Brasília (DF) a Araxá (MG) a Brasília (DF) Julho 2003

 

Disponível em: <https://www.viagemdigital.com.br/grande-hotel-termas-de-araxa/>. Acesso: 31/07/2003.


Pedal Brasília - Araxá - Brasília. 1.614 km.


Roteiro Inverno 2003.
Brasília - Alto São Francisco – Alto Paranaíba – Triângulo Mineiro –
Extremo Sudeste e Leste de Goiás – Brasília.
Data
De
Para
Quilometragem
583 km
09/07/2003
Brasília (DF)
Luziânia (GO)
76
10/07/2003
Luziânia (GO)
Paracatu (MG)
179
11/07/2003
Paracatu (MG)
João Pinheiro (MG)
101
12/07/2003
João Pinheiro (MG)
Três Marias (MG)
139
13/07/2003
Três Marias (MG)
Morada Nova (MG)
88
14/07/2003
Passeios por cachoeiras 
15/07/2003
Morada Nova (MG)
Dores Indaiá (MG)
139
706 km
16/07/2003
Dores Indaiá (MG)
Campos Altos (MG)
112
17/07/2003
Campos Altos (MG)
Araxá (MG)
95
18/07/2003
Araxá (MG)
Nova Ponte (MG)
122
19/07/2003
Nova Ponte (MG)
Uberlândia (MG)
118
20/07/2003
Uberlândia
Catalão (GO)
120
21/07/2003
Passeio a Três Ranchos e visita ao Lago Azul
22/07/2003
Catalão
Cristalina (GO)

185
325 km
23/07/2003
Cristalina (GO)
Brasília 
(DF)

140

TOTAL

1.614 km

1.614 km




































1º dia: Brasília (DF) ao Posto Corujão. 76 km.

Determinei a saída para quarta-feira, dia nove de julho, às 14h 30. Desta forma ocupei aquela manhã com os preparativos finais. Bem cedo busquei a bicicleta na oficina, por onde passou por uma revisão de viagem. Fiz um lanche à base de frutas e saí de casa pontualmente no horário programado. O meu destino no primeiro dia foi o Posto Corujão, que fica às margens da BR-040, no município de Luziânia (GO), distante 76 quilômetros de minha casa. Esse trecho foi percorrido em 3h 45. Portanto, às 18h 15 cheguei ao pátio do Posto Corujão e dirigi-me à recepção do hotel. O jantar foi servido no restaurante anexo. A comida estava muito boa. Antes de dormi, revi o trajeto do dia seguinte – Luziânia (GO) a Paracatu (MG) –, que pretendia percorrer em pouco mais de 9 horas. Adormeci antes de concluir a leitura do segundo parágrafo da primeira página de A Guerra na Palestina, de André Gattaz, um livro que descreve a trajetória da criação do Estado de Israel às Intifadas. Uma guerra sem fim.


        2º dia: Posto Corujão a Paracatu (MG). 179 km.

A janela do quarto do hotel é voltada para o Leste. Assim que acordei, às 6h 45, vi o Sol pouco acima do horizonte. O céu estava azul, sem nuvens e a temperatura, segundo o termômetro do meu relógio, marcava 13ºC. Após um bom café da manhã, dei as primeiras pedaladas saindo do Posto Corujão, às 8h 03, e ingressando na BR-040. O ar estava um pouco frio, mas as primeiras pedaladas me aqueceram. Após o quinto quilômetro, forte declive em forma de duplo “S” serpenteando uma borda de chapada. A seguir, forte subida e depois outro declive, acentuado e extenso, terminando na ponte sobre o rio São Bartolomeu, que marca a divisa dos municípios de Luziânia (GO) e Cristalina (GO). Após a ponte, saí da rodovia e parei no Mercado do Zé Maria. Eram 9h. Comprei água e segui meu rumo. Fiz outra parada no Posto 81. Degustei alguns copos de suco de goiaba. Estava o néctar dos deuses.

 Às 10 h voltei à estrada para percorrer 22 quilômetros até Cristalina (GO). Um forte vento lateral atrapalhou-me, mas não me impediu de chegar à cidade dos cristais dentro do horário previsto, às 11h 40. Parei no Posto JK, saquei alguns Reais no caixa do BB, almocei e deixei Cristalina (GO) para trás às 12h 20. Naquele ponto da estrada a BR-040 e a BR-050, sobreposta desde o KM-0 em Brasília, desmembram-se: em frente (BR-040) para Paracatu (MG), meu destino naquele dia; à direita (BR-050), que vai para SP e Triângulo Mineiro. 

 Cristalina (GO), com 46.580 habitantes, é a área urbana situada no ponto mais alto da região Centro-Oeste. A cota altimétrica no Posto JK é de 1.250 m, a mais elevada da região. Passado o perímetro urbano, vem um trecho de 30 quilômetros de descidas e retas intermináveis. Percorri-o em 1 hora (um recorde) até a Pamonharia Gameleira. Fiz uma rápida parada, degustei umas empadas deliciosas e voltei a pedalar forte por 27 quilômetros, quando cheguei à ponte sobre o rio São Marcos, que marca a divisa dos Estados de Goiás e Minas Gerais. Faltavam 44 quilômetros para Paracatu (MG). Eram 14h 35. 


Fotos: Fernando Mendes.


Estava viajando fazia 6 horas e meia. A média horária, incluindo as paradas, estava em 17 km/h. Tirei algumas fotos registrando a travessia da divisa estadual e encarei uma subida de quatro quilômetros, agora em terras mineiras, até o Posto Fiscal e depois mais 10 km de planuras até o Posto Ranchão. Rápida parada entre 16h 15 e 16h 20. Os 30 quilômetros finais foram percorridos em retas que se intervalam com pequenos aclives e declives. Cheguei a Paracatu (MG), às 17h 40. Atravessei o movimentado perímetro urbano da cidade, passei pela intersecção com a rodovia MG-188 e cheguei ao Hotel Catuí, encerrando a jornada daquele dia 10 de julho. Foram 179 quilômetros vencidos em 9 horas e 20 minutos. Média de 19,4 km/h. Excelente média, se considerar as fortes subidas e o constante vento, ora lateral, ora contra. Jantei bem e quando voltava para o Hotel, do pátio do Posto, avistei a Lua em fase crescente. Faltavam três dias para a Lua Cheia.

 Antes de dormi fiquei por alguns minutos na varanda do hotel relembrando as duas viagens que fiz de bicicleta de Brasília a Paracatu (MG). A primeira foi em outubro de 2001 e a segunda em maio de 2002. Desta vez Paracatu (MG) não foi o ponto de retorno para Brasília. Paracatu (MG) foi passagem para a mais uma jornada. A viagem estava apenas começando. Somente no dia seguinte comecei a pedalar por trechos jamais pedalados na BR-040. Para que isso acontecesse, precisei viajar 241 quilômetros. O Brasil está ficando pequeno para mim e para a minha bicicleta.


3º dia: Paracatu (MG)  a João Pinheiro (MG). 101 km.

Às 9h deixei o Posto e Hotel Catuí, às margens da BR-040. João Pinheiro (MG) estava a 101 quilômetros à frente, trecho vencido em 6 horas. Ventava muito, o céu era de brigadeiro e a temperatura de 17ºC. Peguei uma forte descida e depois uma longa subida até a Polícia Rodoviária. A partir desse ponto, longas retas e grandes declives. A primeira parada foi no Posto da Sombra, a 25 quilômetros de Paracatu (MG). Eram 10h 46. Passado o posto, vem uma descida de três quilômetros até o Córrego Fecha Mão e depois um trecho plano, embora sinuoso. Logo após, outra descida radical levou-me até a ponte sobre o Rio Paracatu, passando pelo Posto Pontal, à minha direita, abandonado faz muito tempo. Parece um posto fantasma. Sobre a ponte existe uma placa indicando que o rio divide os municípios de Paracatu (MG) e Lagoa Grande (MG). Eram 11h 10. 

