cidade. Era preciso aproveitar a luz natural.
Foto: Fernando Mendes.
Visitei a Igreja Matriz de São Sebastião, a 4º capela construída na cidade, em 1850, pelos fundadores de Passa Quatro, Ana Motta Paes e José Ribeiro Pereira.
A imagem de São Sebastião foi trazida de Portugal. Fotografei o casario colonial e as ruas de paralelepípedos. Passa Quatro (MG) é daqueles lugares que não dá vontade de ir embora. Faltavam 147 quilômetros para Paraty (RJ) e três dias para a Lua Cheia.
15/05/2011 | Passa Quatro (MG) a Guaratinguetá (SP) | 70 km |
Dei um pulo da cama
às 9h. Pensei ter perdido a hora. Ou melhor, o trem. Passado o susto, tomei
café, arrumei as tralhas, paguei a conta na pousada e deixei a bike na
garagem para pegá-la na volta do passeio de Maria Fumaça e seguir viagem até
Guaratinguetá (SP).
Cheguei à Estação Ferroviária uns 20 minutos antes de o trem partir. Tirei fotos da Locomotiva 332 (da marca Baldwin 1929) e às 10h o apito soou alto e encheu o ar da cidade com a nostalgia dos tempos da RMV (Rede Mineira de Viação).
Também conhecido como Trem da Serra, o passeio começa na histórica estação de Passa Quatro (MG), com uma parada [20 minutos] para compras na Estação Manacá, e segue até a Estação Coronel Fulgêncio, a poucos metros do Túnel da Mantiqueira, na divisa de MG/SP, onde ocorreu uma memorável batalha durante a Revolução Constitucional de 1932 (ou Guerra Paulista).
O Túnel da Mantiqueira foi construído embaixo da Garganta do Embaú por determinação do Imperador Dom Pedro II , no ano de 1882, e inaugurado em 5 de março de 1883.
O movimento armado, ocorrido no Estado de São Paulo, entre 9 de julho e 4 de outubro de 1932, teve por objetivo derrubar o Governo Provisório de Getúlio Vargas e promulgar uma constituição para o Brasil.
São Paulo, depois da revolução de 1932, voltou a ser governado por paulistas. Dois anos depois, foi promulgada a Constituição de 1934.
Foto: Fernando Mendes.
O percurso feito pela Locomotiva 332 é histórico. Foi inaugurado por D. Pedro II, no século XIX. O cenário deslumbrante visto da janela do trem é formado pela Mata Atlântica recobrindo a Mantiqueira, vales e riachos.
Às 12h, a 332 retornou a Passa Quatro (MG), desembarquei, voltei à pousada, subi na bike e parti rumo a Guaratinguetá (SP). Na próxima vinda a Passa Quatro (MG), terei que ficar mais um dia para curtir lugar especial.
Deixei
Passa Quatro (MG), a última cidade mineira da ER, pela MG-158, às 13h. Os 12
quilômetros até a divisa MG/SP são feitos em aclive contínuo. Haja
pernas para por em movimento a bike com 15 quilos de bagagem.
Rodovia MG - 158. Foto: Fernando Mendes.
Alcancei a divisa MG/SP às 13h 44. Parei no Mirante da Serra onde fica ponto (Garganta do Embaú - 1.200 metros de altitude) no qual os tropeiros subiam rumo às regiões auríferas da antiga Cataguá (atual MG).
Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.
No Mirante da Serra existe uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Avista-se a cidade de Cruzeiro (SP), localizada no Vale do Paraíba, 600 m abaixo em relação à cota altimétrica do Mirante.Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.
Quando voltei ao pedal, uma descida alucinante de 20 quilômetros me aguardava. Fui à forra após tantas subidas desde Diamantina (MG). Maior adrenalina.
Quando a estrada estabilizou, parei num restaurante e almocei deliciosa macarronada. Eram 14h 30. Desci 600 m em 20 quilômetros.
Ao voltar à estrada, consultei a planilha e Guaratinguetá (SP) estava a 36 quilômetros. Pedalava agora por uma região plana, intervalada por curtas descidas e subidas. E assim o perfil do terreno se manteve até acessar a Via Dutra. Eram 15h 30.
Os 25 quilômetros até Guaratinguetá (SP) foram pedalados na BR-116 (Via Dutra), movimentadíssima, mas com acostamento largo e pavimentação excelente.
Foto: Fernando Mendes.
Foto: Fernando Mendes.
Após
passar por Cachoeira Paulista (SP), percebi que o tempo, que estava bastante
abafado, dava sinais de que mudaria. E mudou rapidamente. Faltando três
quilômetros para chegar a Guaratinguetá (SP), desabou um dilúvio bíblico. Foi o
tempo de alcançar uma passarela para pedestres e me abrigar debaixo dela. A
chuva foi rápida, mas intensa.