 Tirei algumas fotos e segui até o Posto Novo Moirão, no qual parei para esticar as pernas. Eram 11h 33. Comprei mais água e toquei em frente, agora por trechos com acostamento muito ruim e vento contra muito forte. Ao meio dia me vi obrigado a parar por alguns minutos (creio que uns 15) na esperança que o vento desse uma trégua. Estava difícil continuar daquele jeito. A estrada não ajudava e o vento atrapalhava. Encostei a bicicleta no tronco de uma frondosa árvore à beira e dei um tempo por ali, curtindo aquela deliciosa sombra. No entanto o vento frio batendo na minha roupa suada poderia provocar uma gripe. Entre pegar uma gripe e enfrentar o vento contra, escolhi a segunda opção.

 Às 13h 23 parei no Posto Retiro e almocei. Energias renovadas para encarar os 34 quilômetros finais até João Pinheiro (MG). Depois de longas retas, subi uma pequena serra e venci os quilômetros finais daquele dia. Às 15h atravessei toda extensão do perímetro urbano de João Pinheiro (MG), recheado de saliências, e parei no Hotel Lícia. “O melhor café da manhã da região”, assim dizia uma placa quilômetros atrás. No dia seguinte constatei que não era propaganda enganosa. Preenchi a ficha de hospedagem, tomei um merecido banho e tirei um cochilo até às 17 horas. Quando acordei, fui a pé até um ponto bem alto da cidade e tirei belas fotos do entardecer daquela sexta-feira. Na direção oeste, o Sol se punha; na direção leste, a Lua, quase cheia, erguia-se majestosa.

Às 18 horas estava jantando. Depois fui ao BB, saquei $$$$ e voltei para o hotel. Dormi cedo. Precisava de descanso para encarar a jornada do dia seguinte: João Pinheiro (MG) - Três Marias (MG), 139 quilômetros marcados por aclives e declives acentuados, principalmente quando se cruza com os vários rios que cortam a região.


4º dia: João Pinheiro (MG) a Três Marias (MG).139 km.

Acordei pouco depois das 7h 30. Tomei um delicioso café da manhã, farto em frutas e pão. Alimentei-me bem para o dia pedreira que tive pela frente. Às 9h saí de João Pinheiro (MG) e, logo de cara, uma subida de três quilômetros até o posto da Polícia Rodoviária Federal. A cidade fica dentro de um buraco. Passei pelo trevo de acesso a Brasilândia de Minas (MG) e desci a reta do aeroporto local. O próximo posto (Posto Oásis) estava a 45 quilômetros, por isso preveni-me levando duas garrafas de água mineral de 1,5 ml cada.

Passei pelo Posto Fiscal e pelas entradas das fazendas Santa Lúcia e Arizona. Ventava menos que no dia anterior, o céu estava limpo, sem nuvens e a temperatura era de 15ºC. Pedalar sob o Sol de inverno é muito agradável.

Cheguei ao Posto Oásis às 12h 10. No trecho daquele dia 12/07 (sábado) – João Pinheiro (MG) a Três Marias (MG) -, as subidas são fortes e dotadas de faixas adicionais. Existe um grande movimento de caminhões que carregam carvão para as siderúrgicas de Sete Lagoas (MG). Mas o movimento era muito reduzido, permitindo-me pedalar sossegado.

 Nem parecia período de férias escolares. A estrada estava vazia, com longos intervalos sem passar qualquer tipo de veículo em ambas direções. Nas longas subidas, como a da fazenda Casa Branca, a do rio do Sono, a do córrego Stº Antônio, do córrego Curral das Éguas, do rio Abaeté e do córrego João Fernandes, eu ia ouvindo o canto da passarada. O silêncio era quebrado com a passagem de alguns carros, mas logo a calmaria voltava a reinar. Houve momentos nos quais podia jurar que a estrada estava interditada ao trânsito, mediante o marasmo provocado pelo minúsculo movimento.

 Depois de repor o estoque de água, deixei o Posto Oásis às 12h 30 e continuei rumando para Três Marias (MG), localizada na região do Alto São Francisco. O próximo posto dista 34 quilômetros e fica no entroncamento da BR-040 com a BR-365. Percorri esse trecho em exatas 2 horas. Às 14h 30 passei pelo entroncamento das duas rodovias. Ali existe um povoado chamado Luizlândia do Oeste. Na intersecção das rodovias BR-040 e BR-365, um trevo: à esquerda, acesso a Pirapora (MG), Montes Claros (MG) e sul da Bahia; à direita acesso a Patos de Minas (MG) e Uberlândia; em frente, Três Marias (MG). Atravessei a intersecção das rodovias e segui em frente, parando, mais adiante, no Posto Pirapatos. Troquei o filme da máquina e fiz um bom alongamento para as pernas. Três Marias (MG) a 51 quilômetros, com duas subidas insanas pela frente: a do rio Abaeté e a do córrego Curral das Éguas.

 Verifiquei o aperto do extensor, que segura a mala na garupeira. Tomei uma Coca deliciosamente gelada, tirei algumas fotos na passagem do trevo e voltei à estrada. A partir daquele ponto tem-se a impressão que a rodovia estreitou-se. Mas é uma ilusão de óptica. O acostamento é mais estreito. Fraquíssimo movimento pedalava sem grandes problemas. Passei por Canoeiros, um povoado rural com poucas casas e ruas de terra às margens da BR-040. Numa subida mais empinada, em que eu estava com baixa velocidade, pude ver quando duas araras passaram sobre mim, em voo sincronizado. Tinham penas azuis, amarelas e brancas. Até então, havia visto esse tipo de ave em cativeiro.

 E veio a baixada do rio Abaeté. Um declive sinistro de quatro quilômetros até a ponte que passa sobre o rio com mesmo nome. Depois da ponte, um aclive, mais sinistro ainda, de quatro quilômetros. Tudo que desce, sobe, incluindo bicicletas. O rio Abaeté é um dos principais afluentes do rio São Francisco naquela região. O principal é o rio das Velhas. Vencida a subida do Abaeté, pedalei pelo topo da chapada que separa o Rio Abaeté do Rio Curral das Éguas. Nesse ponto muito alto, está localizado o DTCEA-TRM (DESTACAMENTO DE CONTROLE DO ESPAÇO AÉREO: TRÊS MARIAS), no km 452. Três Marias foi escolhida para receber a instalação deste destacamento como ponto geográfico estratégico. Minas Gerais, na região Sudeste, está muito perto da área desta jurisdição, e tem a ajuda dos equipamentos para que as aeronaves que vão em direção a Brasília, Belo Horizonte possam receber cobertura no entorno de 400 km, em redor de Três Marias.

  Passado o acesso ao DTCEA-TRM, veio uma forte descida até o Córrego Curral das Éguas. Passada a ponte, forte subida até o topo de outra chapada, que separa o Curral das Éguas do Rio São Francisco. Lá de cima, avistei o lago formado pelo barramento do rio São Francisco, que deu origem ao reservatório (1.240 km2 - três vezes maior que a Baía da GB) da UHE de Três Marias, administrada pela CEMIG. O lago da hidrelétrica armazena, quando está no volume máximo, 21 bilhões de m3, (três vezes maior que o volume de água da Baía da GB).


Foto: Fernando Mendes.

Começou uma forte descida, que passa pelo Hotel Fazenda Tia Dora e termina na ponte sobre o Velho Chico. O rio divide os municípios de São Gonçalo do Abaeté (MG) e Três Marias (MG). Eram 17h 30. Não foi possível ver o pôr do sol Havia muitas nuvens no poente. Escureceu rapidamente. 

 Atravessei a ponte sobre o São Francisco desembarcado e empurrando a bike. Não há acostamento nem passagem para pedestres. Terminada o cruzamento da ponte, avistei a CMM (Cia. Mineira de Metais – km 284), pertencente ao Grupo Votorantim, planta industrial edificada em 1956 e cujo carro chefe é a produção de zinco eletrolítico. A energia elétrica ofertada pela UHE Três Marias e a matéria prima (zinco) localizada em Vazante (MG), distante 300 quilômetros de Três Marias, foram determinantes para a instalação da CMM naquele município do Alto São Francisco.

 Um quilômetro após a CMM abandonei a BR-040 e ingressei na via de acesso ao Hotel Grande Lago, que fica na área interna do Acampamento da CEMIG.

 Eram 18h 15. Foram 139 quilômetros percorridos em 9 horas e 15 minutos, com média de 15,1 km/h. Foi um dia e tanto. Belas paisagens e gostosas recordações. Jantei em companhia do José César, superintendente da Usina e um dos grandes amigos que tenho por aquelas bandas. O peixe estava delicioso e a conversa, muito agradável, foi até tarde.

 Quando me deitei para dormir o sono dos justos, repassei todas as etapas daquele dia. Era o quarto dia de viagem. Desde a saída de casa, percorri 480 quilômetros. Fazer Brasília Três Marias (MG) de bike era uma meta, agora realizada. 

 O represamento que deu origem ao Lago da Represa de Três Marias (MG), no Alto São Francisco, foi realizado pela Codevasf (Cia. de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e Paranaíba), em 1957. Na época, a Cia. chamava-se SUVALE. O objetivo era armazenar a maior quantidade possível de água na região do Alto São Francisco para garantir o abastecimento das populações que vivem no Médio e Baixo cursos, localizados em área de clima semiárido no Nordeste do Brasil. Dessa forma, o represamento foi um sucesso, pois garantiu para as regiões rio abaixo (a jusante) de Três Marias um tirante (volume) mínimo de água à geração de energia elétrica, à navegação e à irrigação. A vida da região Nordeste mudou significativamente após a construção da Barragem de Três Marias.

O Nordeste brasileiro tem oito usinas hidrelétricas (Paulo Afonso I, II, III e IV, Sobradinho, Xingó, Apolônio Sales e Luiz Gonzaga ou Moxotó) e grandes projetos de irrigação no sertão (Petrolina - PE e Juazeiro – BA) graças à perenidade do Rio São Francisco. Perenidade conseguida com o armazenamento de água na Represa de Três Marias (MG).

Em 1961, a Cemig (Cia. Energética de MG) aproveitou-se daquele colossal volume de água represado e construiu a Usina Hidrelétrica de Três Marias, inaugurada em 1962 (1ª etapa) e 1966 (2ª etapa).  NDA.


5º dia: 3 Marias a Morada Nova de Minas (MG). 88 km.

Acordei às 9 horas. Saí da cama, mas a vontade era de dormir o dia todo. Comecei os preparativos para aquele 13/07, 1º dia de Lua Cheia. Depois de tomar um farto café da manhã, deixei o Acampamento da Cemig. Eram 10h. 

O sol apareceu entre muitas nuvens. Um mormaço abafava o ar. Ingressei na BR-040 pegando uma forte subida de três quilômetros até o Posto Mar Doce, de onde é possível avistar a Represa de Três Marias. Saquei $$$$ no caixa do BB e segui em frente. Apenas 88 quilômetros separam Três Marias (MG) de Morada Nova (MG). Os primeiros 32 quilômetros foram percorridos na BR-040 e o restante em estrada de terra (MG-415) até Morada Nova, com travessia de balsa, pois um braço da represa atravessa a (MG-415). Aparentemente seria um dia tranqüilo. Com um trecho tão curto, chegaria a Morada Nova (MG) antes de Sol se pôr. Mas minhas previsões não se confirmaram.

 Após deixar o Posto Mar Doce, passei pelo Hotel Náutico Três Marias a minha direita e, logo a seguir, pela Polícia Rodoviária, que fica em frente ao trevo de acesso a [desconhecida] Andrequicé (MG), Corinto (MG) e Diamantina (MG). Desse trevo para frente, a estrada piorou muito. Asfalto gasto e cheio de remendos. O acostamento não está em estado melhor. O ar abafado e as condições ruins do piso foram me atrasando. Sentia a bicicleta pesada. Não parecia a mesma dos dias anteriores. A viagem não estava rendendo. Tive que andar muito devagar. Acostamento péssimo. Quando passava para a estrada, a coisa piorava. O pneu traseiro furou. Custei encontrar uma sombra para realizar a operação de substituição da câmara furada pela reserva.

 Não pedalei dez quilômetros e o pneu traseiro furou. Novamente a operação de substituição foi repetida. As duas câmaras reservas foram usadas. Não poderia seguir para Morada Nova desprevenido. 

Foi preciso parar em um posto com borracharia para remendar os furos nas duas câmaras de ar. O Posto Planalto fica três quilômetros depois do trevo de acesso a Morada Nova, atingido às 13h. Havia pedalado 22 quilômetros em 3 horas. Que vergonha. Também pudera, estrada ruim e dois pneus furados. Para completar a uruca do dia, quando terminei a operação de troca do segundo pneu furado, não verifiquei se havia recolhido as ferramentas – talvez pela pressa - e a bomba de encher o pneu ficou para trás, esquecida no acostamento. 

Constatei essa falha quando cheguei ao Posto Planalto. Não foi possível voltar. Atrasaria-me e poderia perder a balsa das 17h para atravessar a represa. Se perdesse, poderia fazer a travessia às 18h. Isso seria impossível, uma vez que o Sol de inverno, naquelas bandas, se põe por volta das 17h 45, e da balsa até Morada Nova são nove quilômetros na terra. Era preciso aproveitar a luz natural para não pedalar à noite por uma estrada de terra, deserta e desconhecida.


Pôr do Sol na Represa de Três Marias. 
Foto: Fernando Mendes.

Enquanto o borracheiro remendava os furos, assisti ao 2º set do jogo Brasil X Sérvia Montenegro, pela Liga Mundial de Vôlei. Deixei o Posto Planalto às 14h 30. Voltei três quilômetros para alcançar o acesso a Morada Nova. Ingressei na estrada de terra (MG-415), com costelas de vaca no centro e areia muito fofa nas laterais. Nessas condições, pedalei 12 quilômetros até a balsa. Eram 16h 30.


Foto: Fernando Mendes.

Alguns veículos, incluindo caminhões boiadeiros e ônibus da Viação Sertaneja, esperavam pela embarcação. Todos a bordo, partimos rumo a margem oposta. Eram 17h. Foi possível perceber que a balsa desviava-se muito por causa do vento lateral, descrevendo uma parábola. A travessia, normalmente feita em 15 minutos, durou trinta.

 Enquanto o flutuante seguia na direção oeste, o Sol, entre nuvens, deslizava mansamente para o horizonte, bem a minha frente. Quando a prancha localizada na proa foi arriada e tocou a margem, tratei de sair rapidamente. Havia um fiapo de claridade no oeste, que não durou muito tempo. Pedalar à noite era tudo o que eu não queria.