Foto: Fernando Mendes.
Logo
à frente, atravessei a Dutra e saí em frente ao
Hotel Paturi, encerrando a jornada do penúltimo dia de viagem. Paraty a 110 km.
Faltavam dois dias para a Lua Cheia.
16/05/2011 | Guaratinguetá (SP) a Cunha (SP) | 53 km |
O Hotel Paturi fica às margens da Via Dutra (KM 59). Isso facilitou as coisas. Não foi preciso entrar na cidade de Guaratinguetá (SP).
Parti para p último dia de pedal atravessando a passarela para pedestres, que
fica em frente ao hotel, saindo na Dutra, pista sentido SP.
Quatro quilômetros à frente, pela alça de acesso à direita, ingressei na SP-171, a Rodovia Guaratinguetá-Cunha, que pertence à ER. Trata-se de uma rodovia asfaltada e trânsito tranquilo. Eram 10h 46.
No dia anterior (15/05/2011) desci 20 quilômetros na Serra da Mantiqueira e ingressei no Vale do Paraíba. Agora era preciso sair do Vale subindo a Serra do Mar até seu ponto mais alto para descê-la e chegar a Paraty (RJ).
Comete ledo engano quem imagina que o trecho Ouro Preto (MG) a Paraty (RJ) é mais
fácil de percorrer, em virtude de o viajante descer a Serra da Mantiqueira e a
Serra do Mar. A diferença total em aclives é de 1.228 m, 12% a menos em relação
ao trajeto Paraty (RJ) a Ouro Preto (MG).
ACLIVES | DECLIVES | DIFERENÇA | |
OURO PRETO – PARATY | 9.411 m | 10.639 m | 1.228 m |
Fonte: Guia Cicloturismo Estrada Real, Caminho Velho. Antonio Olinto e Rafaela Asprino, p. 155 a 157. |
Os primeiros oito quilômetros na SP-171 são planos e sombreados. Existem pequenos sítios e comércio modesto. Vencido esse tranquilo e refrescante trecho, uma placa informa: “faixa adicional nos próximos 12 quilômetros”.
Encarei-os em forte ascensão. E sobe, sobe e sobe mais um pouco. O acostamento virou 3ª faixa, mas o movimento de veículos era muito pequeno. Nesse trecho, a altimetria foi de 600 m para 1.100 m. Duas horas para vencer essa etapa.
Serra do Mar. Foto: Fernando Mendes.
Ao final da subida, uma churrascaria. Mas estava fechada. Mais um pouco e a estrada inclinou para baixo. Quando comecei a me animar para descer forte o declive que começava, avistei uma lanchonete à esquerda. Parei, comprei água e bati uma tigela de açaí. Eram 13h 12.Havia percorrido exatos 24 quilômetros
desde a saída de Guaratinguetá (terra das garças brancas). Os 26 quilômetros
finais até a cidade de Cunha (SP), marcados por longas descidas e curtas
subidas, foram vencidos em 1h e 44 minutos. Cheguei à antiga Freguesia do
Falcão às 14h 53.
A Estância Climática de Cunha tem suas origens por volta de 1695. Naquela época, muitos aventureiros subiam a serra pela trilha dos Guaianás, com destino ao Sertão de Minas Gerais, atraídos pela notícia de que havia ouro e pedras preciosas naquela região. Com isso, Cunha, que era conhecida como “Boca do Sertão”, tornou-se parada obrigatória para descanso e reabastecimento das tropas.
Em 1730, os viajantes que se fixaram na região, construíram um povoado no qual a família portuguesa Falcão ergueu uma capela chamada Sagrada Família. Devido à contribuição dessa família para o povoado, durante muito tempo a cidade foi chamada de Freguesia do Falcão. No início do século XVIII, a grande movimentação de tropas pelo local atraiu bandidos e saqueadores.
Muito ouro que vinha de Minas Gerais para embarcar em Paraty-RJ, rumo à Portugal, foi desviado. Devido à necessidade de se criar um posto para vigiar o local, surgiu a Barreira do Taboão, localizada entre a Freguesia do Falcão e Paraty.
Com o declínio do ciclo do ouro, muitos
desbravadores acabaram ficando na região atraídos pelo clima e pela fertilidade
do solo. Essa intensa movimentação gerou um rápido desenvolvimento local. É o
maior município interiorano do estado de SP, com 1.410 km2.
Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/cunha/historico.
Acesso: 31/05/2011.
Hospedei-me na Pousada Clima da Serra.
Recomendo. Tomei banho e não tive coragem de sair à rua. Depois que o corpo esfriou
das pedaladas escalando a Serra do Mar, pude sentir como estava esfriando. O
termômetro do GPS marcava, fora do chalé, 13ºC. Eram 16h.