O manto da noite baixou rapidamente. Fui pedalando devagar como se estivesse sobre um tapete de ovos. Não enxergava muita coisa e as costelas de vaca me faziam sacolejar bastante. Quando parei para verificar os apertos da cinta que prende a mala à garupeira, tomei um baita susto. Como pedalava no rumo oeste, que ainda apresentava uma tímida claridade pós pôr do sol, às minhas costas, uma luz muito forte se desenhava no leste. Em meio ao forte estresse causado pelos sucessivos entraves que me atrasaram naquele dia, havia me esquecido: era o primeiro dia de Lua Cheia.

 Órfão naquele fim de mundo, minha visão foi, aos poucos, se acostumando à escuridão e no único lance de sorte daquele domingo 13, foram os quilômetros finais iluminados pelo satélite natural da Terra.

 E me vi diante de uma bifurcação, sem a respectiva sinalização indicativa de direção. Ela não aparece nos mapas que consultei. O que fazer?

 Parei e respirei fundo. Pelo mapa, consultado inúmeras vezes durante a preparação da viagem, constatei que a proa geral para alcançar Morada Nova de Minas (MG) era oeste. Orientei-me pela Lua, que se erguia a leste, às minhas costas. Segui em frente. A outra opção seguia para o norte. 

Mantive-me na direção oeste e Morada Nova (MG) não tardou a aparecer, iluminada, ainda distante, mas era ela. Pude ratificar que meus instintos de orientação não estavam errados, quando apareceu uma placa informando Morada Nova de Minas a cinco quilômetros. Eram 19h 40 quando o piso da estrada mudou, repentinamente, de cascalho para paralelepípedos. Consegui chegar.

 A cidade é muito pequena. Havia poucas pessoas nas ruas. Sendo tão pequena, não demorei a encontrar o Hotel Halley, muito fraquinho, mas nas condições que eu me encontrava, não podia me dar ao luxo de reclamar.

Vista Aérea de Morada Nova de Minas (MG).
Foto: https://mapio.net/pic/p-8367770/>. Acesso: 31/07/2003


Morada Nova de Minas localiza-se nas coordenadas geográficas 18º 11’ 9" e 18º 13’ 4" de latitude Sul – S e 45º 10’ 44" e 45º 38’ 32" de longitude Oeste –W, região do Alto São Francisco e possui uma área de 2.034,94 km2, sendo 550,94 km2 (1/4 do município) de área alagada por ocasião do enchimento do Lago da Represa de Três Marias. A cidade fica a 260 km de distância de Belo Horizonte e a 570 km de Brasília. Tem 6.747 habitantes, distribuídos assim: a zona rural tem 1.935 habitantes e a zona urbana tem 4.812 habitantes.

 Depois de um merecido banho – estava de poeira até a alma – saí para jantar. Pareceu-me que a população do lugarejo dorme com as galinhas. Estava tudo fechado. Por sorte encontrei um pequeno restaurante, que me serviu arroz, feijão e ovo. Era o que tinha. Foi uma janta deliciosa. Ao retornar para o hotel, reparei que as poucas ruas são muito arborizadas por amendoeiras. Como os postes da iluminação pública ficam bem acima dessas árvores, o sombreamento é grande, o que torna as ruas escuras. Quando ventava, as sombras dançavam no chão. Ruas vazias e mal iluminadas. Paisagem fantasmagórica.

 Chegando ao hotel, fui para o apertado quarto do Halley. A bicicleta muito suja estava me deixando incomodado. Coloquei-a, com alguma dificuldade, dentro do espremido banheiro, desmontei-a e lavei-a. Ficou limpinha. 

No dia seguinte, ao deixar o hotel, não pude deixar de constatar o olhar de curiosidade do dono do Halley, que viu a bike chegar imunda e saiu brilhando. Será que suspeitou que transformei o banheiro em lavo a jato?  

     
               6º dia: Passeios Morada Nova de Minas (MG).

Após café da manhã na padaria, fui à Pousada Recanto das Buganvílias, que fica a seis quilômetros da cidade, às margens da represa de Três Marias, em um local muito aprazível. Deveria ter pernoitado nela, mas como cheguei à noite, preferi hospedar-me no Halley. Os chalés são bem distribuídos por uma área muito arborizada e próxima à praia de água doce criada pelo represamento do São Francisco. Era o único hóspede.

 A proprietária imaginou que eu desistira. Ir de Brasília (DF) a Morada Nova de Minas (MG) pedalando não é muito comum. Como não apareci no dia marcado, ela pensou que não chegaria mais. 

Mas cheguei pela manhã, após pernoitar no Halley. Acomodei-me no chalé mais distante, pois vi um canil ao lado da recepção. Latidos de cachorros me incomodam profundamente. Arrumei as minhas tralhas no quarto e decidi sair para conhecer Morada Nova de Minas (MG).

 A cidade é pequena e o braço da Represa de Três Marias, que atingiu o município, é pouco expressivo, não proporcionando a beleza esperada. As cachoeiras que tomei conhecimento pela Internet localizam-se em fazendas nas cercanias da cidade, todas de difícil acesso e por estradas precárias.

Almocei no Downtown e retornei à pousada por volta das 13h, após caminhada de seis quilômetros. Dormi até às 17h. Coisa boa é dormir à tarde.

 À noite, sob a luz do luar, caminhei seis quilômetros e voltei à cidade. Em um trailer localizado na Praça da Igreja Matriz Nossa Senhora do Loreto degustei um cheese de pernil ou como estava escrito no cardápio “X-Pernil”. Problemas de grafia à parte, o sanduíche estava uma delícia. Para arrematar, sorvete cascão de flocos na sobremesa. Havia movimento na pracinha. Avistei algumas pessoas que caminhavam e outras que andavam de bicicleta. Cavalos também são muito usados como meio de transporte, mas as bicicletas predominam.

 Por volta das 21h, a cidade adormeceu. Enquanto caminhava pelas ruas voltando para a pousada, não avistei ninguém. Nem os cães de rua. Caminhei pela avenida principal pisando nas sombras das amendoeiras que, agitadas por um leve vento cruzado norte, bailavam no asfalto. 

Quando a avenida principal acabou, dando lugar a uma estrada de terra, a iluminação pública ficou para trás e adentrei na escuridão. A Lua Cheia travava uma luta para se livrar das espessas nuvens, emitindo tímidos raios de luz, que me indicavam o caminho da pousada. 

 O silêncio era quebrado pelo barulho dos meus passos sobre o cascalho da estrada. E diante daquele espetáculo silencioso, senti como férias fazem bem à mente, ao corpo e à alma. Não precisa ser em Londres, NY ou Paris. Pode ser na região do Alto São Francisco, e viajando de bike. Sentia-me muito bem por estar ali, por ter planejado mais uma aventura, executando-a, etapa por etapa, conhecendo lugares e revendo outros.

 Fiquei até muito tarde na varanda do chalé lendo “A Guerra na Palestina”. Quando o vento soprou mais forte e senti a temperatura cair, entrei e dormi sob um silêncio maravilhoso. 

Sem alarmes de carros que disparam no meio da madrugada e o único que não ouve é o dono, cachorros latindo altas horas da noite, carros com som alto, motos com escapamento furado, o telefone do vizinho que toca mais alto do que o da minha casa e tantos outros sons urbanos, ausentes naquele lugar. Embora não tenha feito nenhum passeio, o dia em Morada Nova de Minas (MG) foi exclusivamente para descanso. Do físico e dos ouvidos.


   7º dia: Morada Nova (MG) a D. Indaiá (MG). 139 km.

Acordei ao som da passarada. Pela fresta da janela entrava um pouco de luz. Mais um dia radiante, com céu azul, poucas nuvens e temperatura amena. Típico do Brasil tropical no inverno, nas áreas interioranas do Sudeste e do Centro-Oeste. Fiz os alongamentos, tomei um bom café da manhã. 

Às 9h deixei a pousada, situada em local tão aprazível e rumei para a cidade de Luz (MG), distante 160 quilômetros, trecho que pretendia percorrer em, no máximo, 8 horas, pois o trajeto tem estradas em bom estado de conservação.

 Atravessei Morada Nova de Minas (MG) e segui pela MG-415. Passei pelo través de Biquinhas (MG) e, logo depois, Pindaíba (MG), atingidas, respectivamente, às 10h 30 e 11h. Nessa última parei para alongar-me, tomar água e refazer os cálculos. Desde a saída de Morada Nova (MG), o traçado da rodovia mostrou-se com muitos aclives e declives e poucos trechos planos. A média estava caindo.





Fotos: Fernando Mendes.

 A partir de Pindaíba (MG), mais 18 quilômetros, passei por Paineiras (MG), atingida às 12h 30. Nesse ponto, a numeração da rodovia mudou de MG-415 para MG-080 e Abaeté (MG) foi o meu próximo destino, alcançada às 14h 30, após pedalar 34 quilômetros. Fui a uma lanchonete, localizada no centro, e bati um suculento sanduíche de frango.

 Abaeté (MG) é próspera. O ambiente é bem rural e a agropecuária é o forte do lugar. Faltavam 47 quilômetros para chegar a Dores do Indaiá (MG). Segundo me informaram, o trecho é muito acidentado e com subidas fortes. Previ fazê-lo em três horas, o que me obrigou a mudar os planos e pernoitar em Dores do Indaiá (MG), pois com aquela média tão baixa, devido aos aclives, não alcançaria Luz (MG) com dia claro. 

 Deixei Abaeté (MG) às 15h e pedalei 23 quilômetros até Quartel General (MG), trajeto feito em 1h e meia. Eram 16h 30. Faltavam 24 quilômetros para Dores, percorridos em 1 hora e meia e assistindo ao sol baixar rapidamente no oeste, sentindo a temperatura cair e prevendo chegada para às 18h. Bingo! Às 18h, ao som dos sinos de uma das igrejas da comarca local, anunciado a hora da Ave-Maria, desci a rua principal e hospedei-me no Hotel Avenida.

 Terminei o dia 15 de julho com uma deliciosa janta e algumas latinhas de Skol. Havia pedalado 708 quilômetros desde a saída de Brasília (DF). Faltavam 892 quilômetros para chegar [de volta] à minha casa. 

Como não consegui atingir Luz (MG) naquele dia, registrava um atraso de 36 quilômetros. Se quisesse alcançar Araxá (MG) no dia seguinte teria que pedalar 36 quilômetros até Luz (MG) e mais 150 quilômetros de Luz (MG) a Araxá (MG), totalizando 186 quilômetros, conforme planejamento de viagem, à terra de Ana Jacinta de São José, conhecida como Dona Beija

ARAXÁ, palavra derivada do idioma tupi-guarani, significa "lugar de onde se vê o sol em primeiro lugar".

 Essa missão pareceu-me impossível por dois motivos: (I) levaria umas 12 horas para percorrer, pela BR-262, a etapa Luz (MG) - Araxá (MG); (II) a serra da Canastra, nascente do rio São Francisco, atravessa perpendicularmente a BR-262 no município de Córrego Danta (gentílico córrego-dantense) tendo uma subida de 24 quilômetros. 

Optei por pernoitar em Campos Altos (MG), distante de Dores do Indaiá (MG) 112 quilômetros. Isso me possibilitou dormir mais tranquilo.


8º dia: D.Indaiá (MG) a Campos Altos (MG). 112 km.

Foto: Fernando Mendes.

No dia seguinte, logo após o café da manhã, deixei Dores do Indaiá (MG) às 8h 30. Peguei a MG-176, pedalando sem parar os 36 quilômetros até Luz (MG) em 3 horas. Não passei por nenhum trecho plano. Apenas declives e aclives. Acabava um, vinha outro. Por isso a média tão baixa, apenas 15,6 km/h.


Foto: Fernando Mendes.

A rodovia MG-176 termina no entroncamento com a BR-262. Contornei o trevo pelo lado direito e ingressei na BR-262. Parei, em seguida, no Posto Monte Líbano. Devo ter tomado um litro de suco de goiaba. 

De Dores do Indaiá (MG) a Luz (MG) não há postos ou bares ou qualquer outro estabelecimento que vendesse água. Pedalei a seco por quase 3 horas. Sobrevivi. 

Às 12h deixei o Monte Líbano e voltei à BR-262. Foi a primeira vez que pedalei por essa Rodovia Federal. Faltavam 63 quilômetros para Campos Altos (MG), local do pernoite daquele dia 16/07.

 Os primeiros 20 quilômetros foram fáceis. Uma reta a perder de vista. O vento era calmo e não atrapalhou. A partir do trevo de acesso a Córrego Danta (MG), avistei uma enorme placa no alto de um barranco que informava o trecho de serra à frente, bastante longo e sinuoso. 

Alertava quanto à baixa velocidade a ser desenvolvida e ao alto índice de acidentes. E comecei a subir. Tem 3ª faixa e acostamento. À medida que ascendia, a paisagem lá embaixo ia ficando mais bonita. O céu com poucas nuvens dava o retoque final. 

Embora a vegetação estivesse muito seca, semelhante à palha, a beleza da Canastra é magnífica. Parava para algumas fotos e seguia subindo. Lá no alto foi possível ver os carros, miniaturas que continuavam a “escalar” a serra.

 Os fortes aclives são intervalados por pequenos declives, isso evita forçar o motor na subida e torna a descida menos perigosa, principalmente para quem é chegado numa “banguela”. 

Depois de 2 horas, venci os 24 quilômetros de subida da serra da Canastra e cheguei ao entroncamento com a BR-354. Devo ter subido uns 700 metros ou mais. Faltavam 24 quilômetros para Campos Altos (MG). Conforme o nome sugere, é uma cidade localizada a uma grande altitude.

 Mais tarde, ao consultar o Guia de Viagens, suspeitas confirmadas: Campos Altos (MG) fica a 1.100 m de altitude. Foi um dia de muitas subidas, mas vencidas sem maiores dificuldades. Elas fazem parte do passeio. Eram 17h 50 quando abandonei a BR-262 e, à esquerda, ingressei em uma estrada vicinal, muito estreita e com asfalto áspero, indo parar no centro da cidade. 

Campos Altos (MG) é muito pequena, porém limpa e com aspecto de pacata. Os prédios e as casas são velhos e mal conservados.

 Não encontrei dificuldades para hospedar-me. O hotel fica no alto de uma ladeira da qual se avista boa parte da cidade. 

Após o banho, ouvi um apito forte, alto e inconfundível aos meus pavilhões auditivos: era apito de trem. Fui à janela e avistei um comboio de cargas atravessando a cidade. Desci rapidamente e fui à estação. 

O trem da FCA (Ferrovia Centro-Atlântico), carregado de combustível e com pelo menos 40 vagões, encontrava-se parado, contrastando com a pequena estação local que, outrora, deve ter sido ponto de muitos embarques e desembarques. 

Hoje as cargas reinam absolutas. Aos passageiros de hoje, restou a opção rodoviária. Que lástima!