Acomodei-me sob um delicioso cobertor e tentei ver TV. Mas o sono me venceu em poucos minutos. Acordei por volta das 18h. Havia escurecido. Senti que a temperatura havia caído mais um pouco. Saí do chalé para conferir. Diante de mim, a lua quase cheia. Faltava um dia. Tirei fotos. Entrei e me preparei para sair e jantar.
Começou a chover. Uma chuva forte, grossa, intensa. Há dez minutos o tempo estava limpo e a lua visível. Cunha, com 1.100 metros de altitude, está localizada em uma ferradura formada pela Serra do Mar e duas serras do seu subgrupo: Bocaina e Quebra-Cangalha.
O Oceano Atlântico fica a apenas 50 quilômetros, na direção sul. A umidade vinda do mar ascende pela serra e provoca chuvas orográficas, quase que diárias na cidade. A explicação para tanto frio é simples: estávamos numa estação intermediária (outono) associada à elevada altitude. Resultado: muito frio, principalmente à noite.
Quando voltei do restaurante para a pousada, a temperatura havia caído para 10ºC. Foi a segunda (e última) vez que usei calças compridas e casaco. A primeira foi na noite que dormi em Passa Quatro.
A chuva ficou moderada e, aos poucos, foi parando. Por volta das 22h, ouvi um barulho de algo que bati insistentemente na porta do chalé. Fui verificar. Era o rabo de um cachorro. Estava todo molhado, tremia de frio e parecia me pedir ajuda. Usei uma toalha velha, que sempre levo na bagagem para qualquer imprevisto. Enxuguei-o e fui buscar comida no restaurante da pousada. Lá fiquei sabendo que o animal é da dona da pousada. Ela me deu um pote com ração e levei para o cão. Comeu muito e passou a noite na varanda do chalé, deitado sobre a toalha que virou cama.
Antes de deitar, fui à varanda do chalé e fiquei a relembrar cada trecho que percorri da ER até Cunha, enquanto espiava a chuva cair.
Era forte a sensação de ter sido “ontem” que a viagem começou em Diamantina. Paraty (RJ) a 57 km. Estava quase conseguindo.
17/05/2011 |
Cunha (SP) a Paraty (RJ) |
57 km |
E chegou o último dia. Ele sempre chega; demora, mas chega. Eram 10h quando comecei a pedalar pela Alameda Francisco da Cunha Meneses em direção ao portal da cidade, o mesmo por onde entrei no dia anterior.
Ao entrar na SP-171, repeti o mesmo ritual que faço ao iniciar um dia de pedal. Zerei o ciclo computador da bike e liguei o GPS de pulso, que me informa a temperatura, altitude, proa seguida, hora do nascer do sol, hora do pôr do sol e os batimentos cardíacos.
Instrumentos funcionando, parti. Sabia que teria um dos dias mais duros a percorrer. De Cunha à divisa SP/RJ são 23 quilômetros de ascensão. Saí da cidade na cota 1.100 metros e cheguei à cota 1.540 metros, a mais alta da ER, que marca a divisa dos Estados de SP e RJ. Subi 440 metros em 23 quilômetros. E tudo isso sob chuva fina que começou a cair antes mesmo que eu completasse o primeiro quilômetro pedalado.
A subida foi inclinando na mesma proporção que o ritmo pedalado diminuía. Parei para tirar a camisa ensopada e suada e colocar outra, limpa e seca. Vesti, pela primeira e única vez na viagem, o casaco de chuva. Foi agradável a sensação de estar usando uma roupa seca e limpa sob uma vestimenta impermeável.
Parei para descansar. Consultei o GPS. Estava na cota 1.300. Faltavam 240 metros de ascensão. Foram os mais difíceis do dia. Naquele ponto, a estrada inclinou mais um pouco. A chuva bailava no ar ao sabor do vento.
Eram 11h 35 e nenhum veículo havia passado por mim, nem indo, tampouco vindo. Faltavam 10 km para a divisa.Eram 11h 35 e nenhum veículo havia passado por mim, nem indo, tampouco vindo. Faltavam 10 km para a divisa.Esses 10 quilômetros restantes foram percorridos em incríveis 90 minutos (1h e 30). Às 13h 05, avistei uma placa.
A distância que em encontrava dela não consegui ler a informação devido à moderada neblina. Aproximei-me mais um pouco e, sobre a superfície enferrujada, li: divisa SP/RJ a 500 metros. Era o fim do martírio daquele dia. Da divisa SP/RJ até Paraty, a estrada inclina para baixo. São 23 quilômetros em declive contínuo. Parei para registrar a passagem pela última divisa estadual. Chovia e fazia frio. Minha blusa estava ensopada, mas de suor. Apesar da temperatura baixa, o esforço dos últimos quilômetros me aqueceram.