 Sempre gostei de ver grandes ou pequenos comboios de trens atravessando cidades ou manobrando nas estações. Quando era criança, lembro-me que fui a Itaperuna (RJ) e lá fiquei na casa do Geraldo, amigo do meu tio Haroldo, dos tempos em que, ambos, Pracinhas da F.E.B, combateram as tropas nazifascistas na Itália, entre 1944 e 1945, durante a Segunda Guerra Mundial. 

A casa do Geraldo ficava em frente à linha do trem, que naquela ocasião (1969) atravessava toda a cidade de Itaperuna (RJ). Ficava na varanda, comendo doce de leite e vendo as manobras das antigas locomotivas da falecida RFFSA, com a inconfundível pintura vermelho e amarelo. Hoje essa linha está desativada, assim como todo o ramal que atendia Itaperuna e a região do Noroeste Fluminense.

 A linha que atravessa Campos Altos (MG) vem de Volta Redonda (RJ), passa por Quatis (RJ), Passa Vinte (MG), Andrelândia (MG), Lavras (MG), Formiga (MG), Arcos (MG), Iguatama (MG), Campos Altos (MG) e segue na direção do Triângulo Mineiro e Brasília (DF). Como seria interessante ter trens de passageiros nesse trajeto.

 Enquanto observava a operação de engata/desengata vagão, saboreava um delicioso espetinho de carne de porco com Skol. Que maravilha. Fui jantar mais tarde. A temperatura caia. Quando voltava do restaurante, o termômetro do meu relógio marcava 12ºC. Pela primeira vez usei casaco na viagem.



Estação Ferroviária Campos Altos (MG). Foto: Fernando Mendes. 

Estação Ferroviária Campos Altos (MG). 
Foto: Fernando Mendes.

     9º dia: Campos Altos (MG) a Araxá (MG). 95 km

Acordei com o apito do trem. Eram 7h e o sol inundava o quarto, cujas janelas estão viradas para o leste.  Até Araxá (MG), 95 quilômetros. Aparentemente moleza, mas não foi. Ventou muito naquele 17/07 e como acontece em 99% dos casos, o vento foi contra. 

Deixei Campos Altos (MG) um pouco antes da 9h. Comprei um extensor novo na loja de motos e parti. Entrei na BR-262 e tomei a proa oeste. O sol ficou às minhas costas. 

Foto: Fernando Mendes.

 A temperatura era de 15ºC, agradável para início de viagem. Parei no Posto Xodó, na saída de Campos Altos (MG). Renovei o estoque de água e parti, pretendendo fazer os primeiros 30 quilômetros, até à pequena Tobati (MG), em, no máximo, 1h e 15 minutos. Não foi possível por causa do vento. Demorei duas horas. Mais oito quilômetros e ingressei no município de Ibiá (MG). Parada numa pamonharia à beira da estrada. 

 Comi uns quitutes e segui. A temperatura era um colosso, o vento não. De Ibiá (MG) a Araxá (MG), são 46 quilômetros sem apoio. Não há postos de serviços, biroscas, pé sujo, enfim, nada. A dona do estabelecimento me alertou acerca da falta de apoio e isso me fez comer mais um pouquinho e comprar mais água. Fiz o restante do trajeto daquele dia 17/07 em 3 horas, chegando à entrada de Araxá (MG) às 16h 30.

 Hospedei-me na Pousada do Avestruz, às margens da BR-262. Quando entrei no estacionamento da pousada, fui recepcionado por uma cadela boxer e um macho vira-lata, que partiram para cima de mim. Não corri. Conforme li fiquei parado, afinal o intruso ali era eu. O território é deles. 

Fiquei parado e eles cheiraram tudo, fizeram xixi no pneu da bicicleta e se acalmaram quando a dona chegou e disse: “eles são assim mesmo. Adoram visitas”. A fêmea de boxer começou a me seguir. Fui empurrando a bike para evitar nova fuzarca. Parei na recepção, preenchi fichas, peguei as chaves do chalé e dirigi-me ao quarto. E a cadela atrás de mim. Abri a porta, entrei e ela ficou do lado de fora. 

 Quando, mais tarde, saí para jantar, ela estava lá. Deitou de barriga para cima, urinou-se toda, choramingou e segui-me até a lanchonete, localizada ao lado da pousada. Quando terminei o lanche, ela voltou para a pousada comigo e passou a noite toda na varanda do chalé.

 Fez frio à noite. Por volta das 23h, quando saí para dar uma volta e apreciar a noite estrelada (sempre acompanhado pela cadela) observei o termômetro. Marcava 10ºC.

 Noite mais fria desde a saída de Brasília (DF). Dormi com casaco e cobertor. Coisa rara de acontecer. Antes de deitar-me, decidi que não iria passear pela cidade de Araxá. Ao acordar, o melhor seria ir para Nova Ponte (MG), a 122 quilômetros de distância. E assim foi feito. 

 


            10º dia: Araxá (MG) a Nova Ponte. 122 km.

Pela manhã, enquanto arrumava as minhas coisas, a cadela arranhava a porta do quarto. Tomei café e ela veio acompanhando-me até à beira da rodovia. De lá voltou. Na BR-262, pedalei por 12 quilômetros sob um ar gelado que endureceu os dedos. Fui até o trevo de acesso a Nova Ponte (MG) e Uberlândia (MG). Nesse ponto, abandonei a BR-262 e passei a pedalar pela BR-452, que liga Araxá (MG) ao Triângulo Mineiro, passando por Nova Ponte (MG), meu destino naquele dia 18/07, uma sexta-feira. Fazia 10 dias que estava viajando. Tive a impressão de estar fora de casa há mais tempo.


Foto: Fernando Mendes.


Uma placa indicava Perdizes (MG) a 50 quilômetros. Nova Ponte (MG) 117 quilômetros. “Até Perdizes não há postos de serviços e a estrada tem muito sobe e desce”, falou-me um nativo que esperava condução em ponto de ônibus à beira da estrada. Agradeci a informação e fui em frente. Estava bem abastecido com água. Mas a temperatura que caiu rapidamente à noite subiu abruptamente durante o dia. Fez calor e a água acabou a 15 quilômetros do primeiro posto.

 As subidas eram fortes e longas até que, de repente, uma planura maravilhosa, com uma reta a perder de vista. Logo surgiu um posto à minha direita, o Posto Perdizes. Fiz uma parada de 30 minutos. Tomei muita água, alonguei-me e esperei a temperatura corporal cair. Parecia verão. Fazia muito calor. 28ºC à sombra. Sob o sol e pedalando, sensação devia beirar 34ºC.

 Eram 12h quando retornei para a estrada. “Nuuuuuuuuu, os próximos 53 quilômetros, só reta sô!” falou-me o funcionário do posto que me atendeu no balcão. Ficou impressionado quando lhe disse ter vindo de Brasília (DF) até Araxá (MG) e voltar para a Capital Federal via Uberlândia (MG). “Caboquinho animado sô!” “Ô trem custoso viajar de bicicreta”. Curiosa a maneira como os nativos, dos mais diferentes lugares deste País, se manifestam. 

Por volta das 15h, completei o milésimo quilômetro pedalado desde a saída de casa. Como não ventou naquele dia, estimei fazer os 53 quilômetros de reta em 2 horas e pouco. Mas comecei a espirrar. E espirrei, espirrei a ponto de parar. Foi quando comecei a sentir calafrios, sintomas característicos de gripe à vista. Mesmo sob sol forte, tremia e espirrava. Era gripe, e das fortes.

 Parei em Santa Juliana (MG), uma pequena cidade às margens da BR-452. Fui à farmácia local. Adquiri uns comprimidos para gripe. Faltavam 40 quilômetros para Nova Ponte (MG), cidade novinha em folha. A antiga ficou sob as águas do rio Araguari, quando a Cemig represou-o para construir mais uma usina hidrelétrica, a Usina de Nova Ponte. 

O represamento do rio Araguari alagou uma área de mais de 800 km2, submergindo a cidade. O governo federal remanejou a população para outro local e construiu outra cidade, Nova Ponte.

 Quando essa grande reta acabou, veio uma curva à esquerda muito aberta e uma forte descida. Foi possível avistar o lago da represa. Belíssima paisagem que mereceu algumas fotos, principalmente a ponte sobre o lago, com 2.000 metros de extensão, um colosso.

Fotos: Fernando Mendes



 Eram quase 17h. O Sol estava quase no horizonte. Voltei a espirrar e a ter arrepios de frio. Precisava chegar logo ao hotel e tomar um banho bem quente. Às 18h entrei no Hotel Nova Ponte, localizado na vila na qual os funcionários da Cemig moram. No mesmo estilo de Três Marias. Pedi uma pizza, que demorou mais de uma hora para chegar.

 Tomei banho e medi a temperatura. Era de 39ºC. Estava com febre. Era preciso baixá-la ou terminar a viagem por ali mesmo. Tomei os comprimidos que comprei em Santa Juliana e cochilei enquanto aguardava a pizza. Ao acordar, senti-me um pouco melhor. Comi tudo, sinal de que o apetite estava bem. Voltei a dormir. 


11º dia: Nova Ponte (MG) a Uberlândia (MG). 118 km.

Acordei às 9h do dia 19/07, sábado, sem febre, sem espirros e sem calafrios. Tomei café no hotel e fui conhecer a UHE de Nova Ponte, com capacidade de geração de 510 MW. Uma senhora obra de engenharia. 


UHE Nova Ponte, no Rio Araguari.

Quando retornei ao hotel, peguei minhas tralhas e rumei na direção de Uberlândia (MG). Entrei na estrada ao meio-dia. Tive pela frente 118 quilômetros, a maior parte do percurso tem grandes retas e muitos buracos na primeira meia-hora de viagem. Trafegava pela BR-452 desde o dia anterior, quando abandonei a BR-262, em Araxá (MG).



Rio Claro. Foto: Fernando Mendes.

Ao atravessar uma ponte sobre o rio Claro, um barulho de cachoeira chamou-me à atenção. Parei no minúsculo acostamento sobre a ponte e olhei para baixo. Que maravilha! Várias corredeiras que terminam em uma pequena cachoeira. A água é muito clara, daí o nome do rio. Outras pessoas também contemplavam o lugar. Um carreteiro que viajava com a família (mulher e um garoto de 10 anos) parou o caminhão frigorífico da Perdigão para o filho tomar banho. Acostumado a passar por aquela estrada, o motorista falou-me que no verão o local é bastante concorrido. Não arrisquei um mergulho. A água estava gelada e a gripe poderia se manifestar. Tirei belas fotos com um magnífico contraste entre o céu azul e as águas claras do rio Claro.

 Voltei à estrada e continuei pedalando na direção de Uberlândia (MG). Era preciso chegar a tempo de ver o jogo Fluminense X Santos. Parei na pequena Tapuirama (MG) para esticar as costas e as pernas. Tomei um delicioso suco de goiaba em uma pequena barraca ornamentada com frutas. O dono também é viajante em duas rodas, mas de moto. Disse-me ter percorrido a América do Sul de ponta a ponta, de Maracaibo, na Venezuela a Ushuaia, na Terra do Fogo, Argentina. Falei das minhas viagens e ele gostou do jeito da minha bike, com guidão alto. Ele fez o mesmo na moto dele, estacionada ao lado da barraca de frutas.


Foto: Fernando Mendes.

 Voltei a pedalar após essa parada de 30 minutos. Faltavam 50 quilômetros para Uberlândia (MG). Eram 16h. O jogo do Fluminense estava começando. Avistei um pequeno bar à beira da estrada. Vi uma antena no teto. A televisão devia estar transmitindo o jogo do Flu. Parei, entrei e perguntei. Fluminense 1 x 0 Santos. Maravilha. Quando cheguei ao hotel, o Santos vencia por 4 x 1. Sem comentários.

 A 20 quilômetros de Uberlândia (MG) avistei as primeiras indústrias e os grandes silos para armazenagem de grãos. Não faz muito tempo, 80% da população brasileira vivia no litoral. Hoje, com a saturação das grandes cidades à beira-mar, os brasileiros estão mudando-se para o interior. Uberlândia (MG), Uberaba (MG), Palmas (TO), Campina Grande (PB), Catalão (GO), entre tantas cidades interioranas do Brasil, não param de crescer, contrastando com as metrópoles estagnadas e saturadas. Segundo o IBGE, 60% dos brasileiros estão no litoral, contra 40% no interior. Está quase empatado. 

 Isto é resultado da integração territorial no Brasil, que está introduzindo outra configuração da urbanização, aumentado o número de cidades, locais e centros regionais que tendem a crescer com taxas de urbanização maiores que as das metrópoles. Na última década do século XX, a região Sudeste perdeu a primazia do crescimento populacional brasileiro. As regiões Norte e Centro-Oeste são as que detiveram os maiores percentuais de crescimento populacional: 2,86% e 2,37% respectivamente, contra magro 1,6% do Sudeste. 

 A média nacional de crescimento populacional entre 1991 e 2001 foi de 1,63%. O Sudeste ficou abaixo da média nacional. A Marcha para o Oeste, nascida durante o Estado Novo de Vargas e a colonização da Amazônia, estão mais vivas do que nunca.

 Às 17h 30 abandonei a BR-452 virando à direita e ingressando na BR-050, que vem de SP, passa por Uberlândia e vai até Brasília-DF. Às margens da BR-050 está o Hotel Umuarama, local de pernoite daquele sábado, dia 19 de julho. Para Brasília faltavam 400 quilômetros. O Hotel fica atrás de vários postos de abastecimento, de forma que não precisei caminhar muito para jantar. Fazia as refeições da noite sempre depois da 20h, para assistir ao JN e manter-me informado.

 Depois de comer bem, saí para caminhada pós janta. Caminhar depois de pedalar o dia todo faz muito bem. Os músculos das pernas passam a ser exercitados de maneira diferente, com menos intensidade, o que não deixa de ser uma forma de relaxamento. Caminhei por uma hora. Naquela noite, terminei de ler A Guerra na Palestina. Excelente obra.


   12º dia: Uberlândia (MG) a Catalão (GO). 120 km.

No dia seguinte, domingo, dia 20/07, tive 120 quilômetros pela frente. O meu destino foi Catalão (GO), localizada no próspero sudeste goiano. O trecho é muito acidentado e bastante movimentado. De Uberlândia (MG) a Araguari (MG) são 30 quilômetros, assim divididos: 15 quilômetros de descida até a ponte do rio Araguari e mais 15 quilômetros de subida até a atingir o perímetro urbano da cidade. Como saí de Uberlândia (MG) às 9h, cheguei a Araguari (MG) às 12h. 

 Fiz uma rápida parada no Posto Mineirão e continuei, sem tréguas, até a divisa entre os Estados de MG e GO, feita pelo colossal rio Paranaíba. Após passar a ponte e ingressar em Goiás, às 15h, parei no Posto Fiscal e degustei uma geladíssima Coca-Cola em garrafa de vidro (290 ml) raridade no mercado. Concentrei-me para encarar os 34 quilômetros de subida até Catalão (GO), atingida às 17h. Abandonei a BR-050 e rumei para o Centro da cidade, à procura de um hotel. Hospedei-me no Champion, muito confortável e bem localizado.