Naquele ponto, a SP-171 termina e começa a RJ-165, que tem os 10 quilômetros inicias em leito natural em virtude de atravessar o Parque Nacional da Serra da Bocaina (subgrupo da Serra do Mar).
As chuvas dos últimos verões deixaram a RJ-165 impraticável para veículos de passeio e de carga. Somente 4X4 (e fusca) trafegam por tão precária estrada. Após registrar em fotos minha passagem, iniciei a descida, sem pedalar e driblando as crateras abertas no solo da rodovia. Nesse trecho, as copas das árvores da Mata Atlântica se abraçam e formam uma imensa galeria de troncos e folhas.
Percebi que a chuva havia aumentado. Mas logo notei que não era chuva; era a transpiração da mata. Igualmente à Amazônia, as raízes das árvores da Mata Atlântica funcionam como bombas de sucção, que retiram o excesso de água da chuva do solo e nutrem os vegetais. Ao transpirar, as plantas jogam umidade no ar – processo conhecido como evapotranspiração –.
Essa umidade que as plantas jogam no ar, somada à umidade proveniente do Atlântico provocam as intensas chuvas que caem na região. A mesma água cai repetidas vezes. O sol de hoje evaporou a chuva que caiu ontem, que subirá para cair novamente amanhã. Os índices pluviométricos no trecho Cunha-Paraty são os mais elevados da ER e um dos mais elevados do Brasil. O Município de Calçoene (AP) é a localidade mais chuvosa do País.
Foto: Fernando Mendes.
Gastei uma hora para descer os 10 quilômetros iniciais da RJ-165, em leito natural. A rodovia está em petição de miséria. O prometido asfaltamento dessa etapa da estrada depende de várias licenças ambientais do IBAMA, pois trata-se de uma área de Parque Nacional. Quando o leito natural deu lugar ao asfalto, avistei a Baía de Paraty.
Faltavam 13 quilômetros. Parei para fotos. Desci mais um pouco e, a 8 quilômetros do Portal de Paraty, fiz outra parada, no Bairro de Penha, onde existe uma igreja sobre uma pedra, como são todas as igrejas da Penha pelo Brasil. Tomei deliciosa Coca-Cola no Bar da Marlene e percorri os derradeiros quilômetros, descendo, sem pedalar e sentindo o ar ainda molhado pela chuva que havia dado uma trégua. Quando a estrada voltou a ficar plana, atravessei a ponte sobre o Rio Perequê-Açu, passei pelo Bairro Pantanal e entrei na ciclovia. Parei numa placa que indicava “Paraty”.
Comemorei minha triunfal chegada, às 15h 32, após 17 dias de viagem e 959 quilômetros pedalados. Atravessei o maior conjunto de terras altas do País, formado pela Serra do Espinhaço, pela Serra da Mantiqueira e pela Serra do Mar. No século XVII, esse percurso (Diamantina-Paraty) era feito em até 95 dias. Não sou tropeiro, sou ciclista. Não vim a cavalo, vim pedalando. Cheguei a Paraty pedalando. Eu consegui.
Quando a RJ-165 terminou, atravessei a BR-101 e, pela Rua Roberto da Silveira, parei a alguns metros do Portal de Paraty, onde está o último marco da Estrada Real. Foram as últimas pedaladas da viagem. Pedaladas vagarosas e observava o movimento. Nenhuma daquelas pessoas podia imaginar a aventura que eu acabara de realizar, muito menos a sensação de dever cumprido e meta alcançada. Mais uma aventura para meu portfólio.
Essa viagem foi tão maravilhosa quanto as demais que concluí. Ela não foi a mais longa, porém foi a mais especial e encantadora. Senti alegria e emoção, iguais quando o time do coração faz um gol que decide o campeonato. Silenciosamente dediquei a conquista a meu querido e saudoso pai que, certamente, viaja comigo aonde quer que eu vá. E de onde ele está agora, deve ser
igualmente se orgulhava enquanto esteve entre nós. Também agradeci a todos que, a distância, me acompanharam, me apoiaram e me incentivaram.
Depois do banho fui à Bike Shop Show, desmontei a Guerreira e embalei-a para a viagem de volta para casa. Comprei uma passagem de ônibus para SP. Da capital paulista embarquei em outro ônibus para Brasília, chegando no sábado, dia 21/05/2011. Percorri a ER rápido demais em cima da minha bike. Na próxima edição, irei a pé para bebericar demoradamente as belezas e singularidades do caminho.
“O melhor não é chegar, mas aproveitar o caminho”
Brasília, 31 de Maio de 2011.
Comentários
Postar um comentário
Boa leitura e sinta-se à vontade para comentar. Obrigado