Divisa MG/GO. Ponte sobre o Rio Paranaíba.

Divisa MG/GO. Ponte sobre o Rio Paranaíba. BR 050.

Rio Paranaíba. Divisa MG/GO.

À noite fui a um rodízio de massas e programei o passeio do dia seguinte a Três Ranchos (GO), antigo distrito de Catalão com três mil habitantes, localizado a 687 metros de altitude e emancipado em 19/10/1953, por meio da Lei 824.


                13º dia: passeio em Três Ranchos (GO).

À noite fui a um rodízio de massas e programei o passeio do dia seguinte a Três Ranchos (GO), antigo distrito de Catalão com três mil habitantes, localizado a 687 metros de altitude e emancipado em 19/10/1953, por meio da Lei 824.

Pela manhã do dia 21, deixei a bike no quarto do hotel e segui para Três Ranchos de ônibus. São 31 quilômetros vencidos facilmente em 40 minutos. Como era uma segunda-feira, a tranquilidade reinava no lugar, diferentemente dos dias de domingo quando a muvuca é total. No ponto mais alto, foi erguida uma estátua do Cristo Redentor. A vista é belíssima e o verde da água da represa um bálsamo para os olhos. 

Fiz uma longa caminhada margeando parte do imenso reservatório chamado Lago Azul e fui almoçar por volta das 12h. Comi um tucunaré na brasa, matei uma Skol e voltei ao hotel para a sesta da tarde, que foi até à noite. Quando acordei estava escuro. Eram 19h. Como é bom dormir. Voltei ao rodízio de massas e concluí os trabalhos gastronômicos daquela segunda-feira. Antes da 23h entreguei-me à química digestiva e dormi facilmente. 

Por ocasião do represamento do rio Paranaíba para construção da UHE de Emborcação, o lago que deu origem à represa, fica às margens de Três Ranchos (GO) e chama-se Lago Azul. Tem 444 km2 de águas azuis transparentes, sua área excede em quase duas vezes o tamanho da Baía da Guanabara.

Localizado no sudeste do Estado, às margens do Rio Paranaíba, e a 282 km de Goiânia, o local se transformou no mais procurado e bem estruturado balneário goiano. Com sol durante todo o ano, um volume de água que chega a 17,8 bilhões de me profundidade de até 150 metros, as mais de 20 ilhas do lago oferecem um contato com a natureza. A fauna aquática, por sua vez, abriga peixes como tucunaré, pintado, filhote, tambaqui e piampara, além de algumas espécies em extinção.

Essa imensidão de água convida os visitantes a deliciosos passeios de lancha e à prática de esportes. Boiadeiros e viajantes, havendo também um local para pastagem e descanso dos animais. Daí a origem do nome Três Ranchos. As terras férteis nas margens do rio, de excelente qualidade para pastagem, a inauguração da estrada de ferro, o garimpo de diamantes e, sobretudo, as migrações, fizeram com que o povoamento tomasse um grande impulso.

 Em 1948, no dia 19 de dezembro, o povoado foi elevado à categoria de distrito de Catalão. Uma cidade com potencial turístico incomparável, conta com grandes estruturas  formadas    pela   natureza e também é banhada por vários rios de águas cristalinas. Três Ranchos conta com uma diversificada área de lazer, na qual os turistas se divertem com a prática do jet-ski, lanchas e barcos de pesca. 

Disponível em:<https://www.cemig.com.br/pt-br/A_Cemig_202009.pdf>. 

Acesso: 31/07/2003.



14º dia: Catalão (GO) a Cristalina (GO). 185 km.

Acordei cedo. Eram 6h. 185 quilômetros me aguardavam. Essa é a distância de Catalão (GO) a Cristalina (GO), último local para pernoite. Deixei o hotel às 8h pontualmente. Saí pela rua da rodoviária e alcancei a BR-050. O dia estava magnífico. Céu sem nuvens e temperatura de 25ºC. Não ventava.

A primeira parada, após 25 quilômetros pedalados, no Posto Eldorado. Meia garrafa com água mineral e alongamento. Em cinco minutos estava pedalando novamente. Não podia perder um minuto sequer. Pretendia fazer esse longo trecho em 10 horas. Dessa maneira minha chegada à cidade dos cristais estava prevista para as 18h. Pegaria um trecho à noite, pois o Sol de inverno baixa por aquelas bandas por volta das 17h 40.

Pedalei forte por 50 quilômetros, com duas rápidas paradas para água, até atingir Campo Alegre (GO), às 12h. No Posto Xará comprei mais algumas garrafas com água mineral, almocei e pedal para que te quero. Faltavam 100 quilômetros para Cristalina. Poderiam ter sido percorridos em cinco horas, mas o vento não deixou. Era lateral e com rajadas, o mais perigoso, porque desequilibra a bicicleta. O melhor é não arriscar e diminuir a velocidade. A média, até então de 22 km/h, caiu rapidamente para 18 km/h e a previsão de chegada a Cristalina passou para às 18h 30. Pegaria um trecho à noite maior.

Eram 16h quando parei na Pamonharia Sonho Verde. O Sol ainda estava a uma hora e meia do horizonte. Comi um suculento empadão goiano, Coca-Cola na lata e continuei. Faltavam 30 km, com subidas moderadas.

Pôr do Sol na chegada a Cristalina (GO).
Foto: Fernando Mendes.


Parei às 17h 35 para contemplar um belíssimo pôr do sol. Como a minha direção era norte, o astro rei se pôs à minha esquerda, no oeste.

Cheguei a Cristalina às 18h 20 percorrendo os 185 quilômetros em 10h 20, com média de 18,5 km/h.

Hospedei-me no Goyas Hotel e me sentia quase em casa. Faltava um dia ou 135 quilômetros para Brasília-DF. Depois do banho, fui à churrascaria local e bati aquele rodízio regado a muitas cocas e um pudim maravilhoso na sobremesa. O dia estava ganho. Voltei ao hotel e dormi pesado até às 8h do dia seguinte.


     15º dia:  Cristalina (GO) a Brasília (DF). 140 km.

Ao terminar o ritual de alongamento, arrumar as tralhas, passar protetor solar e pagar a conta desci a rua principal de Cristalina e ingressei na BR-050. Dois quilômetros à frente, a BR-050 encontra a BR-040 e a partir daí elas são sobrepostas até Brasília. Fazia 13 dias que passei por esse entroncamento seguindo, pela BR-040 até Paracatu. Era o segundo dia de viagem. Agora estava no 15º dia.

Havia pedalado 1.465 quilômetros. Ventava pouco e o dia estava muito claro. No Brasil Central não chove durante o inverno. Não peguei nenhum dia sequer com tempo nublado ou ameaça de chuvas. O céu esteve limpo o tempo todo, tanto de dia como à noite.

Passei pelo Posto JK à minha direita e rumei para casa, chegando às 16h 15, percorrendo esse último trecho [140 km] em 7h e 15 minutos, o tempo que sempre gasto quando vou e volto de Cristalina. Missão cumprida!

Quando cheguei à minha casa, notei que uma das junções inferior do quadro da bicicleta apresentava rachadura em estado avançado. Em conseqüência deste fato, tive que aposentar a minha Caloi azul, velha companheira de todas as minhas viagens, totalizando, desde 1997, quando a comprei, 20 mil quilômetros percorridos entre passeios em Brasília e viagens pelo Brasil. Comprei um quadro, marca Giant, mas aproveitei quase tudo da Caloi. Instalei suspensão dianteira e freios V-Brake.


Chegada a Brasília (DF). Foto: Fernando Mendes.


15 dias de pedal, 1.1614 km percorridos. Viagem maravilhosa.

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